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‘Brasil-grande, estádios gigantescos’: toponímia dos estádios públicos da ditadura civil-militar brasileira e os discursos de reconciliação, 1964-1985

‘Big country, giant stadiums’: toponymy of public stadiums during the Brazilian civil-military dictatorship and the discourses of reconciliation, 1964-1985

Resumo:

O artigo aborda 14 estádios de grande capacidade erguidos por governos estaduais entre 1964 e 1985, 12 dos quais nomeados em homenagem a governadores da Arena. O objetivo é explorar a utilização desse procedimento como ferramenta na cultura política do período e como mecanismo que, décadas depois, segue ativo na legitimação de um passado compartilhado. Aborda ainda histórias inexploradas desses estádios por meio da consulta à documentação do Arquivo Nacional e da Biblioteca Nacional e dialoga com questões historiográficas relativas à disputa de memória a respeito da ditadura na sociedade brasileira. A pesquisa destaca a articulação entre membros do governo e da sociedade civil na nomeação e na manutenção dos nomes dos estádios, a constituição desses espaços como lugares de memória e a adoção de procedimentos que naturalizam o passado de forma não crítica.

Palavras-chave:
Governos Estaduais; Memória; História do Esporte

Abstract:

The article covers 14 big stadiums built by state governments between 1964 and 1985, 12 of which named after governors affiliated with Arena. The goal is to highlight the naming of stadiums as atool in the political culture of the period and as a mechanism that, decades later, remains active in legitimizing a shared past. The investigation also explores untold stories about these stadiums drawing on documentation from various databases, such as the Arquivo Nacional and the Biblioteca Nacional, and contextualize it with historiographical issues related to the dispute of memories in Brazilian society regarding the dictatorship. The research highlights the articulation between government and civil society in the naming and maintenance of stadium names, the constitution of these spaces as places of memories and the adoption of procedures that naturalize the past in a non-critical way.

Keywords:
Brazilian State Governments; Memory; Sport History

Em março de 1975, quatro estádios públicos de futebol com capacidade superior a 40 mil espectadores foram inaugurados em um intervalo de cinco dias por governadores estaduais no Brasil. O jornalista Nonnato Masson chamou o fenômeno de “o mês dos estádios” (Jornal do Brasil, 1 mar. 1975JORNAL DO BRASIL(Rio de Janeiro). 1 mar. 1975., p. 27). Com eles, os governos chegavam naquele momento ao total de 11 estádios públicos estaduais construídos em 11 anos de ditadura.1 1 As informações básicas sobre os estádios estão na Tabela 1. O curto intervalo de tempo tinha uma explicação: em 15 de março, governadores de 21 estados encerrariam seus mandatos.

Seis dias antes, no domingo, o governador de Goiás, Leonino Caiado, entregou a obra do estádio Serra Dourada, em Goiânia. Na quarta-feira seguinte, o governador José Fragelli, de Mato Grosso, inaugurou o estádio com o seu nome, apelidado de Verdão, em Cuiabá. O caso que mais chama atenção é o do governador Ernâni Sátiro, da Paraíba, que entregou o cargo ao companheiro de partido Ivan Bichara Sobreira também naquela data.

No final de semana anterior, Sátiro inaugurou dois estádios de grande capacidade - ambos com seu próprio nome. Sábado, dia 8, em Campina Grande, sem maiores problemas, deu-se a inauguração do Estádio Governador Ernâni Sátiro, o Amigão, com a partida amistosa entre Campinense e Botafogo (RJ). No dia seguinte, o governador inaugurou o Estádio Senador Ernâni Sátiro, em João Pessoa, o Satirão, com uma partida amistosa entre o Botafogo local e o homônimo carioca. Nessa partida, uma tragédia teve lugar, com dezenas de feridos.

As notícias na imprensa eram desencontradas. De acordo com o Diário de Pernambuco (10 mar. 1975, p. 1), houve pânico nas arquibancadas, mas não se sabia ao certo a causa, “embora a versão mais lógica é que tenha ocorrido um desabamento”. Segundo o Jornal do Brasil (10 mar. 1975JORNAL DO BRASIL(Rio de Janeiro). 10 mar.1975., p. 24), a polícia informou que alguém colocara uma bomba debaixo das arquibancadas e, após a explosão, um torcedor gritou que o estádio estava caindo.

Sátiro foi aos microfones do estádio. Pediu calma aos torcedores e afirmou que a partida prosseguiria, para desespero dos jogadores. Declarou ainda que o “responsável pela anarquia” seria punido. Acreditava que o acidente teria sido provocado por um “deputado subversivo”. O mandatário referia-se ao deputado estadual Ruy de Andrade Gouveia, do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), único partido legal de oposição à Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido de todos os governadores. Gouveia fizera discursos na Assembleia e dera declarações à imprensa com críticas à inauguração do estádio.

Durante a confusão, um torcedor, Carlos Roberto Silva, motorista de táxi em Guarabira (PB), distante 97 quilômetros de João Pessoa, foi preso e levado à Secretaria de Segurança Pública da capital paraibana. Ali passou a noite sendo “intensamente interrogado”, acusado de ser o autor do grito “Vai cair!” que teria gerado o pânico. O barulho teria sido proveniente não de uma bomba, mas de um “saco plástico cheio de água” arremessado no meio dos torcedores. Os interrogadores, que no dia seguinte ainda mantinham o torcedor preso, tentavam estabelecer relações entre o grito de Carlos “e os pronunciamentos do Deputado Ruy Gouveia” mas concluíram que o depoimento não levava ao “esclarecimento dos fatos”.2 2 Arquivo Nacional, Rio de Janeiro. Informes da Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça. 10 mar. 1975. Fundo: Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça (Sistema de Informações do Arquivo Nacional). Disponível em: <http://sian.an.gov.br/sianex/Consulta/>. Acesso em: 3 abr. 2020. Apesar dessa conclusão, construiu-se uma narrativa em que governador Sátiro não teria qualquer responsabilidade na tragédia por ter apressado a inauguração do estádio.

Os casos citados, relacionados ao processo de construção de estádios públicos de futebol entre 1964 e 1985, permitem compreender que a ditadura não envolve apenas estudar as políticas repressivas e as ações de resistência do período: “É necessário também explicar porque parte da sociedade apoiou o autoritarismo e analisar as estratégias utilizadas pelo Estado e seus agentes para alcançar legitimidade” (Motta, 2014MOTTA, Rodrigo Patto Sá. O golpe de 1964 e a ditadura nas pesquisas de opinião. Tempo (Niterói). v. 20, n.1, 2014., p. 2). O objetivo deste trabalho é lançar luz sobre a utilização do procedimento de nomear estádios como uma ferramenta importante na cultura política do período e como mecanismo de legitimação de uma ordem social e política que, anos e décadas depois, segue ativa na produção de um passado compartilhado. Essa prática nos ajuda a pensar na intersecção entre estruturas ideológicas hegemônicas e práticas espaciais do cotidiano.

Nosso recorte temporal engloba o período da ditadura civil-militar brasileira (1964-1985), no qual governadores da Arena inauguraram 14 estádios públicos estaduais com capacidade para mais de 40 mil pessoas, majoritariamente em estados das regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste.3 3 O único estádio construído fora destas regiões foi o Mineirão. As obras do Mineirão iniciaram-se antes do golpe de 1964. Quando ocorreu a inauguração, Magalhães Pinto era filiado à União Democrática Nacional (UDN). Foi importante articulador do golpe de 1964, tendo se filiado à Arena em 1966 e por esse motivo insere-se no nosso recorte. A construção de estádios de futebol será observada, portanto, como parte das estratégias de legitimação do regime. Os embates em torno da toponímia desses estádios servem também como oportunidade para compreender a inscrição de nomes ligados à ditadura na memória coletiva.

Pesquisar os estádios públicos da ditadura

De acordo com Mascarenhas (2014MASCARENHAS, Gilmar. Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol. Rio de Janeiro: Editora Uerj, 2014., p. 160), uma “febre de novos e imensos estádios” transcorreu de meados dos anos 1960 a meados dos anos 1980, mudando “completamente a paisagem urbana e [gerando] novos espaços de sociabilidade e expressão popular”.4 4 Muitos estádios privados (universo não incluído neste artigo) receberam recursos estatais para sua construção e/ou viabilização, como empréstimos de bancos estatais, doação ou cessão de terrenos e isenção de impostos. Ademais, havia em funcionamento no país centenas de estádios públicos e privados construídos nas décadas anteriores. Devido aos limites deste artigo, deixamos de lado também os estádios públicos municipais erguidos no período. Os 14 estádios aqui analisados fazem parte desse contexto. Foram erguidos por ações dos governadores estaduais, conhecidos como “homens de confiança da Revolução” (Manchete, 20 mar. 1971MANCHETE (Rio de Janeiro). 23 jan. 1971., p. 62). Doze deles tinham outra característica em comum: a homenagem, em seus nomes, a governadores da Arena. Em dez casos, o nome era o do próprio governador que realizou a inauguração. Nove desses estádios tiveram suas obras iniciadas durante o governo do presidente Médici (1969-1974), que, como apontado por Guterman (2004GUTERMAN, Marcos. Médici e o Futebol: a utilização do esporte mais popular do Brasil pelo governo mais brutal do Regime Militar. Projeto História (São Paulo). v. 29, n. 1, p. 267-279, 2004.) e Cordeiro (2014aCORDEIRO, Janaína. Por que lembrar?: a memória coletiva sobre o governo Médici e a ditadura em Bagé. In: REIS, Daniel; RIDENTTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo (orgs.). A ditadura que mudou o Brasil: 50 anos do golpe de 1964. Rio de Janeiro: Zahar, 2014a, p. 454-495. e 2015) era conhecido como “presidente-torcedor”. Outra característica observada foi a aceleração das obras e a inauguração precoce dos equipamentos esportivos, para que os governadores pudessem realizar a cerimônia de inauguração dentro da vigência de seu mandato. Doze dos 14 estádios foram inaugurados no último ano de mandato dos governadores, sendo nove deles com menos de seis meses para o fim dos mandatos - seis dos quais nos últimos trinta dias de governo (como os quatro citados no início).

Tabela 1
Estádios públicos estaduais com capacidade superior a 40 mil espectadores inaugurados entre 1964 e 1985

O número de estudos sobre esporte - sobretudo futebol - e ditadura cresceu significativamente no último decênio, como os trabalhos de Cabo (2018CABO, Alvaro do. Argentina/78: uma Copa do Mundo política, popular e polêmica. Curitiba: Appris, 2018.), Couto (2014COUTO, Euclides de Freitas. Da ditadura à ditadura: uma história social do futebol brasileiro. Niterói: Editora da UFF, 2014.), Magalhães (2014MAGALHÃES, Lívia Gonçalves. Tudo é um só coração?: disputas e conflitos de memória na Copa de 70. In: CORDEIRO, Janaína et al. (orgs.). À sombra das ditaduras: Brasil e América Latina. Rio de Janeiro: Mauad , 2014, p. 111-126.) e Rocha (2019ROCHA, Luiz Guilherme B. S. P. Os empresários, a pátria e a bola: nacionalismo, organização empresarial e o financiamento da seleção brasileira de futebol de 1970. Estudos Históricos (Rio de Janeiro). v. 32, n. 68, p. 655-674, 2019.), além de teses e dissertações. No entanto, esse crescimento não se materializou em reflexões sobre estádios, ginásios e demais praças esportivas, ou às homenagens de nomeação dessas praças esportivas a políticos diretamente ligados a essa estrutura autoritária, a despeito da breve passagem de Cordeiro (2014aCORDEIRO, Janaína. Por que lembrar?: a memória coletiva sobre o governo Médici e a ditadura em Bagé. In: REIS, Daniel; RIDENTTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo (orgs.). A ditadura que mudou o Brasil: 50 anos do golpe de 1964. Rio de Janeiro: Zahar, 2014a, p. 454-495.) sobre o Ginásio Presidente Médici, em Bagé (RS).

Buscamos compreender o papel que um estádio ocupa na produção do espaço urbano e nas memórias coletivas a partir da produção social do espaço, uma “teoria do espaço social que compreende, de um lado, a análise crítica da realidade urbana e, do outro, a da vida cotidiana” (Lefebvre, 2008LEFEBVRE, Henri. Espaço e política. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008., p. 17). Trata-se, portanto, de pensar o espaço como um produto da história, de natureza política e ideológica. Em sentido amplo, falar de produção social do espaço significa encará-lo como produção e reprodução de determinadas relações sociais.

O trabalho de Nora (1993)NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História (São Paulo). n. 10, p. 12, 1993. foi especialmente influente para estabelecer a ancoragem de diferentes memórias nos lugares. Juntos, memória e lugar são mobilizados para produzir grande parte do contexto das identidades modernas. Connerton (1989CONNERTON, Paul. How societies remember. Cambridge: Cambridge University Press, 1989.) argumenta que o controle da memória de uma sociedade expressa as condições de hierarquia de poder. Neste caso, a manutenção de nomes de governadores do período da ditadura em estádios públicos de futebol revela essas hierarquias e os controles da memória.

É possível abordar as maneiras pelas quais memória e lugar são direcionados para fabricar o cotidiano por meio da análise da prática comemorativa de se dar nomes a ruas. Azaryahu (1996AZARYAHU, Maoz. The power of commemorative street names. Environment and Planning D: Society and Space. v. 14, n. 3, p. 311-330, 1996.) afirma que esse processo introduz uma versão oficial da história. Sua maior virtude é fazê-la parecer totalmente desligada de contexto político. As pessoas usam esses nomes no seu cotidiano, mas quase ninguém presta atenção aos seus significados. Desse modo,“a história é interconectada com a vida cotidiana e ganha aparência natural; é o mais desejado efeito em relação à função da história como um fator legitimador” (p. 313).

Cordeiro (2014bCORDEIRO, Janaína. Entre redenção e reconciliação: a manutenção das homenagens à ditadura e aos ditadores. In: CORDEIRO, Janaína et al. (orgs.). À sombra das ditaduras: Brasil e América Latina. Rio de Janeiro: Mauad, 2014b, p. 127-142.) argumenta que há na sociedade brasileira uma disputa - entre propostas reconciliadoras e redentoras - de memórias sobre o passado da ditadura. A mesma autora (2015, p. 26) afirma que o futebol foi um “instrumento fundamental por meio do qual expressivos segmentos da sociedade manifestavam seu consentimento em relação ao regime”. A mudança de nomes de ruas, como apresentado por Dias (2012DIAS, Reginaldo Benedito. Sentidos políticos da toponímia urbana: ruas com nomes de mortos e desaparecidos políticos da ditadura militar brasileira. Patrimônio e Memória(São Paulo). v. 8, n. 1, p. 155-181, 2012.) e Gomes (2017GOMES, Fábio Cantizani. Direito à memória e à verdade e a alteração de nomes de logradouros públicos que homenageiam representantes da ditadura militar. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito de Franca (Franca). v. 12, n. 1, p. 89-116, 2017.), e de municípios, como no trabalho de Souza (2009SOUZA, César. A estrada invisível: memórias da Transamazônica. Tese (Doutorado em História), Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2009.), configura tentativas de acerto de contas e expectativas de “redenção pela memória”. Já as ações de manutenção de nomes podem ser percepções de que essa questão é página virada, configurando uma proposta de memória reconciliadora com o período. São elementos que Fico (2017FICO, Carlos. Ditadura militar brasileira: aproximações teóricas e historiográficas. Tempo e Argumento (Florianópolis). v. 9, n. 20, p. 5-74, 2017.) denominou processo de “transição inconclusa” do regime ditatorial para a atual democracia.

Se a nomeação de ruas interconecta a história com a vida cotidiana, usando um determinado passado como legitimador, podemos imaginar como a definição da toponímia se potencializa quando se trata de um estádio de futebol. Além dos nomes, esses estádios são conhecidos por apelidos aumentativos para dar dimensão da grandeza desses lugares. A prática é adotada ao menos desde a inauguração do Estádio Governador Magalhães Pinto, em Belo Horizonte, apelidado de Mineirão.

Como produto da história, um estádio “é uma centralidade constante, permanente na paisagem física e cultural” das cidades (Mascarenhas, 2014MASCARENHAS, Gilmar. Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol. Rio de Janeiro: Editora Uerj, 2014., p. 161). É um equipamento de lazer para a maior parte de seus frequentadores, mas nele também se trabalha. A interpretação de Tuan (1974TUAN, Yi-Fu. A study of environmental perceptions, attitudes, and values. New York: Columbia University Press, 1974.) sobre o amor ao lugar (topofilia) pode ser articulada ao sentimento que muitos torcedores têm pelo estádio que frequentam. Os estádios geram intensa identificação entre os torcedores, muitos dos quais acabam desenvolvendo relações de afeto - às vezes referindo-se a eles como “sua casa” (Bale, 1996BALE, John. Space, place and body culture: Yi-Fu Tuan and a geography of sport. Geografiska Annaler: Series B, Human Geography (Lund). v. 78, n. 3, p. 163-171, 1996., p. 167). Distintos segmentos sociais se agregam nos estádios para compartilhar emoções e momentos que marcam suas memórias e, por isso, são estratégicos para autoridades políticas que procuram estabelecer consenso simbólico (Burd, 2003BURD, Gene. Mediated sports, mayors, and the marketed metropolis. In: WILCOX, Ralph et al. (eds.). Sporting dystopias: the making and meaning of urban sport cultures. New York: State University of New York Press, 2003, p. 35-63.).

Segundo Jameson (1997JAMESON, Fredric. Is space political?. In: LEACH, Neil (ed.). Rethinking architecture. Londres: Routledge, 1997, p. 258-259.), prédios e construções em geral não têm um significado inerente. Eles precisam ser “investidos” de significado - ser inscritos em uma narrativa alegórica que lhes confere significado. Os apelidos dos estádios sugerem uma relação de proximidade e, por que não, de afeto, remetendo à dimensão partilhada de se relembrar e à natureza social da produção do espaço.5 5 Admitimos, contudo, que não necessariamente isso se dá com todos os torcedores e/ou em todas as vezes que alguém se refere ao estádio utilizando o apelido. Nossa preocupação é inserir a nomeação dos estádios nessa “batalha de memórias”. Procuramos ir além da narração de fatos que envolvem planejamento, construção, administração e usos dos estádios. Trata-se de compreender como uma determinada concepção sobre esses estádios se estabeleceu, qual o significado desse processo e a que tipo de projeto de memória serve (Pereira, 2015PEREIRA, Mateus Henrique de Faria. Nova direita? Guerras de memória em tempos de Comissão da Verdade (2012-2014). Varia Historia(Belo Horizonte). v. 31, n. 57, p. 863-902, 2015.). Para isso, é necessário descrever e analisar como a nomeação e a manutenção desses nomes e os apelidos aumentativos dos estádios estão inseridos em memórias reconciliadoras.

Para o levantamento inicial dos estádios que se enquadravam nos parâmetros estabelecidos, utilizamos o Cadastro Nacional de Estádios de Futebol6 6 CONFEDERAÇÃO Brasileira de Futebol. CNEF: Cadastro Nacional de Estádios de Futebol. 4ª revisão. 23 out. 2013. Disponível em: <https://conteudo.cbf.com.br/cdn/201309/316211870.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2020. e o relatório “Diagnóstico de educação física/desportos no Brasil”, de Lamartine Pereira da Costa.7 7 Publicado pelos Ministérios do Planejamento e Coordenação Geral e da Educação e Cultura em 1971. O primeiro é um documento oficial da Confederação Brasileira de Futebol e o outro um documento produzido pelo Ministério da Cultura. Esses documentos atestam dados sobre a capacidade desses estádios.

As fontes para buscar informações sobre esses estádios foram obtidas em duas bases digitais. Esses arquivos contemplam uma das marcas da pesquisa histórica em tempos digitais: a “mudança de uma cultura de escassez para uma cultura de abundância” (Maynard, 2016MAYNARD, Dilton. Passado eletrônico: notas sobre história digital. Acervo: Revista do Arquivo Nacional (Rio de Janeiro). v. 29, n. 2, p. 103-116, 2016., p. 108). Foram utilizadas a Hemeroteca Digital Brasileira (HDB) e o Sistema de Informação do Arquivo Nacional (Sian). A pesquisa foi realizada por meio de palavras-chave que envolviam nomes e apelidos dos estádios, das fundações estaduais responsáveis pela construção e administração dos mesmos e de administradores. A partir dessa busca, selecionamos documentação que pudesse nos elucidar questões relacionadas à construção e gestão dos estádios, bem como as narrativas criadas em torno dessas obras e notícias que nos ajudassem a acessar outros elementos do passado desses estádios em contraponto com os discursos conciliatórios em torno deles.

A HDB é uma base de dados que vem sendo cada vez mais utilizada por historiadores/as, com repercussão em diversos campos da historiografia (Brasil e Nascimento, 2020BRASIL, Eric; NASCIMENTO, Leonardo Fernandes. História digital: reflexões a partir da Hemeroteca Digital Brasileira e do uso de Caqdas na reelaboração da pesquisa histórica. Estudos Históricos(Rio de Janeiro). v. 33, n. 69, p. 196-219, 2020.). A partir dela, pudemos investigar as narrativas sobre os impactos das obras, o alinhamento de discursos de modernização e algumas críticas ao processo. Assinalamos a extensa presença de reportagens sobre esses estádios e a utilização intensa de seus nomes e apelidos em jornais e revistas de destaque, como Manchete, Jornal do Brasil, Correio Braziliense, Diário de Pernambuco e Jornal dos Sports. A Manchete, por exemplo, uma das principais revistas do período, tornou-se um “aparelho ideológico de Estado” durante a ditadura (Martins, 1999MARTINS, Ricardo C. Ditadura militar e propaganda política: a revista Manchete durante o governo Médici. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais), Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, 1999., p. 4). Entre os limites da plataforma estão a impossibilidade de acesso a periódicos que se encontram em acervos digitais privados.

A consulta no Sian foi realizada em documentos arquivados nos Fundos do Serviço Nacional de Informação (SNI), da Comissão Geral de Investigação (CGI) e da Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça (DSI/MJ). Eram órgãos que tinham como objetivo a coleta de informações como instrumento de controle (Joffily, 2014JOFFILY, Mariana. O aparato repressivo: da arquitetura ao desmantelamento. In: REIS, Daniel; RIDENTTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo(orgs.). A ditadura que mudou o Brasil: 50 anos do golpe de 1964. Rio de Janeiro: Zahar, 2014, p. 384-417.). Encontramos investigações sobre práticas de irregularidades em licitações com empreiteiras e demais prestadoras de serviços, desvio de verbas, evasão de rendas de jogos e documentos como o que citamos sobre a investigação da tragédia ocorrida na inauguração do Satirão. Essas fontes nos permitem ter acesso a histórias não contadas sobre esses estádios, que se contrapõem às narrativas dos meios de comunicação e do poder público. Para dados biográficos sobre as lideranças políticas citadas usamos o Dicionário histórico-biográfico brasileiro do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getulio Vargas (CPDOC/FGV).

Tendo em vista os aportes conceituais e historiográficos citados, em um primeiro momento, discutimos a produção social desses estádios para que pudéssemos adentrar os interesses organizados de uma composição diversificada de classes e frações que integram os grupos dirigentes no contexto da ditadura civil-militar. Investigamos questões ligadas à construção e administração desses estádios, compreendendo-os como estando inseridos em uma proposta de país apresentado pela ditadura e exemplificando algumas das práticas ilícitas envolvidas neste processo. Em um segundo momento, investigamos a nomeação desses equipamentos urbanos, as disputas sobre as homenagens prestadas e a projeção de nomes e apelidos até a contemporaneidade. Buscamos compreender a naturalização de um passado compartilhado por meio dos discursos sobre esses estádios, problematizando tanto a existência dos mesmos, quanto o lugar que ocupam na memória social.

A “febre dos grandes estádios”

Durante a ditadura, numerosas obras públicas de envergadura foram utilizadas para efeito de propaganda do regime. Eram realizadas “a toque de caixa” e com “acusações de uso incorreto do dinheiro público”, entre outros problemas (Campos, 2014CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. Estranhas catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar, 1964-1988. Niterói: Editora da UFF/Faperj, 2014., p. 379). A construção de estádios integra esse contexto. A construção e nomeação dos estádios aqui analisados compunham, dessa maneira, a conjuntura do “milagre” e faziam parte da montagem de uma “engrenagem do consentimento” (Cordeiro, 2015CORDEIRO, Janaína. A ditadura em tempos de milagre: comemorações, orgulho e consentimento. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2015.).

O Decreto-lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967 e o Decreto-lei n. 900, de 29 de setembro de 1969, regulamentavam o funcionamento de fundações para a licitação e fiscalização das obras dos estádios a serem construídos pelo país, bem como para sua gestão. Eram órgãos de administração federal, designados como entidades da “administração indireta”. Poderiam ser inclusive de economia mista, sem fins lucrativos, e deveriam prestar contas e ser fiscalizados por meio dos ministérios. Cada um tinha um conselho consultivo com membros nomeados pelos governos federal e estadual.

A importância da construção de estádios para os governadores pode ser atestada em um memorando sobre o ministro do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas, Jorge Alberto Mendes, arquivado no Fundo da DSI/MJ, no Sian. Assinado pelo então governador Danilo Areosa (Arena, 1967-1971), foi endereçado em caráter sigiloso ao ministro da Justiça Luiz Antônio da Gama e Silva. O objetivo expresso no memorando era o de auxiliar o Governo Federal no “exame da conveniência de afastar da vida pública do país, pessoas que, pela sua conduta, demonstram incompatibilidade com os princípios sadios da Revolução”.

Foram apresentadas dez denúncias contra Jorge Alberto Mendes. Uma delas era a de que o Tribunal de Contas, no início de 1969, havia sustado a execução do contrato de obras do Estádio Vivaldo Lima. Mendes, que ordenou a sustação, teria se aproveitado desse fato para ir a rádios de Manaus para criticar o governo. Areosa afirma que o estádio era uma “promoção de interesse coletivo” e que Mendes “viu no fato uma excelente oportunidade para a sua atividade nefasta de agitar, de intranquilizar, de jogar o povo contra o Governo”. Tratava-se da atitude de um “anarquista a semear ódio; a do irresponsável a estimular conflitos”.8 8 Arquivo Nacional. Governo do Estado do Amazonas. 15 abr. 1969. Fundo: Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça. (Sistema de Informações do Arquivo Nacional). Disponível em: <http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_rjanrio_tt/0/irr/pro/0073/br_rjanrio_tt_0_irr_pro_0073_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 6 set. 2019.

Durante os anos 1970, órgãos de imprensa, setores da sociedade e, principalmente, o governo brasileiro se orgulhavam do tamanho dos estádios que se inauguravam. Segundo a revista Manchete, o Brasil tinha “210 estádios gigantescos” (Manchete, 23 jan. 1971MANCHETE (Rio de Janeiro). 20 mar. 1971., p. 36). Em 1978O FLUMINENSE(Rio de Janeiro). 17 jul. 1978., o jornal O Fluminense afirmava que os 308 estádios do país comportariam juntos mais de cinco milhões de pessoas e que “todos os maiores estádios do mundo reunidos, se lotados, perdem disparado para os estádios que existem no Brasil, por uma diferença de 2.972.234 lugares” (16 a 22 jul. 1978O FLUMINENSE(Rio de Janeiro). 22 jul. 1978., p. 71). Possíveis exageros à parte, os trechos dão a dimensão do ufanismo que impregnava segmentos da sociedade, inclusive o jornalismo.

Poucas vozes faziam críticas à construção dos estádios. Em 1972, o jornal A Luta DemocráticaA LUTA DEMOCRÁTICA(Rio de Janeiro). 31 jul.1970. publicou o artigo “A febre dos grandes estádios”, assinado por Antônio Manoel Góes. Góes afirma que os “belíssimos e luxuosos estádios fornecem a conotação da imagem paradoxal da atualidade” e critica as construções nas capitais nordestinas, em detrimento dos “míseros campinhos de barro” das cidades do interior (A Luta Democrática, 30 e 31 jul. 1970A LUTA DEMOCRÁTICA(Rio de Janeiro). 30 jul. 1970., p.10).

A documentação do Sian mostra três elementos que compuseram a realidade da construção e da gestão dos estádios pelos poderes públicos estaduais durante a ditadura: problemas com licitações nas obras, superfaturamento e evasão de divisas por meio de funcionários públicos administradores desses estádios.

Uma das investigações sobre o processo de licitações feitas para construtoras focou o Estádio Serra Dourada (GO). A empresa que realizou a obra foi a Guarantã S/A. Quando o estádio foi inaugurado, a revista Manchete, que fazia publicidade dessa empreiteira em suas páginas, publicou matéria elogiando o arrojo da empresa e a importância da obra (Manchete, 29 mar. 1975MANCHETE (Rio de Janeiro). 23 jan. 1971., p. 140 e 141). Apesar desse tipo de discurso, em 1976, a Comissão Geral de Investigação (CGI/Subcomissão de Goiás) ofereceu denúncia contra a Fundação Estadual de Esportes (FEE) de Goiás, órgão responsável pela licitação do Serra Dourada. Segundo o relatório, o ex-governador Caiado incluiu a construção do estádio entre as suas grandes metas e “tinha como ponto de honra entregá-lo ao povo antes de expirada sua administração”.

O contrato com a Guarantã para a execução total da obra tinha o valor de Cr$ 44.678.646,26. Sete meses após o início dos trabalhos, a construtora alegou problemas no projeto, realizado por outra empresa, a Serete S/A, e abandonou a obra. Mesmo com a Guarantã tendo recebido mais de 70% do valor total do contrato, em reunião entre representantes da FEE, da Guarantã e da Serete, optou-se pela rescisão do contrato e pela realização de nova licitação para conclusão da obra. A Guarantã venceu a nova licitação e, de acordo com o relatório final da investigação, houve “a inobservância aos princípios básicos das Leis Orçamentárias e de Licitação”. A empreiteira faturou, no total, a soma de Cr$ 179.609.128,08, um aumento de 402% em relação ao primeiro projeto assinado com a FEE.9 9 “A Rescisão do contrato inicial, sem nenhuma objeção por parte da Fundação, naquela ocasião representada pelo seu diretor presidente, engenheiro Lamartine Reginaldo da Silva Junior, é estranhável, por atender pura e simplesmente às pretensões da firma construtora”. Arquivo Nacional. Comissão Geral de Investigações. Subcomissão de Goiás. 13 abr. 1976. Fundo: Comissão Geral de Investigações. (Sistema de Informações do Arquivo Nacional). Disponível em: <http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_1m/0/0/1516/br_dfanbsb_1m_0_0_1516_d0007de0007.pdf >. Acesso em: 8 abr. 2020.

A administração dos estádios constituiu oportunidade de desvios de verbas. Daremos aqui um exemplo que engloba as duas situações e envolve um oficial das Forças Armadas. O caso é narrado em documento da Agência de Manaus do Serviço Nacional de Informações (AMA/SNI), sobre um processo de investigação de desvio de dinheiro por parte do presidente da Administração do Estádio Vivaldo Lima (Adem Vivaldão), o capitão do Exército Alfredo Alexandre de Souza, lotado no próprio SNI. O documento aponta que o militar tinha antecedentes de haver praticado “diversas irregularidades no manuseio de recursos da AMA/SNI” e que foi “compelido a repor a quantia de Cr$ 25.121,80 aos cofres da AMA/SNI”.

Após esse episódio, o capitão Alfredo foi convidado pelo governador Danilo Areosa para presidir a Adem Vivaldão. Na administração desse estádio, realizou uma operação financeira para devolver o dinheiro que havia “manuseado irregularmente” quando estava na AMA/SNI. A operação foi denunciada pela tesoureira da Adem Vivaldão, a funcionária pública Mariza Melita Barreiro, mesmo sofrendo ameaças do capitão - e tendo recebido uma oferta para ficar em casa recebendo salário sem trabalhar.

O capitão Alfredo recebeu um cheque de Teófilo Marinho, então presidente da Loteria Estadual, no valor de Cr$ 23.500,00 (cerca de 150 salários mínimos)10 10 Valor do salário mínimo segundo o Decreto n. 64.442, de maio de 1969, era de NCr$ 158,00. para auxiliar no fluxo de caixa do estádio. Obrigou Mariza, como tesoureira, a endossar o cheque, sem que ela soubesse do valor. Disse a ela que ele mesmo faria o depósito na conta da Adem Vivaldão, contrariando o procedimento normal, pois a própria tesoureira fazia esse tipo de trabalho.

De acordo com a investigação, o cheque de Cr$ 23.500,00 não foi depositado na conta da Adem Vivaldão. O capitão sacou o cheque em espécie no Banco Real e no mesmo dia realizou um depósito de Cr$ 25.121,80 na conta da AMA/SNI. A conclusão da investigação é a de que o capitão Alfredo complementou “com recursos próprios o depósito” do valor que havia sido obrigado a devolver à AMA/SNI.11 11 Arquivo Nacional. Serviço Nacional de Informações. Agência de Manaus. 30 jan 1971. Fundo: Serviço Nacional de Informações. (Sistema de Informações do Arquivo Nacional). Disponível em: <http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/aaa/78109873/br_dfanbsb_v8_mic_gnc_aaa_78109873_d0001de0001.pdf >. Acesso em: 5 abr. 2020.

Nos fundos arquivados no Sian é possível encontrar diversos documentos com investigações de gestores (civis e militares) de estádios. Embora os crimes fossem investigados, as punições, quando ocorriam, eram brandas (como devolução do dinheiro desviado e transferência para outros cargos). Em vários casos, os acusados seguiram ocupando cargos por indicação na administração pública e/ou atuando na cena política.

Toponímia dos estádios como discursos de conciliação

A nomeação dos “estádios gigantescos” marcava uma profunda modificação na paisagem urbana. Conforme Arthur Cantalice, jornalista conhecido por sua atuação militante na oposição à ditadura, no artigo “No país dos estádios”, estes eram “elefantes brancos” em que “os nomes de muitos governadores vaidosos ficarão perpetuados nas placas de bronze” (Opinião, 22 ago. 1975OPINIÃO (Rio de Janeiro). 22 ago. 1975., p. 8).

Os nomes (e apelidos) foram perpetuados além das placas comemorativas. A maioria se cristalizou na memória e no uso cotidiano. Dos 12 estádios com nomes de governadores construídos no período, apenas quatro mudaram até o presente. O Estádio Governador Lamenha Filho passou a se chamar Rei Pelé ainda em 1970, por iniciativa do próprio Lamenha Filho, após a conquista do tricampeonato mundial pela seleção de futebol. O Estádio Ernâni Sátiro (João Pessoa) mudou seu nome em 1976, por meio de decreto assinado pelo governador Ivan Bichara, passou a se chamar Estádio José Américo de Almeida Filho, o Almeidão. O homenageado fora o jogador de futebol que morrera com a família em um acidente automobilístico em 1973. Seu pai, José Américo de Almeida, apoiou os movimentos que levaram a rupturas de regime em 1930, 1945 e 1964 e ocupou numerosos cargos públicos.12 12 Pantoja, Sílvia. Almeida, José Américo de. In: Abreu, Alzira et al. (coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro, pós-1930. Rio de Janeiro: CPDOC, 2010. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/almeida-jose-americo-de>. Acesso em: 2 abr. 2020.

As duas outras mudanças se deram no século XXI. Em Belém, o então governador Alacid Nunes aprovou o projeto de construção do estádio em 1969, lançou a pedra fundamental e iniciou as obras pouco antes de acabar seu mandato, em março de 1971. Mesmo não conseguindo concluí-la, garantiu a indicação de seu nome para o estádio. Em maio daquele ano, o Jornal do Comércio (AM) noticiou que Lamartine Nogueira (filiado à Arena), ex-presidente do Banco da Amazônia e que estava à frente da Fundação Desportiva Paraense (Fudepa), encarregada da obra, havia tentado “trocar o nome do estádio de futebol, ora em construção, de Alacid Nunes para Mangueira”. Tal tentativa motivou a bancada da Arena na Assembleia Legislativa a entregar à Comissão Executiva do partido um memorial solicitando a expulsão de Lamartine do partido (Jornal do Comércio, 23 maio 1971JORNAL DO COMÉRCIO(Manaus). 23 maio 1971., p. 1). O estádio só mudou de nome em 2002, após ampla reforma, quando passou a homenagear o jornalista esportivo Edgar Augusto Proença.

O estádio que mudou de nome mais recentemente foi o Governador José Fragelli, em Cuiabá (MT). Ele foi demolido em 2009, visando à construção de um novo equipamento para abrigar jogos da Copa do Mundo de 2014. Ao ser inaugurada, a nova praça esportiva recebeu o nome de Arena Pantanal.

A maioria dos estádios expostos em nosso recorte mantém o nome inaugural. Os casos em que os nomes foram trocados não parecem ter relação direta com o processo de redenção pela memória. Não houve um intenso debate público, como o descrito por Dias (2012DIAS, Reginaldo Benedito. Sentidos políticos da toponímia urbana: ruas com nomes de mortos e desaparecidos políticos da ditadura militar brasileira. Patrimônio e Memória(São Paulo). v. 8, n. 1, p. 155-181, 2012.) no caso de outros logradouros públicos. Outrossim, dois casos escapam à tendência hegemônica. O primeiro foi a recusa do governador do Distrito Federal, Hélio Prates da Silveira, em dar o próprio nome ao estádio construído em sua gestão. Construído quase integralmente durante o governo de Prates, o estádio de Brasília integrava o Conjunto Esportivo Presidente Médici, com ginásio poliesportivo, piscinas cobertas, quadras de tênis, velódromo e autódromo.13 13 Oficial do Exército, Silveira governou o DF de 1969 a 1974 por indicação de Médici. Silveira, Hélio Prates da. In: Abreu, Alzira et al. (coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro, pós-1930. Rio de Janeiro: CPDOC, 2010. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/almeida-jose-americo-de>. Acesso em: 4 maio 2020. Editorial do Correio Braziliense considerou-o uma “obra imensurável que o Governo Helio Prates legou a Brasília” (10 jan. 1974CORREIO BRAZILIENSE(Brasília). 10 jan. 1974., p. 2). O estádio de futebol seria usado pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília (Ceub), equipe que fora convidada a integrar a primeira divisão do Campeonato Brasileiro, em 1973. Às vésperas da inauguração, dirigentes do Ceub organizaram um jantar com autoridades públicas com o intuito de convencer Prates a aceitar que o estádio levasse seu nome. Ele agradeceu a homenagem, mas se recusou a dar o próprio nome ao estádio, pois esse era apenas “mais uma obra” do “Centro Desportivo que já leva o nome do Presidente Médici”. Para o governador, “seria suficiente chamar Estádio de Futebol de Brasília, integrante do Centro Desportivo Presidente Médici” (Correio Braziliense, 16 fev. 1974CORREIO BRAZILIENSE(Brasília). 16 fev.1974., p. 12). O Ceub seguiu fazendo campanha: “Brasília não pode ser ingrata” (Correio Braziliense, 8 mar. 1974CORREIO BRAZILIENSE(Brasília). 8 mar. 1974., p. 16).

O estádio seguiu sem um nome próprio até 1983. Aproveitando a realização de obras, em 23 de janeiro daquele ano, a Associação Brasileira de Cronistas Esportivos sugeriu que o estádio mudasse de nome em homenagem póstuma ao jogador Mané Garrincha, que falecera 3 dias antes (Correio Braziliense, 24 jan. 1983CORREIO BRAZILIENSE(Brasília). 10 fev. 1983., p. 20). A proposta foi aceita e um decreto foi assinado pelo governador José Ornelles (Partido Democrático Social) (Correio Braziliense, 10 fev. 1983CORREIO BRAZILIENSE(Brasília). 24 jan. 1983., p. 18), que se mantém até a atualidade.

O segundo foi a tentativa de alterar o nome do estádio Rei Pelé de volta para Lamenha Filho, em Maceió. Quando inaugurado, o estádio levava o nome do então governador. No entanto, o próprio Lamenha Filho aprovou a mudança do nome do estádio para Rei Pelé, após a conquista do tricampeonato da Copa do Mundo. Em 1972, durante o campeonato brasileiro daquele ano, o Santos faria jogo contra o Clube de Regatas Brasil (CRB) no Estádio Rei Pelé. O governo de Alagoas preparou grande festa para homenagear o jogador. No entanto, Pelé se machucou e sequer viajou para receber as homenagens. O Diário de Pernambuco noticiou uma campanha para que o estádio voltasse a ser Governador Lamenha Filho (3 out. 1972DIÁRIO DE PERNAMBUCO(Recife). 6 out. 1968., p. 17). A campanha não logrou e o estádio seguiu com o nome do jogador. Em 2019, uma proposta para mudar o nome do estádio de Rei Pelé para Rainha Marta14 14 Em alusão à jogadora alagoana Marta Vieira da Silva, eleita a melhor jogadora do mundo por seis vezes. foi aprovada na Assembleia Legislativa de Alagoas (Cavalcante, 2020CAVALCANTE, Mac. Rei Pelé, 50 anos: projeto de ­mudança do nome do estádio para Rainha Marta está parado. Globo EsporteAlagoas, 2020. Disponível em: ­<Disponível em: ­https://globoesporte.globo.com/al/noticia/rei-pele-50-anos-projeto-de-mudanca-do-nome-do-estadio-para-rainha-marta-esta-parado.ghtml >. Acesso em: 4 dez. 2020.
https://globoesporte.globo.com/al/notici...
). O projeto está parado desde então.

Cordeiro (2014bCORDEIRO, Janaína. Entre redenção e reconciliação: a manutenção das homenagens à ditadura e aos ditadores. In: CORDEIRO, Janaína et al. (orgs.). À sombra das ditaduras: Brasil e América Latina. Rio de Janeiro: Mauad, 2014b, p. 127-142.) argumenta que, para compreender a manutenção e defesa desses nomes, precisamos atentar para a percepção da população sobre a realidade anterior a essas homenagens e sobre o papel desempenhado pelo homenageado. Os estádios alteraram não apenas as urbes em questão, mas também mudaram a geografia do futebol nacional. Os vínculos de governadores da Arena e políticos locais contribuíram para que equipes fossem inseridas na primeira divisão nacional, independentemente de suas qualidades técnicas. Apenas para termos uma ideia desse impacto, podemos observar o exemplo de Maceió (AL). Antes da inauguração do Rei Pelé, em 1970, com capacidade para 45 mil pessoas, os dois principais estádios do município eram o Gustavo Paiva, de propriedade do Centro Sportivo de Alagoas (CSA), e o Severiano Gomes Filho, do CRB, com capacidade para seis mil e três mil espectadores, respectivamente (Diário de Pernambuco, 6 out. 1968DIÁRIO DE PERNAMBUCO(Recife). 6 out. 1968., p. 27). Além disso, entre 1972 e 1985, Alagoas sempre teve ao menos uma equipe representante do estado no campeonato brasileiro, chegando a ter três representantes em 1979.

Com isso, clubes, seleções e craques passavam a comparecer a essas cidades para atuar nos novos estádios. Eventos musicais e até a visita do papa tiveram como palco esses estádios, alterando profundamente a percepção de entretenimento nesses municípios e entorno.

Acreditamos ser importante também observar as narrativas construídas ao longo do tempo, que participam da construção dessa percepção, por parte da população sobre a situação anterior e posterior à existência dos estádios e sobre o papel desempenhado pelos governadores homenageados. Esse processo pode ser percebido, por exemplo, em programas de televisão e nos discursos em efemérides como aniversários da inauguração dos estádios.

Em 2013, a TV Globo do Ceará exibiu reportagem de oito minutos no seu programa matinal diário, “Bom Dia, Ceará”, para celebrar os 40 anos do “nosso querido Castelão”, uma homenagem ao “amigo Castelão”. Relembrou “fatos marcantes desse estádio que se confunde com a história de tantas gerações”. Um torcedor emocionado afirmou: “Isso aqui é meu, cara!”. Imagens do papa João Paulo II, Xuxa, Beyoncé e Paul McCartney mostravam que aquele também foi palco de outras celebridades. No futebol, destaque para jogos da seleção brasileira e do campeonato cearense. Seguem-se imagens da demolição e da construção do novo estádio, que teve o nome mantido e daria lugar a jogos da Copa do Mundo de futebol de 2014. A reportagem se encerra assim: “Parabéns, Castelão. E obrigado por ser testemunho e palco das nossas emoções. O Castelão foi e sempre será nosso”.15 15 Estádio Castelão completa 40 anos nesta segunda-feira. Bom dia Ceará. Fortaleza: Rede Globo, 11 nov. 2013. Programa de TV. Disponível em: <http://g1.globo.com/ceara/bom-dia-ce/videos/t/edicoes/v/estadio-castelao-completa-40-anos-nesta-segunda-feira-11/2947047/>. Acesso em: 2 abr. 2020. A reportagem omite momentos marcantes, mas que fogem a essa narrativa de afetos positivos em relação ao lugar. Como na visita do papa, quando péssimas condições de conservação e falta de organização provocaram um tumulto que causou a morte de duas senhoras e uma menina de 7 anos.16 16 Arquivo Nacional. Informes da Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça. 9 jul. 1980. Fundo: Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça. (Sistema de Informações do Arquivo Nacional). Disponível em: <http://sian.an.gov.br/sianex/Consulta/>. Acesso em: 5 ago. 2020.

Em reportagem do Globo Esporte da TV Globo do Piauí, em 2018, o “maior estádio do Piauí” completava “45 anos de muita história para contar”. O “gigante de concreto” tinha nascido com nome de governador, “mas todo mundo só chama de Albertão, mesmo”. Ao abordar que seu uso não é mais o mesmo devido às crises do futebol piauiense, termina com a seguinte frase: “Tem que respeitar o Albertão. 45 anos não são 45 dias, nem 45 minutos”.17 17 Albertão completa 45 anos de muita história. Globo Esporte. Teresina: Rede Globo. 25 ago.2018. Programa de TV. Disponível em: <https://globoplay.globo.com/v/6972288/>. Acesso em: 2 abr. 2020. A data marcava também 45 anos da morte de quatro torcedores vítimas da queda de um gradil que “cedeu ao peso da torcida” na inauguração do estádio, em 1973. A narrativa da reportagem, que não mencionou a tragédia, contrasta com a manchetes de um dos principais jornais esportivos do país: “Desabamento e sangue no Piauí” (Jornal dos Sports, 27 ago. 1973JORNAL DOS SPORTS(Rio de Janeiro). 27 ago. 1973., p. 1).

Em 2015, os sites Globo Esporte da TV Cabo Branco e da TV Paraíba (afiliadas da Rede Globo) exibiram reportagens comemorando os 40 anos dos estádios de Campina Grande e João Pessoa. A primeira aborda as “curiosidades que cercaram as obras” e “histórias pré-inauguração” dos dois equipamentos que “a princípio receberam o nome do mesmo político, o governador da época e idealizador dos projetos: Ernâni Sátiro” (Caldas, Batista e Wanderley, 2015CALDAS, Phelipe; BATISTA, Silas; WANDERLEY, Hévila. 40 anos de Amigão e Almeidão: veja curiosidades que cercaram as obras. Globo Esporte Paraíba, 2015. Disponível em: <Disponível em: http://globoesporte.globo.com/pb/noticia/2015/03/40-anos-de-amigao-e-almeidao-veja-curiosidades-que-cercaram-obras.html >. Acesso em:4 ago. 2020.
http://globoesporte.globo.com/pb/noticia...
). As histórias são contadas pelo então engenheiro Carlos Pereira de Carvalho, primeiro superintendente da Superintendência de Desenvolvimento dos Estádios da Paraíba (Sudepar). Carlos atesta a ênfase do governador na construção dos estádios.

A segunda reportagem aborda “cinco atos” decorridos na história do Almeidão (Wanderley, 2015WANDERLEY, Hévila. Almeidão em cinco atos: os 40 anos do maior estádio de João Pessoa. Globo Esporte Paraíba, 2015. Disponível em:<Disponível em:http://globoesporte.globo.com/pb/noticia/2015/03/almeidao-em-cinco-atos-os-40-anos-do-maior-estadio-de-joao-pessoa.html >. Acesso em: 4ago. 2020.
http://globoesporte.globo.com/pb/noticia...
). O “primeiro ato” tem o subtítulo “O começo de tudo”. Quem relembra esse período é um jornalista esportivo da região, Eudes Moacir Toscano. Segundo ele, como os estados vizinhos começavam a construir estádios com ajuda do Governo Federal, Ernâni Sátiro “começou a sofrer pressão popular”: “Foi por isso que ele resolveu construir uma arena na capital e outra em Campina Grande”. A matéria também lembra que Sátiro deu nome aos dois estádios. O engenheiro Carlos Pereira falou sobre a confusão na inauguração em João Pessoa, abordada no início deste artigo. Afirmou ter sido um “susto inesquecível” e reproduziu a história de um suposto plano do deputado Ruy Gouveia, “oposição cerrada ao governador e contra a construção dos estádios” e que teria dado “uma declaração dizendo que o estádio iria cair”. Carlos afirma que estava na “tribuna de honra quando soltaram uma bomba em uma parte da arquibancada. Como todo mundo estava com medo, a multidão correu para a grade da arquibancada”. Nenhuma palavra sobre o torcedor preso e “intensamente interrogado” para corroborar o plano subversivo do deputado.

As efemérides citadas reforçam as narrativas do período da ditadura. A topofilia é notada em falas de diferentes personagens que viveram a concepção das obras, as construções e seus usos cotidianos. É ressaltado o papel dos governadores e são silenciadas as histórias que poderiam problematizar essas homenagens. Espalham-se e naturalizam-se os discursos reconciliadores sobre a participação desses governadores na ditadura.

Considerações finais

Fora do recorte proposto neste trabalho, observamos algumas políticas públicas envolvendo a memória da ditadura. Uma delas foi a mudança do nome do estádio municipal, inaugurado em 1972, em Natal (RN), pelo prefeito Jorge Ivan (Arena) com o nome de Presidente Castelo Branco. Em 1989, o vereador do Partido da Frente Liberal, Marcílio Carvalho, apresentou um projeto de lei propondo a mudança do nome para João Cláudio Machado, que presidira a Federação Norte Rio-Grandense de Desportes entre 1954 e 1974. O projeto foi aprovado na Câmara de Vereadores e a lei foi assinada pela prefeita Wilma de Faria (Partido Democrático Trabalhista) em junho de 1989 (Diário de Natal, 23 jun. 1989DIÁRIO DE NATAL(Natal). 23 jun. 1989., p. 9).

Diferentemente do que acontece com o ginásio municipal poliesportivo de Bagé-RS (cidade natal de Médici) que segue com o nome do ex-presidente (Cordeiro, 2014aCORDEIRO, Janaína. Por que lembrar?: a memória coletiva sobre o governo Médici e a ditadura em Bagé. In: REIS, Daniel; RIDENTTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo (orgs.). A ditadura que mudou o Brasil: 50 anos do golpe de 1964. Rio de Janeiro: Zahar, 2014a, p. 454-495.), ainda em 1996, o Complexo Desportivo Presidente Médici, em Brasília (DF), passou a se chamar Ayrton Senna, em homenagem póstuma ao piloto tricampeão mundial da principal categoria de automobilismo, falecido em 1994. Mais recente foi a mudança do nome do estádio Presidente Médici, em Itabaiana (SE), em 2016. Esta, sim, diretamente ligada com “iniciativas de rever a nomenclatura de logradouros públicos que homenageavam nomes relacionados à ditadura militar” (Joffily, 2018JOFFILY, Mariana. Aniversários do golpe de 1964: debates historiográficos, implicações políticas. Tempo e Argumento(Florianópolis). v. 10, n. 23, p. 204-251, 2018., p.233). O então governador de Sergipe, Jackson Barreto (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), assinou a lei com a mudança do nome do estádio estadual para homenagear Etelvino Mendonça, personagem ligado ao desenvolvimento do esporte na cidade. Barreto, que fora vereador, deputado estadual e federal pelo MDB durante a ditadura, declarou que tratava-se de uma

orientação da Comissão Nacional da Verdade promover a alteração da denominação de prédios e instituições públicas que homenageiam aqueles que contribuíram para violência e afrontam aos direitos humanos sendo responsáveis por torturas, assassinatos de presos políticos e exílios durante o Regime Militar (Oficial..., 2016OFICIAL: Estádio de Itabaiana deixa de ser ‘Médici’ e vira Etelvino Mendonça. TV Sergipe/Rede Globo, 2016. Disponível em: <Disponível em: http://globoesporte.globo.com/se/noticia/2016/01/oficial-estadio-de-itabaiana-deixa-de-ser-medici-e-vira-etelvino-mendonca. html >. Acesso em:15 ago. 2020.
http://globoesporte.globo.com/se/noticia...
).

Embora pontuais, tais mudanças apontam que o acerto de contas com a ditadura, no campo esportivo, vem acontecendo com praças esportivas nomeadas em homenagem aos generais que ocuparam a presidência, como aconteceu com Castello Branco e, principalmente, Médici.O mesmo não pode ser dito em relação aos governadores que deram nomes aos estádios.

No ocaso da ditadura, em 1984, a Editora Três publicou o livro Retrato do Brasil: da Monarquia ao Estado militar, editado por Mino Carta. A publicação dedicou uma parte aos estádios erguidos no período. O subtítulo “Brasil-grande, estádios gigantescos” foi usado para exemplificar a militarização do esporte, chegando à conclusão de que “o carnaval de esbanjamento do dinheiro público [...] passou furioso pelo futebol”. Eram “mais de uma dezena de gigantescos monstros de concreto” (Savoy; Garcia, 1984SAVOY, Isney; GARCIA, Júlio. No país do futebol. In: CARTA, Mino(ed.). Retrato do Brasil: da monarquia ao Estado militar. São Paulo: Editora Três, 1984, p. 217-222., p. 221).

Esse tipo de crítica deixou de ser feito em relação a esses estádios. Ao contrário, os discursos dominantes feitos pelos grandes meios de comunicação reforçam os aspectos de topofilia e a produção social desses espaços, onde políticos, imprensa e torcedores atuam cotidianamente. Tais nomes permanecem sendo utilizados em equipamentos esportivos que funcionam como espaços de lazer, de trabalho, visitação turística etc.

A construção, inauguração, escolha do nome e o uso social e popular de estádios durante o período ditatorial abarcam diversos fatores além da oferta de lazer. Estão ligados à reconfiguração do papel e da escala das empreiteiras no país e no exterior, em termos econômicos e políticos. Relacionam-se ao discurso e à percepção dos estádios como exemplos “concretos” e “gigantescos” das realizações da ditadura. São engrenagens do consentimento. O fenômeno também nos ajuda a pensar nas práticas autoritárias e nos projetos de aparelhamento do esporte como uma política de Estado, bem como compreender mais uma camada de discursos de conciliação em nossa transição inconclusa da ditadura para a democracia.

O uso desses nomes no dia a dia implica necessariamente uma adesão total ao regime? É provável que muitas pessoas o façam sem refletir sobre a questão e/ou não se importem. E talvez resida aí a maior força desse tipo de discurso como fator legitimador. Para uma compreensão completa e aprofundada do fenômeno, são necessárias pesquisas que tratem da construção e nomeação de estádios em períodos democráticos e autoritários no Brasil e nos países do Cone Sul. É necessário observar se há a construção de estádios como eixo de um projeto político e comparar ao padrão que observamos nos 14 estádios ora abordados.

O presente trabalho abordou o processo de construção e nomeação de estádios como ferramenta de cultura política do período e mecanismo de legitimação que segue ativo na produção de um passado compartilhado reconciliador. Ao buscarmos histórias inexploradas desses estádios, adentramos na disputa de memórias na sociedade brasileira a respeito do passado da ditadura. Dos 14 estádios explorados, 12 mantém nome de ex-governadores da Arena, sendo oito os dos próprios governadores que os inauguraram. A importância dos estádios nas historiografias - do período e do esporte -parece ser inversamente proporcional à que os governos da ditadura - e a população - atribuíam a esse fenômeno. Talvez por esse motivo, os “gigantescos monstros de concreto” erguidos pelos “homens de confiança da Revolução” sigam “perpetuados nas placas de bronze” e dando nome a lugares de afeto de milhares de pessoas.

Referências

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  • WANDERLEY, Hévila. Almeidão em cinco atos: os 40 anos do maior estádio de João Pessoa Globo Esporte Paraíba, 2015. Disponível em:<Disponível em:http://globoesporte.globo.com/pb/noticia/2015/03/almeidao-em-cinco-atos-os-40-anos-do-maior-estadio-de-joao-pessoa.html >. Acesso em: 4ago. 2020.
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  • 1
    As informações básicas sobre os estádios estão na Tabela 1.
  • 2
    Arquivo Nacional, Rio de Janeiro. Informes da Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça. 10 mar. 1975. Fundo: Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça (Sistema de Informações do Arquivo Nacional). Disponível em: <http://sian.an.gov.br/sianex/Consulta/>. Acesso em: 3 abr. 2020.
  • 3
    O único estádio construído fora destas regiões foi o Mineirão. As obras do Mineirão iniciaram-se antes do golpe de 1964. Quando ocorreu a inauguração, Magalhães Pinto era filiado à União Democrática Nacional (UDN). Foi importante articulador do golpe de 1964, tendo se filiado à Arena em 1966 e por esse motivo insere-se no nosso recorte.
  • 4
    Muitos estádios privados (universo não incluído neste artigo) receberam recursos estatais para sua construção e/ou viabilização, como empréstimos de bancos estatais, doação ou cessão de terrenos e isenção de impostos. Ademais, havia em funcionamento no país centenas de estádios públicos e privados construídos nas décadas anteriores. Devido aos limites deste artigo, deixamos de lado também os estádios públicos municipais erguidos no período.
  • 5
    Admitimos, contudo, que não necessariamente isso se dá com todos os torcedores e/ou em todas as vezes que alguém se refere ao estádio utilizando o apelido.
  • 6
    CONFEDERAÇÃO Brasileira de Futebol. CNEF: Cadastro Nacional de Estádios de Futebol. 4ª revisão. 23 out. 2013DIÁRIO DE PERNAMBUCO(Recife). 3 out. 1972.. Disponível em: <https://conteudo.cbf.com.br/cdn/201309/316211870.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2020.
  • 7
    Publicado pelos Ministérios do Planejamento e Coordenação Geral e da Educação e Cultura em 1971.
  • 8
    Arquivo Nacional. Governo do Estado do Amazonas. 15 abr. 1969. Fundo: Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça. (Sistema de Informações do Arquivo Nacional). Disponível em: <http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_rjanrio_tt/0/irr/pro/0073/br_rjanrio_tt_0_irr_pro_0073_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 6 set. 2019.
  • 9
    “A Rescisão do contrato inicial, sem nenhuma objeção por parte da Fundação, naquela ocasião representada pelo seu diretor presidente, engenheiro Lamartine Reginaldo da Silva Junior, é estranhável, por atender pura e simplesmente às pretensões da firma construtora”. Arquivo Nacional. Comissão Geral de Investigações. Subcomissão de Goiás. 13 abr. 1976. Fundo: Comissão Geral de Investigações. (Sistema de Informações do Arquivo Nacional). Disponível em: <http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_1m/0/0/1516/br_dfanbsb_1m_0_0_1516_d0007de0007.pdf >. Acesso em: 8 abr. 2020.
  • 10
    Valor do salário mínimo segundo o Decreto n. 64.442, de maio de 1969, era de NCr$ 158,00.
  • 11
    Arquivo Nacional. Serviço Nacional de Informações. Agência de Manaus. 30 jan 1971. Fundo: Serviço Nacional de Informações. (Sistema de Informações do Arquivo Nacional). Disponível em: <http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/aaa/78109873/br_dfanbsb_v8_mic_gnc_aaa_78109873_d0001de0001.pdf >. Acesso em: 5 abr. 2020.
  • 12
    Pantoja, Sílvia. Almeida, José Américo de. In: Abreu, Alzira et al. (coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro, pós-1930. Rio de Janeiro: CPDOC, 2010. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/almeida-jose-americo-de>. Acesso em: 2 abr. 2020.
  • 13
    Oficial do Exército, Silveira governou o DF de 1969 a 1974 por indicação de Médici. Silveira, Hélio Prates da. In: Abreu, Alzira et al. (coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro, pós-1930. Rio de Janeiro: CPDOC, 2010. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/almeida-jose-americo-de>. Acesso em: 4 maio 2020.
  • 14
    Em alusão à jogadora alagoana Marta Vieira da Silva, eleita a melhor jogadora do mundo por seis vezes.
  • 15
    Estádio Castelão completa 40 anos nesta segunda-feira. Bom dia Ceará. Fortaleza: Rede Globo, 11 nov. 2013. Programa de TV. Disponível em: <http://g1.globo.com/ceara/bom-dia-ce/videos/t/edicoes/v/estadio-castelao-completa-40-anos-nesta-segunda-feira-11/2947047/>. Acesso em: 2 abr. 2020.
  • 16
    Arquivo Nacional. Informes da Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça. 9 jul. 1980. Fundo: Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça. (Sistema de Informações do Arquivo Nacional). Disponível em: <http://sian.an.gov.br/sianex/Consulta/>. Acesso em: 5 ago. 2020.
  • 17
    Albertão completa 45 anos de muita história. Globo Esporte. Teresina: Rede Globo. 25 ago.2018. Programa de TV. Disponível em: <https://globoplay.globo.com/v/6972288/>. Acesso em: 2 abr. 2020.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    02 Set 2020
  • Aceito
    09 Dez 2020
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