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A assistência social nas ditaduras ibéricas: perspetivas sobre o Auxilio Social franquista e as Campanhas de Apoio aos Pobres no Inverno salazaristas

Social assistance in the Iberian dictatorships: perspectives on francoist Social Aid and salazarist Winter Support Campaigns for the Poor

Resumo:

A política social constitui-se numa porta entreaberta para ideário dos regimes ditatoriais ibéricos. No decurso dos anos de 1930 e 1940, Salazar e Franco apresentaram-se aos respetivos países como garantia de uma nova ordem política, articulando o discurso em torno das questões sociais. Este artigo estuda como os regimes, através da construção de uma assistência social, conseguiram alguma fidelização das massas em retorno, por dependência perante o Estado e, sobretudo, por imposição do mesmo. Contudo, Salazarismo e Franquismo reservaram diferente relevância para as suas políticas assistencialistas.

Palavras-chave:
Assistência social; Salazar; Franco

Abstract:

Social policy constitutes a half-open door to the ideology of the Iberian dictatorial regimes. During the 1930s and 1940s, Salazar and Franco presented themselves to their respective countries as a guarantee of a new political order, articulating the discourse around social issues. This article studies how the regimes, through the construction of social assistance, achieved some loyalty of the masses in return, due to their dependence on the State and, above all, due to its imposition. However, Salazarism and Francoism reserved a different relevance for their welfare policies.

Keywords:
Social welfare; Salazar; Franco

Introdução

As décadas de 1930 e 1940 conheceram a estruturação do pensamento social dos regimes de Salazar1 1 Ver, entre outros, Pereira (2015). e de Franco. Os seus esteios foram a previdência e a assistência sociais. Nenhuma cumpriu o critério de pública, devido à natureza não democrática das ditaduras ibéricas, pelo que será mais rigorosa a sua compreensão como estatais e, assim sendo, fazendo uma distinção entre o que é público e o que será estatal. A este propósito, Pedro Carasa avança com a ideia de que “el Franquismo crea un régimen asistencial totalitario que adolece de una inversión de los términos y una desnaturalización de lo público, de manera que finalmente el efecto histórico producido fue retrasar el Estado de bienestar en España” (2007, p. 163). O mesmo, acrescente-se, aconteceu em Portugal.

Este artigo pretende abordar, comparativamente, o processo de materialização, e seu significado político, dos organismos e apoios sociais promovidos, ou sancionados, pelos regimes ditatoriais ibéricos que, nas suas etapas iniciais, arrancaram através de iniciativas parcelares e pontuais, como foram os casos das Campanhas de Apoio aos Pobres no Inverno (Portugal) e o Auxilio de Invierno (Espanha), na década de 1930. O caminho pela história comparada “consiste, de modo de geral, na possibilidade de se examinar sistematicamente como um mesmo problema atravessa realidades histórico-sociais distintas” (Lage, 2018, p. 62). Assim, em ambos os lados da fronteira, o poder ditatorial percecionou que a captura do social pelo político poderia configurar-se num garante de controlo e legitimação, contribuindo para a sua eternização. Enveredaremos, portanto, por um estudo comparativo2 2 Para a discussão da problemática da história comparada ver, igualmente, Grecco e Albernaz (2019). Sobre a problemática do saber histórico no geral, ver a síntese de Neto (2016). de duas realidades que, pelo seu posicionamento no tempo histórico, são síncronas (cf. Bloch, 1998), além de coabitantes no espaço, a Ibéria:

A História Comparada tanto impõe a escolha de um recorte geminado de espaço e tempo que obrigará o historiador a atravessar duas ou mais realidades sócio-econômicas, políticas ou culturais distintas, como de outro lado esta mesma História Comparada parece imprimir, através do seu próprio modo de observar a realidade histórica, a necessidade a cada instante atualizada de conciliar uma reflexão simultaneamente atenta às semelhanças e às diferenças, repensando as metodologias associáveis a esta prática” (Barros, 2007, p. 2-3).

Deste modo, a abordagem comparativa parece favorecer e ajustar-se à análise de realidades afins para além dos limites de cada Estado-nação (cf. Albuquerque, 2018).

O percurso investigativo que se apresenta neste artigo ancora-se, entre outras, nas fontes oficiais emanadas, legislação que concretizou o pensamento dos regimes e enformou comportamentos na sociedade, bem como no discurso político de agentes relevantes para o âmbito das ações e políticas assistencialistas: para além dos articulados fundadores da matriz social de cada regime, procura-se aceder ao pensamento social estatal, aos seus protagonistas e marcos alcançados, através de publicações oficiais, como seja o Boletim de Assistência Social, em Portugal, e as “Normas” do Auxilio Social emanadas pela FET-JONS, em Espanha. Igualmente se recorre ao discurso de regime, que tantas vezes abordou as questões sociais e que, para sua solução, lhes contrapunha a ação social “nacional” agora empreendida e alegadamente sem paralelo. A crítica de fonte sinaliza, pois, as alocuções e escritos de Salazar e de Franco, e de outros responsáveis políticos, como instrumentos de doutrinação e propaganda dos méritos das supostas revoluções nacionais. Não obstante, configuram-se, igualmente, como espelhos, mais ou menos distorcidos, do sistema de apoio e controlo sociais que efetivamente queriam ver concretizado em Portugal e Espanha, tutelado, ora mais de perto, ora mais à distância, pelas respetivas máquinas estatais.

Este escrito aborda a perspetiva da assistência social. “La penuria general en la dotación de los servicios positivos de nuestro Estado, la timidez y el corto vuelo para las reformas, han hecho hasta ahora casi nula e inexistente la Asistencia social en España” (Grimm e Berges, 1936, p. 7). Materializava-se assim, num prólogo à edição espanhola de uma obra nazi sobre a assistência social da época, a crítica à ação social republicana, onde se fundeará o arranque da iniciativa assistencial franquista a desenvolver-se nos anos vindouros. A realidade clarifica, contudo, que a dotação orçamental que o Franquismo destinou ao apoio social foi escassa, pelo menos até à fase tecnocrata dos anos de 1960 (cf. Ortiz Heras e González Madrid, 2018). Se ambos os regimes centram a ação da assistência social nos mesmos alvos, consideramos, contudo, que o Salazarismo e o Franquismo atribuem diferente peso político às políticas de assistência, tendo o regime espanhol configurado os seus propósitos sociais como claras e evidentes armas de propaganda da “supuesta revolución nacional”, como afirmam os autores citados. Deste modo, com muito maior ressonância política, mas sobretudo pública, a política de assistência representa, para o regime de Franco, uma das suas principais bandeiras, ora servindo como instrumento ímpar de uma propaganda demagógica - pois constrói-se a sensação de que, pela primeira vez, o Estado demonstra reais inquietações com a qualidade de vida dos espanhóis -, ora funcionando como meio de controlo social das massas.3 3 Ver, entre outros, Molinero (2005a). As coberturas assistenciais são similares comparando os regimes ibéricos. Vejamos: à assistência materno-infantil portuguesa corresponde a maternidad espanhola; à assistência aos menores, a protección de infáncia e, igualmente, a maternidad; para os inválidos, uma assistência que partilha a mesma designação, a invalidez; o campo salazarista cria também uma assistência para a mendicidade, encontrando o seu paralelo em Espanha na assistência ao alojamento, pois ambas as formas de assistência passam pelo abrigo/reclusão de indivíduos sem posses financeiras para viverem numa habitação própria, recolhendo-os em albergues, asilos ou abrigos estatais; a assistência hospitalar portuguesa tem o seu espelho na assistência na doença espanhola, havendo, em particular, uma congénere para a assistência psiquiátrica, a assistência à anormalidad espanhola; é ainda de notar que o regime português dedica um apoio particular à família enquanto instituição e célula-base, o que não encontramos de igual forma plasmado na rede assistencial espanhola; por seu lado, o sistema espanhol dedica particular atenção às contingências sociais da velhice e da cegueira, o que não se verifica no caso salazarista.

As premissas do Auxilio Social

Importa agora notar que os primeiros passos no sentido da formulação, concretização e institucionalização da ação e política social do regime franquista conhecem várias cambiantes e influências iniciais, isto é, de diferentes quadrantes sociais e políticos chegam iniciativas e organizações. A saber: do lado do Jonsismo apresenta-se o Auxilio de Invierno, depois evoluído para Social,4 4 Sobre esta evolução, ver o estudo de caso para Sevilha, de Giménez Muñoz (2009). dos Carlistas,5 5 Precursor do Jonsismo, o Carlismo constituiu-se na expressão legitimista, reacionária ao liberalismo, saudosista e católica que desde o século XIX catalisou o sentimento político de muitos e que ganhou força com a sublevação nacionalista de Franco, vendo nela a possibilidade de recuperar o país das “perdas” históricas sofridas durante o último século. A este respeito, ver: Canal (2000, 2006); Martínez Dorado e Pan-Montojo (2000); Payne (2008). a criação das Frentes e Hospitales; dos Falangistas, a Sección Feminina,6 6 Ver, entre outros, Barrera (2019). o Fomento del Trabajo Femenino, a Defensa de la Vejez e a Obra del Hogar Nacional Sindicalista (Carasa, 1997, p. 99). De toda a miríade de instituições, o caminho que vinga é o trilhado pelo Auxilio de Invierno, com as mutações subsequentes, pelo que analisaremos brevemente o percurso desta instituição. Tratando então deste organismo primacial, o Auxilio de Invierno é criado em 30 de outubro de 1936, em Valladolid, para acudir à miséria que a Guerra Civil trazia,7 7 De entre uma vasta bibliografia sobre a Guerra Civil, ver, Cenarro (2006), e Juliá (2006) sobre as suas vítimas do conflito. aí abrindo a sua primeira cantina para crianças: “En las semanas siguientes, los comedores se extendieron por la ciudad, los pueblos y por las provincias limítrofes, al calor del éxito de los primeros días y de una situación real de penuria muy grave” (Orduña, 1996, p. 42), tendo como principais impulsionadores Mercedes Sanz Bachiller8 8 Ver, Pérez Espí (2021). (viúva de Onésimo Redondo9 9 Onésimo Redondo Ortega foi figura maior do pensamento político da extrema-direita espanhola do começo da Segunda República, patenteando uma visão social ultranacionalista, cristã, telúrica, mas paralelamente inovadora, introduzindo uma dimensão espiritual ao seu ideário e discurso políticos, num contexto que lhe foi muito hostil quando, a 14 de abril de 1931, o país inaugurou a segunda fase republicana, vincadamente anticlerical (cf. Tomasoni, 2019; sobre a evolução político-partidária da década de 1930, ver, Grecco, 2018). Do pensamento e ação política de Redondo, e da sua articulação com Ramiro Ledesma Ramos, surgiram as Juntas de Ofensiva Nacional-Sindicalista, JONS (1931-1934), com o fim último de concretizar um Estado nacional-sindicalista, omnipotente na resolução dos problemas estruturais de Espanha. O movimento jonsista apresentou-se, assim, como a materialização da luta contra os partidos da esquerda comunista, tendo evoluído radicalizando-se à direita e aproximando-se do fascismo (embora considerando-se como um fenómeno político que transcendia aquela doutrina), e contemplando a agitação social e a violência como instrumentos de intervenção política (cf. González Calleja, 2011; Tomasoni, 2020). Relativamente à repressão, note-se que, “els diferents sectors de l’aparell franquista coincidien en la utilització de la repressió per assegurar la disciplina social; les diferències estaven en què per alguns calia combinar coacció i persuasió, per a què un projecte polític fós digne de tal nom” (Molinero, 2005b, p. 41); ver, também a este respeito, Arnabat Mata (2013). O Franquismo tratará de Onésimo Redondo como uma personagem martirizada em prol da causa de uma Espanha forte e revigorada nos seus valores nacionais e tradicionais. Sobre esta temática, ver: Tomasoni (2017). ) e Javier Martínez de Bedoya, agora enquanto valência da Sección Femenina - nas palavras de Franco, “excelente colaboradora de nuestras grandes obras del hogar, sanitaria y sociales” (Franco, 18 jul. 1944, p. 19).

O fator promotor para o arranque da ação do Auxilio de Invierno é claro: “el reconocimiento de la dureza que tuvo la represión en Valladolid y en las otras ciudades a las que pronto se extendería la acción benefactora del Auxilio de Invierno” (Orduña, 1996, p. 39). Aquele organismo de feição assistencial clona a sua génese do homólogo nazi que lhe serve de modelo, a Winterhilfe.10 10 Contando Martínez de Bedoya para isso com a colaboração estreita de Kroeger, adjunto do embaixador nazi na Espanha sublevada, o general Von Faupel. Cf. Cenarro (2006, p. 2). A política totalitária do regime conduz a um cada vez mais apertado controlo das práticas de ajuda social, aumentando a dominação sobre as instituições que as prestam: o Auxilio de Invierno, ao estender a sua ação a toda a Espanha nacionalista, transforma-se em algo maior, convertendo-se numa secção de um novo produto franquista, o Auxilio Social que, daqui por diante, englobará, ou melhor, absorverá e coordenará todas as instituições de cariz social criadas, tornando-se assim no principal organismo oficial de assistência social do Franquismo, assumindo uma política de desenvolvimento institucional paralela à sua congénere alemã (cf. Cenarro, 2006, p. 42-44). Isto é dizer, o Auxilio Social, que foi organizado através do Decreto de 17 de maio de 1940, e que o recém-implantado regime franquista exaltava como “expresión de los afanes sociales que laten en las entrañas del Movimiento Nacional, [y que] ha prestado, a lo largo de su actuación, eficazes servicios a la causa de una España apretada com lazos de hermandad amplia y generosa”,11 11 Decreto de 17 de mayo de 1940. Boletín Oficial del Estado, n. 150, 29 mayo 1940, p. 3634. passa a controlar e absorve o Auxilio de Invierno, a Obra Nacionalsindicalista de Protección a la Madre y al Niño, o Auxilio Social al Enfermo, o Fomento del Trabajo Familiar, a Defensa de la Vejez, e a Obra del Hogar Nacional Sindicalista.

As Campanhas de Auxílio aos Pobres no Inverno do salazarismo

Numa perspetiva comparativa com o caso português, e que em nosso entender contribui para o posicionamento do salazarismo e do franquismo como regimes ditatoriais alinhados com a “constelação fascista” europeia,12 12 O debate historiográfico acerca da natureza ideológica dos regimes ibéricos é extenso e polarizado entre a escola de pensamento “fascista”, a “fascistizante” ou a “autoritária conservadora”. Neste particular, acompanhamos as interpretações que, em pleno ou em parte, posicionam estas ditaduras na esfera fascista, como são, para o caso espanhol, as de Carme Molinero e Pere Ysàs (2003), bem como de Ismael Saz (2008); para o caso português, citamos Fernando Rosas (2001), Manuel Loff (2008), e Luís Reis Torgal (2009). Para um estudo comparativo das ditaduras ibéricas ver, João Paulo Avelãs Nunes (2000), Manuel Loff (2010), e Juan Carlos Jiménez (2019). Para uma abordagem às relações e influências entre ambos os regimes, ver, Pena Rodríguez (2017). o Estado Novo desenvolve uma iniciativa congénere ao regime franquista: alguns meses após o arranque do Auxilio de Invierno, e “obedecendo à alta finalidade de realizar obra de justiça social”, o Estado Novo institui as designadas CAPI, Campanha de Auxílio aos Pobres no Inverno, que conhecerão uma periodicidade anual.13 13 Decreto-lei n. 26.164, preâmbulo. Diário do Governo, n. 209, 24 dez. 1935, p. 1917. Esta assistência será providenciada a “indigentes”, durante os meses de dezembro, janeiro e fevereiro, e traduzir-se-á na distribuição de alimento, roupa14 14 Relativamente ao agasalho, eram distribuídos cobertores de lã, numerados, com 2m x 1,50m, e inscritos “ao centro, [a] tecido a cor, o escudo nacional com as seguintes legendas: “Estado Novo - Auxílio aos pobres”. Os cobertores deveriam ser devolvidos até 15 de abril de cada ano: Decreto-lei n. 26.164. Diário do Governo, n. 209, 24 dez. 1935, art. 5º, alíneas a, b e c; art. 6º, item 2º, p. 1918. e/ou abrigo, sendo coordenada ao nível distrital. É da responsabilidade de cada freguesia a construção e atualização de um cadastro de todos os pobres que careçam de auxílio e fazê-lo chegar às comissões distritais.15 15 Decreto-lei n. 26.164. Diário do Governo, n. 209, 24 dez. 1935, arts. 1º e 4º, p. 1918. A verba para este auxílio sofre oscilações anualmente, consoante a dotação orçamental do Estado.16 16 Decreto-lei n. 26.164. Diário do Governo, n. 209, 24 dez. 1935, art. 4º, item único, p. 1918. Para além desta, bem como das coletas levadas a cabo por todo o país, são igualmente organizados os designados “cortejos de oferendas” que, nas palavras de Joaquim Trigo de Negreiros, então subsecretário de Estado da Assistência Social, constituíam, “verdadeiros rios de caridade, que a favor das Misericórdias se efectuam em várias terras do País [...]. Esses cortejos traduzem-se em dádivas da mais diversa natureza - dinheiro, roupas, agasalhos, etc.” (Negreiros, 1946, p. 76).

E para que não restassem dúvidas no espírito dos portugueses sobre se deveriam ou não contribuir para estas campanhas assistencialistas do Estado Novo, o regime trata de informar, coagindo...

Que tristeza e que desapontamento seria ver pessoas ou entidades cujos rendimentos se sabem serem consideráveis subscrever com quantias relativamente pequenas para o “Socorro de Inverno”, continuando contudo a inverter quantiosas somas em novas capitalizações! O público não lhes perdoaria e mesmo o Governo teria o direito de estranhar e registar (Sarmento, 1946, p. 90; destaques nossos).17 17 Estas subscrições estavam destinadas às pessoas de maiores possibilidades financeiras; para todos os outros, o regime engendrava uma forma para que todos os trabalhadores, sem exceção, contribuíssem para a causa: num determinado dia de novembro, os assalariados trabalhavam uma hora mais, cuja remuneração correspondente reverteria para o Socorro de Inverno.

Não obstante o apregoado exclusivismo das iniciativas sociais dos regimes ibéricos, as Campanhas de Auxílio aos Pobres no Inverno são, reafirmamos, uma importação adaptada do designado Winterhilfe nacional-socialista alemão (cf. Mora, 1935, p. 62).18 18 Pela década de 1940, constituía-se, anualmente através de portaria, uma comissão para implementar o Socorro de Inverno composta por nove elementos: ministro do Interior, subsecretário de Estado da Assistência Social, delegado do Patriarcado de Lisboa, secretário nacional de Informação e Cultura Popular, presidente do Grémio da Imprensa Diária, diretor-geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, presidente da comissão executiva da União Nacional, delegado da Junta Central da Mocidade Portuguesa e comissário nacional da Mocidade Portuguesa. A título de exemplo, ver: Diário do Governo, n. 269, II série, 18 nov. 1944. Esta iniciativa portuguesa não terá o alcance da congénere espanhola. Entendemos que tal situação pode ser compreendida à luz de duas interpretações: primeiramente, o futuro Auxilio Social terá a sua génese fora da esfera do Estado, ou seja, é algo que tem na iniciativa particular o seu início e que mais tarde o regime franquista terá interesse em nacionalizar; portanto, é algo exógeno, que vem de fora para dentro da esfera pública, já com dinâmicas próprias. Em segundo lugar, o Estado Novo revela um interesse bem menor do que o Nuevo Estado em fazer da assistência social uma bandeira política e muito menos uma política a implementar, pelo que as CAPI são iniciativas de curto alcance. No entanto, importa aqui dar nota de que entendemos não ter sido consensual dentro do escol político do Estado Novo a postura pouco pró-ativa que o poder salazarista aparenta face à assistência social. O regime esforça-se em diversas ocasiões por informar que a sua ação social concretizar-se-ia apenas e só quando estritamente necessária, sendo que algumas vozes se levantam (pouco) contra esta leitura que o Estado faz quanto ao seu papel social. A linha de orientação que prevê que o Estado não deveria assumir nem a previdência, nem a assistência, na sua maior porção, está definida desde a Constituição, bem como no Estatuto do Trabalho Nacional, ambos de 1933.19 19 Cf. Decreto-lei n. 22.241, Diário do Governo, n. 43, 22 fev. 1933 (a Lei Fundamental entrou em vigor a 11 abr. 1933); Decreto-lei n. 23.048, Diário do Governo, n. 217, 23 set. 1933, respetivamente. Portanto, uma quase sofreguidão em fazer notar, articulado após articulado, a “função supletiva” da sua ação o que denuncia, ainda que indiretamente, a existência de vozes discordantes dentro da sociedade e do regime, em relação a estas questões sociais e respetivas políticas que se impõem à época. Aliás, bem antes do tempo corporativo em Portugal, concretamente no Congresso Internacional sobre Assistência Pública realizado em Paris, em 1889, definia-se a fixação das bases definidoras da assistência social, cabendo esta “a entidades públicas [e] concedida no quadro territorial mais próximo do interessado; a participação do Estado deve ser muito limitada; a assistência destina-se apenas aos indivíduos sem recursos, que não podem trabalhar, e é subsidiária de outras ajudas, nomeadamente da família” (Join-Lambert, 1994 apud Carreira, 1996, p. 263). Por aqui se comprova que o entendimento social do Estado Novo não é pioneiro, nem único, mas crescentemente um modelo anacrónico. Nesta prossecução, atente-se no seguinte excerto:

Contrariamente ao que a alguns se afiguraria, a organização corporativa do Estado e alguns dos princípios essenciais deste levarão logicamente a buscar a solução do problema da assistência mais no desenvolvimento das suas formas privadas do que na luxuriante vegetação de organismos públicos, burocratizados, estatizados, ou sejam, mecânicos e inertes. Certamente, e não se sabe ainda por que período, a assistência pública - paga, dirigida e administrada pelo Estado - terá de continuar, mas nada exige que desde já se vá além de conferir-lhe uma função supletiva e de coordenação e orientação superiores [...].20 20 Decreto-lei n. 27.610, art. 1º. Diário do Governo, n. 75, 1º abr. 1937, p. 297.

Daqui se impõem algumas considerações. Antes de mais, a constatação de que não colhe unanimidade a orientação do governo nesta matéria, além de que, fazemos notar, o Executivo não vislumbra (ou não interessa encarar) a máquina estatal como capaz de concretizar um sistema de assistência, por manifesta falha própria, burocratizada, diremos mesmo obsoleta em demasia. Mais ainda se nos afigura claro e revelador o facto de o regime admitir planificar, custear e promover a assistência pública, isto é, ao encargo do Estado, por um período de tempo finito, o que mostra o objetivo e desejo de que a máquina de assistência particular crescesse e se articulasse, no sentido de tornar a ação estatal quase que supérflua. Contudo, a evolução das condicionantes do pensamento político virão a impor um caminho diverso. Sintomático do desinteresse - concreto - do Estado relativamente à assistência é a não determinação de um prazo à comissão de estudo para ser apresentada a reforma assistencial (iniciada em 1937), o que se traduzirá numa espera longa. Transcorridos anos, o Decreto-lei n. 31.666, de 22 de novembro de 1941, patenteará, finalmente, a explanação do pensamento teórico do regime português sobre a questão assistencial: no preâmbulo deste articulado são definidas aquilo que podemos designar, e agora apresentamos, por áreas de intervenção da assistência social estatal: assistência aos recém-nascidos e crianças; assistência aos jovens em idade de formação; assistência aos doentes e deficientes, bem como, assistência aos indigentes e alienados.21 21 Decreto-lei n. 31.666, ponto 1, preâmbulo. Diário do Governo, n. 273S, 22 nov. 1941, p. 1134. Por aqui adquirimos a consciência de quais os grupos sociais a serem enquadrados pela nova assistência social salazarista.

Em 1942 é promulgado um decreto que corrobora e acentua o processo desvinculativo do Estado na questão assistencial. A postura do Estado ao querer desligar-se gradualmente de incumbências de caráter assistencial é, assumimos que primeiramente, uma questão de filosofia doutrinal. Contudo, num cronos em que o Estado Novo pugna por reequilibrar as contas públicas, parece-nos que esta medida, esta postura tem muito de calculismo financeiro e orçamental. Afirmámo-lo assegurados pelo referido Decreto-lei n. 31.913, que afirma claramente que “os princípios [...] reclamam uma maior desoficialização do pessoal [...] reduzindo os quadros fixos às funções directivas e às de chefia dos seus serviços”.22 22 Decreto-lei n. 31.913, preâmbulo. Diário do Governo, n. 58, 12 mar. 1942, p. 229. O restante pessoal ligado a estabelecimentos de assistência pública, isto é, “o pessoal não compreendido nos quadros, incluindo o de enfermagem, será proposto [...] de harmonia com as necessidades estritas da assistência a prestar e com os recursos dos respectivos orçamentos destinados a ‘pessoal fora dos quadros’ ou ‘assalariado’”.23 23 Decreto-lei n. 31.913. Diário do Governo, n. 58, 12 mar. 1942, art. 3º, p. 229.

Assim sendo, a assistência tem pouco na doutrina corporativa, mas ainda menos na afetação de recursos financeiros. Pelos finais da década de 1940, mais precisamente de 1947 em diante, a preocupação central do Ministério do Interior, tutela da assistência social pública, está orientada, quase em exclusivo, para a implementação da rede de hospitais públicos, relegando os cuidados e os investimentos na assistência para um lugar bem secundarizado. Isto mesmo se depreende das declarações de Cancela de Abreu, que a 5 de fevereiro de 1947 sucede a Botelho Moniz, na chefia do Ministério (Abreu, 1947ABREU, Cancela de. 05.02.1947. Boletim de Assistência Social, ano 5, n. 50-52, p. 93-95, 1947. , p. 93-95). Na realidade, a assistência apresentou, apresenta e apresentará até aos finais do regime como esteio o seu caráter parcelar e gracioso, de benesse superior, afastando-se de forma clara de qualquer postura construtiva. Um dos slogans que acompanham a assistência social salazarista afirma: “Todos os que podem em favor de todos os que precisam.” O favor é incompatível com os valores de um verdadeiro Estado social.

A conceção teórica de uma assistência estatal implicaria sempre e quase na totalidade, despesa pública, investimento por parte do Estado. Contudo, Trigo de Negreiros, possivelmente num parágrafo menos bem ponderado, mas talvez mais verdadeiro e realista, afirma que: “Neste campo [da assistência], como em nenhum outro, temos de resistir à sugestão perigosa das largas planificações de tipo totalitário, sob pena de vermos destruída a mais sublime criação da espiritualidade humana - a caridade” (Negreiros, 1949, p. 6). Em consonância com o seu ministro do Interior, José Guilherme de Melo e Castro, subsecretário de Estado da Assistência Social em 1954, afirma que, “foi sábio o legislador porque não impôs ao Estado o ónus do investimento em tantas e tantas modalidades da assistência não só acessíveis à iniciativa particular mas onde a caridade espontânea, o factor espiritual, pode ser o imprescindível” (Castro, 1954, p. 237).

Aqui encontramos o Estado Novo, na primeira metade dos anos de 1950, a afirmar que, na verdade, a “sua” ação social não é bem sua, ou melhor, sendo sua, seria preferencialmente paga por outrem... Assistência pública entregue aos privados, o que nos revela o quão pouco se interessa o regime em apoiar os desvalidos. Trigo de Negreiros chega mesmo a afirmar que a bitola para aferir o “índice de civilização” de uma sociedade é o apoio social prestado pela mesma sociedade, não pela administração pública. Até porque o Estado apenas tem “por dever suprir a iniciativa particular, na medida em que esta não garanta a conservação do agregado social”. Ao Estado, para que não restem dúvidas, compete orientar e tutelar, “mas orientar e tutelar não é o mesmo que absorver” (Negreiros, 1949, p. 7; itálicos nossos). Ainda assim, o subsecretário afirmava que todo o esforço despendido pelo erário público para a causa da assistência social estava em linha com os investimentos efetuados nas restantes políticas do Estado. Possivelmente, se assim fosse, não haveria necessidade de o declarar.

O Auxilio Social franquista: da iniciativa privada à integração estatal

Retornemos à Espanha. Importa fixarmo-nos no pormenor das motivações que estiveram subjacentes à criação e arranque do Auxilio Social, o que vale por dizer, ao início da vertente assistencial da política social do Nuevo Estado. Se o regime que se começa a forjar ainda em plena Guerra Civil ambiciona toda uma nova estrutura para difundir a sua ideologia e controlo sobre o território espanhol, o domínio da caridade e beneficência, entre outras plataformas e portas de entrada como foi o caso da Igreja Católica, é algo a que Franco e a sua equipa não se podem furtar. De tal forma que, “el Auxilio Social […] tuvo como principal objetivo conseguir la conformidad, la dependencia y el mal llamado ‘consenso’” (Cenarro, 2006, p. XIV). Não refutando que este organismo tenha também nascido provido de objetivos humanistas, o Auxilio Social assume igualmente “un carácter marcadamente antiliberal, porque entiende que la asistencia no la deben ejercer unas élites profesionales, sino unos burócratas políticos” (Carasa, 2007, p. 164). Até porque no processo de construção e avolumar de poder em Franco, não se poderá aceitar que o desenvolvimento de apoio social por parte do poder político possa ser entendido como um ato à parte do contexto bélico, autoritário e ideológico - cumpre uma missão política de aceitação do nascente regime perante as populações (cf. Cenarro, 2006, p. XVI e XII). Por outro lado, apurando a leitura histórica, o facto de Javier Martínez de Bedoya (segundo marido de Mercedes Sanz-Bachiller) estar presente no grupo fundador do Auxilio Social constitui outro forte incentivo, tendo este desenvolvido uma estreita colaboração com as Juntas de Ofensiva Nacional-Sindicalista. Ora, é deste quadro - que se reconhece complexo, pois resulta da confluência de ações de diferentes grupos políticos que se foram aglutinando sob a égide da FET-JONS - que se produzirá a instituição de beneficência social por excelência do Franquismo, o Auxilio Social (Orduña, 1996, p. 24-25). Assim, aferindo do propósito deste organismo, nas palavras de uma das suas principais estudiosas, “su principal misión fue paliar, primero, las necesidades creadas por la guerra y, después, tanto los efectos desastrosos de la autarquía como la ausencia o limitación de una política social coherente” (Cenarro, 2006, p. XII).24 24 A memória histórica do Auxilio Social é estudada por Cenarro (2013), Cenarro e Masarah (2020). Ver, igualmente, sobre as premissas particulares da criação do Auxilio Social, Cenarro (2014).

Sendo o Auxilio Social uma instituição originariamente jonsista, da lavra de Bachiller, Redondo e Bedoya, aquele passará a situar-se, a partir de 17 de maio de 1940 e por decreto, integrado no sistema de poder franquista, institucionalizando-se na máquina falangista, designadamente como Delegación Nacional de la Falange Española Tradicionalista y de las JONS (cf., entre outros, Thomàs, 2001 e 2008), pois reúne as principais características doutrinárias do regime, tornando-se num tipo de sindicato único e vertical25 25 Para uma análise comparativa do sindicalismo estatal entre os regimes de Franco e Mussolini, ver, Molinero (2005c). com funções assistenciais, unindo, ou talvez no limite, aproximando as elites dos mais desfavorecidos. O articulado que integrou a “Obra” no Estado franquista e a tornou no centro coordenador, e controlador, de todo o apoio social determinou, no seu artigo 2º, quais os que poderiam ser beneficiados pela assistência nacionalizada: indigentes, estruturais ou circunstanciais, sendo a Guerra Civil uma das causas relevantes para receber apoio; órfãos menores de idade, preferencialmente os que haviam perdido os pais no conflito; grávidas e parturientes, bem como pessoas convalescentes ou débeis, que deveriam ser reestabelecidas e assim reincorporadas na atividade económica.26 26 Decreto de 17 de mayo de 1940. Boletín Oficial del Estado, n. 150, 29 mayo 1940, artigo 2º, p. 3634-3635. No entanto, contrariamente ao explicitado nas suas bases, as pessoas que se encontram na contingência de recorrer ao Auxílio Social guardam memórias de humilhação, pelo que se deve ter em conta a distância entre a formulação teórica e a realidade da assistência social (Molinero, 2005a, p. 29). É clara a intenção do regime em se tornar sinónimo de renovação e por isso a aposta política na juventude e na unidade central da família. Decorrente destes princípios ideológicos apresentados pela Falange, “ha de sobresalir el auxilio estatal sobre el particular, la asistencia organizada y obligatoria sobre la limosna individual y espontánea, la asistencia nacional sobre la personal, primará el sentido y legitimación política sobre el sentimiento y la mentalidad religiosa” (Carasa, 1997, p. 104). Nos primeiros anos de política social franquista, ocorre um esforço no sentido de rever e revogar todas as disposições legais anteriores ao “Alzamiento” para que fosse possível expurgar o terreno e se pudesse legislar conforme os novos princípios ideológicos, no sentido de dotar o novo modelo de proteção da maior liberdade de movimentos. Por sua vez, a assistência particular é rotulada de inadequada e ultrapassada, pelo que não teria utilidade pública e social.

Um paralelismo e uma conclusão intermédios acerca das políticas sociais desenvolvidas pelas ditaduras ibéricas: à semelhança do Estado Novo português, o regime de Franco, nos primeiros anos de poder, olha para trás e tudo desfaz - pelo menos no discurso -, qualificando as iniciativas de proteção social preexistentes como algo de elitista, sem vocação social e apresentando-se como o caminho para uma moderna e efetiva política de redistribuição social em Espanha. Ora, tal não corresponde à verdade. Precisamente o contrário se terá passado, atrasando o caminho de Espanha para uma efetiva assistência social pública. Curiosamente, o regime aporta no seu discurso a noção social, do bem-estar social,27 27 Para uma análise global da evolução da política social franquista, sob os prismas da habitação, educação e segurança social, ver: Ortiz Heras e González Madrid (2018). mas conseguido e pensado em termos grupais, no plano coletivo, pois o indivíduo, num regime corporativo como o português, e nacional-sindicalista como o espanhol, não tem cabimento, não é tolerado, devido ao seu grau de individualidade.28 28 A célula do Franquismo não é o trabalhador, muito menos o indivíduo, mas antes a família. Afirma o ministro Girón de Velasco que “para nuestra política laboral, la unidad no era el trabajador, sino él y su familia” (Girón, 1994, p. 122). Ora, assim sendo, a ideologia que rege o funcionamento do Auxilio Social é orgânica, coletiva e de alcance nacional, uma vez que a ação de ajudar e assistir sobrepõe-se às vontades e atitudes de alguns indivíduos em determinado momento. Nem todos os indivíduos participam na assistência, mas todos os setores sociais o deviam fazer. Por outro lado, se até aqui identificámos um paralelismo entre os “Estados Novos”, importa igualmente notar uma diferença significativa quanto à valorização ou desvalorização das práticas de assistência social de índole privada, ou seja, se o regime espanhol a entende como desadequada e sem capacidade para contribuir positivamente para a proteção social, já Salazar encara com grande aceitação o contributo dos particulares na assistência, que o regime deseja ver cada vez mais presente e capaz, permitindo a já referida escusa dessa tarefa por parte do Estado.

Em Espanha, o Estado perfila-se então como o garante, o gestor, aquele que dotará a assistência de uma efetiva atuação junto da sociedade. Comprovando a gestão estatal da assistência social está o facto de os delegados provinciales do Auxilio Social passarem a integrar o Consejo Superior de Beneficencia y Obras Sociales, o que implica uma participação pública direta (García, 1990, p. 434). Atestando do amparo e do interesse que o regime evidencia nesta sua recente criação, constitui-se, a 1 de fevereiro de 1938, o primeiro governo de Franco, sendo Serrano Suñer, figura ligada a José Antonio Primo de Rivera, cuñadísimo de Franco, simpatizante da causa política nazi (o que a breve trecho lhe custará o cargo) e da organização corporativa do Estado (cf. Preston, 2004, p. 287 e ss., p. 324; Thomàs, 2001, p. 48), designado para Ministro do Interior, e Martínez de Bedoya, homem ligado ao Auxilio de Invierno, promovido a chefe do Servicio Nacional de Beneficencia y Obras Sociales, num sinal claro de interesse e confiança política.29 29 Uma nota interessante é o facto de Martínez de Bedoya ter sido proposto, em 1939, por Serrano Suñer, então ministro do Interior (e tido como “el máximo representante público de los sectores pronazis del régimen” [Marín, Molinero, Ysàs, 2001, p. 21], e que partilhava com Bedoya admiração pelo sistema de apoio social nazi, que conheciam in loco), para tutelar a pasta do Ministerio de Trabajo e dos Sindicatos. Franco acabou por decidir contra, seguindo a opinião do general Juan Vigón, baseada no facto de o fundador do Auxilio de Invierno contar apenas com 24 anos de idade à época, e sem experiência militar, o que poderia ser mal interpretado pelos muitos combatentes que haviam lutado pela causa nacional (cf. Girón, 1994, p. 54-55). De facto, nos princípios dos anos de 1940, o Auxilio Social torna-se demasiado apetecível e consideravelmente importante, uma vez que diferentes fações partidárias o querem controlar, pois tal equivale a controlar todo um país, sob o ponto de vista social. Prova das pugnas políticas pelo controlo daquele organismo perpassa no facto de que a sua fundadora, Mercedes Sanz Bachiller, é demitida por fortes influências de Pilar Primo de Rivera.30 30 Os irmãos Pilar e Jose Antonio, ambos filhos de Miguel Primo de Rivera. Na luta mais ou menos tácita pelo poder e influências políticas entre Pilar e Mercedes, o prato da balança caiu sempre para o lado da Primo de Rivera. Para a biografia de Pilar Primo de Rivera e sobre a Sección Femenina, ver, Fernández (2008). Assim, juntamente com a ação de Serrano Suñer, o Auxilio Social é colocado diretamente sob o controlo do governo, sendo integrado na Dirección General de Beneficencia do Ministério de Gobernación, por ele tutelado.

Nos anos fundadores de 1937 e 1938, realizam-se os primeiros congressos do Auxilio Social, ocasiões em que se definem os grandes objetivos da organização: alcançar a obrigatoriedade dos peditórios e a Ficha Azul, instituir o designado Servicio Social de la Mujer,31 31 Em formulário oficial do Servicio Social, pode ler-se uma breve explicação doutrinária da valia social e nacional para as mulheres que o cumprissem: “Prepárate para el hogar y para la vida. Aprende en el amor de los que sufren el valor de nuestra comunidad nacional. Trabaja con fortaleza por todos a los que la nueva España presta cobijo y protección. El Servicio Social te ofrece una oportunidad de generosidad y de formación” (FET y de las JONS y Auxilio Social, 1939a, s.p.). para todas as espanholas entre os 17 e os 35 anos, de forma a que o país pudesse contar, em período de seis meses como estabelecido no artigo 4.º, com “las aptitudes femeninas en alívio de los dolores producidos en la presente lucha y de las angustias sociales de la postguerra”,32 32 Decreto n. 378, 7 out. 1937, preâmbulo (FET y de las JONS y Auxilio Social, 1939b, p. 8). O seu articulado fundador estabelecia, assim, um paralelismo com o serviço militar obrigatório masculino. O referido Serviço Social materializava-se no “desempeño de las varias funciones mecánicas, administrativas o técnicas precisas para el funcionamiento y progresivo desarrollo de las instituciones sociales establecidas por la Delegación Nacional de “Auxilio Social” de FET y de las JONS o articuladas en ella (Decreto n. 378, 7 out. 1937, art. 1º, 1939b, p. 9). bem como coordenar todas as instituições financiadas pelo Fondo de Protección Benéfico-Social (cf. Cenarro, 2006, p. 10 e ss.), isto é, tornar-se no agente fiscalizador de toda a rede de apoio social existente em Espanha. Exemplificando, o cumprimento do Servicio Social seria motivo de orgulho pessoal para todas as mulheres que o concretizassem, tendo o regime determinado no seu Regulamento, que as espanholas haveriam de usar insígnias comprovando ter tomado parte na ação social nacional. Esta imposição controladora estava disfarçada por tintas nacionalistas e demagógicas, explicando o legislador que, “las insignias que tendrán derecho a ostentar las mujeres en posesión de los mismos, serán su título de arraigo en la nueva España, fundada sobre la sangre vertida por sus mejores hijos y mantenida por la unánime colaboración de todos en las tareas de justicia y hermandad”.33 33 Decreto n. 418, 28 nov. 1937 (“Reglamento para la aplicación del Servicio Social de la Mujer Española”), art. 3º (FET y de las JONS y Auxilio Social, 1939b, p. 14). Sobre o lugar da mulher na sociedade franquista e o papel assistencial e social, ver: Molinero (1998); Palacios Bañuelos (2014); Roca i Girona (2003).

Efetivamente, por finais de 1938, a maioria dos propósitos sociais referidos encontram-se concretizados. No começo do regime, ainda durante a Guerra Civil e nos primeiros anos de pós-guerra, o Auxilio inicia a sua atividade assistencial por socorrer as crianças vitimizadas pelo conflito. Daqui, desta função fragmentada e imediata, o Auxilio cresce numa feição tentacular e acabará, a tempo, por controlar toda a estrutura de proteção social assistencial, seja pública ou privada, na Espanha franquista. Todavia, esta rede assistencial não se desenvolverá isenta de limitações, ora impostas pelas circunstâncias de guerra, ora traçadas pela própria complexificação em que resultará a estatização da ação social, acabando por traduzir-se em apoio social lento e limitado, demonstrando uma fraca institucionalização organizada pelo Estado. Tal é comprovado pelos fastidiosos processos burocráticos para a abertura de delegações locais do Auxilio Social, o que redundava no oposto ao que se pretendia.34 34 Cf. FET y de las JONS, y Auxilio Social (1939b).

Uma indicação sobre a sua ação dos primeiros tempos: entre outubro de 1936 e maio de 1937, a Obra Auxilio Social coloca em funcionamento 408 cantinas para as populações localizadas no crescente território nacionalista (García, 1990, p. 433), com a determinação de que cada pessoa em necessidade de apoio alimentar apenas poderia receber comida de uma das valências do organismo, e que as refeições diárias estariam limitadas a duas,35 35 Cf. FET y de las JONS, y Auxilio Social (1939b). Sobre a problemática da fome e das políticas de controlo social do regime no pós-Guerra Civil, ver, Jiménez Aguilar (2020). quando as mesmas fossem possíveis. Por aqui se vislumbra o elevado grau de necessidade que grassava no país ferido pela Guerra Civil e o sempre inversamente proporcional alcance da ação social face às carências do momento. No arranque da década de 1940, o Auxilio Social cria os centros de alimentação infantil, através da sua valência Obra Nacionalsindicalista de Protección a la Madre y al Niño, com o propósito de assistir às crianças até 3 anos de idade, bem como disponibilizar aulas e consultas pré-natal e de puericultura para as mães.36 36 AUXILIO SOCIAL: Obra Nacional Sindicalista de Protección a la Madre y al Niño, 1940, p. 3, 12. Novamente encontramos critérios de prioridade para a contemplação de apoio aos necessitados, sendo a guerra o critério primeiro: os órfãos de guerra; os filhos e órfãos dos ex-combatentes; e aos atingidos por catástrofes recentes.37 37 AUXILIO SOCIAL: Obra Nacional Sindicalista de Protección a la Madre y al Niño, 1940, art. 10º, p. 4. O regulamento determina que a equipa diretiva de cada centro de alimentação infantil se encontra obrigada a zelar pela moralidade nacionalista dentro da sua instituição, devendo pautar a sua atuação para com todos os funcionários pelo “sentimiento de hermandad que preside todos los actos de Falange Española” e, concomitantemente, estava autorizada a “tomar medidas necesarias, incluso la eliminación del elemento perturbador”, na eventualidade de verificar-se algum funcionário desalinhado com os ditames da organização.38 38 AUXILIO SOCIAL: Obra Nacional Sindicalista de Protección a la Madre y al Niño, 1940, arts. 66º e 69º, p. 14.

Atentemos no enquadramento administrativo. Em fevereiro de 1937, o Estado autoriza o Auxilio Social a realizar peditórios em todo o território nacional, bem como autoriza contribuições do Fondo de Protección Benéfico-Social, naquilo que se converterá no principal propósito deste fundo. De março de 1937 em diante, esta organização controlará o destino dos fundos recolhidos nos peditórios, funcionando agora (maio de 1937) como um organismo público autónomo no formato de Delegación Nacional, não mais sob a alçada da Sección Femenina,39 39 Entre a abundante bibliografia, ver, Richmond (2003). Desde o primeiro Consejo Nacional da Sección Femenina que o Auxilio de Invierno havia passado a uma secção - a principal - da organização liderada por Pilar, reduzindo-se Mercedes Sanz Bachiller à chefia provincial de Valladolid. Cf. Fernández (2008, p. 139). mas respondendo diretamente ao Ministerio de la Gobernación. Assim, muito para além de um mecanismo de apoio social, o Auxilio Social “pretendía ser un instrumento de justicia, de inclusión social, imprescindible para la nacionalización de las masas” (Molinero, 2005a, p. 30). Por outro lado, o Auxilio Social constitui-se na vertente mais populista do Movimiento, muito potenciado pelo próprio Estado, pois este encontra no primeiro o melhor veículo para desenvolver e “demonstrar” a sua política paternalista. Contudo, não será erróneo observar que tamanha é a dimensão e importância públicas adquiridas pelo organismo que, embora sendo criado à imagem da Falange, cedo se escapa ao seu controlo direto.

Espanha, nos anos imediatamente subsequentes ao final da Guerra Civil, é uma sociedade empobrecida, encontrando-se os rendimentos dos trabalhadores abaixo dos valores anteriores ao conflito. A miséria social generalizada com que Franco se confronta nos inícios do seu governo conduz, entre outras situações, ao aumento da mendicidade e a uma crescente procura pela assistência pública do Auxílio Social. Assim, e chegados a 1946, os objetivos principais do Auxilio Social passam agora por dar resposta às necessidades alimentares através das Cocinas de Hermandad y la Obra de Ajuar, encara-se também e com particular predisposição a proteção à mãe e à criança, bem como o apoio no desenvolvimento da educação,40 40 Ver: Sánchez Blanco (2008); Cenarro (2012); Ramos Zamora (2012). separando-se os alunos por género e selecionando conteúdos didáticos para rapazes e para raparigas; por último, aposta-se no crescimento de serviços específicos como os transportes, sanitários, imprensa e propaganda, bem como assessoria para as questões morais e religiosas. O Auxilio Social contribui para preencher a ausência de uma transformação social efetiva (cf. García, 1990, p. 431), não obstante a interpretação de que se constitui, igualmente, como instrumento de controlo, designadamente atuante sobre a geração filha dos vencidos da guerra interna.41 41 Cf. González Madrid, Ortiz Heras (2017, p. 1 e ss.). Desta forma, o Auxilio Social dá mostras de uma filosofia e modus operandi fascistas.42 42 “Para los buenos entendedores de la España de 1937 no había duda de que el talante de la nueva organización se situaba de forma muy clara en la órbita de las organizaciones fascistas, y no tanto en la del catolicismo” (Cenarro, 2006, p. XVII e ss.). O mesmo acontecerá à Sección Femenina, pois uma vez “superados los problemas acuciantes de la posguerra, la organización falangista se hizo menos necesaria para una sociedad que iba saliendo del abismo” (Fernández, 2008, p. 244). Esta organização assistencial torna-se, como vimos, no centro de toda a ação beneficente do Nuevo Estado, desde os idos da Guerra Civil até a mudança para a governação tecnocrata. É certo que dificilmente poderemos destrinçar a assistência social franquista da caridade de feição católica, porém, a orientação do Auxilio Social tende a afirmar o seu pendor sobretudo estatal e laico. Com o passar dos anos, esta Obra assumirá outras funções, outras áreas de intervenção como é o caso da educação de crianças, masculinas e femininas, que não tenham um agregado familiar “normal”, com vista à sua correta integração na sociedade ativa nacional.

À medida que Espanha toma o seu lugar no desenvolvimento dos anos de 1950 e 1960 e conhece uma melhoria generalizada das condições económico-sociais dos cidadãos (sobretudo na década de 1960), o Auxilio Social torna-se menos necessário e cada vez mais um anacronismo. Consubstanciando esta leitura, a 30 de outubro de 1961, Franco condecora Mercedez Sanz e Pilar Primo,43 43 Sobre a distinção entre estas duas personalidades, ver: Preston (2001). por ocasião dos 25 anos do Auxilio Social, no que simbolicamente significa o fim de uma era, mas, diríamos mais, o início formal de uma nova política social franquista, de feição tecnocrata, um novo paradigma de proteção social. No entanto, este organismo não cai com o afastamento dos seus principais mentores e impulsionadores, nem cairá antes da implosão do regime, pelo contrário, resistirá até ao seu final. Por decreto ministerial, de 14 de junho de 1962, passará à categoria de organismo autónomo e contar-se-ão, por volta de 1967, 97.760 indivíduos assistidos em 616 instituições de assistência. Neste mesmo ano, o Auxilio Social terá como órgãos de gestão um delegado nacional, um subdelegado nacional, 52 Delegaciones Provinciales e as Delegaciones Locales que se estimem necessárias (Martín Mateo, 1967, p. 171 e 173).44 44 A Delegación Nacional integra uma Secretaría General, estando dependentes dela as Delegaciones Provinciales, Secretaría Técnica, Oficialía Mayor de las Secciones de Inspección, Prensa y Propaganda y Personal y Transportes; integra ainda uma Administración General, que rege as secções de Construciones, Ajuar, Contabilidad, Caja y Bienes Patrimoniales. No que respeita aos seus departamentos de intervenção, o Auxilio Social organiza-se em: Departamento de Madre y Niño, que promove apoio social, “moral y material”, para a maternidade, para a criança, contra a mortalidade infantil, a educação inicial, “espiritual y física”, tanto em regime de internato como aberto; Departamento de Auxilio de Invierno, embrião da então designada Obra, que nos anos 1960 focalizará a sua ação para refeitórios, refeitórios especiais, como para diabéticos, refeitórios escolares, e ainda situações de emergência, como nos anos de 1930; neste âmbito ainda, o regime desenvolverá os designados Clubs para Ancianos, que providenciam pequenos-almoços para os idosos, comida em geral, jantares, atividades lúdicas, cuidados médicos e de enfermagem,45 45 Sobre o desenvolvimento da enfermagem nos inícios do Franquismo, ver, Giménez Muñoz (2016). portanto, consultas médicas, tratamentos e medicação gratuitos. Algumas das idosas, as que tinham possibilidades para tal, contribuíam com algum financiamento, as demais que não podiam, estavam isentas de qualquer pagamento. Todavia, o caráter discriminatório da assistência46 46 Testemunhos sobre a experiência de crianças em instituições do Auxilio Social ver, González de Tena (2009). estava sempre presente, uma vez que para poder integrar-se num destes “clubs”, o indivíduo tinha de fazer prova da sua situação de pobreza financeira, o que significa que, na realidade, a assistência persistia sendo uma benesse concedida e não um direito cívico e político, muito menos um sistema administrado dentro do modelo contemporâneo de políticas sociais.47 47 Aliás, para ter entrada em qualquer das instituições do Auxilio Social, o interessado tinha de apresentar à Delegación Provincial respetiva, certidão de nascimento, de batismo e uma outra emitida por um médico encartado como prova de que não padecia de doença infetocontagiosa. A referida Delegación Provincial tratava de reunir informações sobre a composição do agregado familiar do pretendente, bem como a situação económica daquele. Regressando à organização do Auxilio Social, aponta-se ainda o Departamento de Albergues Escolares, incumbido da formação de crianças oriundas de famílias sem posses financeiras, não as privando do contacto familiar, todavia, e até à idade de iniciar a sua vida laboral; o Departamento de Hogares de Aprendizaje Masculino, que após o período de educação escolar providenciava uma formação profissional, técnica, para os jovens, em áreas como indústria, agricultura, entre outros; o Rectorado Central de Enseñanza Media y Universitaria, que apresenta por missão providenciar suporte aos apoiados pelo Auxilio Social que demonstrem capacidades e competências para enveredar pelo ensino universitário, mas que não têm posses materiais para tal; e, por último, o Departamento de Información Social, que laborará em duas áreas, a fiscalização, efetuada por meio de um corpo de visitadoras, para analisar os pedidos de ingresso, e a intervenção sobre determinada situação ou necessidade urgentes (cf. Martín Mateo, 1967, p. 173-175).

Considerações finais

Como sistematização, podemos caracterizar a assistência social franquista como a modalidade reconhecida e estruturada de proteção social por contraste à previdência, e distinguindo-se da secular beneficência; para poder ser elegível para esta modalidade de apoio social, o assistido tem de carecer de sustentação financeira, assumindo assim a assistência um papel de complemento face ao principal mecanismo da proteção social pública, a previdência; por oposição, os apoios assistenciais são gratuitos, não respondendo a um mecanismo de quotização, assumindo o Estado o papel central enquanto seu financiador, contrariamente à previdência, em que o orçamento público não contribui. Contudo, a realidade da proteção social durante o regime franquista era híbrida na sua natureza e execução, uma vez que se mantiveram mecanismos de apoio anteriores, tais como seguros sociais,48 48 Para uma leitura sobre a evolução da previdência social em Espanha, ver, entre outros, Guillén (1997). nomeadamente o seguro obrigatório de maternidade (em vigor desde 1929 e integrado no seguro obrigatório contra a doença, aprovado em 1948), ou o seguro contra o desemprego, apenas revogado em 1944. E, em paralelo com esta malha de previdência social, o regime conservou, igualmente, um sistema de assistência, de índole local, privado e fragmentado, que preexistia e que se organizava a partir dos governos civis. Toda esta realidade passou a coabitar com uma assistência social estatal e ancorada numa idealização paternalista da sociedade, na medida em que o indivíduo não dispõe de uma assistência social à qual cívica e legalmente tenha direito, mas apenas beneficie dela quando e como o poder político entender.

Como vimos, a década de 1960 será definidora para a evolução, transformação do modelo de política social franquista. Relativamente à rede assistencial, o próprio regime assume as incongruências no funcionamento dos apoios sociais, e para atestá-lo citamos o seguinte excerto de um trabalho dado à estampa pelo Ministerio de la Gobernación: “ha de señalarse la radical insuficiencia del actual sistema de prestaciones de la Asistencia social española para la realización de los postulados de igualdad [...] para todos los ciudadanos” (Martín Mateo, 1967, p. 88). Afere-se deste estado de coisas através, por exemplo, da exiguidade das prestações e dos pré-requisitos que um espanhol terá de reunir para beneficiar da “casi simbólica” pensão de velhice, embora o mesmo se aplique às situações de invalidez, anormalidade e doença crónica. Esta tomada de consciência pública e assunção de responsabilidades a respeito dos problemas, descoordenação e insuficiência da assistência social por parte do Estado, entendemo-la como possível apenas no contexto e quadro funcional da ditadura espanhola na fase tecnocrata, onde imperará já, e sobretudo, a gestão técnica e muito menos apaixonada, populista e demagógica dos primeiros anos. Por outro lado, julgamos que o Franquismo dos anos 1960 já não defenderá nem apresentará a sua política social como uma benesse, mais-valia exclusiva proporcionada pelo Caudillo, ou graciosa concessão que o regime faz aos seus cidadãos, mas pelo contrário, a proteção social será agora considerada, quer pelo poder político quer pela sociedade, como uma obrigação a cumprir por parte do Estado.

Ora, se num primeiro momento da construção do edifício social franquista, a assistência pública demonstra grande cabimento e forte aceitação dentro da sociedade espanhola, o facto é que, a partir de finais dos anos de 1940 e muito particularmente após a instituição da segurança social nos anos de 1960, o espaço e a relevância da assistência social pública veem-se fortemente coartados, não conseguindo rivalizar com o modelo de previdência, elevado à potência de um sistema total de segurança social (Alonso e Gonzalo, 1997, p. 78). Neste sentido, entendemos nas palavras de Borrajo Dacruz, um autor do regime, uma tentativa de reposicionamento da assistência adentro da esfera de um sistema totalizado, definindo a assistência social como “una medida de seguridad social que se caracteriza porque el beneficiario no ha contribuido especialmente a su sostenimiento” (Borrajo, 1969, p. 6). Assim, o espaço político da assistência social franquista vai estreitar-se, o brilho da sua ação pós-Guerra Civil esbater-se face à crescente opulência de um modelo de proteção social integrado que, contudo, só concretizará, em pleno, na fase democrática.

Do lado português, o alcance da assistência social estatal é curto e atomizado, como demonstram as Campanhas de Auxílio aos Pobres no Inverno, sendo uma valência, e um ónus, que o Salazarismo não desejava assumir. A marca identitária que constituiu a Guerra Civil para o Franquismo fez da proteção social por parte do Estado uma arma política para a sua defesa e legitimação. Ora, a evolução em Portugal é distinta, pelo que o interesse do Salazarismo passa, sobretudo, pela organização e impulsionamento da rede de previdência através dos seguros sociais, não reservando vontade política idêntica para a ação assistencial do Estado - assim se compreende que o Estatuto da Assistência Social49 apenas tenha sido aprovado em 1944, quando o regime estava formalizado desde 1933.

Os regimes de Franco e Salazar recorrem a mecanismos de apoio social como elementos comprovantes da sua “consciência” perante a sociedade. Convergem na falta de vontade política em arcar com a despesa associada à assistência social; divergem na centralidade que conferem às políticas de consenso, estas bem mais centrais no discurso e práxis espanhola, mas voltam a convergir no recurso, mais ou menos camuflado, às atividades de assistência como mecanismos de controlo e doutrinação social em prol do ideário que preside a estes estados totalitários.

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  • 1
    Ver, entre outros, Pereira (2015).
  • 2
    Para a discussão da problemática da história comparada ver, igualmente, Grecco e Albernaz (2019). Sobre a problemática do saber histórico no geral, ver a síntese de Neto (2016).
  • 3
    Ver, entre outros, Molinero (2005a).
  • 4
    Sobre esta evolução, ver o estudo de caso para Sevilha, de Giménez Muñoz (2009).
  • 5
    Precursor do Jonsismo, o Carlismo constituiu-se na expressão legitimista, reacionária ao liberalismo, saudosista e católica que desde o século XIX catalisou o sentimento político de muitos e que ganhou força com a sublevação nacionalista de Franco, vendo nela a possibilidade de recuperar o país das “perdas” históricas sofridas durante o último século. A este respeito, ver: Canal (2000, 2006); Martínez Dorado e Pan-Montojo (2000); Payne (2008).
  • 6
    Ver, entre outros, Barrera (2019).
  • 7
    De entre uma vasta bibliografia sobre a Guerra Civil, ver, Cenarro (2006), e Juliá (2006) sobre as suas vítimas do conflito.
  • 8
    Ver, Pérez Espí (2021).
  • 9
    Onésimo Redondo Ortega foi figura maior do pensamento político da extrema-direita espanhola do começo da Segunda República, patenteando uma visão social ultranacionalista, cristã, telúrica, mas paralelamente inovadora, introduzindo uma dimensão espiritual ao seu ideário e discurso políticos, num contexto que lhe foi muito hostil quando, a 14 de abril de 1931, o país inaugurou a segunda fase republicana, vincadamente anticlerical (cf. Tomasoni, 2019; sobre a evolução político-partidária da década de 1930, ver, Grecco, 2018). Do pensamento e ação política de Redondo, e da sua articulação com Ramiro Ledesma Ramos, surgiram as Juntas de Ofensiva Nacional-Sindicalista, JONS (1931-1934), com o fim último de concretizar um Estado nacional-sindicalista, omnipotente na resolução dos problemas estruturais de Espanha. O movimento jonsista apresentou-se, assim, como a materialização da luta contra os partidos da esquerda comunista, tendo evoluído radicalizando-se à direita e aproximando-se do fascismo (embora considerando-se como um fenómeno político que transcendia aquela doutrina), e contemplando a agitação social e a violência como instrumentos de intervenção política (cf. González Calleja, 2011; Tomasoni, 2020). Relativamente à repressão, note-se que, “els diferents sectors de l’aparell franquista coincidien en la utilització de la repressió per assegurar la disciplina social; les diferències estaven en què per alguns calia combinar coacció i persuasió, per a què un projecte polític fós digne de tal nom” (Molinero, 2005b, p. 41); ver, também a este respeito, Arnabat Mata (2013). O Franquismo tratará de Onésimo Redondo como uma personagem martirizada em prol da causa de uma Espanha forte e revigorada nos seus valores nacionais e tradicionais. Sobre esta temática, ver: Tomasoni (2017).
  • 10
    Contando Martínez de Bedoya para isso com a colaboração estreita de Kroeger, adjunto do embaixador nazi na Espanha sublevada, o general Von Faupel. Cf. Cenarro (2006, p. 2).
  • 11
    Decreto de 17 de mayo de 1940. Boletín Oficial del Estado, n. 150, 29 mayo 1940, p. 3634.
  • 12
    O debate historiográfico acerca da natureza ideológica dos regimes ibéricos é extenso e polarizado entre a escola de pensamento “fascista”, a “fascistizante” ou a “autoritária conservadora”. Neste particular, acompanhamos as interpretações que, em pleno ou em parte, posicionam estas ditaduras na esfera fascista, como são, para o caso espanhol, as de Carme Molinero e Pere Ysàs (2003), bem como de Ismael Saz (2008); para o caso português, citamos Fernando Rosas (2001), Manuel Loff (2008), e Luís Reis Torgal (2009). Para um estudo comparativo das ditaduras ibéricas ver, João Paulo Avelãs Nunes (2000), Manuel Loff (2010), e Juan Carlos Jiménez (2019). Para uma abordagem às relações e influências entre ambos os regimes, ver, Pena Rodríguez (2017).
  • 13
    Decreto-lei n. 26.164, preâmbulo. Diário do Governo, n. 209, 24 dez. 1935, p. 1917.
  • 14
    Relativamente ao agasalho, eram distribuídos cobertores de lã, numerados, com 2m x 1,50m, e inscritos “ao centro, [a] tecido a cor, o escudo nacional com as seguintes legendas: “Estado Novo - Auxílio aos pobres”. Os cobertores deveriam ser devolvidos até 15 de abril de cada ano: Decreto-lei n. 26.164. Diário do Governo, n. 209, 24 dez. 1935, art. 5º, alíneas a, b e c; art. 6º, item 2º, p. 1918.
  • 15
    Decreto-lei n. 26.164. Diário do Governo, n. 209, 24 dez. 1935, arts. 1º e 4º, p. 1918.
  • 16
    Decreto-lei n. 26.164. Diário do Governo, n. 209, 24 dez. 1935, art. 4º, item único, p. 1918.
  • 17
    Estas subscrições estavam destinadas às pessoas de maiores possibilidades financeiras; para todos os outros, o regime engendrava uma forma para que todos os trabalhadores, sem exceção, contribuíssem para a causa: num determinado dia de novembro, os assalariados trabalhavam uma hora mais, cuja remuneração correspondente reverteria para o Socorro de Inverno.
  • 18
    Pela década de 1940, constituía-se, anualmente através de portaria, uma comissão para implementar o Socorro de Inverno composta por nove elementos: ministro do Interior, subsecretário de Estado da Assistência Social, delegado do Patriarcado de Lisboa, secretário nacional de Informação e Cultura Popular, presidente do Grémio da Imprensa Diária, diretor-geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, presidente da comissão executiva da União Nacional, delegado da Junta Central da Mocidade Portuguesa e comissário nacional da Mocidade Portuguesa. A título de exemplo, ver: Diário do Governo, n. 269, II série, 18 nov. 1944.
  • 19
    Cf. Decreto-lei n. 22.241, Diário do Governo, n. 43, 22 fev. 1933 (a Lei Fundamental entrou em vigor a 11 abr. 1933); Decreto-lei n. 23.048, Diário do Governo, n. 217, 23 set. 1933, respetivamente.
  • 20
    Decreto-lei n. 27.610, art. 1º. Diário do Governo, n. 75, 1º abr. 1937, p. 297.
  • 21
    Decreto-lei n. 31.666, ponto 1, preâmbulo. Diário do Governo, n. 273S, 22 nov. 1941, p. 1134.
  • 22
    Decreto-lei n. 31.913, preâmbulo. Diário do Governo, n. 58, 12 mar. 1942, p. 229.
  • 23
    Decreto-lei n. 31.913. Diário do Governo, n. 58, 12 mar. 1942, art. 3º, p. 229.
  • 24
    A memória histórica do Auxilio Social é estudada por Cenarro (2013), Cenarro e Masarah (2020). Ver, igualmente, sobre as premissas particulares da criação do Auxilio Social, Cenarro (2014).
  • 25
    Para uma análise comparativa do sindicalismo estatal entre os regimes de Franco e Mussolini, ver, Molinero (2005c).
  • 26
    Decreto de 17 de mayo de 1940. Boletín Oficial del Estado, n. 150, 29 mayo 1940, artigo 2º, p. 3634-3635.
  • 27
    Para uma análise global da evolução da política social franquista, sob os prismas da habitação, educação e segurança social, ver: Ortiz Heras e González Madrid (2018).
  • 28
    A célula do Franquismo não é o trabalhador, muito menos o indivíduo, mas antes a família. Afirma o ministro Girón de Velasco que “para nuestra política laboral, la unidad no era el trabajador, sino él y su familia” (Girón, 1994, p. 122).
  • 29
    Uma nota interessante é o facto de Martínez de Bedoya ter sido proposto, em 1939, por Serrano Suñer, então ministro do Interior (e tido como “el máximo representante público de los sectores pronazis del régimen” [Marín, Molinero, Ysàs, 2001, p. 21], e que partilhava com Bedoya admiração pelo sistema de apoio social nazi, que conheciam in loco), para tutelar a pasta do Ministerio de Trabajo e dos Sindicatos. Franco acabou por decidir contra, seguindo a opinião do general Juan Vigón, baseada no facto de o fundador do Auxilio de Invierno contar apenas com 24 anos de idade à época, e sem experiência militar, o que poderia ser mal interpretado pelos muitos combatentes que haviam lutado pela causa nacional (cf. Girón, 1994, p. 54-55).
  • 30
    Os irmãos Pilar e Jose Antonio, ambos filhos de Miguel Primo de Rivera. Na luta mais ou menos tácita pelo poder e influências políticas entre Pilar e Mercedes, o prato da balança caiu sempre para o lado da Primo de Rivera. Para a biografia de Pilar Primo de Rivera e sobre a Sección Femenina, ver, Fernández (2008).
  • 31
    Em formulário oficial do Servicio Social, pode ler-se uma breve explicação doutrinária da valia social e nacional para as mulheres que o cumprissem: “Prepárate para el hogar y para la vida. Aprende en el amor de los que sufren el valor de nuestra comunidad nacional. Trabaja con fortaleza por todos a los que la nueva España presta cobijo y protección. El Servicio Social te ofrece una oportunidad de generosidad y de formación” (FET y de las JONS y Auxilio Social, 1939a, s.p.).
  • 32
    Decreto n. 378, 7 out. 1937, preâmbulo (FET y de las JONS y Auxilio Social, 1939b, p. 8). O seu articulado fundador estabelecia, assim, um paralelismo com o serviço militar obrigatório masculino. O referido Serviço Social materializava-se no “desempeño de las varias funciones mecánicas, administrativas o técnicas precisas para el funcionamiento y progresivo desarrollo de las instituciones sociales establecidas por la Delegación Nacional de “Auxilio Social” de FET y de las JONS o articuladas en ella (Decreto n. 378, 7 out. 1937, art. 1º, 1939b, p. 9).
  • 33
    Decreto n. 418, 28 nov. 1937 (“Reglamento para la aplicación del Servicio Social de la Mujer Española”), art. 3º (FET y de las JONS y Auxilio Social, 1939b, p. 14). Sobre o lugar da mulher na sociedade franquista e o papel assistencial e social, ver: Molinero (1998); Palacios Bañuelos (2014); Roca i Girona (2003).
  • 34
    Cf. FET y de las JONS, y Auxilio Social (1939b).
  • 35
    Cf. FET y de las JONS, y Auxilio Social (1939b). Sobre a problemática da fome e das políticas de controlo social do regime no pós-Guerra Civil, ver, Jiménez Aguilar (2020).
  • 36
    AUXILIO SOCIAL: Obra Nacional Sindicalista de Protección a la Madre y al Niño, 1940, p. 3, 12.
  • 37
    AUXILIO SOCIAL: Obra Nacional Sindicalista de Protección a la Madre y al Niño, 1940, art. 10º, p. 4.
  • 38
    AUXILIO SOCIAL: Obra Nacional Sindicalista de Protección a la Madre y al Niño, 1940, arts. 66º e 69º, p. 14.
  • 39
    Entre a abundante bibliografia, ver, Richmond (2003). Desde o primeiro Consejo Nacional da Sección Femenina que o Auxilio de Invierno havia passado a uma secção - a principal - da organização liderada por Pilar, reduzindo-se Mercedes Sanz Bachiller à chefia provincial de Valladolid. Cf. Fernández (2008, p. 139).
  • 40
    Ver: Sánchez Blanco (2008); Cenarro (2012); Ramos Zamora (2012).
  • 41
    Cf. González Madrid, Ortiz Heras (2017, p. 1 e ss.).
  • 42
    “Para los buenos entendedores de la España de 1937 no había duda de que el talante de la nueva organización se situaba de forma muy clara en la órbita de las organizaciones fascistas, y no tanto en la del catolicismo” (Cenarro, 2006, p. XVII e ss.). O mesmo acontecerá à Sección Femenina, pois uma vez “superados los problemas acuciantes de la posguerra, la organización falangista se hizo menos necesaria para una sociedad que iba saliendo del abismo” (Fernández, 2008, p. 244).
  • 43
    Sobre a distinção entre estas duas personalidades, ver: Preston (2001).
  • 44
    A Delegación Nacional integra uma Secretaría General, estando dependentes dela as Delegaciones Provinciales, Secretaría Técnica, Oficialía Mayor de las Secciones de Inspección, Prensa y Propaganda y Personal y Transportes; integra ainda uma Administración General, que rege as secções de Construciones, Ajuar, Contabilidad, Caja y Bienes Patrimoniales.
  • 45
    Sobre o desenvolvimento da enfermagem nos inícios do Franquismo, ver, Giménez Muñoz (2016).
  • 46
    Testemunhos sobre a experiência de crianças em instituições do Auxilio Social ver, González de Tena (2009).
  • 47
    Aliás, para ter entrada em qualquer das instituições do Auxilio Social, o interessado tinha de apresentar à Delegación Provincial respetiva, certidão de nascimento, de batismo e uma outra emitida por um médico encartado como prova de que não padecia de doença infetocontagiosa. A referida Delegación Provincial tratava de reunir informações sobre a composição do agregado familiar do pretendente, bem como a situação económica daquele.
  • 48
    Para uma leitura sobre a evolução da previdência social em Espanha, ver, entre outros, Guillén (1997).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    27 Dez 2020
  • Aceito
    31 Maio 2021
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