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Uma gentalha derramada pelas cidades: distúrbios em terra e deserções na Marinha Mercante luso-brasileira (segunda metade do século XVIII)

Bad people spilled over cities: riots and land desertions in the Luso-razilian merchant navy (second half of the 18 th century)

Resumo:

O objetivo do artigo é apresentar as motivações e as formas de algumas ações caracterizadas como indisciplina, praticadas por tripulantes de embarcações luso-brasileiras quando os navios encontravam-se ancorados. O recorte temporal concentra-se na segunda metade do século XVIII e, em que pese a profusão de fontes existentes, trata-se de um período pouco estudado pela historiografia. Em meio às diversas formas de insubmissão às normas e às tentativas de impor um controle disciplinar aos homens do mar, foram abordados dois temas recorrentes nas fontes e na bibliografia: as deserções e suas possíveis causas e os distúrbios envolvendo os marinheiros em terra.

Palavras-chave:
História marítima; História atlântica; Cultura marítima

Abstract:

The objective of the article is to present the motivations and forms of some actions characterized as indiscipline, practiced by crew members of Portuguese-Brazilian vessels when the ships were anchored. The temporality is concentrated in the second half of the 18th century, which, despite the profusion of sources, it is a period with few historiographical studies. Considering the various forms of non-submission to the rules and the attempts to impose disciplinary control on seafarers, two recurring themes were studied in the sources and in the bibliography: desertions and their possible causes and riots involving sailors on land.

Keywords:
Maritime history; Atlantic history; Maritime culture

Indisciplina em narrativas

Textos de natureza diversa editados em Portugal da virada do século XIX para o XX expressam os contornos binários da imagem projetada sobre os marinheiros, imagem essa que seguramente vinha sendo construída desde muito antes e que os classificava como bons ou maus. Não pretendo fazer aqui um inventário desses textos e de seus argumentos, mas apresentar breves exemplos retirados da historiografia e da literatura de ficção para sinalizar o enraizamento dessa visão social em um país de tradição marítima antiga e profunda.

Primeiramente, menciono o texto de uma conferência de 1898 proferida por Vicente Almeida d’Eça, historiador e oficial da Marinha de Guerra, na qual o marinheiro português era tratado no singular, como uma figura paradigmática e atemporal, marcado pelas mesmas características desde o século XVI e apresentado como detentor de numerosas qualidades, sobretudo a de cumpridor obediente dos seus deveres. Tais qualidades transformaram o marinheiro no realizador do destino que fizera dos portugueses “naturalmente um povo marítimo” (Eça, 1898EÇA, Vicente Almeida d’. O marinheiro português através da história. Anais da Academia de Estudos Livres (Lisboa). v. 6, p. 5-21, 1898., p. 5-21; Rodrigues, 2019bRODRIGUES, Jaime. Vicente de Almeida d’Eça e a historiografia marítima em 1898. Práticas da História: Journal on Theory, Historiography and Uses of the Past, Lisboa, v. 8, p. 139-161, 2019b.). Duas décadas depois, Bernardo da Costa Mesquitella apontou características diferentes entre os marujos lusos em um romance no qual sobressai a narrativa de uma disputa entre as personagens Zé do Olhão e Salmonete, que brigam de navalha em uma taberna de Luanda pelos favores de “uma bela mulata cujo nome não me recorda”. Salmonete era o protótipo do mau marinheiro. Bonitote e de péssimos costumes, fora criado na Mouraria e determinado pelos “hábitos próprios do meio em que vivera”. Era antipático, “quase sempre impedido a bordo por castigo, dado à embriaguez (...). A bordo não prestava para nada” e, quando ia embarcado, provocava desespero nos oficiais, que, ao vê-lo, murmuravam: “Cá está a peste” (Mesquitella, 1923MESQUITELLA, BERNARDO DA COSTA. Marinheiros de Portugal. Lisboa, Rio de Janeiro: Portugalia, 1923., p. 31-34).

Se nas veleidades historiográficas de Eça o marinheiro português tinha apenas qualidades, autores de ficção com experiência marítima como o almirante Mesquitella relativizaram essa unanimidade para compor enredos com alguma verossimilhança, ainda que repletos de estereótipos. A bebida e a procura por mulheres nos portos como raízes da indisciplina eram dados que definiam a essência desses profissionais no imaginário luso, sobretudo entre aqueles que viviam em terra e não tinham conhecimento sobre as especificidades do labor marítimo.

A construção da imagem da gente do mar como indisciplinada tem uma longa história de idas e vindas, que não envolve somente os portugueses nem os navegadores dos séculos XIX e XX. Se havia rejeição da gente de terra em relação à gente do mar, simultaneamente havia enaltecimento e curiosidade. Ao longo dos séculos, duas visões contrapostas sobre o mar foram concebidas em convívio e interação, e certamente tiveram efeitos sobre a percepção acerca dos marinheiros: “uma que o constrói como um lugar selvagem, indesejável e onde todos somos indesejados, cujo único ponto de referência tranquilizador é a terra; e outra que o encara como uma realidade totalmente conhecida e desprovida de ameaças (...)” (Mack, 2018MACK, John. O mar: uma história cultural. Silveira: Book Builders, 2018., p. 116).

A primeira visão teria servido como base para as tentativas de reprimir práticas indesejáveis e controlar homens turbulentos, talvez justamente por enfrentarem a selvagem natureza marítima. O resultado foram diversos regimentos e leis, reais ou nacionais, e os regulamentos de bordo de caráter privado, que buscaram normatizar os comportamentos dos marinheiros quando se encontravam no mar ou em terra e justificavam o autoritarismo dos capitães em épocas diferenciadas. A concentração de poderes nas mãos dos oficiais permitia que, até o século XIX, a vida dos marinheiros estivesse ao dispor de capitães como o alemão Von Schaffer, do Germânia, navio que trouxe Carl Schylichthorst ao Brasil. De acordo com esse autor, o capitão aplicava facilmente a pena de morte e estufava o peito ao ler um artigo do seu regulamento: “Todo aquele que provocar desordens a bordo, deve ser condenado à morte e imediatamente fuzilado”. Na primavera de 1824, partindo da Alemanha com destino ao Rio de Janeiro, o capitão (“um velho idiota”) e o jovem piloto (“um perfeito celerado (...), desconfiado, covarde e cruel”) conduziram uma viagem sob o signo dos “dispositivos sanguinários”. A presença de presidiários alemães entre os soldados e colonos que vinham para o Brasil poderia justificar a severa aplicação do regulamento, mas os oficiais andavam irritados com a “caçoada duns rapazolas alegres” que diziam que uma solteirona idosa que vinha a bordo adoçava as noites solitárias do capitão por piedade cristã. A vingança foi regada a sangue, no momento em que houve uma revolta a bordo: “após doloroso inquérito (...), sete pessoas foram condenadas à morte, segundo testemunham as atas. Houve, no entanto, oito fuzilamentos”, executados pelo piloto (Schylichthorst, 2000SCHYLICHTHORST, Carl. O Rio de Janeiro como é (1824-1826): uma vez e nunca mais. Contribuições de um diário para a história atual, os costumes e especialmente a situação da tropa estrangeira na capital do Brasil (1ª ed.:1829). Brasília: Senado Federal, 2000., p. 14-15).

Dados os limites de um artigo, não haverá lugar aqui para uma incursão mais demorada pela crônica colonial e pelos relatos de viajantes, que lançariam luz sobre a indisciplina como parte do comportamento dos marujos. Em fontes desse tipo, ao mesmo tempo que se registravam elementos da identidade atribuída aos marinheiros comuns por pessoas externas a essa cultura profissional, os oficiais eram apresentados como homens com autoridade imposta pela força. Também não serão abordadas todas as manifestações de indisciplina, sobretudo aquelas ocorridas a bordo, para as quais existem numerosas evidências. Na raiz dos inúmeros casos compreendidos como indisciplina pelos oficiais estavam a remuneração ínfima, a tirania nas relações assimétricas e a má alimentação, que continuavam a repercutir quando as embarcações ancoravam, particularmente nos portos da América portuguesa.

Assim, visitarei aqui os eventos envolvendo marinheiros comuns e ocorridos em terra, nomeadamente as deserções e as práticas envolvendo conflitos nas áreas portuárias, acentuando a percepção da gente de terra sobre o comportamento temerário dos homens do mar. Por meio de fontes de natureza variada, pretendo observar alguns dos motivos e contextos das deserções, bem como identificar as formas assumidas pela turbulência em terra que valeu aos marinheiros a fama construída ao longo do tempo, concentrando os esforços no contexto da navegação luso-brasileira da segunda metade do século XVIII.

Deserções

Nas narrativas de viajantes, os problemas disciplinares quase sempre referiam situações vivenciadas a bordo. Por sua experiência ser limitada ao tempo das viagens, esses informantes raramente mencionavam uma das questões mais comuns no mundo do trabalho marítimo: a deserção.

Utilizado quase sempre como termo militar, o verbo “desertar” designava “fugir e deixar o campo” (Bluteau, 1727BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino. Suplemento. Lisboa: Off. de José António da Silva, 1727., parte I, p. 309; Silva, 1789SILVA, Antônio de Morais. Diccionario da lingua portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por (...). v. 1. Lisboa: Off. de Simão Thaddeo Ferreira, 1789., p. 578), e a legislação do Reino era severa com quem o praticava. As Ordenações procuravam inibir as fugas, definindo por deserção o abandono da embarcação sem licença do capitão depois da feitura do rol de matrícula e do pagamento de parte do soldo.1 1 Ordenações Manuelinas, Livro 5, Título 98: Da pena que haverão os que fogem das armas, ou aceitam navegações fora de Nossos Reinos. Disponível em: <http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/manuelinas/l5p296.htm>. Acesso em: 20 abr. 2020. Em Portugal, na Marinha de Guerra ou na Mercante, se o desertor fosse capturado, estava sujeito, conforme sua condição, ao açoite público, pena pecuniária, prisão e degredo por quatro anos no além-mar, especificamente em África, além de perder privilégios, cargos e ofícios que porventura tivesse por mercê real. O Regimento da Armada Real de 1796 previa que as embarcações miúdas, por permitirem deslocamentos ágeis, fossem tripuladas apenas por gente “de melhores costumes e conduta, e livre de toda a suspeição de deserção”. Com o controle do movimento dos botes, o Regimento pretendia evitar a “continuada deserção”, o contrabando e os prejuízos à Real Fazenda.2 2 Regimento Provisional para o serviço e disciplina das esquadras e navios da Armada Real. Lisboa: Off. de Antonio Rodrigues Galvardo, 1796, p. 14, 16-17.

Em fontes seriais, selecionei dados sobre aproximadamente oitenta tripulantes da Marinha Mercante que deixaram de embarcar após o registro de suas matrículas, entre a segunda metade do século XVIII e as primeiras décadas do século XIX. Os motivos variavam pouco: alguns eram afastados devido a doenças, mas o informe mais comum era simplesmente que o tripulante “não vai” ou, o que é mais instigante, que “fugiu”.

Entre o registro da equipagem e a partida do navio, passava-se pouco tempo. A demora, quando ocorria, devia-se às más condições do tempo, à agitação do mar ou ao grande número de embarcações na fila do porto para cumprir os procedimentos burocráticos. Perder tripulantes nesse meio-tempo era sinal de doença ou de fuga, situações que as matrículas das equipagens não permitem avaliar com precisão. Isso reforça a deserção como uma prática de marinheiros comuns e o uso da expressão como um eufemismo para o fracasso dos mecanismos repressivos legais e policiais.

Raríssimas vezes eram os oficiais que desertavam. Sabemos que casos de insatisfação com as soldadas levaram alguns capelães a se recusarem a embarcar. Outros oficiais de graus menos elevados, como cirurgião, escrivão e calafate, também tiveram a expressão “não vai” inscrita em suas matrículas.3 3 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Junta do Comércio (ANTT/JC), Livro 4, Matrícula de equipagens de navios (1767-1769); Arquivo Histórico Ultramarino, Conselho Ultramarino (AHU/CU), “Relação dos oficiais e mais pessoas da equipagem da galera N. S. da Conceição, Santo Antônio e Almas que segue viagem para Lisboa neste presente ano de 1788”, Rio de Janeiro, Cx. 133, doc. 10.533; AHU/CU, “Lista dos oficiais e equipagem da galera São Francisco de Paula e Santa Rita que segue viagem para a cidade de Lisboa”, Rio de Janeiro, Cx. 133, doc. 10.543.

No mais das vezes, quem desertava eram os trabalhadores braçais, o que revela muito sobre as condições difíceis encaradas por eles. O enfrentamento dessas condições os levava a estabelecer trocas informais, a roubar, contrabandear, praticar jogos de azar, sodomia, blasfêmias, bebedeiras e deserções - comportamentos que todas as legislações, nacionais ou eclesiásticas, procuraram restringir para assegurar a obediência (Buscaglia, 2008BUSCAGLIA, Silvana. Los marinos malditos: identidad, poder y materialidad (Patagonia, siglo XVIII). Vestígios: Revista Latino-Americana de Arqueologia Histórica (Belo Horizonte). v. 2, n. 1, p. 35-59, jan./jun. 2008., p. 48-49).

Alguns desses trabalhadores braçais eram negros, serviam na condição de moços ou serventes forros e somavam a discriminação pela cor às adversidades que compartilhavam cotidianamente com os brancos pobres. Um desses homens, o forro Santos Xavier, quando tinha por volta de 18 anos de idade, partira de Lisboa em maio de 1767 em sua primeira viagem como marujo, com destino ao Rio de Janeiro, no navio N. S. da Piedade das Chagas, junto de outros quarenta homens. Em 12 de dezembro daquele ano, no regresso da embarcação à Europa, esse moço, o único preto a bordo, constava como “fugido”, somado a outros dois tripulantes brancos. Não encontrei mais rastros de Xavier nos registros de matrículas ao longo dos anos. Quem sabe ele tenha dado um jeito de regressar à Bahia, onde havia nascido, e reencontrado Francisco Pinto e Quitéria Soares, seus pais. Para isso, ele pode ter se engajado de novo como mancebo em um navio de cabotagem, usando outro nome e se valendo do fato - comum entre homens de sua cor - de que sua descrição física não fora anotada nas matrículas feitas em Lisboa e no Rio de Janeiro.4 4 ANTT/JC, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Junta do Comércio. Livro 1, Matrículas de equipagens de navios (1767-1768), fl. 8, Mç. 1, Cx. 2. Simplesmente saber que um homem era preto não constituía boa pista para reprimir os desertores no contexto colonial, o que tornava o mar e o trabalho marítimo uma rota de fuga interessante para homens negros e escravizados (Rodrigues, 2013RODRIGUES, Jaime. Escravos, senhores e vida marítima no Atlântico: Portugal, África e América portuguesa, c.1760-c.1825. Almanack(Guarulhos), n. 5, p. 145-177, 2013., p. 157-165).

Camilo de Lélis, forro nascido em Angola, foi matriculado em 1771 no Santíssimo Sacramento e Nosso Senhor do Paraíso e “não vai” do Rio de Janeiro a Lisboa.5 5 ANTT/JC, Mç. 1, Cx. 3. Já sobre o servente Manuel José, 23 anos de idade e sete de experiência marítima em 1768, sabemos que “fugiu [e] era Guiné”. Diferentemente dos demais da mesma condição, podemos dizer algo sobre a aparência desse servente africano - não sabemos se escravo ou forro -, o que deve ter lhe valido os olhares da repressão em Cacheu, lugar onde desertou da galera N. S. da Conceição e de onde, não por acaso, ele era natural. Em seu lugar “veio um preto de Guiné por nome Francisco Manuel”, como informaram as autoridades da Ribeira Grande, em Cabo Verde, ao compararem a lista dos tripulantes vindos da Guiné com a dos que haviam zarpado de Lisboa - um procedimento comum nas escalas e no destino final. Em Cacheu, o capitão-mor já soubera da deserção e estava à procura de Manuel, tendo algumas pistas dadas por sua fisionomia: o homem era de “estatura ordinária, robusto, claro, pouca barba, olhos pardos [e] cabelo castanho”. Manuel José devia ser um mestiço, a julgar pela menção à tonalidade da sua cor (claro), e foi isso o que provavelmente motivou o registro da aparência física dele na matrícula.6 6 ANTT/JC, Mç. 1, Cx. 1. Homens como Santos Xavier, Camilo de Lélis e Manuel José podiam ser forros ou escravos fugidos empenhados em camuflar suas condições. Desertar depois da matrícula e do recebimento de parte dos soldos soava como parte da estratégia deles para conseguir maior autonomia ou liberdade tal como em outras sociedades escravistas, como as do Caribe, onde escravos fugitivos eram proeminentes em meio ao variado grupo de desertores (Scott, 2018SCOTT, Julius Sherrard. The Common Wind: Afro-American Currents in the Age of the Haitian Revolution. Londres, Nova York: Verso, 2018., p. 67, 122).

Os cozinheiros não parecem ter sido desertores contumazes. Localizei apenas dois casos envolvendo esses profissionais: Francisco Nunes, que “fugiu antes de embarcar” em Lisboa no São José Rei de Portugal com destino a Pernambuco em 1767, e Manuel Cabral, marinheiro de primeira viagem, natural dos Açores que, em Lisboa, foi substituído pelo cozinheiro Manuel Álvares de Barros, que “vai em lugar do de nº 53 [Cabral] por [este] ter fugido” do navio N. S. Mãe de Deus.7 7 ANTT/JC, Livro 1, fl. 34; ANTT/JC, Livro 4. Um cozinheiro podia ser útil em qualquer situação: se não cozinhasse bem, substituiria um servente sem prejuízo, o que leva a crer que a remuneração por essas duas funções era praticamente igual.

O simples desejo de abandonar o trabalho e o jugo dos oficiais não deve ser descartado como motor da deserção. Ainda que não apresentasse queixas em relação aos seus empregadores, um marinheiro português que trabalhava como tradutor de uma tripulação estadunidense desviou-se de seus companheiros “por brincadeira ou com a finalidade deserção, não se sabe”, quando foram buscar água no chafariz do largo do Paço, no Rio de Janeiro. Dois oficiais do navio o encontraram no dia seguinte e, ao tentar reconduzi-lo à força para o navio, “o marinheiro gritou por socorro, declarando-se português e dizendo que estava sendo pressionado”. O marinheiro foi resgatado com a interferência de soldados locais, motivando um incidente diplomático no qual se exigia do comandante da fragata estadunidense acesso a todos os marinheiros portugueses a bordo do Congress, provavelmente devido às declarações do desertor (Brackenridge, 1820BRACKENRIDGE, Henry Marie. Voyage to South America, Performed by Order of the American Government in the Years 1817 and 1818, in the Frigate Congress. Londres: T. and J. Allman, 1820., v. I, p. 155-164).

Ainda mais contundentes do que os casos individuais são os coletivos. Sete navios portugueses, nos quais parte expressiva dos tripulantes desertou, merecem nossa atenção. Dois navios matriculados em 28 de março de 1768 tiveram deserções de um bom número de homens. Um deles foi o N. S. do Pilar e Fortaleza, com cinco mancebos desertores com idades entre 18 e 27 anos dentre 68 tripulantes que iriam do Rio de Janeiro para Lisboa.8 8 ANTT/JC, Livro 5, Matrículas das Equipagens dos Navios (1767-1769). A embarcação era capitaneada por Antônio Martins Portela, que permaneceria no comando dela até ao menos 1772, quando viajou da Bahia a Lisboa carregando caixas de açúcar, rolos de tabaco e couros, entre outros fardos que totalizavam mais de 27 contos de réis.9 9 AHU/CU, Visita do Ouro, Cx. 1, doc. 11; AHU/CU, Bahia (Eduardo de Castro e Almeida), Cx. 46, docs. 8558 e 8559.

O segundo caso de março de 1768 era o do Graça Divina e Santíssimo Sacramento, que iria de Lisboa ao Rio de Janeiro, de onde fugiram quatro serventes de 20 a 25 anos dentre os 58 tripulantes.10 10 ANTT/JC, Livro 4. Bento Dias de Carvalho, um experiente capitão de 46 anos e 32 como “marítimo de profissão”, dirigia o navio e continuaria a fazê-lo ao menos até 1771, quando encontramos o último registro de uma viagem sua, quase sempre no percurso entre Lisboa e o Rio de Janeiro. Nesta última viagem, levava açúcar, aguardente e couro da Bahia para o Reino.11 11 ANTT/JC, Mç. 1, Cx. 1; AHU/CU, “Relação da equipagem do navio Graça Divina e Santíssimo Sacramento, que segue viagem desta cidade do Rio de Janeiro para a de Lisboa, no ano de 1771” [27 de março], Rio de Janeiro, Cx. 92, doc. 9032; AHU/CU, “Lista da carga do navio Graça Divina e Santíssimo Sacramento vindo do Rio de Janeiro”, Lisboa, 1 de julho de 1771, Rio de Janeiro, Cx. 93, doc. 8064. Nas três viagens onde encontramos Dias de Carvalho como capitão desse navio (em 1768, 1769 e 1771), os oficiais mantiveram-se os mesmos, exceto pelo capelão, o piloto e o condestável, que foram trocados na última viagem. Já entre os marinheiros e moços, a situação era bem diversa: a maior parte dos trabalhadores foi trocada em todas as viagens. Dos 58 tripulantes de 1768, apenas 14 continuaram a servir na viagem desse navio em 1769 e, destes, apenas dois continuavam sob as ordens de Carvalho em 1771. Trata-se de um indício seguro de que o capitão e o contramestre tratavam mal seus subordinados ou então que a soldada nesse navio era muito baixa e não servia como estímulo à manutenção de uma tripulação coesa. Os quatro desertores de 1768 devem ter sido os primeiros a se darem conta de que era hora de buscar outro patrão.

Em novembro de 1768, no Rio de Janeiro, marinheiros desertores criaram uma situação ainda mais delicada para seus oficiais, sobretudo se imaginarmos que nem todos os casos de deserção tenham sido registrados. Do navio Santo Antônio de Pádua, carregado de óleo de baleia,12 12 AHU/CU, “Ofício do Vice-Rei do Brasil (Conde de Azambuja) ao secretário de Marinha e Ultramar (Francisco Xavier de Mendonça Furtado), 1 de dezembro de 1768”, Rio de Janeiro, Cx. 87, doc. 7652. desertaram 13 dos quarenta homens, todos serventes, entre eles o preto forro José Lopes. O capitão chamava-se Antônio Leonardo de Mendonça, que ocuparia a função no mesmo navio em novembro de 1768 (entre o Rio de Janeiro e Lisboa), na fragatinha São Tiago Maior (Bahia-Lisboa, 1770) e no Santo Antônio Delfim (Lisboa-Paraíba, 1781). Neste último navio o capitão se envolveu em uma ação por dívida na qual ele e o capelão João José Vieira eram os devedores e o cirurgião Bernardo José Lopes o credor.13 13 Arquivo Nacional da Torre do Tombo/Feitos Findos (ANTT/ FF), Juízo da Índia e Mina, Mç. 3, n. 23, Cx. 269, ano de 1787. Quando capitaneou a São Tiago Maior, na chegada a Lisboa em 26 de novembro de 1770, Mendonça apresentou apenas a lista dos passageiros e não a dos tripulantes, o que configurava falta grave, e alegou que o motivo disso “fora o pô-la pronta nessa Junta com muita antecedência ao dia da sua saída, e por isso lhe esquecera em poder de João Rodrigues do Vale, senhorio do dito navio (...)”.14 14 ANTT/JC, Mç. 1, Cx. 1. No tempo da deserção coletiva em seu navio, em março de 1768, ele tinha cerca de 35 anos de idade e teria vida longa na navegação, já que, sexagenário, ainda atuaria nas lidas marítimas ao menos até 1795, quando vamos encontrá-lo como primeiro piloto da galera Flor de Lisboa, em viagem de Lisboa à Paraíba. Mendonça declarou em março de 1768 ser natural da freguesia lisboeta de São Paulo; curiosamente, em 1795, afirmou ter nascido em Angra, na Ilha Terceira, Açores. Esquecer a matrícula dos tripulantes e alegar lugares diversos de nascimento não eram atitudes comuns de capitães, exceto se ele tivesse algo a esconder.

Proporcionalmente, a maior deserção documentada em novembro de 1768 para os oficiais ancorados no Rio de Janeiro se deu no navio Bom Jesus de Além e N. S. da Esperança, que teve oito de seus trinta tripulantes fugidos de uma só vez, enquanto no N. S. da Oliveira e Santa Ana foram oito marinheiros em uma tripulação de 41 homens.15 15 ANTT/JC, Mç. 1, Cx. 2. O fenômeno não cessou nos anos seguintes, como evidenciam os casos do Santa Ana e São Domingos, que teve quatro tripulantes desertando de uma só vez em meio aos 24 membros da equipagem em novembro de 1770, e do Princesa do Brasil, de onde seis dos 61 homens evadiram-se juntos em novembro de 1776.

Explicar os motivos das deserções não é tarefa simples. É claro que o tratamento que capitães e contramestres dispensavam aos marinheiros era decisivo. A deserção era endêmica durante a Idade Moderna e os historiadores do tema, em geral analisando as Marinhas de Guerra, concordam que na raiz dela estavam a dureza do serviço e a falta de compensações efetivas (Lijó, 2012LIJÓ, José Manuel Vásquez. Las deserciones de marinería en la Armada espanõla del siglo XVIII: actores, cifras y escenarios. In: HURTADO, Manuel-Reyes García(ed.). La Armada española en el siglo XVIII: ciencia, hombres y barcos. Madrid: Síliex , 2012, p. 261-284., p. 261). A Armada espanhola, por exemplo, raras vezes permitia que seus recrutas fossem à terra: mesmo com o navio ancorado, procuravam manter marinheiros e soldados a bordo, para evitar deserções (Garralón, 2012GARRALÓN, Marta García. Trabajos y penalidades de la vida a bordo: la gente de mar en los navíos de la Edad Moderna. In: HURTADO, Manuel-Reyes García (Ed.). La Armada española en el siglo XVIII: ciencia, hombres y barcos. Madrid: Síliex, 2012, p. 233-260., p. 233).

A chegada aos grandes portos europeus e às escalas coloniais, assim como os naufrágios próximos à costa, eram as ocasiões em que se concentrava a maioria das deserções em tempos de normalidade (Lijó, 2012LIJÓ, José Manuel Vásquez. Las deserciones de marinería en la Armada espanõla del siglo XVIII: actores, cifras y escenarios. In: HURTADO, Manuel-Reyes García(ed.). La Armada española en el siglo XVIII: ciencia, hombres y barcos. Madrid: Síliex , 2012, p. 261-284., p.277-279). Fugas em massas costumavam acontecer em rotas comerciais mais frequentadas. Em Salvador, escala secular da Carreira da Índia, as deserções eram triviais. Amaral Lapa argumentou que “a população já devia estar habituada a eles [os desertores] e é muito provável que os encarasse com certo descaso ou indulgência”, apesar das atribulações que tal população flutuante provocava em terra. Quem desertava ali não necessariamente queria escapar do recrutamento compulsório e das adversidades do trabalho marítimo, mas contornar esses problemas buscando alternativas em outras embarcações naquele porto bastante movimentado (Lapa, 196LAPA, José Roberto do Amaral. A Bahia e a Carreira da Índia. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Edusp, 1968.8, p. 219-220). Os homens livres que chegavam pelo mar - marinheiros, desertores, fugitivos, náufragos ou viajantes ­- podiam ser entendidos pela gente de terra, e também entenderem a si mesmos, como pessoas com alguma autonomia em suas ações, “desligadas das regras que as enquadravam no mundo que deixaram para trás; porém, não pertencem verdadeiramente ao mundo de cujas margens foram afastadas” (Mack, 2018MACK, John. O mar: uma história cultural. Silveira: Book Builders, 2018., p. 256).

O ato de desertar respondia a demandas pessoais, inclusive dos recrutadores. Sobre estes, em geral magistrados locais, pesava a desconfiança de corrupção, como aqueles que aceitavam pagamento para livrar recrutas (Costa, 1995COSTA, Fernando Dores. Os problemas do recrutamento militar no final do século XVIII e as questões da construção do Estado e da nação. Análise Social (Lisboa). v. 30, n. 130, p. 21-155, 1995., p. 145). A repressão aos desertores era exercida por autoridades de Estados que tinham na obediência dos súditos um dos pilares de seu funcionamento. Mas o uso político dos desertores também pode ser notado. Ao lado de embaixadores, mulheres, clérigos, cativos e mercadores, os desertores podiam ser espiões em terra estrangeira, úteis quando fosse preciso combater ou conhecê-la melhor, quando se pretendia conquistá-la (Barros, 1990BARROS, Amândio Jorge Morais. A preparação das Armadas no Portugal de finais da Idade Média. História: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (Porto). v. 7, p. 101-131, 1990., p. 104). Quando encontrados e deportados, certos desertores também podiam cumprir funções nos domínios coloniais menos aquinhoados de pessoal qualificado. Em 1770, o governador de Angola, Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho, que enfrentava “a extrema falta de gentes”, sobretudo de letrados, quis ficar com um grupo de desertores vindos da Índia e que haviam tomado praça de marinheiros na nau Nossa Senhora da Ajuda. Como a embarcação era de Sua Majestade e os homens eram essenciais para a viagem prosseguir até Lisboa, Coutinho não os reteve, mantendo em Luanda apenas um deles, D. João da Silveira, “que diz ser neto de D. Braz da Silveira, na maior pobreza (...) decidi ficar somente [com] o dito (...) para ver se ele podia tirar algum oficial pois na verdade nem em quem prover um ofício de escrivão tenho (...)”.16 16 AHU/CU, “Ofício de Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho a Martinho de Mello e Castro, 15 de agosto de 1770”, Angola, Cx. 54, doc. 64.

As deserções, assim como os métodos violentos e compulsórios de recrutamento, agudizavam-se em contextos mais convulsionados. A década de 1790, com a revolução e as primeiras coligações militares contra a França, foi a idade de ouro dos motins no Atlântico, contando-se às centenas os episódios nas marinhas francesa, britânica e holandesa, envolvendo milhares de homens (Frykman, 2013FRYKMAN, Niklas. Connections between Mutinies in European Navies. International Review of Social History (Amsterdã). v. 58, n. esp., p. 87-107, 2013., p. 87). Na Marinha lusa não devia ser muito diferente, como também não se deve ao acaso a edição do Regimento Provisional justamente no ano de 1796REGIMENTO Provisional para o serviço e disciplina das esquadras e navios da Armada Real. Lisboa: Off. de Antonio Rodrigues Galvardo, 1796.. É sabido que Portugal não enfrentou uma turbulência revolucionária, mas o país não pôde deixar de enfrentar os efeitos colaterais das deserções de estrangeiros que espalhavam homens e ideias pelo mundo. Para além dos significados que tinha no ambiente do trabalho marítimo e na vida dos envolvidos, a deserção era, também, uma porta para a emergência de conflitos que se espalhavam para além das fronteiras nacionais e imperiais. Galegos e andaluzes costumeiramente fugiam para Portugal ou para a França devido ao custo mais baixo das passagens, e também se evadiam para a América, onde podiam se casar, trocar de nome e iniciar uma nova vida (Lijó, 2012LIJÓ, José Manuel Vásquez. Las deserciones de marinería en la Armada espanõla del siglo XVIII: actores, cifras y escenarios. In: HURTADO, Manuel-Reyes García(ed.). La Armada española en el siglo XVIII: ciencia, hombres y barcos. Madrid: Síliex , 2012, p. 261-284., p. 281-282), ao desaparecer das vistas das autoridades e evitar a pena capital.

Lisboa não estava isenta dessas situações, a julgar por um aviso do intendente da Polícia no início de 1790 sobre os oficiais da esquadra holandesa ancorada naquele porto fazerem diligências ilegais para prender marinheiros desertores.17 17 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Intendência Geral da Polícia (ANTT/IGP), Livro 3, n. de ordem 3, fl, 112v. Fazer incursões em plena capital do Reino de Portugal era grave, mas essa não foi a única vez que capitães holandeses foram buscar desertores em terras sob domínio luso: fizeram algo semelhante em Cabo Verde, em 1759, por exemplo. Duas naus de guerra sob bandeira flamenga encontravam-se na vila da Praia em novembro daquele ano, e um motim a bordo de uma delas resultou na deserção de oito homens. Acompanhado de mais de oitenta soldados, o capitão pediu que os desertores lhe fossem devolvidos, caso contrário iria capturar outros tantos da terra para substituí-los. Não era uma força de expressão: os holandeses apossaram-se do presídio local e prenderam os praças que encontraram ali. Os ânimos só serenaram quando as autoridades locais entregaram os desertores ao comandante da frota invasora.18 18 AHU/CU, “Ofício de Manoel Antonio de Souza e Menezes ao Conde de Oeiras, Ilha de Santiago de Cabo Verde, 31 de março de 1760”, Cabo Verde, Cx. 27, Doc. 3.

O Rio de Janeiro também não ficou indene a situações desse tipo. Capital colonial desde 1765, sua importância vinha aumentando desde a primeira metade do século XVIII. A localidade era um importante entreposto comercial do Atlântico sul, conectada a três continentes pelo mar e a diversas partes dos domínios coloniais na América portuguesa por terra. A cidade oferecia atrativos para quem desejasse angariar fortuna: lá se concentravam o ouro e as pedras preciosas de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, além da prata proveniente do comércio legal ou de contrabando no rio da Prata (Prado, 2003PRADO, Fabrício Pereira. Colônia do Sacramento: a situação na fronteira platina no século XVIII.Horizontes Antropológicos (Porto Alegre). v. 9, n. 19, p. 79-104, 2003., p. 80). Além dessas condições, atraentes para desertores em potencial em tempos de paz, é tentador atribuir as deserções da Marinha Mercante à conjuntura de guerra colonial crônica no século XVIII: exceto por um caso dado em Lisboa, todos os episódios aqui mencionados ocorreram no Rio de Janeiro. Nessa cidade estavam concentradas as forças militares em luta contra os espanhóis no Rio Grande de São Pedro - ali instalados desde 1763 -, na Colônia do Sacramento - tomada pelos espanhóis em 1762 e devolvida no ano seguinte aos portugueses - e no Mato Grosso - onde desde 1765 começara a ser erguido o presídio ou colônia militar do Iguatemi, por ordem do governador de São Paulo, Morgado de Mateus. As lutas, endêmicas nesses lugares, só se encerrariam em 1776-1777 (Souza, 1997SOUZA, Laura de Mello e. Formas provisórias de existência: a vida cotidiana nos caminhos, nas fronteiras e nas fortificações In: NOVAIS, Fernando (Dir.); SOUZA, Laura de Mello e (Org.). História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 41-82., p. 71, 78; Jumar, 2004JUMAR, Fernando. Colonia del Sacramento y el complejo portuario rioplatense, 1716-1778. In: SILVA, H. (Dir.). Los caminos del Mercosur: Historia económica regional. Etapa colonial. México: Instituto Panamericano de Geografía e Historia, 2004, p. 163-199., p. 167-168), exigindo muitos homens para o enfrentamento dos castelhanos até a demarcação das fronteiras entre os domínios coloniais americanos das coroas ibéricas. As lutas demandavam homens e armas ao longo de todos esses anos, e os tripulantes da Marinha Mercante de longo curso eram fortes candidatos ao recrutamento forçado para a guerra. Ainda assim, a concentração de deserções em navios de comércio no ano de 1768 não pode ser explicada apenas pela agudização dos conflitos no Prata e pelo recrutamento avolumado em função disso. Sem dúvida, as experiências com oficiais excessivamente autoritários, soldadas irrisórias e maus-tratos a bordo tiverem seu peso nas ações dos desertores.

Conflitos em terra

Autor de um estudo pioneiro sobre a escala baiana dos navegadores portugueses na Carreira da Índia, José Roberto do Amaral Lapa usou palavras duras para se referir ao comportamento desses homens quando estavam em terra. Lapa viu nesses trabalhadores uma “heterogênea populaça (...) sem compromissos nem autoridade imediata que lhes pudesse tolher os desvarios”. Eles representavam um tormento, por serem “contumazes desordeiros, quando não trânsfugas e homicidas”, e “desejavam aproveitar ao máximo sua permanência em terra”. Os marujos frequentavam tascas e lupanares “para entregar-se à orgia” que compensasse as frustrações do longo tempo embarcados, o que decerto era sabido pelas ‘molheres do mundo’ de quem nos falam os jesuítas, concentradas nas cidades portuárias em busca de homens sedentos pela longa abstinência sexual:

Essa gentalha derramava-se pela cidade, marcando sua presença pelas rixas, roubos e prática de comércio proibido, além das deserções e desautorações. Não era possível sua permanência a bordo, pois geralmente os reparos e o querenar dos navios nos estaleiros exigiam tempo, durante o qual a embarcação tinha de ser completamente desocupada de homens e fazendas (Lapa, 1968LAPA, José Roberto do Amaral. A Bahia e a Carreira da Índia. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Edusp, 1968., p. 216-217).

A dureza da avaliação de Lapa não obscurece a qualidade e a originalidade de sua pesquisa, ao mesmo tempo em que paga um tributo ao senso comum. Na citação acima, que praticamente reitera os termos da prática disciplinadora ao gosto das autoridades de bordo e de terra, não se menciona a necessidade de alojar essa população flutuante nos casos de conserto das embarcações - condição que não era provocada pelos marujos, mas das quais eles também eram vítimas. Afinal, os consertos podiam levar meses até serem concluídos, e se não podiam ocupar as parcas e insalubres instalações dos navios querenados, precisavam dormir e comer em algum lugar em terra, em cidades pouco amistosas para com os estranhos.

Os distúrbios nos quais se envolviam em terra talvez fossem a principal razão a alimentar a imagem dos marinheiros como gente turbulenta, aos olhos das pessoas que não viviam embarcadas. Em terra, a gente do mar encontrava populações que estranhavam e condenavam seus comportamentos. Ali se produziam registros que faziam os moradores do litoral (e alguns historiadores) projetar sobre eles uma imagem e uma memória de homens turbulentos, cuja presença era sempre sinônimo de perigo para as comunidades locais. Antes da revolta decisiva ocorrida a bordo do navio inglês Bounty no oceano Pacífico - o caso mais emblemático e conhecido de amotinamento na história da navegação sob bandeira ocidental no século XVIII -, os tripulantes tiravam pregos de diferentes partes do navio “para com eles comprarem as boas graças das mulheres, que se reuniram em multidões” no Taiti em 1789. Essas trocas, além de desfalcarem os navios, eram uma desobediência ao comando, que reagiu açoitando marinheiros ávidos pelo ferro e pelos favores das taitianas (Barrow, 1831BARROW, John. The Eventful History of the Mutiny and Piratical Seizure of H. M. S. Bounty: Its Cause and Consequences. Londres: John Murray, 1831., p. 12).

O assédio às mulheres era um dos principais detonadores de situações disciplinares em terra, como deixa entrever a história de Antônio de Sousa Costa, oficial da Marinha Mercante portuguesa. Homem claro, de estatura mediana, rosto comprido, louro e de olhos azuis, ele nascera em 1754 em São João da Foz, no Reino, e ingressara aos 12 anos na vida marítima. Não devemos nos enganar pela sua pouca idade: sendo sota-piloto em 1775, ele entrara no mundo do trabalho marítimo como praticante de piloto, provavelmente conduzido por alguém de sua família que desfrutava do posto de piloto ou capitão. Embora encontremos diversos meninos trabalhando a bordo de navios de longo curso em ofícios braçais, a condição dos praticantes era privilegiada em termos laborais e sociais. Nove anos após o início de sua carreira marítima, Costa era sota-piloto do N. S. da Lapa e Santo Antônio, retornando do Rio de Janeiro a Lisboa.19 19 AHU/CU, “Relação dos oficiais e mais pessoas da equipagem do navio denominado N. S. da Lapa e Santo Antônio que segue viagem para a cidade de Lisboa”, 2 de abril de 1775, Rio de Janeiro, Cx. 97, doc. 8427. Esse oficial foi dar no Recife, cidade que talvez já conhecesse, pois, nessa altura, prestava serviços à Companhia de Comércio de Pernambuco e Paraíba, como capitão do São José. Naquele porto, Ângela Maria da Assunção o acusou de tê-la estuprado. A ação judicial não oferece detalhes sobre a acusação nem boas pistas sobre quem era Ângela; sabemos apenas que ela tinha algum letramento, pois assinou o próprio nome na petição que deu início ao processo, em 9 de maio de 1777. A demanda fora impetrada por um curador em Pernambuco, mas não foi acatada pela justiça local, que soltou o acusado mediante pagamento de fiança. Inconformada, Ângela tentou levar a ação adiante: seu representante legal argumentou que em casos desse tipo não se admitia fiança em letra, mas apenas caução em ouro, prata ou dinheiro, e acusou o juiz que soltou Antônio de descumprir a lei. O processo seguiu para a Conservatória da Companhia de Pernambuco e Paraíba, um juízo específico e privilegiado para casos envolvendo membros dessa empresa comercial. A instância superior em Lisboa recebeu o pedido para passar um novo mandado de prisão contra o capitão Costa na “querela de estupro que a suplicante dera dele”. O curador insistia que “ninguém pode ser solto depois de preso pelo crime de defloração voluntária sem caucionar com penhores (...)”, enquanto a defesa de Costa alegava que isso não podia valer para “homem volante, sem bens e sem crédito em uma terra estranha”. Deixando de lado o crime propriamente dito, todo o movimento do processo se deu em torno das formalidades jurídicas da fiança. Concretamente, o único condenado nesse caso foi o escrivão da instância inicial, obrigado a pagar quatro mil réis para ressarcir as despesas da Relação com o processo por ter aceitado redigir a denúncia.20 20 Arquivo Nacional da Torre do Tombo/Feitos Findos/Conservatória da Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba (ANTT/FF/CPP), Mç. 1, n. 6, Cx. 1.

Situações como essas podem ter sido mais frequentes do que a historiografia e o senso comum deixam entrever. Afinal, em ambos os casos, quase sempre foram apenas os inferiores na hierarquia marítima a carregarem a pecha de turbulentos, enquanto aos oficiais, provenientes de extratos sociais mais elevados, reservou-se o papel de disciplinadores, mesmo que tenham fracassado em suas tentativas de impor a ordem à miríade de marinheiros ao longo dos séculos da navegação mercante luso-brasileira. As mulheres em terra também corriam perigo com os oficiais, com o agravante que a justiça, quando punia estes últimos, o fazia tendo em conta sua condição social privilegiada.

Ao estudar o porto de Salvador, Amaral Lapa ressaltou o estorvo que a presença dos tripulantes marítimos provocava em terra e como isso teria levado à criação de práticas disciplinares e jurídicas próprias da colônia. De acordo com ele, foi criado o posto de Capitão da Gente do Mar, “comandante que ficava em terra e se responsabilizava pelos marinheiros durante o tempo de sua permanência no porto”. O historiador não conseguiu maiores detalhes sobre o funcionamento desse cargo (Lapa, 1968LAPA, José Roberto do Amaral. A Bahia e a Carreira da Índia. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Edusp, 1968., p. 217-218), mas é certo que os oficiais dos próprios navios eram os responsáveis por manter seus homens em ordem quando estes desembarcavam.

É inegável que os marinheiros provocavam turbulências em terra. Quase todas as vezes em que foram documentadas, as ações deles se deram em grupo. Na América portuguesa, um caso rumoroso, ou ao menos melhor documentado, parece ter sido o ocorrido no Recife em 1764, envolvendo os tripulantes de diversos navios sob bandeira lusa em quatro processos judiciais transcorridos na mesma Conservatória e que totalizaram quase seiscentas folhas até o ano de 1766, incluindo uma devassa tirada pelo juiz de fora da capital pernambucana em outubro de 1764, no calor dos acontecimentos.

Por volta de nove horas da noite de 6 de outubro de 1764, um grupo de marinheiros do Boa Viagem e Corpo Santo, o Cedrim, abordou uma mulher, cujo nome não foi mencionado na documentação, que se encontrava no largo do Corpo Santo. O largo não existe mais, tendo sido demolido juntamente com a igreja do mesmo nome em 1913 em meio às reformas urbanas, mas naquela altura abrigava o símbolo do poder real no Recife, instalado ali em 1711, sendo, por isso, o conjunto conhecido como praça do Pelourinho. Não era incomum que homens do mar portugueses, ao chegarem à terra firme, procurassem uma capela ou igreja do Corpo Santo, predileção devota entre eles havia séculos (Rodrigues, 2019aRODRIGUES, Jaime. “Deus é o dono do navio”: religiosidades marítimas no Atlântico moderno. Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura (Bogotá), v. 46, n. 2, p. 295-316, 2019a., p. 307ss.). Neste caso, até mesmo o nome do navio revelava essa devoção. Talvez piedade tenha sido o motivo que levou os marinheiros do Cedrim até aquela área da cidade. Mas, naquele dia, às vésperas da partida do comboio de Pernambuco, eles prestaram menos atenção a aspectos religiosos e se concentraram na mulher, referida nas falas de testemunhas como “mulata” ou “parda”.21 21 ANTT/FF/CPP, Mç. 2, n. 8, Cx. 2, fl. 5, 17v. O contramestre e o capitão do Cedrim preferiram não incriminar seus subordinados, talvez por terem de lidar com eles no transcurso da viagem que fariam juntos em breve rumo a Lisboa ou substituí-los caso esses homens ficassem presos em Pernambuco, o que não era algo simples de se conseguir. Antônio Francisco da Rosa e Tomás Gomes Simões alegaram que quem começou o distúrbio foram “uns moços, cujos nomes não sabe[m], serventes do navio Rainha de Portugal (...) porque eles foram os que quiseram travar a mulher que passava pela praça, a qual ia procurar um marinheiro que não estava presente” (...).22 22 ANTT/FF/CPP, Mç. 2, nº 8, Cx. 2, fls. 4-5, 6-8. A mulher ganhou outro contorno aqui. Ela talvez estivesse prestes a subir no navio, tendo em vista que às mulheres isso só era permitido quando as embarcações estavam atracadas nos portos e até o momento em que se anunciava a partida iminente (Mack, 2018MACK, John. O mar: uma história cultural. Silveira: Book Builders, 2018., p. 253). Neste caso, desconhecemos se se tratava de uma parenta, amante ou profissional que combinara uma visita ou serviços com um algum marinheiro. Nada mais sabemos, exceto que, assustada com a abordagem pelo grupo de homens, ela foi se esconder na botica de José de Abreu Cordeiro, que lhe deu guarida.

Em meio ao burburinho, uma tropa apareceu na praça “para reprimir os agressores”. Não parece que a abordagem grosseira à mulher ou um pedido do boticário tenham sido as razões para a mobilização dos militares. O capitão-mor havia determinado que a maruja limitasse seus movimentos ao cais do trapiche enquanto os navios estivessem ancorados. A determinação era antiga e tinha a ver com o grande número de homens que desembarcava na cidade pela atracagem do comboio marítimo colonial que vigorava nesse período. As frotas do Brasil regressavam ao Reino em setembro ou outubro (Cruz Jr., 2002CRUZ JR., A. O mundo marítimo português na segunda metade do século XVIII (ensaio). Lisboa: Edições Culturais da Marinha, 2002., p. 43). Fazia algum tempo, portanto, que o Recife estava coalhado de marujos, e todos sabiam que em breve os navios abririam velas em direção ao Reino. A perspectiva da partida iminente pode ter tido algum efeito sobre a disposição dos homens das equipagens para a luta corporal em terra.

A determinação foi desobedecida, e os marinheiros em terra entraram na briga “armados de pedras, varas e outros instrumentos que podiam fazer ferida penetrante à dita ronda”. Diante da reação dos marujos, o capitão-mor, seus oficiais e a tropa fugiram, deixando para traz e ferido Ventura, “preto do capitão Manoel Lopes Santiago”.23 23 ANTT/FF/CPP, Mç. 2, n. 8, Cx. 2, fls.18-18v.

Mesmo sendo devotos sinceros do Corpo Santo, o episódio demonstrou que, em algumas situações, os homens do mar podiam colocar seus impulsos imediatos e menos refletidos acima da fé. No momento da briga, o Santíssimo Sacramento saía da igreja “donde estava pronto para ser conduzido ao enfermo que o pedia”, mas a movimentação piedosa não impediu a ação dos marujos. Ao contrário: o moribundo ficou sem o viático e, “não satisfeitos com esse excesso, [os marinheiros atiraram] muitas pedras à igreja, entendendo que a gente que nela se juntava era para dar favor à justiça (...)”.24 24 ANTT/FF/CPP, Mç. 3, n. 8, Cx. 4, fl. 5v-6. O motim foi reunindo mais gente, “juntando-se uns delinquentes ao chamamento de outros”, e a infantaria teve de enfrentar uns quarenta homens que “se formaram em um corpo junto do pelourinho (...) intimidando os circunstantes (...) [e] uma segunda ronda de guardas (...) que eles muitas vezes provocaram com vozes e ameaças imperiosas”. Antônio de Sousa Meneses, conde de Vila Flor e então governador de Pernambuco, foi acionado e mandou soldados, o juiz de fora e o ouvidor para obrigar os marujos a se entregarem. Nove amotinados se retiraram, e o alcaide foi atrás deles. Encontrados, os homens não se renderam: atacaram o oficial em uma lancha e o deixaram com “uma ferida rota e ensanguentada com couro e carne cortados de mais de uma polegada”. A luta campal já durava horas, pois a surra no couro do alcaide só foi dada por volta da meia-noite.25 25 ANTT/FF/CPP, Mç. 2, n. 8, Cx. 2, fls.1-2v.

Francisco Xavier Fetal, membro da direção da Companhia desde o início de seu funcionamento (Souza, 2015SOUZA, George F. Cabral de. Elites e exercício de poder no Brasil colonial: a Câmara Municipal do Recife, 1710-1822. Recife: Editora da Ufpe, 2015., p.480), assim que soube o que ocorria, achou prudente mandar chamar os capitães dos navios para que “viessem acomodar a sua gente”. Ao chegar ao trapiche do meio, “viu coisa de vinte homens do mar aos quais perguntando que insultos haviam praticado lhe responderam que a ronda lhes tinha dado umas pancadas estando dormindo no dito trapiche e mandando-os recolher aos seus navios”.26 26 ANTT/FF/CPP, Mç. 2, n. 8, Cx. 2, fls. 37v-38. Na versão desses homens, eles haviam cumprido a ordem de não se afastarem das imediações do cais e dormiam quando foram atacados pela tropa. Ninguém mais confirmou essa história, nem um dono de venda no trapiche que vendeu “um copo de limonada” ou algo mais espirituoso a dois rapazes vindos de um dos navios atracados. Manuel Antônio, o vendeiro, afirmou ter fechado as portas às nove horas, mas as reabriu, logo em seguida, para atender ao ouvidor-geral da comarca que, acompanhado de soldados, tinha ordens para prender os marinheiros “da esquadra que se acha no porto vinda de Lisboa e ouviu dizer que eram presos porque haviam travado bulha com a ronda que se achava no mesmo trapiche”. Manuel afirmou não saber os nomes dos tais marinheiros.27 27 ANTT/FF/CPP, Mç. 2, n. 8, Cx. 2, fl. 6.

Antônio da Rosa, o contramestre do Cedrim, sabia por ouvir dizer que uns moços tinham principiado uma desordem no navio Rainha de Portugal e, em seguida, foram ao Cedrim procurar um marinheiro ausente. Depois, saíram (“fugiram”, disse ele) no escaler do navio para descarregar alguma mercadoria no bairro do Recife - afirmação que aponta para a hipótese de contrabando com alguma condescendência dos oficiais. Rosa nomeou os homens que vieram no barquinho e disse que todos foram falar à gente do trapiche, sendo ali presos.28 28 ANTT/FF/CPP, Mç. 2, nº 8, Cx. 2, fls.19-20.

Para uma simples assuada de marujos, situação corriqueira em um porto movimentado como era o Recife, o empenho das autoridades foi enorme. Vimos desfilar no Pelourinho e pela zona portuária o governador da capitania, o alcaide, o ouvidor-geral e tropas militares ao longo das horas em que a confusão durou. O juiz de fora inquiriu 34 testemunhas em seis dias, a maioria das quais não declarou os nomes dos serventes e moços envolvidos no episódio. Por fim, sua devassa indiciou seis homens.29 29 ANTT/FF/CPP, Mç. 2, n. 8, Cx. 2, fl. 44. Todos negaram as acusações e declararam que dormiam em lanchas ancoradas perto do trapiche enquanto a confusão corria solta pela cidade. Um sétimo homem tornou-se réu em um processo individual. Ele fora preso em Pernambuco e enviado a bordo do Cedrim para responder ao processo em Lisboa, em cuja cadeia se encontrava em março de 1765. Tratava-se do jovem Manuel dos Santos, de 19 anos, de alcunha “o Vioso”, também chamado de Manuel dos Santos Brioso. Ele foi absolvido, mas outros mais de vinte réus ficaram implicados na acusação como “marinheiros que concorreram para os insultos, por que estão incursos em pena capital e confiscação de todos os seus bens”.30 30 ANTT/FF/CPP, Mç. 2, n. 8, Cx. 2, fl. 6.

Em agosto de 1765, outros processos sobre a assuada no Recife implicando 27 homens passaram a correr no tribunal lisboeta da Conservatória da Companhia de Pernambuco e Paraíba. Por fim, em 1 de março de 1766, foram todos absolvidos, sendo obrigados apenas a pagar as custas para obterem seus livramentos.31 31 ANTT/FF/CPP, Mç. 3, n. 7, Cx. 3; Mç. 3, n. 10, Cx. 4. O perfil desses homens, tripulantes de cinco embarcações da frota do Brasil naquele ano, oferece um microcosmo do mundo do trabalho marítimo português setecentista. Primeiramente, porque quase todos eram jovens: a média etária dos réus era de 22 anos, tendo o mais jovem 18 anos e apenas um, o mais velho, tinha 30 anos de idade. Em segundo lugar, porque quase todos eram provenientes de duas regiões densamente povoadas - o Minho e os Açores -, de onde tradicionalmente provinha boa parte dos emigrantes e trabalhadores do mar em Portugal. O local de nascimento era definidor de identidades e de identificação, ao ponto de vários deles terem por alcunha a própria naturalidade, como “o Ponte de Lima”, “o Lessa” e “o Cascais”. Jovens como eles juntavam-se a bordo por alguma afinidade de origem, não só geográfica, mas também por outras conexões construídas em terra. Muitos provinham de experiências agrárias ou piscatórias, de todo modo de origem pobre, como denotam as alcunhas “o Saloio”, “o Hortelão” e “o Catraieiro”. Por fim, todos ocupavam cargos inferiores na hierarquia de bordo: eram marinheiros ou moços, o que sugere uma cultura de marujos consolidada a bordo e levada para as práticas de terra.

No âmbito dessa cultura, os marinheiros faziam uma leitura proveitosa da situação delicada em que os capitães ficariam se muitos tripulantes acabassem presos e fosse preciso recrutar novos homens para substituí-los. No sistema de frotas, com a partida de muitas embarcações ao mesmo tempo, não seria fácil repor um grande número de homens nas equipagens, tendo que concorrer com a demanda de diversos oficiais de navios que buscavam gente para o trabalho. A hipótese ganha aporte quando se observa o teor dos depoimentos dos oficiais cujos subordinados se envolveram na assuada: nenhum deles agiu como acusador de seus homens, e os marujos, por sua vez, recorreram à proteção de seus oficiais ao serem chamados para depor. Mateus Machado, marinheiro da N. S. do Rosário e São José, ao testemunhar a favor de Francisco dos Santos, disse que, no dia do delito, o réu e outros companheiros foram à terra para cear na casa do capitão, “como é costume em Pernambuco”. Encerrada a refeição, o grupo teria voltado ao navio e, assim, eles não teriam participado da bulha.32 32 ANTT/FF/CPP, Mç. 3, n. 8, Cx. 4, fls. 81-81v, 90. O defensor legal de Santos também se valeu do argumento de rebaixar a função do réu, um rapaz de 20 anos de idade, como forma de atrair para ele a compaixão do juiz: ele designava seu cliente como “pobrezinho réu” e “pobrezinho preso”, que se juntara a “outros mais ignorantes”.33 33 ANTT/FF/CPP, Mç. 3, n. 8, Cx. 4, fl. 89.

Na colônia, diversamente das sociedades metropolitanas e, sobretudo, industriais, poderia haver uma repressão menos obsessiva por parte das forças locais de manutenção da ordem entre os homens livres, concentradas que estavam em manter a submissão dos escravizados, considerados mais perigosos. De qualquer forma, em todos os lugares se faziam sentir os efeitos de uma classe dominante cuja necessidade de disciplinar os trabalhadores “tornou-a hostil a muitos divertimentos e frivolidades tradicionais” (Thompson, 1987THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. v. I: A árvore da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987., p. 59-60).

Em 1766, todos os envolvidos na assuada do Recife de dois anos antes haviam sido absolvidos. Depois de meses na prisão, muitos deles voltaram a tripular navios. Pude rastrear alguns, como é o caso de Manuel Gonçalves da Silveira, que no ano seguinte embarcou como servente a carregar escravos em Bissau para conduzi-los ao Maranhão no navio São Luís. Aos 27 anos de idade, o robusto Manuel carregava no próprio corpo as marcas de sua profissão: tinha sinais de bexiga e lhe faltava o olho direito.34 34 ANTT/JC, Livro 1, fl. 52. Seu colega, o açoriano João Ferreira da Cruz, homem de “estatura quase ordinária, trigueiro, olhos pardos [e] cabelo preto”, tripularia o Santa Ana e São Francisco Xavier na condição de servente em viagem de Lisboa ao Grão-Pará em 1768.35 35 ANTT/JC, Livro 3, Matrículas das equipagens dos navios (1767-1769). Antônio Martins dos Ramos, de “estatura ordinária, cabelo castanho, testa grande e feições miúdas” voltaria ao Recife no início de 1769, a bordo do Santa Ana Rainha de Portugal.36 36 ANTT/JC, Livro 3. Vicente Pereira, que tinha 19 anos quando se meteu na assuada no Recife, dizia ter 20 anos em 1767 e 18 anos em 1768, ocasiões em que embarcou no mesmo navio - o Santa Ana Rainha de Portugal -, com destino a Pernambuco. Ele também distorceu a aritmética e forjou sua experiência, alegando ter oito anos de vida marítima em 1767 e dois anos em 1768.37 37 ANTT/JC, Livros 3 e 4. Embora o navio fosse o mesmo, os capitães eram diferentes, e Vicente certamente aprendera que juventude e experiência podiam ser valorizadas de acordo com o interesse de quem recrutava e com o conjunto da equipagem à qual ele seria incorporado.

Não por acaso Recife foi o palco do confronto envolvendo as autoridades locais e os homens do mar engajados na Companhia de Comércio de Pernambuco e Paraíba. Primeiramente, porque aquele era o maior e mais movimentado porto em que as embarcações da Companhia atuavam. Depois porque, desde a criação dessa empresa privilegiada, em 1759, houve continuadas queixas por parte das câmaras municipais das capitanias de Pernambuco e da Paraíba quanto à ação dela no desabastecimento de víveres, nos altos preços cobrados e na baixa qualidade das mercadorias introduzidas. Também ocorriam manobras na eleição dos representantes dos homens de negócios locais na administração da empresa, opondo a direção aos membros da Câmara do Recife e aos senhores de engenho pernambucanos. A tensão cresceu nos anos seguintes: “quando os efeitos de seu monopólio passaram a ser ainda mais perceptíveis aos interesses locais, a resistência, ainda que não fosse levada a cabo explicitamente, se tornou mais justificável” (Souza, 2015SOUZA, George F. Cabral de. Elites e exercício de poder no Brasil colonial: a Câmara Municipal do Recife, 1710-1822. Recife: Editora da Ufpe, 2015., p. 475). É possível que a assuada no Recife em 1764 fosse parte desse jogo de tensões ou dele os marujos tivessem conhecimento e se aproveitassem da situação para criarem um motim nos parâmetros da sua cultura: comportamento de multidão, busca por mulheres, bebida, ataques às autoridades de terra, corre-corre, luta corporal e uso de armas brancas. Não se pode descartar que os marinheiros agiram como agiram por não temerem uma resposta dura e disciplinadora por parte de seus oficiais. De modo similar, a mobilização de tantas autoridades locais com tamanha eficiência pode ser lida como parte dessa resistência à forma soberana e talvez soberba com que a gente da Companhia de Comércio circulava pelo espaço da cidade.

Considerações finais

Para compreendermos o comportamento dos marinheiros quando estavam em terra, quando ali se envolviam em confrontos ou desertavam, a primeira providência é deixar de lado opiniões do senso comum e preconceitos. Esses homens lidavam com uma repressão bem estruturada, tanto no âmbito legal quanto na vigilância de seus atos no cotidiano do trabalho a bordo e das paradas em terra, e ainda assim resistiam. Encontramos evidências acerca da deserção, entendida como forma de resistência às adversidades profissionais que enfrentavam, e procuramos lidar com elas a partir de uma amostragem de casos individuais e coletivos ocorridos na Marinha Mercante luso-brasileira da segunda metade do século XVIII, procurando desvendar algumas de suas possíveis motivações e os contextos em que se deram. A deserção era prática comum entre homens livres em busca da superação das dificuldades advindas do lidar com oficiais autoritários, recrutamento forçado para as guerras ou outras situações que desgastavam suas forças e colocavam em risco sua sobrevivência. Mas também desertavam escravos ou libertos, motivados por razões semelhantes, às quais se somavam a busca por liberdade ou maior autonomia espacial e profissional.

Nos casos de confrontos envolvendo marujos e que tiveram palco em terra, não se trata de negar que eram situações que provocavam medo e mal-estar em localidades onde eles eram estranhos ou visitantes ocasionais, ainda que frequentassem sempre os mesmos lugares quando trabalhavam para o mesmo patrão e em rotas constantes. Mais do que indivíduos, os marinheiros tornavam-se uma multidão diante da população de terra, que guardava memórias dos distúrbios e transformava esses homens em uma massa amedrontadora, disforme e sem nome.

Era no navio, em meio aos seus companheiros, que os homens engajados no mundo do trabalho marítimo moldavam seus comportamentos, e aquele era um espaço limitado em muitos sentidos, como notou Marcus Rediker. Nos navios mercantes, havia sempre gente em excesso e muita carga; de resto, tudo era pouco: conforto, acomodações, liberdade, possibilidade de movimento, atividades de lazer, interação social e comida (Rediker, 1989REDIKER, Marcus. Between the Devil and the Deep Blue Sea: Merchant Seamen, Pirates, and the Anglo-American Maritime World (1700-1750). Nova York: Cambridge University Press, 1989., p. 159-160). Em terra firme, havia possibilidades de superar tais limitações, mesmo que por um curto intervalo de tempo. A turbulência tornava-se uma das tentativas de superação das condições com as quais lidavam a bordo. Nos portos, de um lado tinham que enfrentar as forças repressivas que procuravam manter a ordem adotando medidas quase sempre pautadas pela condição social dos indivíduos que a questionavam. De outro lado, podiam contar com a eventual tolerância de oficiais, que dependiam dos marujos para o trabalho pesado a bordo dos navios, sem cuja mão de obra não podiam zarpar e cumprir seus compromissos nos prazos previstos sem ter de arcar com enormes prejuízos.

Apontados como turbulentos em fontes de diversas temporalidades, os trabalhadores nos navios quase nunca deixaram suas versões a respeito de si próprios e de suas ações por escrito. Procurei dar inteligibilidade e visibilidade a algumas das ações mais emblemáticas dentre as praticadas por esses homens quando se encontravam nos lugares onde faziam escalas no transcorrer de uma viagem ou para onde voltavam depois de longos meses no mar. Conhecer as circunstâncias existentes no mundo do trabalho marítimo, tais como o recrutamento forçado ou resultante da falta de opções de trabalho, a tentativa de escapar de condições adversas, da tirania ou da fome e as brigas quase como exercícios físicos em espaços amplos, talvez torne mais clara a percepção sobre o comportamento desses homens e evite compreendê-lo como irracional ou imotivado.

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  • 4
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  • 5
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  • 7
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  • 8
    ANTT/JC, Livro 5, Matrículas das Equipagens dos Navios (1767-1769).
  • 9
    AHU/CU, Visita do Ouro, Cx. 1, doc. 11; AHU/CU, Bahia (Eduardo de Castro e Almeida), Cx. 46, docs. 8558 e 8559.
  • 10
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  • 11
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  • 20
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  • 21
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  • 22
    ANTT/FF/CPP, Mç. 2, nº 8, Cx. 2, fls. 4-5, 6-8.
  • 23
    ANTT/FF/CPP, Mç. 2, n. 8, Cx. 2, fls.18-18v.
  • 24
    ANTT/FF/CPP, Mç. 3, n. 8, Cx. 4, fl. 5v-6.
  • 25
    ANTT/FF/CPP, Mç. 2, n. 8, Cx. 2, fls.1-2v.
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    ANTT/FF/CPP, Mç. 2, n. 8, Cx. 2, fls. 37v-38.
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    ANTT/FF/CPP, Mç. 2, n. 8, Cx. 2, fl. 6.
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    ANTT/FF/CPP, Mç. 2, nº 8, Cx. 2, fls.19-20.
  • 29
    ANTT/FF/CPP, Mç. 2, n. 8, Cx. 2, fl. 44.
  • 30
    ANTT/FF/CPP, Mç. 2, n. 8, Cx. 2, fl. 6.
  • 31
    ANTT/FF/CPP, Mç. 3, n. 7, Cx. 3; Mç. 3, n. 10, Cx. 4.
  • 32
    ANTT/FF/CPP, Mç. 3, n. 8, Cx. 4, fls. 81-81v, 90.
  • 33
    ANTT/FF/CPP, Mç. 3, n. 8, Cx. 4, fl. 89.
  • 34
    ANTT/JC, Livro 1, fl. 52.
  • 35
    ANTT/JC, Livro 3, Matrículas das equipagens dos navios (1767-1769).
  • 36
    ANTT/JC, Livro 3.
  • 37
    ANTT/JC, Livros 3 e 4.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    23 Abr 2020
  • Aceito
    30 Nov 2020
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