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Entre o trágico e a Salvação: como os naufrágios na “História trágico--marítima” ensinam a peregrinar na Costa Sul-Oriental da África

Resumo:

O artigo revela como os relatos de naufrágios, ocorridos no século XVI, publicados na forma de panfletos e, no século seguinte, transcritos por Bernardo Gomes de Brito, na História trágico-marítima (1735), foram fundamentais para que os sobreviventes dos sucessivos naufrágios ocorridos na costa da África Sul-Oriental encontrassem os meios de subsistência, o caminho em terra a ser percorrido e os povos nativos a serem contatados de modo a serem salvos, a que denomino de Rota da Salvação. Em meio à tragédia e às perdas de vidas humanas e de materiais, os relatos de naufrágio desempenharam um papel positivo ao divulgar o conhecimento necessário à peregrinação dos sobreviventes.

Palavras-chave:
Marfim; História trágico-marítima; África

Abstract:

This article reveals how sixteenth century shipwreck reports, originally published in the form of pamphlets and transcribed by Bernardo Gomes de Brito, in the following century, in the História trágico-maritima (1735), were fundamental in enabling successive survivors of shipwrecks along the coast of Southeast Africa to find the means of subsistence, the route to be followed on land, and the native peoples to be contacted in order to be saved, which I call the Route of Salvation. Amidst the tragedy and the loss of human life and materials, reports of shipwrecks played a positive role in disseminating the knowledge necessary for the journeys or pilgrimages of survivors.

Keywords:
Ivory; História trágico-marítima; Africa

Fortuna e infortúnios da Carreira da Índia

Os lusíadas (1572), de Luís Vaz de Camões, é conhecido por exaltar o sucesso dos portugueses nas grandes navegações oceânicas, mas, em meio às estrofes, o poema também abre frestas que revelam a face mais sombria dessas descobertas: a dos naufrágios que acometeram inúmeras embarcações que se aventuraram na Carreira da Índia. Para além da poesia, ao longo do século XVI, algumas das histórias desses infortúnios foram narradas em prosa, os chamados relatos de naufrágio, cujo caráter exemplar fornecia diversas lições, desde advertências religiosas de cunho moral-edificante, até ensinamentos sobre a arte de navegar e as rotas marítimas a serem seguidas ou evitadas. Os navegantes construíam um conhecimento sobre os oceanos Atlântico e Índico, as chamadas “conhecenças marítimas”, que “funcionavam como ‘sinais vitais’ no sentido da orientação e da ajuda aos viajantes menos experimentados a localizarem-se no imenso e variado espaço” marítimo (Roque, 2013ROQUE, Ana Cristina. A Costa Sul-Oriental da África e o conhecimento da natureza no século XVI: saberes, experiência e ciência. In: AMORIM, Inês; BARCA, Stefania(eds.). CesContexto: Atas do I Encontro Internacional de História Ambiental Lusófona. Lisboa: Universidade de Lisboa, 2013, p. 145-174., p. 150). O mesmo acontecia com os sobreviventes de naufrágios. João Baptista Lavanha, que descreveu a perdição da nau Santo Alberto, adverte que “o naufrágio ensina como se devem haver os navegantes em outro que lhes pode acontecer” (Lavanha, 1971LAVANHA, João Baptista. Relação do naufrágio da nau S. Alberto, no Penedo das Fontes, no ano de 1593 e itinerário da gente, que dele se salvou, até chegarem a Moçambique. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 2. Lisboa: Afrodite, 1971, p. 557-636., p. 59) e frei Manoel de Sá, ao redigir uma das censuras da publicação de alguns relatos de naufrágio no século XVIII, afirma que os mesmos “abriram uma ilustre escola de cautelas, em que aprendessem experiências horrorosas, os que, atrevidamente destemidos, entregaram as vidas e fazendas ao arbítrio dos ventos e das ondas” (Tabucchi, 1979TABUCCHI, Antonio. Interpretazioni della “História trágico-marítima” nele licenze per il suo ‘imprimateur’. Quaderni Portoghesi, v. 5, p.19-44, 1979., p. 29).

Ao partir da face trágica da expansão marítima portuguesa, o objetivo desse artigo é, ao analisar parte dos relatos de naufrágio na Carreira das Índias, ocorridos no século XVI na Costa Sul-Oriental africana, “recuperar [a] experiência do fracasso da expansão imperial”, observando, no sentido inverso, como ela se tornou “útil para futuras expedições” (Voigt, 2008VOIGT, Lisa. Naufrágio, cativeiro, e relações ibéricas: a “História trágico-marítima” num contexto comparativo. Varia Historia. v. 24, n. 39, p. 201-226, 2008., p. 212). Navegar na Carreira da Índia significou também construir um conhecimento sobre os territórios costeiros próximos às rotas marítimas. A viagem de Vasco da Gama abriu o Índico aos portugueses e o conhecimento da costa da África Sul-Oriental foi vital não somente para a navegação e o comércio, mas também para a sobrevivência de vários náufragos que ali aportaram e tiveram que percorrer trechos terrestres para se salvar.

Sobre a dor e as perdas, os relatos de naufrágio construíam e transmitiam um conhecimento e o padre José Troiano se refere aos sobreviventes como aqueles que “viram com seus próprios olhos e mágoa de seus corações a fatalidade da ruína” e, “depois de escaparem das entranhas do mar, vomitados das ondas, e lançados em terras desconhecidas”, chegaram “a porto de salvamento para nos relatarem o seu perigo”. Seus testemunhos, escritos em “amargosas folhas”, seriam úteis “aos que navegam nas partes da Índia, e continuamente cursam aquela Carreira, para que no perigo alheio aprenda a evitar o próprio” (Tabucchi, 1979TABUCCHI, Antonio. Interpretazioni della “História trágico-marítima” nele licenze per il suo ‘imprimateur’. Quaderni Portoghesi, v. 5, p.19-44, 1979., p. 33-34). Esse artigo tem como objetivo primeiro revelar como, para além de seu aspecto trágico, os relatos dos infortúnios náuticos ocorridos na Costa Sul-Oriental da África foram fundamentais para a construção de um conhecimento sobre esse território, situado abaixo da atual baía de Maputo. Em segundo, aponta como o mesmo coincidia com a região do trato do marfim realizado pelos portugueses com os nativos locais e, nesse sentido, destaca como os relatos de naufrágio são fontes subestimadas para seu estudo. Para tanto, inquire sobre o que descreviam, já que os saberes reunidos sobre este espaço não foram selecionados por seus autores de forma aleatória, nem abarcavam o conjunto do que os peregrinos viram, conheceram e experimentaram durante seu périplo terrestre, mas foram criteriosamente escolhidos de forma a instrumentalizar os futuros náufragos-sobreviventes em como identificar os sinais vitais indispensáveis à sua sobrevivência, e estes coincidiam com os do trato do marfim. Nesse sentido, os registros sobre tal comércio não seguiram a lógica dos interesses econômicos, ou da simples curiosidade, mas o imperativo da salvação, razão pela qual denomino o caminho percorrido por esses náufragos-sobreviventes de Rota da Salvação.

A historiografia que analisa os relatos de naufrágio, desde o estudo de Quirino da Fonseca, em 1938FONSECA, Quirino da. Diários da navegação da Carreira da Índia nos anos de 1595, 1596, 1597, 1600 e 1603. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa, 1938., se debruçou sobre os aspectos literário e científico que caracterizam esses textos. Também já foi apontado seu aspecto didático, destacando as lições de cunho moral, religioso e para a navegação em terra e no mar que apresentam. A originalidade e a novidade deste artigo residem em revelar a importância das informações acuradas sobre o trato do marfim como fator de sucesso da sobrevivência em terra, fornecendo os conhecimentos para enfrentar a situação trágica dos naufrágios, ressaltando como as narrativas desses fracassos náuticos tiveram papel capital no aprendizado para a constituição do comércio com os portugueses na região (Fonseca, 1938FONSECA, Quirino da. Diários da navegação da Carreira da Índia nos anos de 1595, 1596, 1597, 1600 e 1603. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa, 1938.; Boxer, 1959BOXER, Charles. The Tragic History of the Sea, 1589-1622. Cambridge: Cambridge University Press, 1959., 1979BOXER, Charles. An Introduction to the “História trágico-marítima” (1957), some Corrections and Clarifications. Quaderni Portoghesi. v. 5, p. 99-112, 1979.; Colombo, 1996COLOMBO, Maria Filomena. Relação de naufrágios de navios portugueses ocorridos a Oriente do Cabo da Boa Esperança. Revista Studia. v. 54, n.33, p. 239-280, 1996.; Lanciani, 1997LANCIANI, Giulia. Sucessos e naufrágios das naus portuguesas. Lisboa: Editorial Caminho, 1997.; Blackmore, 2002BLACKMORE, Josiah. Manifest Perdition: Shipwreck Narrative and the Disruption of Empire. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2002.; Madeira, 2005MADEIRA, Angélica. Livro dos naufrágios: ensaio sobre a “História Trágico-marítima”. Brasília: Editora da UnB, 2005.; Voigt, 2008VOIGT, Lisa. Naufrágio, cativeiro, e relações ibéricas: a “História trágico-marítima” num contexto comparativo. Varia Historia. v. 24, n. 39, p. 201-226, 2008., 2009VOIGT, Lisa. Writing Captivity in the Early Modern Atlantic: Circulations of Knowledge and Authority in the Iberian and English Imperial World.Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2009. [e-book]; Pereira, 2022PEREIRA, Rafael Vinicius da Fonseca. Caravelas de saberes: a arte portuguesa da marinharia na Carreira da Índia. Belo Horizonte: Caravana, 2022.).

Entre a segunda metade do século XVI e a primeira do XVII, os relatos de naufrágio circularam em panfletos impressos, como uma “literatura de cordel”, e foram muito populares sem que se saiba exatamente o volume de suas tiragens (Voigt, 2008VOIGT, Lisa. Naufrágio, cativeiro, e relações ibéricas: a “História trágico-marítima” num contexto comparativo. Varia Historia. v. 24, n. 39, p. 201-226, 2008., p. 204). Finalmente, entre 1735 e 1736, 12 deles foram reunidos por Bernardo Gomes de Brito, na famosa História trágico-marítima, cujos textos apresentam “uma notável homogeneidade no plano da organização da matéria narrada”. Aqui interessa a parte que descreve o que ocorre após o naufrágio e a arribada - o desembarque em terra, a chamada Peregrinação, que é “o itinerário dos náufragos ao longo da costa em direção à possessão portuguesa mais próxima” (Lanciani, 1997LANCIANI, Giulia. Sucessos e naufrágios das naus portuguesas. Lisboa: Editorial Caminho, 1997., p. 51, 80) de forma a serem resgatados. Os cinco textos analisados (Quadro 1), sobre o galeão São João (1552), as naus São Bento (1554), Santiago (1585), São Tomé (1589) e Santo Alberto (1593), são os únicos em que os sobreviventes tiveram que percorrer a pé a costa da África. Os relatos dessas perdições reúnem diversas informações sobre o caminho trilhado, cujo saber foi, ao longo do século XVI, construído cumulativamente por meio da experiência da peregrinação realizada por esses náufragos-sobreviventes ao longo da Rota da Salvação. Era nos barcos dos comerciantes portugueses envolvidos no trato do marfim, que aportavam nessa região da costa, que os peregrinos-náufragos esperavam retornar à civilização europeia e, “nas desertas e incultas praias de África” (Tabucchi, 1979TABUCCHI, Antonio. Interpretazioni della “História trágico-marítima” nele licenze per il suo ‘imprimateur’. Quaderni Portoghesi, v. 5, p.19-44, 1979., p. 38), por onde peregrinavam, a assistência vinha dos senhores dos reinos locais com quem os primeiros negociavam, pois a eles interessava manter boas relações com os lusitanos. Saber reconhecer tais povos, a maneira apropriada de contatá-los, conhecer o caminho certo e as formas de fazê-lo eram sinais vitais acumulados enquanto trágica experiência e universalizá-los foi essencial para a sobrevivência cotidiana dos caminhantes futuros. Transformar o lamentável naufrágio em preciosos relatos instruía a forma de sobreviver e os tornaram importantes repositórios sobre o trato do marfim.

Quadro 1
Rol dos naufrágios ocorridos na Costa Sul-Oriental da África, cujos sobreviventes percorreram a Rota da Salvação

Observa-se no Quadro 1 que, ao longo do século XVI, diminuiu o número de mortos entre os que acabam arribando na Costa Sul-Oriental africana, do que se conclui que foi efetivo o aprendizado sobre a Rota da Salvação a partir dos relatos de naufrágio. Quarenta e um anos (1552 a 1593) separam cronologicamente os naufrágios do galeão São João e da nau Santo Alberto e, enquanto apenas 5% dos sobreviventes do primeiro conseguiram ser resgatados ao final da peregrinação em terra, no caso do último, esse índice atingiu 80,9%. Não só esses números, mas as seguidas referências nos relatos às experiências dos náufragos precedentes revelam o conhecimento sobre o que se passou que serve de guia a orientar as futuras peregrinações. Graças a esses aventurados (ou seria melhor dizer desventurados?), aprofundou-se o conhecimento luso sobre a geografia local; sobre como, onde e quais povos africanos comercializavam as presas de marfim com os portugueses e as suas rotas de cabotagem. Os relatos de naufrágio eram lidos pelos navegantes da Carreira da Índia e sua leitura compartilhada permitiu que cumprissem o papel pedagógico que lhes era destinado e, apesar de todas as catástrofes que relatam, ensinaram a sobreviver e a se orientar na Rota da Salvação. Quais os seus sinais distintivos?

A geografia da Rota da Salvação

Os naufrágios1 1 Quatro aconteceram no torna-viagem (Godinho, 2005), a exceção é a nau Santiago. que resultaram em peregrinação terrestre na Costa Sul-Oriental africana ocorreram entre o Cabo da Boa Esperança e o norte da foz do rio Zambeze (para os portugueses) ou Cuama (para os africanos). Este território se estende entre os paralelos 33o Sul, por volta de onde se inicia a Terra do Natal, até o 20o Sul, onde tem início o País dos Macuas, ao norte do Zambeze. Quatro embarcações - o galeão São João e as naus São Bento, São Tomé e Santo Alberto - afundaram entre a Terra do Natal e a dos Fumos, ao sul da foz do Zambeze e da baía de Inhambane. Já a perdição da Santiago foi a única que ocorreu ao norte do rio, no Canal de Moçambique, que separa a ilha de Madagascar do continente, próximo aos Baixios ou Bassas da Judia ou da Índia. Seus sobreviventes construíram, com o madeirame retirado do navio, cinco embarcações diferentes, mas só três - um batel, um esquife e uma jangada - atingiram a terra, aportando, separadamente, em pontos diferentes da costa, situados entre o norte do delta e o rio de Quizungo, já no país dos Macuas, mais ao norte (Mapas 1 e 2).

Uma vez em terra, os náufragos que atingiram a Terra do Natal e a dos Fumos decidiram não seguir para o sul, pois teriam que percorrer grandes espaços hostis e pouco conhecidos, para finalmente chegarem às imediações do Cabo da Boa Esperança, onde precisariam contar com a sorte para serem resgatados pela Carreira da Índia. Também resolvem não esperar pelo resgate marítimo, cientes de que as rotas de navegação de grande calado se afastavam sobremaneira da costa, chamada de “ida por fora”2 2 Os que iam “por dentro”, caso da Santiago, invernavam em Moçambique (Brito, 1971, v. 2, p. 44). e, por essa razão, dificilmente seriam socorridos por esses navios. A baía que os nativos chamavam de Inhaca e os portugueses de Lourenço Marques, onde deságua o rio de mesmo nome, também conhecido pelos últimos como rio de Espírito Santo, onde o marfim era embarcado, foi o ponto de destino escolhido por estes sobreviventes, que percorreram a Rota da Salvação no sentido Sul-Norte. Lá encontrariam alguma embarcação de cabotagem que os levasse até a ilha de Moçambique, de onde eram originários os comerciantes portugueses envolvidos no trato do marfim.

Mapa 1
A Rota da Salvação na Costa Sul-Oriental africana onde os náufragos peregrinaram e o Baixo da Judia, no canal de Moçambique

Os sobreviventes da nau São Bento ponderaram calmamente sobre as três opções possíveis para se pôr a salvo. O debate que travaram revela que estavam bem informados sobre as peculiaridades de cada uma e que o naufrágio anterior do galeão São João - o primeiro, por seu caráter exemplar, descrito na História trágico-marítima - influiu na decisão que tomaram, revelando o caráter pedagógico que tais textos desempenharam na orientação dos sobreviventes na Rota da Salvação. Segundo os sobreviventes, era possível: 1) dirigir-se para sul, na direção do Cabo da Boa Esperança, até a Aguada do Saldanha, e esperar ali aportar alguma nau da Carreira da Índia; 2) construir um forte no local e tentar construir e enviar até Sofala uma pequena embarcação para avisar os portugueses e resgatar os demais; 3) caminhar para o rio de Lourenço Marques, como fizeram os do galeão São João, e avaliar se dali era possível chegar até Sofala.

Mapa 2
A foz em delta do rio Zambeze e as Terras do chefe Bano, ao norte

Quanto à primeira opção, concluíram que seria difícil “vencer a dificuldade dos grandes rios e serras que jaziam entre [eles] e o Cabo” e que “a Aguada de Saldanha era pouco frequentada de muitos anos a esta parte”, abandonando-a como alternativa. Desistiram da segunda porque não tinham salvo ferramentas para construir a embarcação. Também não possuíam ferro suficiente, retirado dos restos do navio, usado como resgate com os nativos em troca de alimentos e proteção, para aguentarem o ano que consideravam ser necessário sobreviver ali, importante lição que será aprendida pelos sucessivos náufragos. A despeito das dificuldades enfrentadas pelos do galeão São João, concluíram que poderiam percorrer a mesma distância em menos tempo e que o ferro de que dispunham era suficiente para a jornada (Perestrello, 1971PERESTRELLO, Manoel de Mesquita. Relação sumária da viagem que fez Fernão d’Álvares Cabral. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 1. Lisboa: Afrodite , 1971, p. 33-136., p. 70), decidindo-se pela terceira opção. Foram melhor sucedidos que os anteriores. Conforme o Quadro 1, voltaram vivos 21 dos 98 portugueses que chegaram em terra (21,4% destes), mas a maior mortandade ocorreu entre os escravos e apenas 4 dos 224 escravos sobreviveram (1,8% dos cativos), revelando que os últimos sofriam condições mais duras na travessia e alguns poucos foram deixados para trás de maneira intencional, para aprender a língua e os costumes locais, servindo, futuramente, de intermediários entre os nativos e os portugueses, outro mecanismo para ajudar as futuras peregrinações, como mais tarde foi feito no Brasil (Metcalf, 2005METCALF, Alida. Go-betweens and the Colonization of Brazil, 1500-1600. Austin: University of Texas Press, 2005.).

Os da nau Santiago foram os únicos que caminharam na Rota da Salvação no sentido inverso, isto é, Norte-Sul. Como as três pequenas embarcações em que iam os sobreviventes se dispersaram na travessia, o trajeto de cada grupo foi diferente. Os do esquife aportaram mais ao norte, nas proximidades do rio de Quizungo, e primeiro se dirigiram para as Terras do chefe Bano, junto ao rio de Lurango, reino que comerciava marfim, e onde tinham notícias que havia portugueses residindo. Os da jangada atingiram um ponto mais ao sul, ao norte do rio de Linde, braço superior do delta do Zambeze, e os do batel aportaram ao sul deles, entre a ponta de Linde e Quelimane/Quilimane, o braço inferior do delta. Todos se dirigiram a Luabo, situada na parte sul da foz do Zambeze, onde sabiam estar estabelecido o português Francisco Brochado, que os ajudaria, como o fez, a chegarem ao forte português Sena, situado a montante do rio, onde tomaram embarcação até Moçambique.

Enquanto os sobreviventes das quatro primeiras naus entraram em contato com diversos grupos Banto, os da Santiago contataram populações Swahili, mestiças com árabes, que professavam o islamismo e a quem portugueses chamavam, genericamente, de “mouros”, “termo estereotipado que designava os naturais da Índia portuguesa professando a religião islâmica” (Rita-Ferreira, 1982BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez e latino. Lisboa: Pascoal da Sylva, 1712-1720., p. 131; Roque, 2011ROQUE, Ana Cristina. Portugueses e africanos na África Austral no século XVI: da imagem da diferença ao reforço da proximidade. Estudos e Documentos. v. 10, p. 89-106, 2011.), recorrentemente utilizado na literatura de naufrágio. Na região, estruturaram reinos, com redes de vilas e cidades, e encetavam comércio, inclusive do marfim, com os nativos do interior, com vários portos da costa até Sofala, ao sul, e com o Oriente. Com a chegada dos portugueses, serviram de intermediários locais.

O trato do marfim na Costa Sul-Oriental africana

Quando os portugueses atingiram o leste da África, durante a expedição de Vasco da Gama, a região já experimentava intensa atividade comercial com o Oriente, especialmente a Índia, realizada pelos povos costeiros. Esse trânsito remontava pelo menos ao século VIII, antes da chegada dos intermediários mulçumanos e indianos, e tinha o marfim como item importante das transações africanas. Os comerciantes portugueses estabelecidos na ilha de Moçambique, progressivamente, substituíram os asiáticos nesse comércio, realizando o resgate do marfim diretamente com os povos Banto (mais ao sul) e Swahili (mais ao norte) da costa. Por navegação de cabotagem, as presas eram levadas até Moçambique, dali para a Índia, e embarcadas para o reino nas naus da Carreira da Índia. Os sobreviventes do galeão São João, que naufragaram na região do Natal, em 1552, conheciam a geografia dessa e, uma vez em terra, concluíram “que visto não haver outro remédio, assentaram que deviam caminhar com a melhor ordem que pudessem ao longo dessas praias a caminho do rio que descobriu Lourenço Marques” (Relação..., 1971RELAÇÃO da muy notável perda do galeão grande São João em que se constam os grandes trabalhos e lastimosas coisas que aconteceram ao capitão Manoel de Sousa Sepulveda. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 1. Lisboa: Afrodite, 1971, p. 11-31., p. 25), porque acreditavam que ali poderiam ser resgatados por algum barco envolvido no trato do marfim, sendo seu principal ponto de embarque. Os sobreviventes da São Tomé, que naufragou em 1589 quando voltava da Índia carregada com muita pimenta, “assentaram todos de se irem de longo da costa até o rio de Lourenço Marques” e, no trajeto até o rio, encontraram vários chefes “amigos dos portugueses, pelo comércio e comunicação que têm com os de Moçambique”. Distinguir os povos amigos dos inimigos dos portugueses devido ao trato do comércio era sinal vital registrado nos relatos, ainda que alertassem que “aqueles cafres3 3 Termo de época empregado pelos portugueses, sendo uma corruptela da palavra árabe kaffir (infiel), usado na documentação coetânea para identificar todos os africanos indistintamente, possuindo claramente um caráter preconceituoso. não faziam nenhuma cousa por virtude”, mas porque era do comércio do marfim que auferiam riqueza (Couto, 1971COUTO, Diogo. Relação do naufrágio da nau São Thomé, na Terra dos Fumos e dos grandes trabalhos que passou D. Paulo de Lima nas terras da Cafraria até sua morte. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 2. Lisboa: Afrodite , 1971, p. 507-555., p. 521, 544, 553).

Assim que os sobreviventes da São Tomé chegaram em terra, “lançaram alguns marinheiros fora para irem ver se havia algumas povoações”. Logo viram umas palhoças, mas os nativos fugiram em debandada. No entanto, “tornando a conhecer serem portugueses, pela comunicação que com eles tinham por causa do resgate do marfim, que todos os anos ali vão fazer, tornaram-se logo a eles mui domésticos” (Couto, 1971COUTO, Diogo. Relação do naufrágio da nau São Thomé, na Terra dos Fumos e dos grandes trabalhos que passou D. Paulo de Lima nas terras da Cafraria até sua morte. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 2. Lisboa: Afrodite , 1971, p. 507-555., p. 521). Primeiramente, os nativos assustados negaram o contato, mas, num segundo momento, ao reconhecerem--nos mostraram-se amistosos. O narrador não hesita em creditar a mudança de atitude aos contatos prévios no comércio do marfim e a menção ao incidente adverte o leitor, futuro peregrino, que para bem percorrer a Rota da Salvação era necessário buscar as “tribos amigas”, como se referiam aos povos locais, e, para tanto, seguir a rota do trato do marfim. Além dos povos africanos a serem contatados, os relatos de naufrágio descrevem o caminho e os acidentes geográficos até o destino final - venturas e desventuras enfrentadas na árdua luta pela sobrevivência -, deixando registradas as informações que contribuem para que os portugueses, progressivamente, dominem a geografia do trato do marfim. Segundo Diogo do Couto, que descreve o naufrágio da São Tomé, a Terra dos Fumos, onde o desastre ocorreu, era “assim nomeada nas nossas cartas de marear; o qual nome lhe foi posto pelos nossos, que por ali primeiro passaram, pelos muitos fumos que de noite viram em terra; mas os cafres naturais lhe chamam Terra dos Macomates, por uns cafres assim chamados, que vivem ao redor daquelas praias.” Informa que o batel no qual se salvaram os poucos sobreviventes encalhara diante “de um rio, que nas nossas cartas anda sem nome, que está em 27o e 1/2” de latitude Sul. Como essa região era percorrida pelos que “navegam de Moçambique para o rio de São Lourenço no resgate de marfim”, eles o denominavam “de Simão Dote, por um português deste nome, que a ele foi ter” com esse propósito. Couto o descreve como um rio “pequeno, capaz só de embarcações pequenas, e será cinquenta léguas afastado da baía de Lourenço Marques”. A Terra dos Fumos, informa, “é do rei chamado Viragune” e se estende pelo interior do sertão por 30 léguas e, ali, e nos reinos de Mocalapapa, vizinho deste pelo sul, e no de Vambe, mais próximo da Terra do Natal, os portugueses “vão fazer resgate de marfim” (Couto, 1971COUTO, Diogo. Relação do naufrágio da nau São Thomé, na Terra dos Fumos e dos grandes trabalhos que passou D. Paulo de Lima nas terras da Cafraria até sua morte. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 2. Lisboa: Afrodite , 1971, p. 507-555., p. 522-524).

Os náufragos deviam ser capazes de identificar a Rota da Salvação como justaposta à do comércio do marfim e que sua salvação consistia em percorrê-la com a maior rapidez possível e este aprendizado foi progressivo. Sepúlveda calculou que, do ponto onde os náufragos da São João atingiram o litoral, Lourenço Marques estaria a “180 léguas” em linha reta, mas acabaram andando cerca de 300 léguas, gastando cinco meses e meio, pois era forçoso dar muitas voltas para cruzar rios, enseadas e baías (Naufrágio..., 1942NAUFRÁGIO do galeão grande São João na Terra do Natal no ano de 1552. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 1. Lisboa: Afrodite, 1942. p. 13-50., p. 25). As dificuldades que enfrentaram para peregrinar na Rota da Salvação revelam que era imperativo acumular um conhecimento geográfico e, para construí-lo, instrumentos matemáticos - bússolas, astrolábios, sextantes etc. -, além das cartas de marear (mapas), eram indispensáveis, devendo ser resgatados dos navios. Navegava-se em terra como se navegava no mar: seguia-se a direção da bússola, media-se as latitudes pela altura do sol e, à noite, guiava-se pelas estrelas. Cartas de marear representavam a costa e registravam os principais acidentes geográficos, principalmente os rios, que os peregrinos cruzavam pelo caminho, marcadores vitais da rota. Novos informes eram cuidadosamente registrados nos relatos de naufrágio que, posteriormente, serviam para atualizar os mapas, consultados pelos peregrinos futuros. Pilotos e seus auxiliares eram fundamentais nas tarefas de orientação e, por essa razão, invariavelmente, tinham preferência de embarque nos botes salva-vidas, invertendo as tradicionais hierarquias pelas quais o mundo português se regia (Pereira, 2018PEREIRA, Rafael Vinicius da Fonseca. Caravelas de saberes: a arte portuguesa da marinharia na Carreira da Índia. Belo Horizonte: Caravana, 2022.).

Os da nau São Bento foram os primeiros a fazer referência a instrumentos matemáticos que tiraram do navio para se orientar em terra. Levaram consigo um astrolábio, mas, por volta do 23º dia de caminhada, quando a fome falou mais alto, o trocaram por “uma vaca e algumas cabras e bolos”. Também consultavam uma carta de marear cada vez que se deparavam com marcadores importantes do terreno. Por ela, reconheceram um grande rio que atravessaram no início da jornada e a baía de Lourenço Marques, ao atingirem sua margem sul. O mapa denominava de Aguada Boa o rio de Espírito Santo, mas a experiência empírica da peregrinação lhes permitiu perceber que se tratava de um equívoco: eram dois rios distintos e a observação correta foi registrada no relato de naufrágio para atualizar as cartas portuguesas e orientar os futuros náufragos. Quando os sobreviventes da Santo Alberto chegaram ao rio de Lourenço Marques mostraram ao rei, o Inhaca, os instrumentos que levavam consigo e como funcionavam. O africano encantou-se com a tecnologia que os portugueses dominavam. Durante um encontro, “parecendo horas de jantar, disse o piloto que assinalava o relógio as onze” e o Inhaca ficou interessado na maneira como os portugueses eram capazes de saber, com precisão, as horas. Depois que o piloto lhe mostrou como realizavam a operação, “se maravilhou assaz, e muito mais de lhe mostrar, pelos rumos da agulha, o caminho que até ali fizeram” (Lavanha, 1971LAVANHA, João Baptista. Relação do naufrágio da nau S. Alberto, no Penedo das Fontes, no ano de 1593 e itinerário da gente, que dele se salvou, até chegarem a Moçambique. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 2. Lisboa: Afrodite, 1971, p. 557-636., p. 557-636). Os instrumentos matemáticos e a capacidade de informar o lugar onde se encontravam eram também símbolos de poder e da superioridade que os portugueses acreditavam ter em relação aos nativos, empregados sempre em seu benefício.

Foi devido ao acúmulo do conhecimento geográfico coletado por todos os peregrinos antecedentes que os da nau Santo Alberto, em 1593, puderam percorrer quase a mesma distância até a baía de Lourenço Marques com muito mais rapidez, segurança e menos perdas humanas. O percentual de sobreviventes foi de 80,9% (Quadro 1), sendo que a maior mortandade ocorreu entre os escravos. Segundo Lavanha, caminharam “mais de trezentas léguas”, em “três meses”, desde o Penedo das Fontes até a ilha de Inhaca, situada na baía, distância que, em linha reta, no sentido Sul/Norte, equivalia a “150 léguas” (Lavanha, 1971LAVANHA, João Baptista. Relação do naufrágio da nau S. Alberto, no Penedo das Fontes, no ano de 1593 e itinerário da gente, que dele se salvou, até chegarem a Moçambique. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 2. Lisboa: Afrodite, 1971, p. 557-636., p. 634).

Nau desmontada

Uma vez em terra, três objetivos importantes se impunham para realizar a peregrinação e trilhar com sucesso a Rota da Salvação. O primeiro, preservar a vida no encontro com nativos; o segundo, encontrar o caminho certo a seguir; e o terceiro, conseguir alimentos e água para sobreviver. O sucesso nos três casos dependia do contato com as tribos amigas, responsáveis por prover o sustento e a segurança dos náufragos. Quando João Baptista Lavanha advertiu seu leitor que “o naufrágio ensina como se devem haver os navegantes em outro que lhes pode acontecer, de que remédios proveitosos usarão nele, e quais são os aparentes e danosos de que devem fugir”, entre esses conhecimentos figurava “como tratarão e comunicarão com os cafres, com que meio farão com eles o necessário comércio, e sua bárbara natureza e costumes” (Lavanha, 1971LAVANHA, João Baptista. Relação do naufrágio da nau S. Alberto, no Penedo das Fontes, no ano de 1593 e itinerário da gente, que dele se salvou, até chegarem a Moçambique. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 2. Lisboa: Afrodite, 1971, p. 557-636., p. 559), como acreditavam ser as características dos povos locais, sempre descritos de forma negativa a partir de uma perspectiva etnocêntrica. Entre os ensinamentos para a sobrevivência, os relatos ensinam que era preciso retirar das embarcações e carregar consigo tudo que pudesse ser trocado com os nativos e informam que “o contato com os negros” seguia os mesmos padrões de troca do trato do marfim, sendo “mediado por ‘presentes’ - panos e pedaços de ferros - aos quais reagem positivamente” (Madeira, 2005MADEIRA, Angélica. Livro dos naufrágios: ensaio sobre a “História Trágico-marítima”. Brasília: Editora da UnB, 2005., p. 272, 276).

O cuidado com que os náufragos, uns a seguir aos outros, procuraram recuperar dos navios as pregaduras de ferro, que seriam intercambiadas por comida, proteção e guias na peregrinação na Rota da Salvação revela que estavam cientes do seu valor pelo fato de que os grupos Banto da África Sul-Oriental dominavam as técnicas de seu beneficiamento e a matéria prima alcançava alto valor no mercado local. Desde o ano 1000, “intensificou-se, simultaneamente, a extração mineral e a confecção de instrumentos e ornamentos de ferro, cobre, estanho e ouro” (Rita-Ferreira, 1982RITA-FERREIRA, António. Fixação portuguesa e história pré-colonial de Moçambique. Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical, 1982., p. 41) e, enquanto o cobre era mais utilizado para a produção de objetos decorativos e ornamentais, com que se cobriam as autoridades; o ferro era empregado na produção de ferramentas e utensílios. Logo que se pôs à salvo, Sepúlveda mandou retirar do galeão São João “armas e mantimentos e pólvora e alguma roupa de Cambraia, para ver se havia na terra alguma maneira de resgate de alimento” (Relação..., 1971RELAÇÃO da muy notável perda do galeão grande São João em que se constam os grandes trabalhos e lastimosas coisas que aconteceram ao capitão Manoel de Sousa Sepulveda. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 1. Lisboa: Afrodite, 1971, p. 11-31., p. 16). O escambo ocorria segundo o valor de uso atribuído, por cada lado, aos objetos intercambiados: mantimentos e proteção para os portugueses e metal, contas e tecidos para os africanos. Apesar dessa afirmação revelar que os náufragos conheciam os códigos culturais de escambo, levaram consigo “muitas joias e rica pedraria e dinheiro”, que importavam “mais de cem mil cruzados”, que pouco valiam nas relações de troca locais. O primeiro grupo de nativos que os acercou, trazendo consigo uma vaca, entendeu, por seus acenos, “que queriam ferro” e Sepúlveda mandou entregar “meia dúzia de pregos” dos restos do navio, no que “eles folgaram de ver”, e começaram a negociar o “preço da vaca”. No entanto, a negociação acabou frustrada porque um não dominava o código linguístico do outro e não dispunham de intérprete, revelando que não bastava dispor do metal para o sucesso da transação. O resultado foi que passaram muita fome e, durante o primeiro mês, tiveram que se sustentar apenas com algumas “frutas do mato” e o arroz que conseguiram recuperar dos estoques do navio. Mais à frente foram bem sucedidos e, para atravessarem um grande rio, conseguiram trocar alguns pregos por quatro barcas (Relação..., 1971RELAÇÃO da muy notável perda do galeão grande São João em que se constam os grandes trabalhos e lastimosas coisas que aconteceram ao capitão Manoel de Sousa Sepulveda. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 1. Lisboa: Afrodite, 1971, p. 11-31., p. 18-21). O relato desse naufrágio alertava que tais erros - “não se desfazer das armas; não deixar que o grupo se divida em diferentes companhias; não fazer todas as vontades aos cafres” (Madeira, 2005MADEIRA, Angélica. Livro dos naufrágios: ensaio sobre a “História Trágico-marítima”. Brasília: Editora da UnB, 2005., p. 270) - deveriam ser evitados, o que levou a que, conforme o Quadro 1, somente 5% dos que aportaram em terra chegassem ao fim da Rota da Salvação.

O metal retirado dos navios era tão essencial para a manutenção dos sobreviventes que, sabedores do que se passara com os náufragos antecedentes, seu volume passou a servir para medir a distância possível de ser percorrida na Rota da Salvação e o tempo de sobrevivência nessa peregrinação. Os da São Bento, ao atingirem a terra, avaliaram as opções que se lhes apresentava para serem salvos e desistiram de permanecer no local onde aportaram, pois estimaram que teriam pelo menos um ano pela frente, calculando que não dispunham de metal suficiente para trocar por comida e proteção com os povos locais por tão dilatado tempo. Por essa razão, decidiram seguir até a baía de Inhaca e, levando em consideração as informações que dispunham do galeão São João, calcularam que poderiam percorrer a distância que faltava com rapidez, pois possuíam ferro suficiente para o escambo nesse intervalo. Os primeiros africanos que os da nau São Bento avistaram estavam, na praia, “queimando alguns pedaços da nau que o mar lançava, para lhes tirar os pregos”. Advertidos do que acontecera aos náufragos da São João e observando o interesse dos nativos pelo ferro, seu capitão, Fernão Álvares Cabral, com muita dificuldade, tentou se comunicar com eles, oferecendo “barretes, panos e pedaços de ferro”. Segundo o narrador, eles “ficaram tão contentes como se os fizeram senhores do mundo”, mas as dificuldades de comunicação, por também não terem intérprete, impediram que pudessem extrair deles muitas informações sobre a terra. Apesar desta primeira dificuldade, o relato revela que os sobreviventes foram capazes de dominar melhor os códigos culturais dos nativos e levaram consigo apenas o que podia ser trocado com eles. Assim, cada náufrago “apercebeu seu alforje das mais coisas de comer que achou, e dos mais pregos e ferro que podia levar para o resgate - que estas eram naquele tempo as joias de mais estima”, cortando em pedaços menores os objetos muito pesados de serem carregados e deixando para trás a nau que parecia uma ossada “posto que já nela não houvesse pau pregado”. A desdita de Sepúlveda e dos demais náufragos do São João, que os antecedera, havia deixado a lição de que importante sinal vital da Rota da Salvação era que, naquela terra, um simples prego enferrujado valia mais que todas as joias e todo o dinheiro do mundo. Por esta razão se lamentaram, poucos dias depois, ao enfrentarem a difícil escalada de um penedo, quando tiveram que “alijar o mais do ferro que levava[m]” pois sabiam “muito certo que aquilo que ali deixava[m] não era ferro, mas vida” (Perestrello, 1971PERESTRELLO, Manoel de Mesquita. Relação sumária da viagem que fez Fernão d’Álvares Cabral. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 1. Lisboa: Afrodite , 1971, p. 33-136., p. 50-70).

A Santo Alberto foi a última a naufragar na região. O sucesso da peregrinação de seus náufragos resultou do conhecimento acumulado, durante quase meio século, pelos anteriores. Entre outros saberes, eles dominaram com maestria a arte do escambo de alimentos por ferro, o que permitiu à maioria chegar ao rio de Lourenço Marques. Foi Nuno Velho quem estava bem instruído e, antevendo “as futuras necessidades de armas e munições, sem as quais estava tão certa a perdição na terra que viam, [...] advertiu ao capitão que mandasse recolher as armas, pólvora, chumbo, e morrões4 4 Mecha com que se ateia fogo à espingarda (Silva, 1789, p. 66). que se achassem” no navio, como também as espingardas que encontrasse e, “atadas, as metesse em alguma pipa, para nela se salvarem”. À sua memória veio a “perdição da nau S. Tomé, na Terra dos Fumos, [...] cujos sucessos lera em Goa, escritos por Gaspar Ferreira, sota-piloto dela”, e também as desventuras do galeão São João, que conhecia bem. Ciente dessas experiências pretéritas, assim que o naufrágio se revelou inevitável, “foi esta prevenção e lembrança de Nuno Velho de tanta importância” que selou o bom sucesso dos sobreviventes, pois tinham armas para se defender dos nativos e ferro suficiente para realizar os resgates de comida e proteção, pois que “em semelhantes desgraças e desastrados sucesso, tenha-se muita conta com o recolhimento e guarda das armas, roupa e cobre, para o resgate e defesa” e “que tudo se ponha no chapitéu”, a parte mais alta do navio, em que geralmente ficava o castelo, “para que com facilidade se salve” (Lavanha, 1971LAVANHA, João Baptista. Relação do naufrágio da nau S. Alberto, no Penedo das Fontes, no ano de 1593 e itinerário da gente, que dele se salvou, até chegarem a Moçambique. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 2. Lisboa: Afrodite, 1971, p. 557-636., p. 570-573). Alertados por Nuno Velho, a destreza do capitão, do piloto e dos marinheiros da Santo Alberto permitiu que pudessem retirar da nau quantidade de armas, ferro e instrumentos de orientação que se revelaram indispensáveis na peregrinação. Para tanto, primeiro levaram a embarcação o mais perto possível da terra, de modo que muitas vidas puderam ser salvas - 125 portugueses, e 160 escravos - e o material retirado com mais facilidade. A partir da primeira noite, os sobreviventes puseram fogo nos restos da nau que vieram dar à praia, tanto para se aquecer, quanto para “se aproveitarem os nossos da pregadora para o resgate”. Essa tarefa foi realizada com presteza de modo a que o ferro “não possam haver os negros senão da sua mão e assim tenha valia necessária”. Pelo mesmo motivo, os restos da nau foram enterrados ou submersos. Já os objetos maiores, difíceis de serem carregados, como uma caldeira e seis caldeirões de cobre, foram cortados em pedaços menores para serem transportados (Lavanha, 1971LAVANHA, João Baptista. Relação do naufrágio da nau S. Alberto, no Penedo das Fontes, no ano de 1593 e itinerário da gente, que dele se salvou, até chegarem a Moçambique. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 2. Lisboa: Afrodite, 1971, p. 557-636., p. 572-574). Foi o domínio do sistema de escambo que fez com que, morto o capitão no naufrágio, Nuno Velho fosse escolhido por aclamação para substituí-lo e guiá-los pela Rota da Salvação.

Ao longo da peregrinação, estes sobreviventes fizeram inúmeros resgates. A partir de sua experiência, Lavanha ensinou os futuros náufragos que “ouro e prata não têm entre eles preço”, pois só “prezam dos metais os mais necessários, como é o ferro e o cobre, e assim por mui pequenos pedaços de qualquer destes trocam gado, que é o que mais estimam, e com eles fazem o seu comércio e comutação de seus tesouros” (Lavanha, 1971LAVANHA, João Baptista. Relação do naufrágio da nau S. Alberto, no Penedo das Fontes, no ano de 1593 e itinerário da gente, que dele se salvou, até chegarem a Moçambique. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 2. Lisboa: Afrodite, 1971, p. 557-636., p. 580-630). Tudo indica que o ouro não era apreciado ou identificado como um símbolo de distinção social na África Subsaariana antes do contato com as redes comerciais mulçumanas. Pelo contrário, o vermelho do cobre era mais valorizado que o amarelo do ouro (Herbert, 1984HERBERT, E. Red Gold of Africa: Cooper in Precolonial History and Culture. Madison: University of Wisconsin Press, 1984.). A nau Santiago, “a mais rica e próspera que havia saíra do reino”, tinha como um de seus lastros “moedas de oito reales em grande quantidade”. Quando começou a soçobrar e os embarcados a encher seus alforjes, “alguns poucos da gente comum pôde a cobiça tanto, que encheram as sacas de reales, os quais pretendiam levar e salvar nas jangadas que faziam”. No entanto, tiveram mais dificuldade em retirar o que fosse do navio, visto que o mesmo encalhou em alto mar, num dos baixios do Canal de Moçambique e tiveram que deixar quase tudo pra trás. Pela distância, rapidez com que a nau soçobrou e pelo pequeno espaço nos botes em que se salvaram, acabaram levando consigo apenas poucos mantimentos, consumidos na travessia. Ao chegarem em terra tinham pouco mais que a roupa do corpo, mas que possuía alto valor de troca, bem mais que os reales que pouco ou nada lhes serviram. Se o grosso do comércio do marfim era feito, pelos portugueses, em troca de contas e tecidos que traziam da Índia, vez ou outra, um adereço de luxo, como um tecido ou uma vestimenta europeia, ia parar nas mãos desses chefes. Foi o caso dos sobreviventes da nau São Tomé que encontraram o rei de Manhiça, “amigo dos portugueses”, que “vinha nu, e encachado com um pano que lhe cobria as partes inferiores, e coberto com um ferragoulo5 5 Ferragoulo: gabão, ou casacão de mangas curtas que se mete pela cabeça (Bluteau, 1713, v. 2, p. 85). de pano verdoso, que o Alferes-mor D. Jorge de Meneses, tinha mandado de Moçambique, sendo capitão D. Paulo Lima” (Couto, 1971COUTO, Diogo. Relação do naufrágio da nau São Thomé, na Terra dos Fumos e dos grandes trabalhos que passou D. Paulo de Lima nas terras da Cafraria até sua morte. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 2. Lisboa: Afrodite , 1971, p. 507-555., p. 532). Os sobreviventes rapidamente identificaram a vestimenta como signo visível do contato anterior encetado por esses nativos no trato do marfim, pois sabiam que os portugueses forneciam adereços e vestuário que serviam para engradecer os chefes.

Ao contrário das demais, a Santiago naufragou a norte do rio Zambeze, “no distrito de Quizungo”, segundo o cronista do naufrágio, “rio conhecido dos portugueses,” porque resgatavam marfim na região. Parte dos sobreviventes foi abrigada por um chefe local, mas passou fome porque o alimento era bastante escasso. Por essa razão, quis rumar logo para o sul, onde esperava ser resgatada por algum navio português, nas proximidades do rio Zambeze; mas, para tanto, era necessário conseguir um guia local e ter informações seguras do rumo a seguir. Até que “veio um dia ter ali um negro, com chapéu de tafetá na cabeça”, e a visão do artefato europeu colocou os náufragos em grande alegria pois também era indicativo de um relacionamento prévio com os mercadores lusitanos. Ele se chamava Bano e “era sobrinho do xeque Bano de Luranga”, que chegou munido de cartas de portugueses que habitavam esse reino, que informaram que Luranga estava situado um pouco mais ao sul, distante “oito léguas” e que “o seu principal trato e comércio com os portugueses é de marfim”. Bano entregou todos aos portugueses por três corjas de roupas, acostumado que estava ao escambo do marfim e de mantimentos (arroz e milho) que plantava, que trocava com eles por “panos de que se eles vestem, estanho e contas” (Cardoso, 1971CARDOSO, Manoel Godinho. Relação do naufrágio da nau Santiago no ano de 1585 e itinerário da gente que dele se salvou. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 2. Lisboa: Afrodite, 1971, p. 435-506., p. 471, 476).

Algumas trocas podiam se revestir de alto grau simbólico, como se observa em relação aos objetos que eram destinados aos diversos chefes, cujo luxo é evidente. Mas, entre elas, um presente se destaca, pois seu sentido é completamente diverso. Nas proximidades da baía de Inhaca, o Ancosse Gamabela, que, em suas terras, ofertara com liberalidade proteção, guias e mantimentos aos portugueses, se recusou a receber os presentes costumeiros (umas contas de madrepérola, uma peça de prata, sete pedaços de cobre e uma pedra de sangue6 6 Ancosse era título conferido a alguns chefes locais, e a pedra de sangue ou sárdio, descrita na Bíblia, no “Livro do Apocalipse”, era uma das cinco pedras que compõem os céus dos escolhidos. ) oferecidos por Nuno Velho. Afirmou que bastava “uma peça, que em seu nome ficasse, para com ela se lembrar sempre dele e dos portugueses que o acompanhavam”. Tocado pelo gesto de desprendimento, Nuno Velho disse que lhe “daria a mais preciosa e estimada joia que havia no mundo” e esta foi a fé católica simbolizada na “cruz das contas que ao pescoço tinha”, objeto de pouco valor material, mas carregado de significado para ele e os seus. Entregou o mimo ao rei, com toda reverência, e “levantando os olhos ao céu, com grande devoção, a beijou”, no que foi imitado pelos portugueses, pelo africano e, em seguida, por todo o seu povo. Nuno Velho, mais tocado ainda, considerando esse um gesto coletivo de reverência à fé católica, mandou talhar uma cruz de oito palmos de uma árvore e, depois de explicar ao rei o poder desse símbolo, afirmou que tal presente considerava ser “o verdadeiro troféu”, pois plantara “por este modo a árvore da Santa Cruz” (Lavanha, 1971LAVANHA, João Baptista. Relação do naufrágio da nau S. Alberto, no Penedo das Fontes, no ano de 1593 e itinerário da gente, que dele se salvou, até chegarem a Moçambique. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 2. Lisboa: Afrodite, 1971, p. 557-636., p. 600-603). Naufrágio após naufrágio, pelo caminho, cada vez de maneira mais eficiente, “ficaram os pedaços da nau”, o que permitiu que os sobreviventes peregrinassem pela Rota da Salvação. Já debaixo das ondas, nos navios que afundaram, submergiram “as riquezas que com tanta ânsia em muito tempo adquiriram” e que, “num só dia, se perderam”.

As contas de Cambaia

Os relatos dos naufrágios que se seguiram ao do galeão São João revelam que os sobreviventes das naus São Tomé, São Bento e Santo Alberto estavam cientes das terríveis desditas ocorridas com os primeiros, que, ao longo do caminho, foram pilhados e quase todos mortos por povos africanos não acostumados ao contato com os lusos. Do seu relato impresso souberam tirar lições dos equívocos cometidos e, por essa razão, buscaram rapidamente contatar os reinos amigos envolvidos no comércio do marfim, pois isso significava que teriam mais chances de serem bem recebidos, de conseguirem informações do rumo a seguir, representando alguma garantia de chegarem vivos e a salvo ao rio de Lourenço Marques. Para tanto, os indícios materiais resultantes do escambo eram os que procuravam entre os nativos encontrados pelo caminho. O comércio do marfim era feito também em contas de vidro e de algumas conchas marinhas provenientes da Índia. Panos indianos coloridos eram desfiados e seus fios misturados com os brancos, de origem local, que, em seguida, eram tecidos conjuntamente, já que os africanos não empregavam técnicas de tinturaria. As contas eram “missangas cilíndricas, azuladas e esverdeadas”, que “ornamentavam pessoas que se querem distinguir do vulgo” (Rita-Ferreira, 1982RITA-FERREIRA, António. Fixação portuguesa e história pré-colonial de Moçambique. Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical, 1982., p. 35, 49). “São estas contas de barro, de todas as cores, da grandeza de coentro, e fazem-se na Índia, Negapão, donde se levam a Moçambique, e dali pelas mãos dos portugueses se comunicam a estes negros, resgatando-as com eles por marfim” (Couto, 1971COUTO, Diogo. Relação do naufrágio da nau São Thomé, na Terra dos Fumos e dos grandes trabalhos que passou D. Paulo de Lima nas terras da Cafraria até sua morte. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 2. Lisboa: Afrodite , 1971, p. 507-555., p. 583-584). A presença das contas indianas entre os nativos é cuidadosamente observada pelos sobreviventes e registrada nos relatos de naufrágio, constituindo essas “moedas de troca” em sinais vitais para peregrinar na Rota da Salvação.

Os da nau São Bento encontraram um grupo de cem nativos que, a princípio pareceu-lhes perigoso, encetando com eles um difícil diálogo. Um dos nativos estava nu como os outros, mas o narrador destaca que “trazia de vantagem umas poucas contas de sua laia, que são de barro vermelho, tamanhas como grãos de coentro e assim redondas”. Os portugueses logo as identificaram e Perestrello, o narrador, confessa que as “folgamos de ver” porque, cientes que “aquelas contas se fazem no reino de Cambaia, donde somente pelas mão[s] dos nossos são trazidas aos lugares daquela costa”, sendo intercambiados com os nativos em troca das presas, só podiam indicar que se estava “perto de algum rio onde viesse navio de resgate” de marfim (Perestrello, 1971PERESTRELLO, Manoel de Mesquita. Relação sumária da viagem que fez Fernão d’Álvares Cabral. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 1. Lisboa: Afrodite , 1971, p. 33-136., p. 68-69).

Os poucos náufragos do São João foram salvos por um navio que viera à baía de Lourenço Marques “fazer marfim”, que era trocado por contas “que entre os negros é cousa que eles mais estimam”, sendo eles mesmos resgatados “a troco de contas, e cada pessoa custou dois vinténs de contas” (Relação..., 1971RELAÇÃO da muy notável perda do galeão grande São João em que se constam os grandes trabalhos e lastimosas coisas que aconteceram ao capitão Manoel de Sousa Sepulveda. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 1. Lisboa: Afrodite, 1971, p. 11-31., p. 30-31). Os da nau São Bento contam que o rei de Inhaca “vendia muito marfim a troco de contas, de que eles todos andavam bem ajaezados”, pois elas conferiam status, especialmente aos chefes, “que eles têm por tão precioso tesouro, como nós à pedraria ou seu semelhante” (Perestrello, 1971PERESTRELLO, Manoel de Mesquita. Relação sumária da viagem que fez Fernão d’Álvares Cabral. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 1. Lisboa: Afrodite , 1971, p. 33-136., p. 115, 130). Por essa razão, “roupa, contas, e mais coisas” foram enviadas, de Sofala, para resgatar os últimos remanescentes do naufrágio da São Tomé que ainda permaneciam vivos na baía (Couto, 1971COUTO, Diogo. Relação do naufrágio da nau São Thomé, na Terra dos Fumos e dos grandes trabalhos que passou D. Paulo de Lima nas terras da Cafraria até sua morte. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 2. Lisboa: Afrodite , 1971, p. 507-555., p. 553). Signos de que os nativos estavam envolvidos no trato do marfim e em contato com os portugueses, a visão desses objetos servia-lhes de alívio, indícios materiais de que se aproximavam do fim da Rota da Salvação.

Os línguas

O compartilhamento por algum nativo de um idioma comum era outro signo importante, capaz de distinguir os povos amigos dos que podiam representar algum perigo, constituindo um dos valiosos “sinais vitais” a serem buscados. Ao longo do século XVI, o português foi se tornando uma espécie de língua franca na região, devido à ação dos agentes comerciais portugueses, autônomos e eventuais, que estreitaram os laços com os povos nativos. Os relatos de naufrágio revelam que havia três tipos diferentes de línguas possíveis de serem acionados pelos sobreviventes. Os primeiros eram os tripulantes e os escravos de origens diversas embarcados na própria Carreira da Índia. Os segundos eram os portugueses que passaram, cada vez em maior número, principalmente a partir da segunda metade do século XVI, a viver entre os cafres, ou porque estavam envolvidos no trato do marfim, ou porque eram sobreviventes de naufrágios anteriores e ficaram pelo caminho (Roque, 2017ROQUE, Ana Cristina. The Sofala Coast (Mozambique) in the 16th Century: Between the African Trade Routes and Indian Ocean Trade. In: WALKER, Iain; RAMOS, João Manuel; KAARSHOLM, Preben(dirs.). Fluid Networks and Hegemonic Powers in the Western Indian Ocean. Lisboa: Centro de Estudos Internacionais/Instituto Universitário de Lisboa, 2017, p. 21-35., p. 30). Os terceiros eram os mestiços afro-lusitanos, que com o tempo se tornaram intermediários no comércio costeiro.

A solução usada pelos sobreviventes da nau Santo Alberto para se comunicar revela as dificuldades que encontravam. Num sistema complicado, mas que funcionou, dois escravos serviram como intérpretes. “Um de Manuel Fernandes Girão, que entendia a língua desses cafres, e falava a de Moçambique, e outro de António Godinho, que sabia esta e falava a nossa, e assim com dois intérpretes se comunicavam” com os nativos. O método mostrou-se eficiente porque, segundo o narrador, “a língua é quase uma mesma em toda a Cafraria, e é a diferença entre elas semelhante a que há nas línguas da Itália, ou nas ordinárias de Espanha”. Somente quando chegaram nas terras sob o domínio do Inhaca encontraram um “cafre criado entre portugueses, ficado naquela terra da perdição do galeão S. João”, que foi enviado pelo rei para os recepcionar e guiar até seu palácio. Por sua vez, eles deixaram em Inhaca quatro escravos, sendo “três negros e um malabar,” e dez outros que ficaram mais a nordeste (Lavanha, 1971LAVANHA, João Baptista. Relação do naufrágio da nau S. Alberto, no Penedo das Fontes, no ano de 1593 e itinerário da gente, que dele se salvou, até chegarem a Moçambique. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 2. Lisboa: Afrodite, 1971, p. 557-636., p. 570- 629). Pelas situações vivenciadas, observa-se a diversidade de idiomas dos envolvidos no comércio do marfim, o papel dos mulçumanos e Swahili enquanto intermediários com os povos bantos locais, a origem multiétnica dos escravos embarcados, bem como o importante papel que desempenhavam uma vez em solo africano, invertendo as tradicionais hierarquias europeias já que, como línguas, foram essenciais à sobrevivência do grupo e à prática experimentada pelos náufragos, comumente empregada pelos portugueses, de deixar em terra alguns indivíduos para no futuro servirem de intermediários com os nativos.

O caso da nau São Bento é exemplar. Primeiro encontraram “um moço de Benguela, que ficara de outra perdição, o qual em sendo por nós conhecido foi logo arrebatado, e com grandes abraços levado ao capitão”. Ele vinha junto a um grupo de nativos e sua presença foi fundamental para que se acercassem pacificamente. Chegaram “cantando e tangendo as palmas com mostras de muita alegria, trazendo alguns bolos, raízes, ou qualquer outro modo de seu mantimento, para nos vender”, sendo a primeira vez que conseguiam mitigar um pouco a fome, entabulando um escambo que beneficiou as duas partes. O domínio dos dois universos culturais pelo negro de Benguela permitiu que se antecipasse às necessidades dos náufragos, organizando previamente o fornecimento de alimentos, agindo em benefício mútuo de sobreviventes e nativos. Apesar das dificuldades de comunicação, o rapaz descreveu a terra onde se encontravam, o que ainda facilitou o deslocamento pela região. Mais à frente, acharam “um moço chamado Gaspar, que ficara da destruição de Manoel de Sousa” Sepúlveda, isto é, era remanescente do galeão São João, que, em “sabendo nossa ida, veio ali esperar”. Diferente do de Benguela, que, ao final, não quis servir-lhes de guia, nem abandonar o local em que vivia, este rapaz estava “desejoso de tornar-se à terra de cristãos”. Os sobreviventes o receberam com misto de alegria e alívio, pois o narrador confessa que “a coisa que mais necessitados estávamos era de língua” e deram “todos muitas graças a Deus por nos socorrer em tal tempo, inspirando tanta fé em um mancebo e mouro de nação”, apesar de não deixarem de registrar que ele, “entre aqueles matos e gente quase selvagem, [lhes] já tinha tomado a natureza” (Perestrello, 1971PERESTRELLO, Manoel de Mesquita. Relação sumária da viagem que fez Fernão d’Álvares Cabral. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 1. Lisboa: Afrodite , 1971, p. 33-136., p. 72-73).

Os sobreviventes finalmente avistaram um português, Rodrigo Tristão, que vinha com outro grupo de nativos, “mudado na cor e parecer, que nenhuma diferença tinha dos naturais dela”. Estava nu e “com um molho de zagaia às costas”, e só foram capazes de reconhecê-lo “pela fala e cabelo”. Já vivia há três anos entre os nativos e os ajudou a conseguir comida e a atravessar a baía, também seguindo com eles. Na outra margem, acharam “um moço malavar,” como eram chamados os indianos oriundos dessa península do rio Ganges, que os encaminhou a uma aldeia, dizendo-lhes que, no dia seguinte, traria alimentos. Mais adiante, toparam com “um guzerate bem conhecido na Índia por alguns da companhia”, que os avisou das más intenções dos nativos locais e os ajudou a atravessar outra baía, mostrando-lhes o caminho que utilizara Sepúlveda e os demais náufragos do galeão São João (Perestrello, 1971PERESTRELLO, Manoel de Mesquita. Relação sumária da viagem que fez Fernão d’Álvares Cabral. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 1. Lisboa: Afrodite , 1971, p. 33-136., p. 73-74, 91). A presença do mouro, do malavar e deste guzerate, “proveniente dessa província de mesmo nome na Índia, parte do reino Mogol” (Bluteau, 1713BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez e latino. Lisboa: Pascoal da Sylva, 1712-1720., v. 2, p. 162), e o fato do último já ser conhecido na Índia por alguns da companhia de comércio revelam o papel de mulçumanos e indianos como agentes comerciais na costa da África Sul-Oriental, como os portugueses se apropriaram das redes pré-existentes e como se valeram de seus agentes como línguas. No momento do naufrágio, as hierarquias sociais vigentes em Portugal e mesmo as que valiam a bordo eram frequentemente invertidas pelo imperativo da sobrevivência e, quase nunca eram os nobres de nascimento, normalmente os detentores dos maiores privilégios em terra, que tinham prioridade no embarque nos batéis e botes salva-vidas (Pereira, 2018PEREIRA, Rafael Vinicius da Fonseca. Caravelas de saberes: a arte portuguesa da marinharia na Carreira da Índia. Belo Horizonte: Caravana, 2022., p. 165-178).

Entre Inhaca e Sofala, já “chegando para a terra da salvação”, os sobreviventes da São Tomé atingiram a ilha “Bazaruta, onde estava um filho de Sofala chamado António Rodrigues”, que era um mestiço afro-português, que controlou o comércio e a distribuição de mercadorias entre ilhas nas proximidades dos “rios de Monemone” e o continente. Apesar de ter sido expulso de Sofala como fora da lei, tornou-se autoridade reconhecida pelos portugueses, expedindo os salvo-condutos para os viajantes e as mercadorias que circulavam na região da foz do rio Zambeze. Rodrigues e os mouros que residiam na ilha acolheram os sobreviventes, ajudando-os na próxima etapa da jornada. Como Rodrigues, eles já tinham sido auxiliados, no rio de Inhambane, por um outro “mestiço chamado Simão Lopes, filho de Sofala, que ali estava fugido por coisas que tocavam à Fé” (Couto, 1971COUTO, Diogo. Relação do naufrágio da nau São Thomé, na Terra dos Fumos e dos grandes trabalhos que passou D. Paulo de Lima nas terras da Cafraria até sua morte. In: BRITO, Bernardo Gomes de. História trágico-marítima. v. 2. Lisboa: Afrodite , 1971, p. 507-555., p. 544-547). Ambos são ilustrativos dos agentes mestiços, uma primeira geração de luso-africanos, de que os portugueses se valeram para intermediar o comércio com os locais, junto aos quais os sobreviventes encontraram abrigo e ajuda na peregrinação. Os relatos registram sua presença e onde podiam ser encontrados.

Os sobreviventes da Santiago, que naufragou no norte do Zambeze, percorrem uma região onde a presença de populações Swahili era acentuada. Por essa época, já estavam acostumados ao trato com os lusitanos e, por isto, os sobreviventes encontraram quem fosse capaz de falar em português, caso do emissário do chefe Bano. Os que se salvaram no esquife contataram “um que falava alguma coisa em português, a quem perguntaram por Calimané”. Este apontou-lhes que o rio ficava na direção nordeste e informou-lhes que o Luabo estava a sudeste. “Com essas novas ficaram consolados, por saberem já aonde haviam de caminhar”. Mais à frente, se depararam com um grande rio, onde avistaram uma embarcação. O arrais do barco, vendo que eram portugueses, foi ter com eles e “lhes falou em português”. Eram todos cativos de um “Muinha Sedaca, um mouro muito amigo dos portugueses”, com quem negociavam e os ajudaram a atravessar o rio, revelando as teias comerciais que se teciam entre as populações Swahili e os portugueses, com destaque para o comércio do marfim.

O frei Francisco Xavier de Santa Teresa reconhece que os navegantes da Carreira da Índia estavam “expostos a perigos evidentes nas rudes tempestades que experimentaram e nos naufrágios eminentes em que por muitas vezes se viram” e se refere às Relações de naufrágio como textos funestos e melancólicos. Mas, foi graças a eles que, ao se deslocarem pela Costa Sul-Oriental africana, onde muitos náufragos acabaram arribando, os novos sobreviventes souberam, a partir das experiências pretéritas, encontrar a salvação revelando a feição positiva desses textos que serviam para o aprendizado dos futuros náufragos. Eles apontam o caminho por terra a seguir, as formas e os instrumentos de orientação necessários para se guiarem. Indicam que os náufragos deveriam estar atentos às vestimentas dos nativos, e contas e tecidos indianos e adornos europeus eram indícios materiais do comércio de marfim com os portugueses, indicando os povos potencialmente amigos. Ensinam que o escambo com o que sobrara dos navios naufragados, especialmente objetos de ferro e tecidos, e a presença dos línguas eram formas de conseguir abrigo, alimentos e guias. No seu conjunto, constituem os sinais vitais as “conhecenças da terra” indispensáveis para percorrer a Rota da Salvação, que coincidia com a do trato do marfim, servindo os relatos de naufrágio de fonte coeva inédita para o estudo desse comércio. Enfim, transformado em conhecimento, o aspecto trágico dos naufrágios na Carreira da Índia passava a se travestir de positividade.

Referências

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  • 1
    Quatro aconteceram no torna-viagem (Godinho, 2005GODINHO, Rui Landeiro. A Carreira da Índia: aspectos e problemas da torna-viagem (1550-1649). Lisboa: Fundação Oriente, 2005.), a exceção é a nau Santiago.
  • 2
    Os que iam “por dentro”, caso da Santiago, invernavam em Moçambique (Brito, 1971, v. 2, p. 44).
  • 3
    Termo de época empregado pelos portugueses, sendo uma corruptela da palavra árabe kaffir (infiel), usado na documentação coetânea para identificar todos os africanos indistintamente, possuindo claramente um caráter preconceituoso.
  • 4
    Mecha com que se ateia fogo à espingarda (Silva, 1789SILVA, António Moraes. Diccionario da língua portuguesa. Lisboa: Oficcina de Simão Thadeo Ferreira, 1789., p. 66).
  • 5
    Ferragoulo: gabão, ou casacão de mangas curtas que se mete pela cabeça (Bluteau, 1713, v. 2, p. 85).
  • 6
    Ancosse era título conferido a alguns chefes locais, e a pedra de sangue ou sárdio, descrita na Bíblia, no “Livro do Apocalipse”, era uma das cinco pedras que compõem os céus dos escolhidos.
  • **
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (Capes), código de financiamento 001; do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico(CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais(Fapemig).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    06 Out 2021
  • Aceito
    18 Abr 2022
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