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Visão sobre a escravidão nos tratados médicos dedicados às doenças dos escravos no império colonial português: o caso do Brasil entre 1735 e 1801

Vision on slavery in the medical treaties dedicated to the diseases of the slaves in Portuguese colonial empire: the case of Brazil between 1735 and 1801

Resumo:

Este artigo tem por objetivo comparar a visão sobre a escravidão em dois livros médicos, que circularam no Brasil colonial, sobre doenças de escravos (um escrito e o outro traduzido por cirurgiões que atuaram em Minas Gerais). O primeiro deles é o tratado médico de Luís Gomes Ferreira, Erário mineral, publicado em Lisboa no ano de 1735. O segundo é a tradução feita em 1801 por Antônio Vieira de Carvalho do manual médico Observações sobre enfermidades dos negros, publicado em Paris em 1776. Ao compará-los será mostrado: 1) que eles são indicadores das maneiras como as relações de produção escravistas foram percebidas na capitania mais rica e urbanizada da América portuguesa em épocas distintas de sua experiência histórica; 2) que houve mudanças significativas entre eles em relação à forma, ao suporte ideológico e ao conteúdo do modo de ver o mundo do cativeiro.

Palavras-chave:
Escravidão; Livros médicos sobre doenças de escravos; Brasil colonial

Abstract:

This article aims to compare the view on slavery in two medical books that circulated in colonial Brazil about slave diseases (one written and the other translated by surgeons working in Minas Gerais). The first of these is the medical treatise by Luís Gomes Ferreira, Erário mineral, published in Lisbon in the year 1735. The second is the translation made in 1801 by Antônio Vieira de Carvalho of the medical manual Observações sobre enfermidades dos negros, published in Paris in 1776. Comparing them will show: 1) that they are indicators of the ways in which slave relations of production were perceived in the richest and most urbanized captaincy of Portuguese America at different times of its historical experience; 2) that there were significant changes among them in relation to the form, ideological support and content of the way of seeing the world of captivity.

Keywords:
Slavery; Medical books of slave diseases; Colonial Brazil

Introdução

A escravidão é uma relação social de produção antiga que predominou nas formações sociais de quase todo o mundo até, pelo menos, o início da era industrial, quando começou a ser desmantelada (Davis, 2001DAVIS, David Brion. O problema da escravidão na cultura ocidental. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.). Um dos lugares em que sua utilização ocorreu em larga escala foi o Novo Mundo, particularmente nos espaços coloniais onde os impérios ultramarinos europeus desenvolveram economias mercantis monocultoras destinadas à exportação. Estima-se que, após as Grandes Navegações, aproximadamente 10 milhões de africanos foram transportados para as colônias americanas, sendo 4 milhões com destino ao Brasil, considerado o maior importador (Klein, 2004KLEIN, Herbert S. O tráfico de escravos no Atlântico. Ribeirão Preto: Funpec, 2004., p. 166; Florentino, 1997FLORENTINO, Manolo. Em costas negras. São Paulo: Companhia das Letras , 1997., p. 23).

Nesse país, muito já foi escrito sobre esse tema depois da consolidação, nos anos 1990, do campo de estudos historiográficos especializado na história da medicina, da saúde e das doenças.1 1 Não será possível fazer uma discussão ou ao menos uma apresentação historiográfica aqui por falta de espaço na revista. Aos interessados, sugiro as duas obras mais recentes que fizeram isso: Eugênio (2016, p. 29-58), e Gomes e Pimenta (2016, p. 271-305). Mesmo assim, ainda há muito a se escrever a seu respeito, devido à descoberta de novas fontes e, no caso deste estudo, à elaboração de novas abordagens que permitem revisitar a documentação já conhecida e a construção de novos objetos.

Para isso, serão utilizados dois tratados médicos já conhecidos, mas que ainda oferecem muitas informações para vários tipos de estudos, como o da visão sobre a escravidão: Erário mineral e Observações sobre enfermidades dos negros. O primeiro deles é o de Luís Gomes Ferreira, escrito a partir da sua experiência em Minas Gerais entre 1711 e 1733, e publicado em Lisboa no ano de 1735 para, segundo seu autor, servir de guia a uma população carente de médicos e cirurgiões.2 2 Sobre esse tratado, apenas os autores reunidos no estudo crítico organizado por Furtado (2002) e Eugênio (2015) tomaram tal obra como objeto de estudos. Embora não tivesse se dedicado exclusivamente às doenças dos escravos, grande parte dele foi a elas dedicada. O segundo é a tradução feita em 1801 por Antônio Vieira de Carvalho do texto escrito por Jean Barthelemy Dazille, durante sua experiência em São Domingos, e publicado em Paris em 1776.3 3 Apenas Eugênio, (2000) e Nogueira, (2012) tomaram esse tratado como objeto de estudo. A pesquisa de Marquese (2004, p. 98-100), embora não se dedique exclusivamente ao referido tratado, devido à natureza de seu estudo (uma tese), que tem uma abrangência temática, espacial e temporal muito grande, também faz uma análise bastante pertinente sobre ele. Essa tradução foi patrocinada pela Coroa como parte dos esforços da revitalização da economia colonial e, consequentemente, da recuperação econômica portuguesa. Ambos foram autorizados a circular no Brasil porque divulgavam informações, didaticamente expostas sob a forma de manual, atestadas pelos órgãos médicos do Reino e consideradas, com base nestes, úteis pelo conselho de ministros para os interesses do Estado e dos senhores de escravos.

Tendo sido publicados em épocas distintas, um em 1735 e outro em 1801, por cirurgiões que atuaram no mesmo espaço colonial, Minas Gerais, uma análise comparativa pode contribuir para ampliar a compreensão da maneira pela qual a escravidão foi neles percebida.

Dessa maneira, o que os manuais médicos em análise dizem sobre a época e a sociedade na qual foram colocados em circulação, especialmente no que diz respeito ao trato com os escravos e a relação entre estes e seus proprietários? O que dizem também sobre a forma como seus autores abordaram esses assuntos e como fundamentaram intelectualmente as suas abordagens?

Suporte teórico

Para analisar os referidos tratados, fontes desta pesquisa sobre a visão da escravidão em Minas Gerais na época colonial, me apoiarei inicialmente na antropologia cultural proposta por Clifford Geertz, na qual ele assume a cultura como teia de significados, ao acreditar, “como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu,” sendo “a sua análise uma ciência interpretativa à procura do significado” (Geertz, 1978GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1978., p. 15).

Desse modo, Geertz define cultura como “sistema entrelaçado de signos interpretáveis”, quer dizer, “ela é um contexto, algo dentro do qual eles [os signos] podem ser descritos de forma inteligível” (Geertz, 1978GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1978., p. 24).

Assim, ele entende a cultura como um sistema simbólico por meio do qual a ação humana, em suas mais diversas interações, pode ser compreendida como um signo cujo significado depende das suas conexões com o contexto no qual está inserido e com a multiplicidade de estruturas que possibilitaram a sua ocorrência.

Para analisar os tratados em estudo neste artigo baseado nessa proposição geertiana, tomando-os como uma prática cultural (como um signo), por meio da qual seus praticantes revelam suas percepções sobre a vida social, é necessário conectá-los ao contexto no qual foi praticada.

Desse modo, as proposições metodológicas do historiador Quentin Skinner também serão muito úteis. Inspirado também na teoria da ação social de Max Weber, a de que o sentido de uma ação é dado pela relação entre ela, as suas motivações e os seus resultados, ele mostra como os textos podem ser interpretados como uma forma de seus autores intervirem no mundo social, motivados por questões enfrentadas pelas sociedades nas quais atuam e almejando determinados fins. Para isso, o intérprete precisa compreender os contextos sociais e intelectuais da produção textual que estuda. O contexto social é constituído pelo conjunto de problemas ligados com o tema abordado nos textos a serem interpretados. Já o contexto intelectual é formado pelo vocabulário conceitual, pelas categorias de pensamento, pelos pontos de vista e pelas ideologias usadas para orientar, organizar e sustentar os argumentos dos escritores (Skinner, 1996SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das Letras , 1996.; Tully, 1988TULLY, James. Meaning and context: Quentin Skinner and his critics. Cambridge: Polity Press, 1988.).

A partir da primeira contextualização, conecta-se o assunto dos textos às questões enfrentadas pelas sociedades em que foram produzidos e às quais visavam responder. A partir da segunda contextualização, conectam-se as abordagens dos textos ao universo da cultura intelectual da época, que lhes forneceu os dispositivos ordenadores de seus argumentos. Essas conexões permitem ao historiador compreender o porquê do surgimento do interesse intelectual por determinados temas, bem como o ideário que fundamenta a maneira pela qual são abordados.

Por fim, os conceitos analíticos formulados pelo sociólogo Pierre Bourdieu completam o suporte teórico desta análise. Segundo ele, entre a ação e o meio social em que ela ocorre, existe um universo intermediário, denominado campo, “no qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem, reproduzem ou difundem a arte, a literatura e a ciência”, entre outras formas de produção (Bourdieu, 2004BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência. São Paulo: Editora da Unesp, 2004., p. 20). Neste estudo, o campo é a medicina, a ação é o ato de escrever um texto e de escolher o seu objeto, e o meio social é a sociedade escravista mineira colonial, na qual os autores dos manuais médicos procuraram divulgar recursos para diminuição da mortalidade em geral e, em particular, dos escravos.

Isso quer dizer que todo agente tem como suporte de sua ação um campo, que, além de ser um locus de mediação entre seu ato de agir e o meio social no qual busca intervir, é também um microcosmo social que exerce influência decisiva na forma dos indivíduos nele inseridos verem o mundo, compreendê-lo e de fundamentarem suas ações nas suas relações com outras pessoas. Para melhor explicar isso, Bourdieu elaborou o conceito de habitus, isto é, “sistema das disposições socialmente constituídas que”, na condição de um modo de operação dos campos, “constituem o principio gerador e unificador do conjunto de práticas e das ideologias de um grupo de agentes” (Bourdieu, 2001BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 5ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2001., p. 190). Em outras palavras, o habitus é uma matriz que dinamiza as percepções e ações, uma vez que ele é resultante, em cada indivíduo, do processo de interiorização das regras, normas, valores e crenças de uma dada sociedade, proporcionando ao campo a sua essência como espaço social ordenador e regulador das ações. A ordenação e a regulação são feitas a partir do habitus, que caracteriza a ação dos seus agentes, conferindo a eles suas especificidades próprias (comportamentais e discursivas) do seu campo de atuação.

Os agentes em análise são os cirurgiões, cujos manuais de medicina prática dedicados às doenças da população escrava serão examinadas como um signo; uma prática cultural derivada do interesse intelectual que surgiu quando a escravidão passou a ser assunto de maior preocupação social e tema de reflexão dos letrados coloniais a partir do episódio da queda de Palmares. Dessa maneira, os textos nos quais expuseram suas ideias serão interpretados como um meio de intervenção no seu ambiente social e derivados do habitus do seu campo de conhecimento e da estrutura cultural da sociedade e épocas em que foram escritos, a partir do qual legitimaram seus argumentos para intervir nas relações entre senhores e escravos e, com isso, contribuir para melhorar o tratamento destes últimos e, assim, reduzir os altos índices de mortalidade no cativeiro.

A mortalidade na população escrava e aspectos da mentalidade escravista

De acordo com Rafael Marquese (2004MARQUESE, Rafael de Bivar. Feitores do corpo, missionários da mente: senhores, letrados e o controle dos escravos nas Américas. São Paulo: Companhia das Letras , 2004., p. 10-11), a utilização da escravidão em larga escala durante a colonização do Novo Mundo, sobretudo a partir do seu incremento ao longo do século XVII, estimulou a produção de um conjunto de textos sobre a administração da mão de obra escrava que, segundo os seus autores, “era a maior questão a ser enfrentada pelos proprietários” de unidades produtivas americanas conectadas ao mercado mundial.

Os autores dos textos dedicados a tal questão, visando aumentar a produtividade das propriedades coloniais e adequar a exploração do trabalho cativo aos usos e costumes de cada época e sociedade em que foram escritos, propuseram uma série de normas para a gestão ou governo do cativeiro. Uma delas é a de cuidar da saúde da população escravizada, com alimentação, moradia e vestimenta satisfatórias, jornadas de trabalho compatíveis com as forças dos indivíduos e punições justas e moderadas.

Nesse repertório, Erário mineral e Observações sobre enfermidades dos negros se encaixam como obras destinadas a levar o saber médico para o cotidiano das unidades produtoras coloniais, ensinando como prevenir e curar doenças dos escravos. Fosse em nome de Deus, caso do primeiro, ou em nome da humanidade, caso do segundo, os autores desses textos tentaram contribuir para a redução do elevado nível de óbitos dos africanos e seus descendentes submetidos à escravidão.

Em Minas Gerais, palco da tragédia demográfica testemunhada pelos autores daqueles manuais de medicina prática, a taxa de mortalidade escrava atingiu 50 a 66 mortes de cativos por mil habitantes em Vila Rica no ano de 1734, conforme levantamento de Francisco Vidal Luna e Iraci del Nero da Costa. Esses pesquisadores também mostram que, no final do século XVIII, na mesma vila, os óbitos dos negros foram 20% maior em relação aos “demais grupos de cor” e 76% maior em relação ao grupo social classificado como livres (Luna, Costa, 1982LUNA, Francisco Vidal et al. Escravismo em São Paulo e Minas Gerais. São Paulo: Edusp, 2009., p. 23; Luna et al., 2009LUNA, Francisco Vidal; COSTA, Iraci Del Nero da. Minas colonial: economia e sociedade. São Paulo: Fipe/Pioneira, 1982. , p. 243).

Além desses dados, há testemunhos de que o tempo útil de vida produtiva da população escrava era muito curto. Por exemplo: o delegado da Coroa, Martinho Mendonça, em balanço da situação de Minas em 1734, estimou que “os senhores não esperavam conseguir em média mais que 12 anos de trabalho dos escravos comprados ainda jovens” (Luna, Costa, 1982LUNA, Francisco Vidal; COSTA, Iraci Del Nero da. Minas colonial: economia e sociedade. São Paulo: Fipe/Pioneira, 1982. , p. 23).4 4 Há estudos que levantaram diversos testemunhos sobre isso e tentaram calcular a taxa de vida produtiva dos escravos. Entre outros, Mello (1983). Ou seja, segundo essas informações, a perspectiva de vida dessa população era, de um modo geral, baixa. E isso se deve possivelmente à quantidade enorme e quase ininterrupta de africanos trazidos pelos navios negreiros para as Américas e, principalmente, para o Brasil com preços baixos (Florentino, 1997FLORENTINO, Manolo. Em costas negras. São Paulo: Companhia das Letras , 1997., p. 75).

Assim, dificilmente os senhores, sobretudo os de grande porte, seriam motivados a ter maior cautela com a saúde de seus escravos. A esse respeito, um viajante, Brackenridge, que percorreu o Brasil entre 1817 e 1818, observou que o aumento natural dos negros era “desencorajado pela avaliação de que é mais barato importar escravos adultos do que criar os jovens” (Conrad, 1985CONRAD, Robert Edgar. Tumbeiros: o tráfico de escravos para o Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1985., p. 23). E isso porque, possivelmente, a maioria dos escravos devia trabalhar muitas vezes até a exaustão, conforme depoimento de um proprietário que afirmou (ao ser entrevistado, em 1850, por um médico interessado em saber “por qual motivo a estatística mortuária abundava entre seus escravos”) que “quando comprava um escravo, era só com o intuito de desfrutá-lo durante um ano, tempo além do qual poucos poderiam sobreviver; mas que, não obstante, fazia-os trabalhar por tal modo, que chegava não só a recuperar o capital neles empregado, porém ainda a tirar lucro considerável” (Jardim, 1847JARDIM, David Gomes. Algumas considerações sobre a higiene dos escravos. Tese (Doutorado em Medicina), Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro 1847., p.12).

Essa mentalidade, a de utilizar a mão de obra escrava no limite das suas forças para produzir os resultados econômicos almejados e com o menor custo possível, o custo colonial (quer dizer, o conjunto dos gastos de capital diretos e indiretos com as atividades econômicas das colônias), como os gastos com moradia, alimentação e vestuário dos escravos,5 5 Vários são os testemunhos de que a alimentação e o vestuário da escravaria eram insuficientes em muitas propriedades, como relatou, por exemplo, Luís Beltrão de Gouveia e Almeida em 1799 sobre a fazenda Santa Cruz, na Capitania do Rio de Janeiro, conforme documento citado por Lara (1988, p. 209). revela uma das faces da lógica que fundamentava a administração da população desses indivíduos; a de que o dispêndio com a sua preservação não poderia ser maior do que o valor da sua reposição pelo tráfico, a não ser quando se tratava de um cativo especializado ou, por razões do coração, tivesse caído nas graças do seu senhor. Isto é, explorar ao máximo, com o menor custo e repor por nova aquisição.

Isso não quer dizer que seus proprietários desprezassem a saúde dos seus escravos. Afinal, mesmo sendo baratos, os africanos, no conjunto, representavam um patrimônio valioso em si mesmo, pelo investimento que somavam e como mão de obra capaz de gerar riqueza. No entanto, devido a essa lógica, motivada em grande parte pela oferta abundante de escravos pelos traficantes e pelos preços acessíveis aos senhores, a mortandade deles tendia a ser grande, como já nos mostraram os estudos de história demográfica (Conrad, 1985CONRAD, Robert Edgar. Tumbeiros: o tráfico de escravos para o Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1985.; Florentino, 1997FLORENTINO, Manolo. Em costas negras. São Paulo: Companhia das Letras , 1997.; Klein, 2004KLEIN, Herbert S. O tráfico de escravos no Atlântico. Ribeirão Preto: Funpec, 2004.).

No século XVIII, com a formação do complexo minerador no interior brasileiro, especialmente no território onde foi formada a Capitania de Minas Gerais, houve grande impulso às importações de africanos, com destaque para esta última região por ela ter sido a maior importadora de escravos da época. Estima-se que dos aproximadamente 1 milhão e 700 mil negros arrastados pelo tráfico transatlântico em direção ao Brasil, dois terços foram deslocados para lá (Mattoso, 1990MATTOSO, Kátia de Queirós. Ser escravo no Brasil. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense , 1990., p. 55).6 6 Botelho mostra a dinâmica do crescimento da população escrava nas vilas mineiras (2000, p. 11-13 e tabelas 15 a 18 p. 14-16).

Desse modo, com tamanha abundância de mão de obra que poderia ser fácil, barata e rapidamente ofertada pelo comércio negreiro, a exploração do trabalho escravo tendeu a ser predatória, o que, combinado com os problemas de adaptação de uma população migrada forçadamente e em grandes volumes, especialmente em relação ao clima, à alimentação e ao quadro endêmico, e com o enorme desequilíbrio entre homens e mulheres em favor dos primeiros, gerou um efeito devastador na demografia escrava.7 7 Diversos estudos afirmam que a abundância de africanos ofertada pelo tráfico desestimulava a reprodução natural da população escrava. Entre eles, Lara (1988, p. 220). Essa mesma autora mostra, nas páginas subsequentes (p. 220-230), alguns indicadores disso, utilizando dados demográficos para Campo dos Goytacazes.

Erário mineral (1735) e Observações sobre enfermidades dos negros (1801) são expressões intelectuais sintomáticas desse problema, uma vez que seus autores se dedicaram a explicar, em contextos históricos diferentes, como resolver muitos dos problemas de saúde dos escravizados.

Ao fazerem isso revelam aspectos das percepções da sociedade, na qual e para qual foram postos em circulação, sobre a escravidão e a saúde dos indivíduos a ela submetidos.

A visão da escravidão em Erário mineral

Quando esse livro foi publicado, Minas estava no auge. Sua economia mineradora atingira o zênite, com recordes de produção de ouro, fora a recente descoberta das promissoras jazidas de diamantes no centro-norte mineiro, que gerou tamanha euforia ao ponto de as suas elites organizarem uma das festas mais extraordinárias da época; o Triunfo Eucarístico transladado do Rosário ao Pilar, na ocasião da inauguração de uma nova e imponente igreja em 1733 (Souza, 1990SOUZA, Laura de Mello e. Os desclassificados do ouro. 3ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1990., p. 20-21).

Depois de aproximadamente 22 anos de experiência na região, já há dois anos em Portugal, o autor declara ter escrito o livro para “a honra e a glória de Deus e para o proveito do próximo”, que “em tantas e tão remotas partes que hoje estão povoadas nestas Minas, aonde não chegam médicos, nem ainda cirurgiões que professem cirurgia”, padece “grandes necessidades”, porque ficam entregues à sua própria sorte” (Ferreira, 2002FERREIRA, Luís Gomes. Erário mineral. 1. ed. 1735. 2ª ed., Júnia Ferreira Furtado (Org.). Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2002., p. 184-185).

A arte de curar praticada por Luís Gomes Ferreira era, em grande parte, tributária da medicina orientada pelos postulados de Hipócrates e Galeno, considerados a base do saber médico ocidental. A esses dois médicos da Antiguidade é atribuído o primeiro esforço de sistematização desse saber. O primeiro elaborou uma organização metódica desse campo de conhecimento que, após a sua releitura pelo segundo, foi disseminada pela Europa e, posteriormente, para suas colônias, onde predominou até pelo menos o final do século XVIIII.

De maneira simplificada, tal saber pode ser resumido no seguinte: o corpo humano é uma versão microscópica do universo e a ele integrado. Composto por quatro elementos fundamentais (terra, fogo, ar e água) que produzem quatro qualidades essenciais (quente, frio, seco e úmido). Essas, por sua vez, se refletem em quatro humores do organismo humano (fleuma, sangue, bílis negra e bílis amarela ou vermelha). As doenças originam-se do desequilíbrio (excesso e carência) de um desses humores que pode ser provocado por fatores morais e, sobretudo, naturais. Entre estes últimos destacam-se a higiene, o clima e a alimentação como os maiores agentes desequilibrantes dos humores (Lindeman, 1999LINDEMAN, Mary. Medicine and society in Early Europe. Cambrigde: Cambridge University Press, 1999.).

Além disso, seu manual médico expressa claramente outra grande característica da arte de curar - o primado do empirismo - que começava então a predominar entre seus praticantes, que, até então, tendiam a imitar o modelo dos antigos. A esse respeito ele afirma: “A experiência deve prevalecer a toda a razão” (Ferreira, 2002FERREIRA, Luís Gomes. Erário mineral. 1. ed. 1735. 2ª ed., Júnia Ferreira Furtado (Org.). Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2002., p. 483). Consequentemente, ao colocar em prática esse ideia ao longo da sua atuação em Minas Gerais (1711 a 1733), que resultou na divulgação de receitas médicas e práticas terapêuticas no Erário mineral, Júnia Ferreira Furtado (2002FURTADO, Júnia Ferreira(Org.). Arte e segredo: o licenciado Luís Gomes Ferreira e seu caleidoscópio de imagens. In: FERREIRA, Luís Gomes. Erário mineral. Júnia Ferreira Furtado(Org.). Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2002, p. 3-30., p. 7) considera que, “mostrando desapego à tradição e valorizando os conhecimentos oriundos da experiência e observação,” ele “se colocava na vanguarda do pensamento científico da época”.

Apesar disso, a religião constituía um dos mais importantes fundamentos das suas práticas de cura. A propósito, diversos estudos, desde pelo menos a pesquisa de Laura de Mello e Souza (1986SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia das Letras , 1986.), vêm mostrando como práticas religiosas foram utilizadas em processos de cura. Um dos mais recentes, elaborado por André Nogueira, revela como os calundus eram utilizados, principalmente pelos africanos e seus descendentes, “como prática terapêutica nas Minas setecentistas”, nos quais, segundo suas fontes, eles replicavam seus tambores, dançavam e cantavam para entrarem em transe a fim de tratar os mais diversos achaques (Nogueira, 2016NOGUEIRA, André. Dos tambores, cânticos, ervas... Calundus como prática terapêutica nas Minas setecentistas. In: GOMES, Flávio; PIMENTA, Tânia Salgado(Org.). Escravidão, doenças e práticas de cura no Brasil. Rio de Janeiro: Outras Letras/CNPQ, 2016., p.15).

A religiosidade era concebida como uma importante aliada nas práticas de cura. E foi por esse motivo que o autor de Erário mineral dedicou o seu manual à Nossa Senhora da Conceição e, ao longo dele, Deus, seu Filho e o Céu são citados como lastro da cura em pelo menos 55 vezes. Dessa maneira, ao descrever os modos de tratar uma doença, ele atribui ao Criador os êxitos de seu trabalho, como nessa passagem na qual diz, a respeito das obstruções do baço, “quem as curar pelo modo que tenho exposto, não poderá deixar de alcançar bons sucessos, mediante a graça divina”, ou nessa outra, a respeito da gota-serena ocular, na qual afirma “a cura desta enfermidade, suposto os autores a façam dificultosa, eu, pela mercê de Deus, tenho curado a muitos doentes dela com facilidade”, e ainda nesta, quando descreve uma receita por ele inventada contra o escorbuto, na qual declara: “Estou certo que Nosso Senhor foi servido dar-me luz para fazer a dita composição e ser remédio de suas criaturas”. Desse modo, ele combinou a empiria, nova base do conhecimento científico que vinha sendo consolidada desde a revolução científica do século XVII, com a fé como fundamento da sua arte de curar, come ele mesmo expressa claramente: “É admirável a experiência e melhor mestra que todas as artes, pois assim como tem mostrado nos climas e nas regiões tão diversas e perigosas enfermidades, assim, e do mesmo modo, tem mostrado os seus remédios, tudo pela providência do Altíssimo” (Ferreira, 2002FERREIRA, Luís Gomes. Erário mineral. 1. ed. 1735. 2ª ed., Júnia Ferreira Furtado (Org.). Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2002., p. 316, 607, 691 e 651).

A respeito dessa característica do saber médico da época deve-se esclarecer que, em primeiro lugar, trata-se de uma contradição epistemológica decorrente das vicissitudes históricas da ciência da primeira metade do século XVIII, particularmente do contexto português. No tempo que Erário mineral foi publicado, vivia-se na história da medicina uma transição que se enquadra no que Thomas Kuhn (2011KUHN, S. Thomas. A estrutura das revoluções científicas. 11ª ed. São Paulo: Perspectiva , 2011., p. 125) chamou de revolução científica, isto é, “episódios de desenvolvimento não cumulativo, nos quais um paradigma mais antigo é total ou parcialmente substituído por um novo incompatível com o anterior”. Ou seja, em um período de transição, é normal que o paradigma revolucionário conviva com o tradicional, como é o caso do manual médico em análise.

Por isso, conforme argumenta Maria Cristina Wissenbach (ao criticar a interpretação dos que veem o referido manual médico como exemplo de obscurantismo), era comum nas práticas médicas a presença da magia e da ciência, do popular e do erudito, numa relação fronteiriça muitas vezes indefinida e própria de um saber em transformação (Wissenbach, 2002WISSENBACH, Maria Cristina Cortez. Gomes Ferreira e os símplices da terra: experiência social dos cirurgiões no Brasil colonial. In: FERREIRA, Luís Gomes. Erário mineral. Júnia Ferreira Furtado (Org.). 2ª ed. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro , 2002, p. 107-150., p. 134).

Em segundo lugar, deve-se ter em conta o fato de a sua publicação ter ocorrido quando o Barroco dominava a atmosfera cultural tanto de Portugal quanto, principalmente, de Minas Gerais, onde viveu o seu autor por mais de vinte anos.

Como se sabe, uma das marcas da cultura barroca é a tensão derivada de uma visão de mundo que procura conciliar tendências contraditórias, uma vez que o homem barroco vive um conflito interno, ao tentar encontrar um ponto de equilíbrio entre forças opostas, típico de uma sociedade, como a mineira do século XVIII, “que se esbate contraditória entre o primado humano dos sentidos e o apelo sobrenatural da fé” (Ávila, 1994ÁVILA, Afonso. O lúdico e as projeções do mundo barroco. 3ª ed.São Paulo: Pespectiva, 1994., p. 47).

Essa conflitualidade, característica típica do modo de ser barroco, conforme argumentação de Rosario Villari (1995VILLARI, Rosario. O homem barroco. Lisboa: Editorial Presença, 1995., p. 9), é, de acordo com este, marcada pela “existência de comportamentos aparentemente incompatíveis ou nitidamente contraditórios no mesmo indivíduo”.

Desse ponto de vista, pode-se compreender de outra maneira o porquê de ciência e magia andarem juntas em Erário mineral, bem como o porquê do seu autor declarar maior confiança na experiência e também atribuir as suas descobertas empíricas às mercês do Céu, como reitera ao longo das suas páginas.

Assim, Luís Gomes Ferreira não poderia deixar identificado como um homem barroco,8 8 É importante lembrar de que toda caracterização baseada em um conceito é uma tipificação ideal. Isto é, nenhum indivíduo será encontrado em estado puro conforme definição conceitual. O que se encontra na verdade são práticas predominantes de seu comportamento que nos permitem defini-lo como orientado pela conceituação. isto é, um homem caracterizado por um modo específico de pensar, sentir e agir definidor de traços tipológicos de uma cultura de uma época, dos quais se destacam a contradição e conflitualidade, de acordo com definição de Rosario Villari (1995VILLARI, Rosario. O homem barroco. Lisboa: Editorial Presença, 1995., p. 8).

Consequentemente, o seu Erário mineral pode ser considerado uma das melhores expressões literárias do tempo e lugar onde a cultura barroca floresceu com grande intensidade e modo de expressão originais. A propósito, Eliane Scotti Muzzi, ao analisar, nos estudos críticos organizados por Júnia Ferreira Furtado (Ferreira, 2002MUZZI, Eliane Scotti. Ouro, poesia e medicina: os poemas introdutórios ao Erário mineral. In: FERREIRA, Luís Gomes. Erário mineral. Júnia Ferreira Furtado (Org.). Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro , 2002, p 31-44.), os poemas laudatórios que abrem o referido manual de medicina prática, observa o seguinte. Quando ele foi publicado, o discurso científico e o literário ainda entretinham relações próximas, “determinadas pela indispensável referência à erudição própria ao Barroco e por sua vocação educativa” (Muzzi, 2002MUZZI, Eliane Scotti. Ouro, poesia e medicina: os poemas introdutórios ao Erário mineral. In: FERREIRA, Luís Gomes. Erário mineral. Júnia Ferreira Furtado (Org.). Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro , 2002, p 31-44., p.31), vocação essa de que a obra em foco é um exemplo, uma vez que seu autor visava a ensinar como curar doenças comuns nas Minas daquela época.

Em outras palavras, tal manual de medicina prática pode ser considerado uma obra barroca em diferentes dimensões. Na que nos interessa neste artigo, a dimensão ideológica, a conflitualidade de comportamento do seu autor pode ser observada recorrentemente. A começar pelo fato de ele aceitar a condição dos africanos e seus descendentes submetidos ao cativeiro como coisa e pessoa. Ele defendia melhor tratamento a esses indivíduos, e aí ele via a pessoa, mas também foi proprietário de vários deles, e aí ele via a mercadoria. Nesse sentido, o próprio o escravo era, em sua essência colonial, um ser barroco.

Quanto a sua forma de ver a dialética das relações sociais escravistas, ele segue a lógica de uma sociedade que se via como um corpo social, “onde não só cada elemento tem um lugar e uma função, mas que também está inteiramente estruturado e organizado de acordo com hierarquias reconhecidas e aceitas”9 9 É claro que nem todos que ocupam a base da pirâmide social aceitam seu lugar social, sobretudo nas sociedades escravistas, onde há registros de muitas revoltas e de centenas de formações de quilombos. (Villari, 1995VILLARI, Rosario. O homem barroco. Lisboa: Editorial Presença, 1995., p. 10). Trata-se de uma característica das formações sociais do Antigo Regime que, ao ser adaptada no Novo Mundo, teve que lidar com o problema moral da escravidão.

Em tese, a utilização dessa forma de organização da produção em larga escala por uma sociedade cristã é uma, senão a maior, das contradições da experiência histórica ocidental, a ponto de exigir enorme esforço das suas elites intelectuais para explicá-la, como fez o padre Vieira em seus Sermões. Neles admitiu, não sem constrangimento teológico, o cativeiro como um preço a pagar pelos africanos pela liberdade da alma resgatada pela evangelização e a sua consequente oportunidade de salvação eterna. Conforme suas palavras, proferidas na festa de Nossa Senhora do Rosário organizada pela irmandade negra dedicada a essa devoção, “bem aventurados aqueles escravos a quem o Senhor no fim da vida achar que foram vigilantes em fazer a sua obrigação”, qual seja, a de “neste mundo servirem aos seus senhores como a Deus” (Bosi, 1995BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1995., p. 147).

Os esforços para justificar a escravidão não surgiram durante a colonização da América. Desde a Antiguidade, essa forma de organização da produção é vista por muitos como resultado de um pecado, ou de uma imperfeição moral, ou da inferioridade natural dos escravizados. Essas formas de vê-la podiam servir para fundamentar modelos de submissão à ordem social, ou, conforme o caso, para servir de ponto de partida motivacional a uma virada existencial, tal como a dos hebreus que se libertaram dela e conquistaram a terra prometida (Davis, 2001DAVIS, David Brion. O problema da escravidão na cultura ocidental. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001., p. 109). A combinação desses fundamentos parece clara na passagem acima apresentada da sermonística de Vieira.

Embora todas essas concepções estejam reunidas na fundamentação da forma como a escravidão foi interpretada predominantemente pelos letrados coloniais, em particular os jesuítas, foi a primeira (modelo de submissão para a manutenção da ordem social) o motivo maior das suas reflexões. Isso porque o período no qual os jesuítas escreveram sobre esse assunto corresponde à formação do quilombo de Palmares, que exigiu uma longa guerra, encerrada com a sua destruição em 1695, o que acabou contribuindo decisivamente para a relação social de produção escravista começar a ser objeto dos letrados atentos às suas complexas contradições sociais. E foi por essa razão que, daquela data em diante, dedicaram textos sobre como governar os escravos, de modo a evitar maiores tensões no cativeiro, sendo os jesuítas os que mais abordaram esse tema, produzindo um conjunto de prédicas morais que constituíram um projeto cristão de administração da população escrava (Vainfas, 1986VAINFAS, Ronaldo. Ideologia e escravidão. Petrópolis: Vozes, 1986., p. 94-97; Marquese, 2004MARQUESE, Rafael de Bivar. Feitores do corpo, missionários da mente: senhores, letrados e o controle dos escravos nas Américas. São Paulo: Companhia das Letras , 2004., p. 49-51).

Um dos elementos fundamentais das propostas de tal projeto, para o bom governo do cativeiro, foi o cuidado com a saúde dos que a ele estavam submetidos. E isso por duas razões. A primeira porque, conforme explica Marquese (2004MARQUESE, Rafael de Bivar. Feitores do corpo, missionários da mente: senhores, letrados e o controle dos escravos nas Américas. São Paulo: Companhia das Letras , 2004., p. 14), segundo os jesuítas que escreveram sobre esse assunto, os senhores deveriam adequar a sua gestão dos escravos às formas patriarcais do Antigo Regime, para que ela fosse eficiente. Isso quer dizer que era uma obrigação moral, pautada na moral paternalista, dos colonos ampará-los, como contrapartida aos serviços compulsórios por eles prestados. O descumprimento dessa obrigação poderia aguçar neles o sentimento de revolta que a todos preocupava e, além do mais, afrontava a moralidade religiosa respaldada na caridade e no amor ao próximo, que definem essencialmente a cultura cristã na sua versão católica. A segunda porque se tratava de uma atitude de defesa do próprio patrimônio; afinal, os escravos eram antes de tudo vistos como mercadoria e, como tal, sua morte precoce e em tão grande quantidade poderia gerar prejuízos para os cabedais dos seus proprietários, da Colônia e da Coroa, pois eles compunham a força de trabalho geradora da maior parte da riqueza colonial.

Assim, textos como Economia cristã dos senhores no governo dos escravos, escrito por Jorge Benci, obra publicada em 1705, defendiam que os senhores tinham a obrigação social e o compromisso moral, religioso, como um pai, aos moldes da cultura patriarcal, de cuidar dos seus escravos, em troca da sua obediência e fidelidade. Dessa maneira, em tese, as contradições sociais seriam atenuadas, pois, na perspectiva jesuítica, se os negros escravizados fossem bem tratados, eles poderiam se acomodar mais facilmente ao cativeiro.

Em diversas passagens do Erário mineral seu autor revela-se tributário dessa concepção de como deveria ser a relação entre senhores e escravos, como na seguinte:

‘Outrossim, advirto que os senhores vão ver os seus escravos quando estiverem doentes’ e lhes façam boa assistência, porque nisto lhe darão muita confiança e consolação, metendo-lhes ânimo e esforço para resistirem melhor à doença; ‘e se assim o não fizerem, como há muitos que tal não fazem, enchem-se os tais de confusão, vendo que não têm outro pai’, e se deixam ir passando sem comer, ainda que lho mandem, até que ultimamente morrem, o que digo pelo ter visto assim suceder; e assim, por conveniência, como por obrigação, devem tratá-los bem em saúde e melhor nas doenças, não lhes faltando com o necessário, que desta sorte farão o que devem, serão bem servidos, terão menos doenças, mais conveniência, experimentarão menos perdas e terão menos contas que dar no dia delas (Ferreira, 2002FERREIRA, Luís Gomes. Erário mineral. 1. ed. 1735. 2ª ed., Júnia Ferreira Furtado (Org.). Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2002., p. 258; ênfase adicional).

Nessa advertência, Luís Gomes Ferreira reafirma o projeto cristão de administração do trabalho escravo, fundado na ética assistencialista da caridade, que prescreve a obrigação dos senhores de amparar os escravos, como um pai a seus filhos. Em contrapartida, conforme ele argumenta no final da mesma advertência, “serão bem servidos” pela sua escravaria e nela terão “menos perdas”.

Em outro trecho de seu manual médico, ele reafirma a obrigação paternalista dos senhores de cuidarem melhor dos seus escravos, principalmente quando estes estiveram doentes e necessitados de amparo. Mas, desta vez, faz isso não mais como advertência, e sim como denúncia, conforme segue:

Nos pretos quando se açoitam as nádegas ficando as carnes escarnadas e se desprezam não olhando mais para as tais feridas, antes ‘alguns senhores os metem em ferros e os fazem trabalhar’, não podendo dar um passo, que destes se têm perdido muitos, uns por causa dos bichos lhe comerem a carne e corromperem-se os ossos de que dão acidentes mortais, outros por causa de se gangrenarem, apodrecerem e perderem aquelas partes, como de ambos os modos tenho visto muitos, uns que remediei, outros que não pude remediar, porque lhes dão herpes e morrem miseravelmente, que ‘é lástima grande e pouco temor de Deus deixar morrer ao desamparo os pais, que devem ter estes em lugar de filhos’ (Ferreira, 2002FERREIRA, Luís Gomes. Erário mineral. 1. ed. 1735. 2ª ed., Júnia Ferreira Furtado (Org.). Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2002., p. 610; ênfase adicional).

Em outras passagens de sua obra a denúncia é ainda mais grave. Por exemplo, ao discorrer sobre as boubas (um tipo de dermatose contagiosa), ele critica o mau procedimento de “alguns senhores que os fazem trabalhar com excesso para com o trabalho lhas curar (como alguns dizem)”, o que, em sua opinião “sempre é tirania”, e, mesmo que não fosse, essa atitude “lhes vem, pela maior parte, a custar caro” (Ferreira, 2002FERREIRA, Luís Gomes. Erário mineral. 1. ed. 1735. 2ª ed., Júnia Ferreira Furtado (Org.). Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2002., p. 542).

Assim, para evitar os prejuízos materiais da negligência senhorial em relação à saúde dos cativos, bem como os prejuízos morais que isso implicava para a sensibilidade cristã, ele, agora em tom de ameaça com julgamento divino, propõe que se dê a ela, sobretudo quando estiver doente, “boa cobertura, casa bem recolhida e o comer de boa sustância,”, pois, e friso essa passagem, “nisso pecam muito os senhores de escravos que hão de dar conta a Deus” (Ferreira, 2002FERREIRA, Luís Gomes. Erário mineral. 1. ed. 1735. 2ª ed., Júnia Ferreira Furtado (Org.). Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2002., p. 258).

Com esses argumentos, em meio ao seu empenho para ensinar como reconhecer e tratar as moléstias dos negros escravizados, Luís Gomes Ferreira critica os senhores de, muitas vezes, descumprir o seu dever cristão de cuidar bem deles, sobretudo dos doentes, o que feria os princípios da moralidade religiosa muito cara a uma sociedade organizada a partir de fundamentos essenciais da religião católica, como a caridade. Crítica essa sustentada no ideário escravista cristão formulado principalmente pelos jesuítas, que defendiam uma administração do trabalho cativo aos moldes da cultura patriarcal, como meio estratégico de se evitar perigosas tensões sociais.

Em outras palavras, ele vê tal negligência dos proprietários como um pecado e, assim, fornece uma chave de acesso à sua maneira de compreender uma das faces da dominação senhorial exercida sobre os escravos, ao valer-se da sensibilidade de uma sociedade eminentemente barroca, para chamar a atenção daqueles que desamparavam sua escravaria quando esta estava gravemente afetada por moléstias.

Por tudo isso, Erário mineral é uma janela panorâmica que permite observar, por meio dos seus relatos sobre os problemas de saúde da população escrava, o modo, segundo o seu autor, de os senhores da sociedade colonial mineira da primeira metade do século XVIII tratarem os seus escravos e como o tratamento deveria ser, conforme a literatura jesuítica especializada nesse assunto e a cultura barroca que ele vivenciou. É também um exemplo de como um texto pode ser analisado como expressão de um modo de pensar, sentir e agir de um homem barroco marcado pela conflitualidade de uma sociedade que tentou conciliar cristianismo e escravidão.

A visão da escravidão em Observações sobre enfermidades dos negros

Décadas após a publicação de Erário mineral (1735), Observações sobre enfermidades dos negros começou a circular no Brasil (1801). Igualmente tributário da medicina orientada pelos postulados de Hipócrates e Galeno, este, diferentemente daquele, já não combinava mais a empiria com a fé como fundamento das curas ou das descobertas de recursos terapêuticos. Afinal, entre a publicação de um e outro estava o Iluminismo, que expulsou de vez Deus e a magia do processo de construção do conhecimento científico (Gusdorf, 1972GUSDORF, Georges. Dieu, la nature, l’homme au siécle des lumiéres. Paris: Payot, 1972.).

Quando isso aconteceu, Portugal estava em franca decadência e a economia aurífera mineira estava em crise. No caso de Minas Gerais, a extração de ouro das suas entranhas iniciou uma trajetória de queda ao longo dos anos 1760. Consequentemente, aos poucos, as áreas mais dependentes dessa atividade começaram a experimentar algumas dificuldades com a diminuição da renda dela obtida, como a capacidade de repor a mão de obra escrava pelo tráfico e, até mesmo, de mantê-la em seu território, levando o governador Luís da Cunha Meneses a lançar um edital em 1786, com a seguinte ameaça:

Faço saber aos que este meu edital virem, ou dele notícia tiverem, que sendo-me constante o grande número de escravos aplicados em minerais que desta capitania tem saído, por cujo motivo irá experimentar esta mesma capitania uma grande decadência no seu Real Quinto, ordeno que toda pessoa de qualquer qualidade ou graduação for, que depois da publicação deste meu edital comprar os ditos escravos para o sobredito fim, será preso à minha ordem na cadeia desta capital.10 10 Arquivo Público Mineiro, seção colonial, códice 214, 01/12/1786, p. 14, verso.

Nesse momento, momento de crise da mineração, os escravos deixavam der ser mercadorias baratas; ao menos para os senhores que lidavam com essa atividade. Mas não só para eles. De um modo geral, a tendência era de aumento de preço, sendo um dos fatores disso, conforme destacou um observador da época, em uma Memória sobre a utilidade pública em se tirar o ouro das minas, e os motivos dos poucos interesses dos particulares, que o mineram atualmente no Brasil, ao afirmar que os excessos tributários incidentes no valor final dos africanos, alvos da “captação desde a costa da África”, aumentavam de tal maneira que os seus braços vinham “captados em somas que eles não pagariam por muito tempo que durassem” (Leme, 1987LEME, Antônio da Silva Pontes. Memória sobre a utilidade pública em se tirar o ouro das minas... In: CARDOSO, José Luís. Memórias econômicas inéditas da Academia das Ciências de Lisboa. (1780-1808). Lisboa: Publicações do II Centenário da Academia das Ciências de Lisboa, 1987, p. 327-342., p. 326-328).11 11 O aumento dos preços dos escravos de fato havia ocorrido nas áreas mineradoras, como mostrou Begard (1994, p. 513-520).

Um dos resultados dessa situação foi o aumento das tensões entre parte das elites coloniais e a administração portuguesa, sendo o melhor exemplo disso a ameaça da derrama, que motivou o sonho de liberdade em Minas. Quando esse sonho foi momentaneamente debelado, com os acontecimentos que culminaram no enforcamento de Tiradentes, era evidente a necessidade da tomada de algumas providências para atenuar os efeitos da crise, em particular a manutenção do contingente de escravos da capitania, sobretudo os das áreas mais afetadas pela decadência do ouro, sendo uma delas o esforço para reduzir os altos índices de mortalidade da população escrava.

A propósito, foi nessa conjuntura que, como mostrou Marquese (2004MARQUESE, Rafael de Bivar. Feitores do corpo, missionários da mente: senhores, letrados e o controle dos escravos nas Américas. São Paulo: Companhia das Letras , 2004., 110), os proprietários, sobretudo os de grandes empreendimentos coloniais, já “tinham perfeita consciência de que o ataque ao tráfico negreiro, apesar de não comprometer a instituição a curto prazo, questionava os fundamentos da escravidão”, o que os obrigava a promover um esforço sistemático de “melhoria do tratamento material dado aos escravos”.

A publicação de Observações sobre enfermidades dos negros em 1776 e a sua tradução em 1801 são exemplos desse esforço. Quando ela começou a circular no espaço colonial, um conjunto considerável de autores, afinados com alguns ideais da Ilustração, defendiam o fim do comércio de africanos e das relações sociais de produção que ele abastecia desde pelo menos a publicação da clássica obra de Montesquieu, Do espírito das leis, em 1748, para quem “a escravidão não é boa por sua natureza”, por ser “tão contrária ao direito civil quanto ao direito natural”, uma vez que “todos os homens nascem iguais” (Montesquieu, 2007MONTESQUIEU. Do espírito das leis. Trad. Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2007., respectivamente p. 249, 251 e 254).

Críticas como essa ressoaram em diversos textos que abordaram o mesmo assunto enquanto durou o regime de trabalho escravista, junto com as exigências humanitárias ilustradas que, conforme estabelece o artigo sobre o conceito de humanidade, “um sentimento de benevolência por todos os homens”, inserido na Enciclopédia organizada por Denis Diderot e Jean d’Alembert (1766DIDEROT, Denis; D’ALEMBERT, Jean. Encyclopédie ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et métiers. 2ª ed., Lucques: Chez Vicent Giuntini, 1766., tomo VIII, p. 285), deveria levar as pessoas de “alma grande e sensível” a “percorrer o universo para abolir a escravidão, a superstição, o vício e a desgraça”.

Desse sentimento formou-se uma nova sensibilidade, diante dos dramas da existência humana, sustentada no conceito de humanidade e no adjetivo humanitário dela derivado, marcada pela compaixão em relação às vítimas das mazelas do mundo e pela exigência de um conjunto de ações destinadas a mitigar os seus sofrimentos. Uma das suas expressões literárias foi a formação de um novo padrão de narrativa (narrativa humanitária, conforme a definiu Thomas Laqueur: abordagem extraordinariamente minuciosa dos sofrimentos e da morte de pessoas comuns), com a qual Jean Barthelemy Dazille, autor de Observações sobre enfermidades dos negros (1776), e Antônio José Vieira de Carvalho, autor da sua tradução (1801), revelam estar sintonizados (Laqueur, 1992LAQUEUR, Thomas W. Corpos, detalhes e narrativas humanitárias. In: HUNT, Lynn. A nova história cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p 239-278., p. 240).

Assim, uma das primeiras diferenças mais relevantes entre Erário mineral e o manual acima citado é o fato de que, enquanto o primeiro defendia um tratamento melhor aos negros escravizados, em nome de Deus, fundado no princípio da caridade e seguindo a linha inaugurada pelos escritos jesuítas que, antes de tudo, buscavam amortecer os impactos sociais das tensões entre senhores e escravos, o segundo fazia a mesma defesa em nome da humanidade, fundado no princípio da benevolência e seguindo a linha inaugurada pelos iluministas que, antes de tudo, buscavam adaptar a exploração do trabalho cativo aos ideais humanitários então em voga e à nova conjuntura econômica.

Vejamos como essas características estão explícitas na introdução de Observações sobre enfermidades dos negros. Após iniciar o texto argumentando haver uma estreita relação entre o tamanho da população e o nível da prosperidade nacional e, com base nesse postulado, considerar que “não é especialmente senão em uma população abundante de negros, que as colônias acham a origem primitiva da sua opulência”, o autor do referido livro, ao apresentar os seus objetivos: estudar as causas, os tratamentos e os meios de prevenir as doenças dos negros e, com isso, “formar um resultado que tenda a impedir a despovoação espantosa da espécie,” afirma:

Tal é o fim desta obra (...). Possam aqueles que exercitam a Arte de curar nas Colônias reconhecer, como eu, pela experiência continuada, que os meios, que apresento para tratamento das enfermidades dos Negros, são os mais eficazes; possam também os habitantes das colônias reconhecer que a diminuição das causas destas enfermidades está em suas mãos! Seria ofender a sua delicadeza, o fazer-lhes considerar esta diminuição como unicamente útil para seus interesses: os cuidados que eles empregarem, para a executar, terão um motivo mais nobre e mais satisfatório para os seus corações, pois farão aos mesmo tempo atos de humanidade e beneficência (Dazille, 1801DAZILLE, Jean Barthelemy. Observações sobre enfermidades dos negros. Trad. Antônio José Vieira de Carvalho. Lisboa: Arco do Cego, 1801., p. 16).

Ao fazer essa afirmação, especialmente no final dela, quando julga a adoção dos métodos preventivos contra a mortandade dos escravos pelos seus proprietários como “atos de humanidade e beneficência”, Jean Barthelemy Dazille prepara os leitores para assimilar um conjunto de procedimentos destinados a alterar a maneira predatória como a força de trabalho da população escrava era até então explorada. Assim, em sintonia com o avanço do saber médico, ele defende um tratamento mais eficiente para a preservação de tal força por maior tempo, o que demandaria uma ampla mudança cultural no comportamento senhorial. Pois, acostumados (grande parte deles, principalmente os grandes proprietários) a explorar a escravaria ao máximo para, no mais curto espaço de tempo, o custo da sua aquisição ser compensado e gerar os lucros almejados antes que ela atingisse o fim esperado de seu prazo de validade, os senhores deveriam, doravante, melhorar as condições de vida dela, fornecendo-lhe senzalas mais espaçosas e arejadas, alimentação mais farta e nutritiva e vestuário mais diversificado e adequado a cada estação e atividade exercida. É o que ele expõe ao longo do final da sua introdução (Dazille, 1801DAZILLE, Jean Barthelemy. Observações sobre enfermidades dos negros. Trad. Antônio José Vieira de Carvalho. Lisboa: Arco do Cego, 1801., p. 27-33).

Dessa maneira, no que diz respeito à saúde, o primeiro elemento fundamental da sua reforma da administração dos indivíduos submetidos à escravidão é a ênfase na prevenção, pois além das recomendações da necessidade de tratá-los de uma forma mais adequada às novas sensibilidades em ascensão, ele também propõe o esgotamento de lagos e pântanos, bem como o cuidado especial com os recursos hídricos, particularmente o destinado ao consumo humano direto, mostrando como tratar a água antes de usá-la para cozinhar ou beber.

Consequentemente, Observações sobre enfermidades dos negros é um manual médico ilustrado, típico de uma época em que os livros, mais do que meio de divulgação de conhecimento, foram consolidados como um instrumento de transformação do mundo, embora a mudança defendida por Jean Barthelemy Dazille seja limitada, pois o seu caráter é essencialmente reformista e não revolucionário, já que, em sua obra, em nenhum momento ele questiona a escravidão; ao contrário, a aceita como um fato social inerente ao processo de colonização, quando diz que “a introdução de negros em uma colônia é o meio maior e fundamental da sua prosperidade” (Dazille, 1801DAZILLE, Jean Barthelemy. Observações sobre enfermidades dos negros. Trad. Antônio José Vieira de Carvalho. Lisboa: Arco do Cego, 1801., p. 16).

Isso o aproxima muito mais do que se poderia chamar de ilustração despótica (uma face do despotismo esclarecido), na qual o saber, ao ser utilizado para promover algumas reformas, é transformado em um instrumento de reforço das instituições, neste caso, a instituição escravista das relações sociais de produção.

O mesmo pode ser dito sobre Antônio José Vieira de Carvalho, responsável pela tradução do texto de Dazille para a língua portuguesa. Pouco se conhece a respeito da vida desse tradutor. Sabe-se que ele nasceu no Reino, no início dos anos 1750 e formou-se cirurgião em Coimbra antes ainda da reforma pombalina responsável pela união da arte cirúrgica e da arte médica. Sabe-se também da sua atuação em navios que cruzavam os mares e oceanos conectando as mais diversas e vastas áreas do império português. No início dos anos 1780, foi enviado para a Capitania de Minas Gerais para atuar como cirurgião das tropas que guarneciam a sua capital, onde viveu até o fim de seus dias, em 1818. Igualmente sabe-se que ele, conforme revelou André Nogueira, “era um leitor atualizado, cosmopolita e ávido por informações sobre seu campo de atuação profissional”, sendo possuidor de um acervo bibliográfico considerável no qual se destacam “tratados de cirurgia, anatomia e história natural de autores ingleses, franceses e ‘portugueses estrangeirados’, de importância crucial para o desenvolvimento da medicina ilustrada”, bem como obras de grande peso, como “dois tratados de história natural de Lineu, entre outras obras” relevantes (Nogueira, 2012NOGUEIRA, André. Universos coloniais e ‘enfermidades dos negros’ pelos cirurgiões régios Dazille e Vieira de Carvalho. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, v.19, supl., p. 179-196, dez. 2012., p. 183).

Sua carreira como funcionário régio foi marcada por uma atuação diversificada. Além do cargo de cirurgião das tropas, atuou como médico legista da Câmara Municipal da capital mineira, tornou-se, em 1801, o primeiro lente do curso de “Anatomia, Cirurgia e Obstetrícia” no Hospital Militar de Vila Rica, bem como traduziu a obra Observações sobre enfermidades dos negros.

Uma carta do governador de Minas Gerais, Bernardo José de Lorena, datada no dia 19 de junho de 1799 e endereçada ao príncipe regente, ajuda a esclarecer um pouco a atuação e os merecimentos de Antonio José Vieira de Carvalho:

Como em todo o meu governo tem desempenhado excelentemente as suas obrigações, tratando dos doentes com amor, tanto no Hospital Militar, quanto no da Misericórdia, e sendo muito instruído em todos os conhecimentos necessários da sua arte, na língua francesa, e mostrando por documento ter introduzido nos mesmos hospitais o uso de vários gêneros do país com bom sucesso, evitando assim alguma despesa da Real Fazenda; a sua honrada e distinta conduta lhe tem merecido a estimação geral, e os tão justos títulos me parecem de qualquer honra e mercê própria da justiça e grandeza de sua majestade.12 12 Arquivo Público Mineiro, seção colonial, códice 295, 19/06/1799, p. 8.

Além dos seus interesses pessoais (como a busca de prestígio intelectual e mercês da Coroa), seu esforço para traduzir tal obra é derivado da convergência entre a situação do império português, a conjuntura econômica mineira e os ataques à escravidão e, principalmente, ao tráfico que a abastecia, a qual criou as condições históricas para ele traduzi-la e para a monarquia portuguesa apoiar a sua publicação. Dessa maneira, vejamos como seu prefácio, inserido na tradução, ressoa esses fatores convergentes por meio de uma argumentação que permite classificá-la como uma narrativa humanitária característica de uma das faces da literatura ilustrada.

Entre as Altas e Excelentes Virtudes, que V. A. R. adora o vasto Império das Quinas, sobressai tanto a beneficência, que já ditosos, e agradecidos Portugueses confundem as ideias do seu Senhor Soberano, e de seu Augusto Benfeitor; chegando eu a deixar-me persuadir, que faria um serviço grato a V. A. R. , se acertasse em fazer algum à Humanidade. Felizmente o meu destino me havia levado a ocupar nas Minas Gerais o emprego de Cirurgião-mor do Regimento da Cavalaria que guarnece a capital desta capitania, onde exercendo, a par de minha profissão, a Medicina prática, pude ver com meus mesmos olhos quanto a espécie humana sofre na inumerável multidão dos negros, que ali transporta a escravidão e o comércio. A mudança do clima, a diferença de tratamento, um trabalho contínuo e desmedido, e até a fome raríssimas vezes interrompida, juntos à triste consideração de seu penoso estado, são outras tantas causas das singulares e gravíssimas enfermidades, a que é sujeita entre nós esta raça desventurada de homens; que fazendo-lhes a vida pesada e adiantando-lhes a morte, levam à sepultura o melhor dos cabedais daquela e de outras Colônias da América Portuguesa, enterrando com eles o mesmo ouro que os seus braços haviam desenterrado, e secando assim na sua origem um dos primeiros mananciais da Coroa e do Estado. Estimulado, pois desta fatal experiência e do sincero e ardentíssimo desejo de me dar todo ao serviço de Vossa Alteza Real, me subministrou o meu zelo a lembrança de traduzir para Língua Portuguesa o Tratado que sobre as moléstias dos Negros ordenara e escrevera na Ilha de São Domingos Mr. Dazille; obra que tendo merecido a aprovação e os louvores de uma Nação tão ilustre, como iluminada enquanto não desvairou da Razão, e de sua nativa lealdade, me serviu de guia na minha prática, e a qual, divulgada por meio deste tratado, pode vir a ser de muito uso em todo o Estado do Brasil, onde, pela analogia de muitas circunstâncias físicas e morais são aplicáveis às observações e às doutrinas de seu Autor; e onde a dificuldade de recursos, pelas imensas distâncias que separam os seus habitantes, e pela raridade de médicos, fazem que pela maior parte o seja cada um em sua casa. Creio, Senhor, outra vez o digo, creio ter feito a V. A. R. um agradável serviço, prestando, como cuido, à Humanidade, na maior parte, na mais útil, e a mais desvalida da população dos seus Senhorios da América: e, nesta confiança, tomo a liberdade de pedir a V. A. R. licença para dedicar-lhe o meu gostoso trabalho. Se V. A. R., aceitando este cordial tributo do meu fiel e humilde obséquio, se dignar de aprovar o meu zelo, eu me darei por bem pago na ventura de ter acertado em agradar ao melhor dos príncipes. Deus guarde a V. A. R. por muitos e mui felizes anos, como desejam, e hão mister os Portugueses (Dazille, 1801DAZILLE, Jean Barthelemy. Observações sobre enfermidades dos negros. Trad. Antônio José Vieira de Carvalho. Lisboa: Arco do Cego, 1801., abertura, sem paginação).

Com essas considerações, Antonio José Vieira de Carvalho expressa o pasmo de uma geração de letrados, sintonizados com os ideais humanitários do Iluminismo, diante das calamidades geradas pela escravidão. Embora aceitasse essa forma de organização da produção, ao admitir, na citação acima apresentada, que os negros escravizados constituíam “o melhor dos cabedais daquela e de outras Colônias da América Portuguesa”, ele criticou o fato de eles serem submetidos a “trabalho contínuo e desmedido e até a fome raríssimas vezes interrompida”, acrescentando que isso “junto à triste consideração de seu penoso estado”, entre “outras tantas causas das singulares e gravíssimas enfermidades, a que é sujeita entre nós esta raça desventurada de homens”, é um dos principais motivos “que, fazendo-lhes a vida pesada e adiantando-lhes a morte, os levam à sepultura (...) enterrando com eles o mesmo ouro que os seus braços haviam desenterrado, e secando assim na sua origem um dos primeiros mananciais da Coroa e do Estado”.

Ao proferir essas palavras, depois de se colocar na condição de testemunha confessando: “Pude ver com meus mesmos olhos quanto a espécie humana sofre na inumerável multidão dos negros, que ali transporta a escravidão e o comércio”, e encerrar, dirigindo-se ao príncipe regente, afirmando que acreditava ter feito “um agradável serviço à Humanidade, na maior parte, na mais útil, e a mais desvalida da população dos seus Senhorios da América”, ele pode ser considerado um dos melhores expoentes, no Brasil, da ilustração despótica que marcou grande parte dos textos médicos afinados com os ideais reformistas do Século das Luzes.

Em outras palavras, ele foi um homem iluminista, conforme definição de Michel Vovelle (1997VOVELLE, Michel. O homem do Iluminismo. Lisboa: Editorial Presença, 1997., p. 7), um homem que se julgava “livre, conquistador, verdadeiro dono do Universo, por haver exorcizado as forças da sombra e do passado”, e que colocou a si mesmo “no centro da sua visão de mundo, do mecanismo em torno do qual organizou a sua reflexão”. Mas de uma das variações do Iluminismo caracterizado como despotismo esclarecido, pois, como funcionário régio, colocou sua inteligência ao serviço da monarquia e dos interesses das elites escravistas que nela se apoiava.

Isso porque, embora ele se revele sintonizado com a sensibilidade humanitária das Luzes, fundamentando-se nela para pedir um melhor tratamento dos cativos, não defende o fim da escravidão, a qual, ao divulgar um livro especializado em doenças de escravos, visava reforçar ao defender a necessidade de a medicina ser inserida no cativeiro e, desse modo, contribuir com a redução dos altos índices de mortalidade da população escrava, para diminuir a dependência senhorial do cada vez mais condenado tráfico de africanos e para responder às críticas radicais dos que defendiam o fim dessa forma de relação social de produção, a qual, naquele momento, era alvo de intenso debate.

E nisso consiste mais uma grande diferença entre os dois manuais médicos em análise. Embora tanto no Erário mineral, quanto em Observações sobre enfermidades dos negros, a escravidão não fosse questionada, mesmo que seus autores se mostrassem sensíveis à exploração predatória dos indivíduos a ela submetidos, no primeiro deles a preocupação com a saúde dos escravizados não estava motivada pela dificuldade de reposição da mão de obra no cativeiro (E isso não quer dizer que tal reposição não fosse uma questão relevante, e sim que não havia, naquele momento, dificuldades em relação a isso). Afinal, quando ele foi escrito, havia oferta abundante de mão de obra escrava, a baixo preço, e o tráfico de africanos ainda não estava sendo questionado. Assim, mesmo que o seu autor se refira a prejuízos ou perdas com mortes precoces, não foi para evitar a reposição pelo tráfico, mesmo porque, em sua época, essa atividade comercial não era vista como imoral. E sim porque, mesmo com oferta abundante e a preços acessíveis, a escravidão era uma fonte considerável de reserva de capital. Também, e por isso mesmo, ele (apesar de mostrar-se atento a algumas práticas preventivas e recomendá-las, como o cuidado com a alimentação e com a água) não enfatiza a prevenção contra doenças, pois sua ênfase está em revelar como, uma vez doente ou ferido, o escravo poderia ser curado.

Ao contrário, o segundo deles é uma resposta direta ao problema da reposição da mão de obra escrava, tanto no contexto do Caribe francês, para o qual foi originalmente escrito, onde a economia estava passando por dificuldades derivadas pelos efeitos duradouros da Guerra dos Sete Anos (1756-1763), quanto no contexto mineiro, para o qual foi traduzido, onde o extrativismo aurífero estava em franca decadência. Afinal, como mostrou Marquese, o pressuposto de Dazille (e pode-se afirmar que também o do tradutor do seu tratado) era o de que a população constituía o fundamento da riqueza nacional, razão pela qual, nas sociedades escravistas, “a prosperidade só poderia derivar de uma população escrava numerosa” (Marquese, 2004MARQUESE, Rafael de Bivar. Feitores do corpo, missionários da mente: senhores, letrados e o controle dos escravos nas Américas. São Paulo: Companhia das Letras , 2004., p. 100) que, para aumentar a médio prazo, em um contexto de dificuldades de abastecimento pelo tráfico negreiro, tanto operacionais, quanto ideológicas, teria que contar com a reforma da administração do cativeiro, a começar pela melhora no tratamento dessa população.

Então, se ambos os manuais médicos criticaram a atitude dos senhores que cuidavam mal dos seus escravos, os ambientes culturais e intelectuais no quais eles foram colocados à disposição do público influenciaram a sua forma, o seu conteúdo e o alcance das suas críticas. Enquanto o autor de Erário mineral, produto da cultura barroca, tinha à sua disposição o ideário jesuíta, fundado na caridade cristã, para cobrar uma melhor forma de tratar os escravos, o tradutor de Observações sobre enfermidades dos negros, produto da cultura ilustrada, tinha à sua disposição o ideário iluminista, fundado na benevolência humanitária, para fazer a mesma cobrança.

Consequentemente, o primeiro deles, embora se mostre preocupado com práticas preventivas, enfatizou o ensino de como remediar os problemas de saúde no cativeiro, ao passo que o segundo, além de mostrar como remediá-las, deu grande ênfase a mostrar como preveni-las. Inclusive, no final de seu texto, o seu autor sugere que as medidas preventivas por ele propostas (sobretudo ligadas à qualidade da alimentação, da vestimenta e da moradia) deveriam ser objeto de polícia.

Como o tradutor, podendo fazê-lo, não suprimiu tal passagem, infere-se que ele também concordava com isso ou, pelo menos, estava de acordo com algum tipo de medida concreta que inibisse os exageros cometidos pelos senhores no trato dos escravos; ou seja, algo além do esforço feito por Luís Gomes Ferreira para tocar a consciência dos senhores do seu dever cristão e patriarcal de tratar bem a sua escravaria, e que pudesse ser mais eficaz do que o medo, como este último autor tentou despertar, da justiça divina contra aqueles que não cumprissem esse dever.

Eis o que o contraste entre os tratados médicos analisados neste artigo revela sobre uma das mais importantes sociedades escravistas do Novo Mundo, em épocas diferentes de sua dinâmica histórica, e do próprio império que a formou durante seu processo de colonização.

Considerações finais

Os manuais médicos comparados neste estudo mostram duas visões diferentes sobre a escravidão, particularmente em relação à maneira como a população submetida a ela era tratada. Neles, seus autores não questionam tal relação social de produção, pois a viam como um fato social legítimo, perante as leis do império português, e de acordo com os costumes vigentes na Colônia.

Mas isso não impediu que vissem algumas marcas de suas perversidades e que, em meio à divulgação dos recursos para diminuição da mortalidade escrava, criticassem, cada um a sua maneira, o modo como muitos senhores tratavam sua escravaria.

Em Erário mineral vemos essa crítica fundamentada no ideário patriarcal, religioso e caritativo derivado do pensamento jesuítico, que no máximo tenta tocar, constrangendo, a consciência cristã dos colonizadores, procurando convencê-los a cuidar dos cativos como membros de sua família e em nome de Deus. Em Observações sobre enfermidades dos negros, a vemos fundamentada no ideário pragmático, laico e humanitário derivado do pensamento ilustrado, que tenta fomentar um sentimento filantrópico nos colonizadores, procurando convencê-los a cuidar dos seus escravos a bem de seu interesse econômico (já que os preços dos escravos estavam mais altos e o tráfico estava sendo contestado quando tal manual médico foi publicado) e a bem da humanidade.

Essa mudança na forma, na fundamentação e no conteúdo do modo de ver o mesmo fenômeno é resultado de um conjunto de fatores, sendo os principais deles os problemas conjunturais de oferta de africanos combinados com o surgimento de um novo quadro de ideias, conhecido como Iluminismo, bastante disseminado nos meios cultos.

Portanto, ao comparar os dois manuais de medicina prática acima estudados, como indicadores de percepções da escravidão no império português, a partir de um dos recortes geográficos mais importantes de seu espaço colonial, Minas Gerais, observa-se que eles mudaram de acordo com o contexto econômico e intelectual no qual se inserem.

Dessa maneira, eles podem ser interpretados como expressões, ou espelhos, de uma sociedade escravista que enfrentava problemas com a alta mortalidade de escravos em dois períodos muito distintos de sua experiência histórica, sendo o primeiro, essencialmente barroco e fundado na caridade, publicado (1735) no auge da mineração e quando havia abundância de oferta de africanos, e o segundo, essencialmente ilustrado e fundado na filantropia, publicado (1801) durante a crise de tal atividade econômica e quando havia redução da oferta de africanos.

Enfim, essas obras são indicadores da forma de propor a solução, ou ao menos a atenuação, do problema das condições de saúde da população escrava, e indicadores também da visão de seus autores sobre a escravidão e da cultura intelectual e literária da época em que foram publicadas.

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  • 1
    Não será possível fazer uma discussão ou ao menos uma apresentação historiográfica aqui por falta de espaço na revista. Aos interessados, sugiro as duas obras mais recentes que fizeram isso: Eugênio (2016EUGÊNIO, Alisson. Lágrimas de sangue: a saúde dos escravos no Brasil da época de Palmares à Abolição. São Paulo: Alameda, 2016., p. 29-58), e Gomes e Pimenta (2016GOMES, Flávio; PIMENTA, Tânia Salgado (Orgs.). Escravidão, doenças e práticas de cura no Brasil. Rio de Janeiro: Outras Letras/CNPq, 2016., p. 271-305).
  • 2
    Sobre esse tratado, apenas os autores reunidos no estudo crítico organizado por Furtado (2002) e Eugênio (2015)EUGÊNIO, Alisson. Relatos de Luís Gomes Ferreira sobre a saúde dos escravos em sua obra Erário mineral (1735). História, Ciências, Saúde - Manguinhos, v. 23, n. 3, p. 881-898, 2015. tomaram tal obra como objeto de estudos.
  • 3
    Apenas Eugênio, (2000)EUGÊNIO, Alisson. Doenças de escravos como problema médico. Varia Historia, n. 23, p.154-163, jul. 2000. e Nogueira, (2012) tomaram esse tratado como objeto de estudo. A pesquisa de Marquese (2004, p. 98-100), embora não se dedique exclusivamente ao referido tratado, devido à natureza de seu estudo (uma tese), que tem uma abrangência temática, espacial e temporal muito grande, também faz uma análise bastante pertinente sobre ele.
  • 4
    Há estudos que levantaram diversos testemunhos sobre isso e tentaram calcular a taxa de vida produtiva dos escravos. Entre outros, Mello (1983MELLO, Pedro Carvalho de. Estimativa da longevidade de escravos no Brasil na segunda metade do século XIX. Estudos Econômicos (São Paulo). v.13, n. 1, p. 151-179, 1983.).
  • 5
    Vários são os testemunhos de que a alimentação e o vestuário da escravaria eram insuficientes em muitas propriedades, como relatou, por exemplo, Luís Beltrão de Gouveia e Almeida em 1799 sobre a fazenda Santa Cruz, na Capitania do Rio de Janeiro, conforme documento citado por Lara (1988, p. 209).
  • 6
    Botelho mostra a dinâmica do crescimento da população escrava nas vilas mineiras (2000BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. População e escravidão nas Minas Gerais. Caxambu, Anais do 12º Encontro da Associação Brasileira de Estudos de População, 2000, Disponível em:<Disponível em:http://www.abep.org.br >. Acesso em: 5 jan. 2018.
    http://www.abep.org.br...
    , p. 11-13 e tabelas 15 a 18 p. 14-16).
  • 7
    Diversos estudos afirmam que a abundância de africanos ofertada pelo tráfico desestimulava a reprodução natural da população escrava. Entre eles, Lara (1988LARA, Silva Hunold. Campos da violência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988., p. 220). Essa mesma autora mostra, nas páginas subsequentes (p. 220-230), alguns indicadores disso, utilizando dados demográficos para Campo dos Goytacazes.
  • 8
    É importante lembrar de que toda caracterização baseada em um conceito é uma tipificação ideal. Isto é, nenhum indivíduo será encontrado em estado puro conforme definição conceitual. O que se encontra na verdade são práticas predominantes de seu comportamento que nos permitem defini-lo como orientado pela conceituação.
  • 9
    É claro que nem todos que ocupam a base da pirâmide social aceitam seu lugar social, sobretudo nas sociedades escravistas, onde há registros de muitas revoltas e de centenas de formações de quilombos.
  • 10
    Arquivo Público Mineiro, seção colonial, códice 214, 01/12/1786, p. 14, verso.
  • 11
    O aumento dos preços dos escravos de fato havia ocorrido nas áreas mineradoras, como mostrou Begard (1994BEGARD, Laird W. Depois do boom: aspectos demográficos e econômicos da escravidão em Mariana, 1750-1808. Estudos Econômicos (São Paulo). v. 24, n. 3, p. 495-525, 1994., p. 513-520).
  • 12
    Arquivo Público Mineiro, seção colonial, códice 295, 19/06/1799, p. 8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    05 Ago 2019
  • Aceito
    02 Dez 2019
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