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A imigração forçada de crianças: da colonização da América portuguesa no século XVI ao Estado de bem-estar social menorista do século XX1

The forced immigration of children: from the colonization of Portuguese America in the 16th Century to the minoritist social welfare State of the 20th century

Resumo:

O artigo realiza uma análise histórica que perpassa três contextos: a) a colonização da América Portuguesa; b) o processo imigratório que se inicia no século XIX; e c) a política do Estado de bem-estar social do século XX. Os meninos como pajens e grumetes e as meninas como órfãs do rei foram presença constante nas embarcações dos séculos XVI e XVII. No século XIX, eles imigravam com suas famílias, como parte da política segregadora eugenista, que buscava o embranquecimento do país. No século XX, esse processo tomou como forma a ampla institucionalização de menores com vistas a conter os conflitos sociais. Para milhares de crianças, o Estado de bem-estar social foi uma política que as retirou de suas famílias e as inseriu no trabalho forçado. Assim, a existência de tráfico de pessoas por motivos econômicos e eugênicos não é algo recente, mas um processo vivenciado em outros momentos históricos, que continuou durante o século XX, não apenas na América Latina, mas também em países europeus como resultado da política de salvação da infância e do movimento parens patriae1 1 Este artigo contou com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). .

Palavras-chave:
História da infância; Estado de bem-estar social; Menorismo; Eugenia e Higienismo

Abstract:

The article carries out a historical analysis that crosses three contexts: a) the colonization of Portuguese America; b) the immigration process that began in the 19th century; and c) the policy of the 20th century welfare state. Boys as pages and cabin-boys and girls as orphans of the king were a constant presence on ships in the 16th and 17th centuries. In the 19th century, they immigrated with their families, as part of the eugenics segregation policy, which sought to whiten the country. In the 20th century, this process took the form of the broad institutionalization of minors with a view to containing social conflicts. For thousands of children, the welfare state was a policy that took them out of their families and into forced labor. Thus, the existence of human trafficking for economic and eugenic reasons is not something recent, but a process experienced in other historical moments, which continued during the 20th century, not only in Latin America, but also in European countries as a result of the policy of salvation of childhood and the parens patriae movement.

Keywords:
Childhood history; Welfare State; Minorism; Eugen­ics; Hygienism

Este artigo centra-se em uma análise histórica sobre a relação entre a imigração ou circulação forçada de crianças em vários momentos históricos, mas com foco em compreender esse processo durante o século XX, buscando relacionar o tema com a implementação de um Estado de bem-estar social que se articulou com políticas menoristas para institucionalizar e inserir, no trabalhado forçado, meninos e meninas de vários lugares do mundo. A filosofia positivista de cunho eugenista e higienista sustentou em larga medida tais políticas.

Portanto, a análise busca evidenciar que a existência de tráfico e a inserção de crianças em trabalho escravo por motivos econômicos não são algo recente, mas ganharam visibilidade com a instrumentalização, no século XX, de um arcabouço normativo e jurídico internacional que não conseguiu eliminar tais condições de violações de direitos.

Ramos e Witt, no artigo intitulado “Pequenas, mas não invisíveis: as crianças na imigração” (2020RAMOS, Eloisa Helena Capovilla da Luz; WITT, Marcos Antônio. Pequenas, mas não invisíveis: as crianças na imigração. In: CARDOZO, José Carlos da Silva et al. (orgs.). História das crianças no Brasil meridional. São Leopoldo: Oikos; Unisinos, 2020. p. 57-82.), identificaram que estas não têm sido objeto de pesquisas que tratam do tema. Para compreendermos o fenômeno, realizamos uma busca no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) com o descritor crianças imigrantes e obtivemos o retorno de nove pesquisas, sendo oito dissertações e uma tese. Seis dos estudos tratavam dos desafios da inserção escolar das crianças, os demais abordavam a saúde bucal, impacto psicológico e infância em uma ocupação para imigrantes. No mesmo catálogo, o descritor tráfico de crianças também retornou oito estudos, seis dissertações e duas teses. Os estudos tratavam da atuação do profissional formado em direito, três estudos relacionaram o tema com a exploração sexual, um, com a adoção e três estudos tratavam da violação de direitos humanos. O descritor criança refugiada retornou quatro dissertações sobre o tema, todas relacionadas a direitos humanos e proteção integral. Nenhum dos estudos foi realizado na área de história.

As crianças imigrantes: breves comentários

Os deslocamentos de viagens, motivados por turismo, visitação, curiosidade, religião, diversão ou tratamento de saúde, datam de 2.700 a.C. - período em que foram construídas as pirâmides do Egito -, viagens que eram realizadas por trilhas ou em pequenas embarcações por rios ou mar. Apesar de a roda já ter sido inventada em 4.500 a.C., as primeiras estradas que possibilitaram o tráfego entre as cidades maiores foram delineadas em 2.050 a.C. Os primeiros Jogos Olímpicos (776 a.C.) e o grande desenvolvimento cultural dos gregos foram motivadores para que filósofos, poetas e artistas se deslocassem para aquela localidade que atraía milhares de pessoas na Grécia Clássica. Os espetáculos circenses, as lutas nas arenas e as várias estâncias com águas termais para tratamentos de saúde, instalados entre 476 e 27 a.C., na Roma Antiga, são também comprovações de que aquela civilização já testemunhava plenamente difundidos o conceito de hospitalidade, de cuidado e o interesse pela saúde e hospedagem dos semelhantes. De maneira individual ou coletiva, essa prática foi naturalmente associada ao aumento populacional, ao movimento de emigrações ou imigrações, às guerras e à intensificação do tráfego de pessoas.2 2 Immigratus, em latim, significa se mudar para. Enquanto imigração é o movimento de chegada de pessoas em um país estrangeiro, a palavra emigração é o movimento inverso, ou seja, de saída de pessoas do seu país ou região de origem.

Na Antiguidade, a história das crianças que emigravam junto com seus cuidadores tem sido pouco destacada, o que as tornou invisíveis nesse processo histórico. Nós sabemos que elas estavam lá, mas há poucos relatos que mostram o protagonismo dos pequenos, o que faz com que causem espanto as tragédias envolvendo esses sujeitos quando estão em deslocamento sozinhos ou sob o cuidado e proteção dos seus responsáveis.

Em 2 de setembro de 2015, o mundo se solidarizou com os pequenos e frágeis corpos de crianças afogadas em praias europeias. A imagem de um menino morto em uma praia da Turquia virou símbolo da crise migratória que o Oriente Médio e a África vivenciavam. As imagens chocaram o mundo que passava pela pior crise de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial. No mesmo ano, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) denunciou que 30% dos refugiados e imigrantes que morreram tentando atravessar o Mediterrâneo, naquele ano, eram crianças, 5% delas, bebês com menos de 2 anos de idade (Foto chocante..., 2 set. 2015 FOTO CHOCANTE de menino morto revela cruel­dade de crise migratória. G1-Mundo, 2 set. 2015. Disponível em: Disponível em: http://g1.globo.com/mundo/noticia /2015/09/foto-chocante-de-menino-morto-vira-simbolo-da-crise-migratoria-europeia.html . Acesso em: 3 jul. 2020.
http://g1.globo.com/mundo/noticia /2015/...
; Unicef diz..., 1 dez. 2015UNICEF DIZ que 30% dos refugiados mortos ao cruzar o Mediterrâneo eram crianças. UOL, 1 dez. 2015. Disponível em: Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2015/12/01/unicef-diz-que-30-dos-refugiados-mortos-ao-cruzar-mediterraneo-eram-criancas.htm . Data de acesso: 8 ago. 2020.
https://noticias.uol.com.br/ultimas-noti...
).

Em razão da comoção social, no ano seguinte, o Unicef publicou o relatório intitulado “Uprooted: the growing crisis for refugee and migrant children”/ “Desenraizados: a crescente crise para crianças refugiadas e migrantes”, destacando que dados globais conservadores indicavam que, em todo o mundo, quase 50 milhões de crianças migraram através das fronteiras ou foram deslocadas à força, e mais da metade desses meninos e meninas (28 milhões) fugiram da violência e da insegurança. Conforme aponta o texto, apenas em 2015, mais de 100 mil menores de idade desacompanhados solicitaram asilo em 78 países - o triplo do número em 2014. As crianças desacompanhadas estão entre as que correm maior risco de exploração e abuso, inclusive por contrabandistas e traficantes (Unicef, 2016UNICEF, Fundo das Nações Unidas para a Infância. Uprooted: the growing crisis for refugee and migrant children. 2016. Disponível em: Disponível em: https://data.unicef.org/resources/uprooted-growing-crisis-refugee-migrant-children/ Acesso em: 8 ago. 2020.
https://data.unicef.org/resources/uproot...
).

Em junho de 2017, o presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump, assinou um decreto anti-imigração para restringir a entrada de imigrantes provenientes de diversos países - grande parte de maioria muçulmana, estabelecendo que, a priori, tais pessoas demonstravam inclinações terroristas. A medida, bastante criticada, suscitou longos embates, mas, em dezembro do mesmo ano, a Suprema Corte autorizou que o veto entrasse em vigor, assim, ficaram proibidos de entrar no país pessoas da Síria, Líbia, Iêmen, Irã, Somália, Chade e alguns funcionários do governo da Venezuela. De maneira paralela, o governo implementou uma política que ampliou a deportação e a prisão de imigrantes ilegais que passaram a ser penalmente processados (Corona, 2020CORONA, Sonia. Pelo menos 545 crianças imigrantes retidas por Trump ainda estão perdidas dos seus pais. El País, 23 out. 2020. Disponível em: Disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2020-10-23/pelo-menos-545-criancas-imigrantes-retidas-por-trump-ainda-estao-perdidas-dos-seus-pais.html . Acesso em: 8 ago. 2021.
https://brasil.elpais.com/internacional/...
).

Decorrente dessa penalização, os imigrantes, ao serem detidos pela patrulha fronteiriça ou pelos agentes de imigração, eram enviados para penitenciárias locais. Muitas das pessoas apreendidas traziam, consigo, os filhos menores, que eram acolhidos por famílias norte-americanas e, na maioria das vezes, transferidos a centros de detenção. A ação do governo, que se iniciou com um programa-piloto em El Paso (Texas) e, em um ano, teve, pelo menos, 2.800 crianças separadas de suas famílias, tentou, sem sucesso, conseguir a verba de US$ 5,7 bilhões para a construção de um muro na fronteira com o México. Do grupo de 2.800 crianças, 545 continuam sem saber onde estão seus pais, sendo possível que muitos deles já tenham sido deportados para o seu país de origem, sem os filhos. Além disso, do total de menores ainda sem suas famílias, 283 não contam com informação alguma que possa auxiliar os advogados na busca, visto que pelo menos 60 daqueles foram separados quando tinham menos de 5 anos de idade e recordam poucos detalhes sobre sua origem e sua família (Corona, 2020CORONA, Sonia. Pelo menos 545 crianças imigrantes retidas por Trump ainda estão perdidas dos seus pais. El País, 23 out. 2020. Disponível em: Disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2020-10-23/pelo-menos-545-criancas-imigrantes-retidas-por-trump-ainda-estao-perdidas-dos-seus-pais.html . Acesso em: 8 ago. 2021.
https://brasil.elpais.com/internacional/...
).

Como podemos perceber, na contemporaneidade, a veiculação, na mídia, do envolvimento de crianças em situações de violência, exploração e sofrimento é, quase sempre, motivo de grande comoção social. Ocorre que, na história, a maior parte das violências envolvendo crianças são tragédias que não tiveram registros fotográficos, ou seja, “[...] as crianças migrantes de hoje, tal como as de ontem, integram os múltiplos cenários que se hospedam sob os fenômenos migratórios” (Ramos; Witt, 2020RAMOS, Eloisa Helena Capovilla da Luz; WITT, Marcos Antônio. Pequenas, mas não invisíveis: as crianças na imigração. In: CARDOZO, José Carlos da Silva et al. (orgs.). História das crianças no Brasil meridional. São Leopoldo: Oikos; Unisinos, 2020. p. 57-82., p. 59). Na maioria das vezes, as crianças, sem praticamente nenhum poder de decisão, acompanharam os adultos ou realizaram, sozinhas, longas jornadas. Esse processo pouco relatado ganhou ênfase com a consolidação da categoria infância e, em especial, com a promulgação de diversas normativas internacionais que passaram a evidenciar o direito de crianças e adolescentes.

A circulação de crianças e a colonização da América portuguesa

O movimento expansionista dos descobrimentos por via marítima do século XV marcou a conquista, exploração e colonização das terras além-mar. Na Idade Média os nobres faziam caridade para aliviar a consciência, mas, no mercantilismo, a nova classe hegemônica precisava enriquecer cada vez mais, e por isso não faziam caridade. A pobreza, que antes era uma forma de os nobres alcançarem o céu, virou um problema social. Para resolver o problema, uma das medidas tomadas pelos colonizadores foi utilizar, em larga medida, a força de trabalho das crianças nas embarcações que vinham para o Novo Mundo. Nesse aspecto, quando o capital necessitou estabelecer novas conjunturas econômicas, ampliar e conquistar outros mercados, convencionou-se que as embarcações marítimas contribuiriam com o problema da força de trabalho excedente, levando para longe os degredados, os exilados e, também, as crianças para manutenção do povoamento, docilização das crianças pertencentes às populações originárias e auxílio na disseminação da fé.

Dois séculos antes de Bentham desenvolver o ideário do utilitarismo e de Stuart Mill escrever o livro que levava o termo no título, a força excedente de trabalho já possibilitava que crianças se tornassem úteis para ajudarem a construir o Novo Mundo.

[...] embarcados para as colônias que a Europa conquistara [...]. Os expostos poderiam também ajudar a povoar muitas dessas colônias, com ótimos resultados para a nação dominante. Aos olhos dos contemporâneos os expostos eram devedores da sociedade, marcados pela origem de seu nascimento (Marcílio, 2006MARCÍLIO, Maria Luiza. História social da criança abandonada. 2. ed. Prefácio Massimo Livi Bacci. São Paulo: HUCITEC, 2006., p. 72).

Sendo ou não expostas, por vezes, os pais as utilizavam como um valor de troca, renunciando ao direito sobre elas - em uma relação de mercadores dos próprios filhos (Marx; Engels, 2010MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto comunista. Osvaldo Coggiola (org.). Trad. Álvaro Piana; Ivana Jinkings. 1. ed. rev. São Paulo: Boitempo, 2010.). As meninas eram úteis no povoamento dos novos territórios colonizados, e os meninos, como a força braçal das embarcações.

Chambouleyron (2013CHAMBOULEYRON, Rafael. Jesuítas e as crianças no Brasil quinhentista. In: PRIORI, Mary Del(org.). História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2013. p. 55-83.) relata que, entre os anos de 1550 e 1552, desembarcaram no Brasil, vindas de Portugal, crianças órfãs acompanhadas pelos jesuítas. Essas crianças acompanhavam os padres nas visitas às aldeias e nas vilas dos portugueses, auxiliando-os na doutrinação dos escravos e das crianças indígenas. Além da doutrina católica apresentada como catequese, as crianças brancas, indígenas e mestiças aprendiam a ler e escrever, visto que Manuel da Nóbrega logo percebeu que era mais fácil doutrinar as crianças do que os adultos.

Apesar de a historiografia sobre a temática ter priorizado, em alguma medida, a família ou o adulto nos estudos publicados, é possível identificarmos a inserção da criança no processo imigratório de circulação, forçada ou não, com base nos documentos históricos disponíveis para consulta. Nesse processo colonizador, a conservação das terras conquistadas necessitava que, além de mulheres, crianças fossem recrutadas “[...] como passageiros embarcados em companhia dos pais ou de algum parente” (Ramos, 2013RAMOS, Fábio Pestana. A história trágico-marítima das crianças nas embarcações portuguesas do século XVI. In: PRIORI, Mary Del(org.). História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2013. p. 19-54., p. 19).

Como grumetes, pajens, órfãs do rei ou filhos dos imigrantes portugueses, esses meninos e meninas, quando chegavam às novas terras, eram utilizados como intermediários entre jesuítas e indígenas, contribuindo para a pacificação e para minimizar a resistência dos povos originários.

Recrutados pela Coroa como força de trabalho, os filhos e filhas das famílias pobres da área urbana, por vezes órfãos, desabrigados ou crianças mendicantes, supriram a falta de mão de obra de adultos, ocupando lugar nos navios. Em muitas situações, as famílias alistavam os filhos entre as tripulações dos navios para receberem os soldos destinados a sustentar as outras crianças menores das suas famílias. Segundo Ramos (2013RAMOS, Fábio Pestana. A história trágico-marítima das crianças nas embarcações portuguesas do século XVI. In: PRIORI, Mary Del(org.). História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2013. p. 19-54.), era também comum o rapto de crianças judias e ciganas pelo fato de elas não aceitarem a conversão ao catolicismo. Nesses casos, o rapto trazia sofrimento para as famílias, mas, para a Coroa, era um “[...] meio de obter mão de obra e de manter sob controle o crescimento da população judaica em Portugal” (Ramos, 2013RAMOS, Fábio Pestana. A história trágico-marítima das crianças nas embarcações portuguesas do século XVI. In: PRIORI, Mary Del(org.). História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2013. p. 19-54., p. 12).

Em uma lista de soldos, Ramos (2013RAMOS, Fábio Pestana. A história trágico-marítima das crianças nas embarcações portuguesas do século XVI. In: PRIORI, Mary Del(org.). História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2013. p. 19-54.) identificou que, dentre os 106 tripulantes de uma nau portuguesa do começo do século XVII, 20 eram grumetes, com idade entre 9 e 16 anos, que realizavam o trabalho de um marujo adulto, recebendo menos da metade do salário deste. O autor afirma que, a partir do século XVII, a opção pela força de trabalho dos pequenos contribuiu para que o número de grumetes nos navios lusitanos se tornasse em igual proporção ao número de marinheiros e profissionais adultos.

O recrutamento de crianças pelos comandantes dos navios objetivava maior lucro, visto a ingestão de uma quantidade menor de alimentos; essas crianças necessitavam, também, de camas menores, o que deixava maior espaço para o transporte de mercadorias. Apesar de os grumetes desempenharem um trabalho mais difícil e perigoso, havia crianças que exerciam outras funções, como pajens e órfãs do rei, e as meninas não eram poupadas nesse processo histórico.

Os pajens da nobreza, muitas vezes, eram crianças mais jovens que os grumetes, mas os últimos deviam obediência aos primeiros, que vivenciavam uma rotina menos árdua e tinham mais chances de alcançar melhor cargo na Marinha. Os pajens integrados à tripulação eram contratados pela Coroa portuguesa para “[...] servir à mesa dos oficiais, arrumar-lhes as câmaras (camarotes) e catres (camas) e providenciar tudo que estivesse relacionado ao conforto dos oficiais da nau” (Ramos, 2013RAMOS, Fábio Pestana. A história trágico-marítima das crianças nas embarcações portuguesas do século XVI. In: PRIORI, Mary Del(org.). História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2013. p. 19-54., p. 16).

Denominadas órfãs do rei, muitas meninas foram enviadas às colônias para se casarem com os súditos da Coroa; outras tantas embarcavam em companhia dos pais ou de algum parente. Por vezes, as embarcações proibiam mulheres a bordo pelo risco eminente de serem violadas. A falta de mulheres brancas nas possessões portuguesas contribuiu para que a Coroa reunisse “[...] meninas pobres de ‘14 a 30 anos’ nos ‘orfanatos de Lisboa e Porto’, a fim de enviá-las sobretudo à Índia [...]” e, conforme indica Ramos (2013RAMOS, Fábio Pestana. A história trágico-marítima das crianças nas embarcações portuguesas do século XVI. In: PRIORI, Mary Del(org.). História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2013. p. 19-54.), “Eram estranhamente consideradas como órfãs até mesmo as meninas que tinham apenas o pai falecido” (Ramos, 2013RAMOS, Fábio Pestana. A história trágico-marítima das crianças nas embarcações portuguesas do século XVI. In: PRIORI, Mary Del(org.). História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2013. p. 19-54., p. 18). Esse pesquisador identificou que, no ano de 1560, foram encaminhadas para as possessões ultramarinas portuguesas 54 mulheres, sendo a maioria meninas. Muitas dessas meninas, com idade entre 14 e 17 anos, tornaram-se esposas de homens solteiros da baixa nobreza portuguesa, estabelecidos além-mar.

A eugenia e o processo imigratório no Brasil do século XIX

Desde o século XVIII, os utilitaristas fisiocratas defendiam abertamente que os órfãos fossem preparados para serem bons agricultores ou bons soldados, em substituição aos filhos legítimos das famílias mais abastadas, sorteados para o exercício militar. No início do século XIX, os estudos do positivismo e da criminologia fundamentavam as práticas eugenistas3 3 O termo eugenia (boa geração) foi cunhado em 1883 por Francis Galton, sobrinho de Charles Darwin, no período anterior ao termo genética, criado em 1908. Eugenia seria a ciência que lidaria com todas as influências que supostamente melhorariam as qualidades inatas de uma pressuposta raça em favor da evolução da humanidade. Para Galton, as características humanas como a intelectualidade, a cultura e a moralidade decorriam “[...] da hereditariedade mais do que da própria História, dando início ao que seria conhecido como Darwinismo Social. O uso distorcido e falseado do pensamento darwinista agrediu a Darwin, que dele discordou publicamente e radicalmente” (Aguilar Filho, 2011, p. 16). e higienistas4 4 A eugenia é a segregação racial em seu tratamento mais científico. Do modelo eugênico nasceu a higienia, ou o higienismo, que está relacionada à limpeza e à higiene. O sanitarismo representa o termo pelo qual os higienistas (na sua maioria médicos) passaram a fazer da política de saúde pública seu principal foco de atuação, mas essa política atingiu todas as instituições sociais. “Nas primeiras décadas do século XX, a utilização da dupla ‘higiene-eugenia’ como promotora da saúde foi recorrente no Brasil, no discurso de médicos e educadores” ([xref ref-type="bibr" rid="r15"]Janz Jr., 2012[/xref], p. 3). Convém lembrarmos, entretanto, que seus efeitos foram sentidos na educação assim como nas instituições de atendimento de menores. que atingiam as políticas públicas e os códigos normativos como o Código Criminal de 1830, por exemplo.5 5 Nina Rodrigues, por exemplo, chegou a propor uma reformulação do conceito de responsabilidade penal, relacionado à raça do agente criminoso. O esforço da sua pesquisa era implantar no Brasil a concepção do darwinismo social que ganhou corpo na Europa e nos Estados Unidos da América (EUA) (Zanella, 2018).

O ideário positivista na criminologia promoveu uma associação entre as características físicas do possível criminoso, o crime e a penalização, mas, no Brasil, para se fazer essa classificação, existia um complicador: a miscigenação. Assim, a partir de 1847, o país recebeu um enorme contingente de trabalhadores europeus e, se considerarmos a imensa força de trabalho liberta da escravidão que havia no território nacional, essa importação só se justificava pela política eugenista (Zanella, 2018ZANELLA, Maria Nilvane. Da institucionalização de menores à desinstitucionalização de crianças e adolescentes: os fundamentos ideológicos da extinção da Funabem como solução neoliberal. Tese (Doutorado em Educação). Universidade Estadual de Maringá. Maringá, 2018. Disponível em: http://www.ppe.uem.br/teses/2018/2018%20-%20Maria%20Nilvane.pdf.
http://www.ppe.uem.br/teses/2018/2018%20...
). Decorrente desse processo, milhares de crianças (brancas) advindas de terras estrangeiras chegaram aos portos brasileiros, principalmente ao de Santos, durante o período que se convencionou denominar de imigração de massa. “Essas crianças acompanhavam suas famílias na travessia do oceano, atraídas pelas políticas imigratórias brasileiras [...]” (Bassanezi, 2013BASSANEZI, Maria Silvia Casagrande Beozzo. Crianças a caminho: imigrantes e filhas de imigrantes nas terras paulistas. In: Simpósio Nacional de História, 27., 2013, Natal. Anais...Natal, Anpuh, 2013. Disponível em: Disponível em: http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1364329162_ARQUIVO_BASSANEZI,MSCB.pdf . Acesso em: 13 fev. 2021.
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, p. 1). Segundo essa pesquisadora, famílias imigrantes com suas crianças - italianas (em maior volume), também espanholas, portuguesas e (em menor proporção) alemãs, austríacas, japonesas (após 1908), europeias do Leste, turcas, sírias, libanesas - chegaram ao país para comporem a força de trabalho do século XX.

Em um contexto em que grande parte dos legisladores era favorável ao branqueamento, por considerar a raça branca superior, essa concepção espraiou-se e atingiu profissionais de todas áreas e políticas, como expõe Carolina Vianna Dantas, ao afirmar que “[...] o pensamento intelectual da chamada belle époque, especialmente na capital da República, voltava-se de modo praticamente total para valores externos e para a europeização dos costumes”, com vistas a enterrar o Brasil antigo e africano, que era um empecilho para a realização do projeto civilizatório que se almejava construir (Dantas, 2009DANTAS, Carolina Vianna. O Brasil café com leite: debates intelectuais sobre mestiçagem e preconceito de cor na primeira república. Tempo, Niterói, v. 13, n. 26, 2009., p. 58).

A política migratória classificava os imigrantes que aqui chegavam em menores e maiores de 12 anos de idade. Os menores de 12 anos eram subdivididos em três grupos: os abaixo de 3 anos, de 3 a 7 anos e até 12 anos. Ainda, conforme Bassanezi (2013BASSANEZI, Maria Silvia Casagrande Beozzo. Crianças a caminho: imigrantes e filhas de imigrantes nas terras paulistas. In: Simpósio Nacional de História, 27., 2013, Natal. Anais...Natal, Anpuh, 2013. Disponível em: Disponível em: http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1364329162_ARQUIVO_BASSANEZI,MSCB.pdf . Acesso em: 13 fev. 2021.
http://www.snh2013.anpuh.org/resources/a...
), calcula-se que 30% dos imigrantes que chegaram entre 1886 e 1902 tinham menos de 12 anos de idade, ou seja, cerca de 350 mil crianças. Importante lembrarmos que muitas dessas crianças retornaram com suas famílias para o local de origem ou dirigiram-se a outras paragens, o que demonstra que a política de branqueamento eugenista não foi tão harmoniosa quanto apresentavam os livros didáticos.

Por um lado, o trabalhador livre europeu não estava preso ao empregador, como o escravo, e não aceitava tudo o que o empregador dizia. Um relatório elaborado em 1893 denunciava a situação em que viviam os colonos e seus filhos durante um período de grande prosperidade para os fazendeiros brasileiros. O mesmo relatório concluiu que os fazendeiros não estavam livres dos métodos usados durante séculos com os negros e, por isso, não davam importância às providências educativas, higiênicas e humanitárias das famílias dos imigrantes (Rozwadowski, 1893ROZWADOWSKI, A. L. San Paolo. In: Ministero degli Affari Esteri - Commissariato dell’Emigrazione - Roma Emigrazione e colonie: raccolta di rapporti dei rr. agenti diplomatici e consolari. Roma: volume III America - parte I Brasile, 1893. p. 166-168 (BN, Paris). Disponível em: https://www.mondotrentino.net/Documenti-e-risorse/Pubblicazioni/Emigrazione-e-colonie-Raccolta-di-rapporti-dei-r.r.-agenti-diplomatici-e-consolari-1908#
https://www.mondotrentino.net/Documenti-...
).

Além disso, muitos imigrantes trouxeram, consigo, as ideias socialistas e anarquistas das lutas operárias internacionais, o que foi duramente combatido pelo governo. Mesmo assim, os anos pós-República registravam episódios de forte contestação popular que haviam sido gestados antes da mudança na ordem política, e o governo percebeu que, dentre aqueles que vieram para a América buscar melhores condições de vida, vieram também “[...] o estrangeiro estragado por todos os vicios, o criminoso perseguido pela justiça do seu paiz, o aventureiro capaz de todas as audácias” [sic!] como parte do

[...] movimento que agora agita as nações européias, formulando como bandeira de combate a guerra contra o capital, contra os elementos conservadores da sociedade, já nos envia tambem os seus propagandistas, que se encarregam de accumular o combustivel entre as classes menos abastadas [...]. [sic!] (Lima, 1891LIMA, José de Azevedo. Relatório do Chefe de Polícia da Capital Federal. Ministério da Justiça e dos Negócios Interiores. Relatório I dos annos de 1890 e 1891 apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo Ministro Antonio Luiz Affonso de Carvalho. Publicado em 1891, contém dados estatísticos de anos anteriores. Disponível em: Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1898/000001.html . Acesso em: 5 nov. 2017. Anexo 1, 1-124, p. 99-124. Acesso em: 03 jul. 2020.
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1898/0000...
, p. A1-3).

A preocupação com os imigrantes adultos repercutiu na inquietude com os filhos dos imigrantes e dos menos favorecidos. Assim, o relatório do chefe de Polícia de 1890 alertava que todas as relações sociais haviam se modificado e que as leis de meados do século XIX, que haviam organizado o sistema de serviço policial, eram inadequadas à realidade posta, que atestava aumento, nas estatísticas, de grandes crimes praticados, de atentados contra a propriedade, ostentação de vagabundagem em praças e ruas, insolência de desordeiros com um aumento “[...] immenso de menores desempregados, ociosos que infestam a cidade [...]” [sic!] (Lima, 1891LIMA, José de Azevedo. Relatório do Chefe de Polícia da Capital Federal. Ministério da Justiça e dos Negócios Interiores. Relatório I dos annos de 1890 e 1891 apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo Ministro Antonio Luiz Affonso de Carvalho. Publicado em 1891, contém dados estatísticos de anos anteriores. Disponível em: Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1898/000001.html . Acesso em: 5 nov. 2017. Anexo 1, 1-124, p. 99-124. Acesso em: 03 jul. 2020.
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1898/0000...
, A1-4).

A partir dessa percepção, em 1893, o decreto n. 145 autorizou o governo a fundar a primeira colônia correcional do país, além de aproveitar colônias militares “[...] para correcção, pelo trabalho, dos vadios, vagabundos e capoeiras que forem encontrados, e como taes processados na Capital Federal” [sic!] (Brasil, 1893BRASIL. Decreto nº 145, de 11 de julho de 1893. Autorisa o Governo a fundar uma colonia correccional no proprio nacional Fazenda da Boa Vista, existente na Parahyba do Sul, ou onde melhor lhe parecer, e dá outras providencias. 1893. Disponível em: Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-145-11-julho-1893-540923-publicacaooriginal-42452-pl.html . Acesso em: 3 jun. 2016.
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decr...
, p. 1). Ou seja, a legislação do período, de maneira higienista, tinha como foco de punição os menores filhos de famílias pobres - majoritariamente negros - e as crianças que eram filhas dos imigrantes, ao estabelecer que

Os individuos de qualquer sexo e qualquer idade que, não estando sujeitos ao poder paterno ou sob a direcção de tutores ou curadores, sem meios de subsistencia, por fortuna propria, ou profissão, arte, officio, occupação legal e honesta em que ganhem a vida, vagarem pela cidade na ociosidade [sic!] (Brasil, 1893BRASIL. Decreto nº 145, de 11 de julho de 1893. Autorisa o Governo a fundar uma colonia correccional no proprio nacional Fazenda da Boa Vista, existente na Parahyba do Sul, ou onde melhor lhe parecer, e dá outras providencias. 1893. Disponível em: Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-145-11-julho-1893-540923-publicacaooriginal-42452-pl.html . Acesso em: 3 jun. 2016.
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decr...
, p. 1).

Como o intuito da lei era ensinar o hábito do trabalho, o artigo 4º definia que, “Além dos trabalhos agricolas, estabelecer-se-hão na colonia fabricas ou officinas de modo a serem aproveitadas as aptidões e serviços dos condemnados, tendo-se em consideração o sexo e a idade” [sic!] (Brasil, 1893BRASIL. Decreto nº 145, de 11 de julho de 1893. Autorisa o Governo a fundar uma colonia correccional no proprio nacional Fazenda da Boa Vista, existente na Parahyba do Sul, ou onde melhor lhe parecer, e dá outras providencias. 1893. Disponível em: Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-145-11-julho-1893-540923-publicacaooriginal-42452-pl.html . Acesso em: 3 jun. 2016.
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decr...
, p. 1). E, ainda, seguindo a prerrogativa de um Estado federado, o artigo 9º autorizava os Estados a fundarem, “[...] á sua custa, colonias correccionaes agricolas, na conformidade das disposições desta lei, correndo sómente a despeza por conta da União, quando nas leis annuas se votar verba especial para ellas” [sic!] (Brasil, 1893BRASIL. Decreto nº 145, de 11 de julho de 1893. Autorisa o Governo a fundar uma colonia correccional no proprio nacional Fazenda da Boa Vista, existente na Parahyba do Sul, ou onde melhor lhe parecer, e dá outras providencias. 1893. Disponível em: Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-145-11-julho-1893-540923-publicacaooriginal-42452-pl.html . Acesso em: 3 jun. 2016.
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decr...
, p. 2).

Depois que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) proibiu o trabalho infantil em 1919, não demorou muito para que o Brasil estabelecesse que se tornava “[...] prohibido em todo o territorio da Republica o trabalho dos menores de 12 annos” [sic!] (Brasil, 1927BRASIL. Decreto 17.943-A de 12 de outubro de 1927. Consolida as leis de assistencia e proteção a menores. 1927. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1910-1929/D17943A.htm . Acesso em: 13 fev. 2021.
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, art. 101). Ou seja, com o aumento do exército de mão de obra disponível, a legislação foi sendo ampliada, por um lado, para atender às orientações da OIT e, por outro, porque não era mais uma força de trabalho necessária, considerando-se os avanços no processo produtivo de reestruturação do sistema capitalista.

Nas grandes cidades que se formavam, essa medida atingiu não apenas os netos de ex-escravos, mas também os filhos do grande contingente de imigrantes que aqui chegavam à procura de trabalho. Apesar disso, a lei estabelecia que não era permitido se inserir no trabalho crianças acima de 12 anos e menores de 14 anos que não tivessem completado “[...] sua instrucção primaria” (Brasil, 1927BRASIL. Decreto 17.943-A de 12 de outubro de 1927. Consolida as leis de assistencia e proteção a menores. 1927. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1910-1929/D17943A.htm . Acesso em: 13 fev. 2021.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/de...
, art. 102). Ou seja, a escola era um elemento importante, ainda que praticamente inexistente enquanto política pública.

Convém mencionarmos que a inexistência de políticas educacionais e a proibição do trabalho precoce inseriam todos aqueles que não podiam frequentar uma escola ou que estivessem trabalhando na condição de menor, o que significa que, para o próprio bem destes, o Estado deveria intervir, ajudando-os a saírem dessa condição, o que fica muito explícito na seguinte frase:

Si o menor fôr abandonado, pervertido ou estiver em perigo de o ser, a autoridade competente proverá a sua collocação em asylo, casa de educação, escola de preservação ou confiará a pessoa idonea por todo o tempo necessario á sua educação comtando que não ultrapasse a idade de 21 annos (Brasil, 1927BRASIL. Decreto 17.943-A de 12 de outubro de 1927. Consolida as leis de assistencia e proteção a menores. 1927. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1910-1929/D17943A.htm . Acesso em: 13 fev. 2021.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/de...
, Art. 68).

A frase em perigo de o ser também aparece atribuída às vítimas de infração penal, ou seja, tanto o que estivesse em perigo de cometer uma infração quanto aquele que estivesse em perigo de sofrer uma infração cometida por outro estavam sujeitos a se tornarem objetos de intervenção do Estado em algumas das tantas instituições que começavam a ser criadas para esse fim e que se multiplicaram durante o século XX no Brasil e na América Latina.

Uma das formas de se evitar que os filhos das mais pobres fossem para essas instituições era a frequência escolar, entretanto, como as instituições públicas eram insuficientes para a demanda e não havia ainda obrigatoriedade escolar, a única possibilidade era a frequência nas escolas maternais dos Centros Operários que se formavam, mas, para isso, os pais não podiam ter envolvimento em manifestações e sindicatos (Zanella, 2018ZANELLA, Maria Nilvane. Da institucionalização de menores à desinstitucionalização de crianças e adolescentes: os fundamentos ideológicos da extinção da Funabem como solução neoliberal. Tese (Doutorado em Educação). Universidade Estadual de Maringá. Maringá, 2018. Disponível em: http://www.ppe.uem.br/teses/2018/2018%20-%20Maria%20Nilvane.pdf.
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).

Decorrente desses e de outros problemas, no século XX, diversos relatórios do Ministério da Justiça dos Negócios e dos Negócios Interiores (MJNI) e os anuários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) relatam, consecutivamente, a deportação, a expulsão e a apreensão de imigrantes e dos filhos destes, bem como o seu envolvimento em greves e manifestações de trabalhadores. Em 1942, por exemplo, chegaram ao Brasil 66 alemães e saíram, no mesmo ano, 423. Em 1943, 1.521 argentinos chegaram e saíram 1.074. Em 1944, 108 holandeses vieram e 83 deixaram o país. A maioria desses imigrantes, 24.485 deles, tinha idade entre 18 e 59 anos; 1.275, idade acima de 60 anos; 2.672, idade entre 12 e 17 anos; 1.760, de 7 a 11 anos; e 3.521 eram menores de 7 anos (IBGE, 1946IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Anuário estatístico do Brasil, ano VI, 1941-1945. Rio de Janeiro: IBGE, 1946. Disponível em: Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/20/aeb_1941_1945.pdf . Acesso em: 9 jan. 2018.
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
).

Conforme apontam os registros históricos, a força de trabalho dos pequenos sempre foi uma prática no processo de imigração. Acompanhadas dos pais ou sozinhas, nem sempre se teve o pudor ou a percepção social de que essas crianças necessitavam de algum tipo de proteção. O utilitarismo contribuiu para que a mortalidade dos abandonados fosse vista como um desperdício e uma alternativa econômica, mesmo que o seu exercício significasse a invalidez, a exploração sexual e a morte, em um período em que as crianças não contavam com tratamento diferenciado por causa da idade biológica.

A política do Estado de bem-estar social e o movimento Child Savers: a consolidação do menorismo no século XX

O tratamento diferenciado de crianças começou a ser defendido, no final do século XIX, nos EUA, em um movimento que se disseminou pelo mundo como uma política que objetivou, inicialmente, separar crianças e adolescentes institucionalizados no mesmo local em que havia adultos. Paralelamente a esse movimento, ao final da Primeira Guerra Mundial, o mundo vivenciou um período de forte embate entre os sistemas socialista e capitalista. Nesse embate, os países capitalistas estavam mais fragilizados em decorrência da crise econômica que culminou com a quebra da Bolsa de Valores de 1929; na busca por uma solução para o problema, o bloco capitalista dirigente implementou uma série de medidas econômicas que passaram a regular o sistema.

Tais políticas, denominadas Welfare State, ou Estado de bem-estar social, foram cunhadas pelo economista John Maynard Keynes e visavam apaziguar a crise econômica que atingira o bloco com a eliminação do desemprego em massa, o aumento do consumo de bens, garantindo, também, a seguridade social e outras políticas de bem-estar que serviram como medidas profiláticas durante a Grande Depressão e depois dela.

No movimento de oposição ao modelo socialista, no decorrer do século XX, muitas políticas e normativas foram promulgadas como parte do programa de convencimento dos trabalhadores. Na área da infância, entretanto, não houve a mesma apropriação, visto que, apenas em 20 de novembro de 1959, a Organização das Nações Unidas (ONU) promulgou a Declaração dos Direitos da Criança, por meio da resolução nº 1.386 (XIV). Esse documento levou em consideração os cinco princípios da Declaração de Genebra, de 1924, que havia sido promulgada sob a égide de uma instituição menorista.

Segundo Lessa (2013LESSA, Sergio. Capital e Estado de bem-estar: o caráter de classe das políticas públicas. São Paulo: Instituto Lukács, 2013., p. 11), uma definição do “[...] Estado de Bem-Estar é um problema que tem desafiado décadas”. No Brasil, os pesquisadores da área social e os economistas enfatizam que não houve a implementação de um efetivo modelo de Estado de bem-estar social (Mészáros, 2009MÉSZÁROS, István. A crise estrutural do capital. São Paulo: Boitempo, 2009.). Lessa (2013), entretanto, com vistas a desmistificar o que teria sido essa política na prática, realizou uma incursão sobre vários temas sociais, dentre eles, a proposição desse modelo para o atendimento de crianças caracterizadas como menores.

Lessa (2013LESSA, Sergio. Capital e Estado de bem-estar: o caráter de classe das políticas públicas. São Paulo: Instituto Lukács, 2013.) analisou a construção de políticas de bem-estar social na Inglaterra, em meados da década de 1940, período de amplo desenvolvimento das políticas intervencionistas de retirada do pátrio poder das crianças tratadas como menores sob a perspectiva do movimento reformista Child Savers/Salvadores da Infância.6 6 Os temas menorismo e o movimento dos Salvadores da Infância foram detalhadamente analisados por Zanella (2014; 2018) e por Fernandes e Costa (2021) no artigo intitulado “A Declaração dos Direitos da Criança de 1924, a Liga das Nações, o modelo tutelar e o movimento Save the children: o nascimento do menorismo”.

No livro Capital e Estado bem-estar: o caráter de classe das políticas públicas, o pesquisador identificou a invisibilidade desses sujeitos, visto que, “Entre os feitos do Estado de bem-estar praticamente não se mencionam as políticas públicas voltadas às crianças e adolescentes. Nesta área, nem sequer a aparência serve ao mito do Estado de bem-estar” (Lessa, 2013LESSA, Sergio. Capital e Estado de bem-estar: o caráter de classe das políticas públicas. São Paulo: Instituto Lukács, 2013., p. 76).

A incompreensão do pesquisador sustenta-se na percepção de que os pequenos foram ignorados na implantação do Welfare State, mas os estudos alicerçados em Zanella (2014ZANELLA, Maria Nilvane. A perspectiva da ONU sobre o menor, o infrator, o delinquente e o adolescente em conflito com a lei: as políticas de socioeducação. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Estadual de Maringá. Maringá, 2014. Disponível em: http://www.ppe.uem.br/dissertacoes/2014%20-%20Maria%20Nilvane.pdf.
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; 2018ZANELLA, Maria Nilvane. Da institucionalização de menores à desinstitucionalização de crianças e adolescentes: os fundamentos ideológicos da extinção da Funabem como solução neoliberal. Tese (Doutorado em Educação). Universidade Estadual de Maringá. Maringá, 2018. Disponível em: http://www.ppe.uem.br/teses/2018/2018%20-%20Maria%20Nilvane.pdf.
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); Fernandes (2019FERNANDES, Maria Nilvane. A implantação do menorismo na América Latina no início do século XX: tendências jurídicas e políticas para a contenção dos mais pobres. RIAEE - Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 14, n. esp. 3, p. 1750-1766, 2019.); Fernandes e Costa (2021)FERNANDES, Maria Nilvane; COSTA, Ricardo Peres da. A Declaração dos Direitos da Criança de 1924, a Liga das Nações, o modelo tutelar e o movimento Save the children: o nascimento do menorismo. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais - RBHCS. v. 13, n. 25, Edição Especial de 2021. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.furg.br/rbhcs/article/view/11887/8619 . Acesso em: 17 jun. 2021.
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demonstram que, naquele momento, não era necessário se promulgar normativas específicas internacionais para esse público, visto que normativas nacionais garantiam o resgate do conflito social, inserindo os pequenos nas instituições menoristas. Foi apenas quando o Estado precisou desinstitucionalizá-los, a partir da década de 1980, em razão do movimento neoliberal, que os organismos se preocuparam em estabelecer um ordenamento normativo e social de garantia de direitos.

Na nossa percepção, as políticas de salvação da infância, também denominadas parens patriae - que promoveram a institucionalização em massa de menores no século XX - foram, portanto, aliadas da proposta de Estado de bem-estar social e não suas opositoras, como pensou Lessa (2013LESSA, Sergio. Capital e Estado de bem-estar: o caráter de classe das políticas públicas. São Paulo: Instituto Lukács, 2013.), visto que, na percepção dos legisladores, retirar as crianças de suas famílias era um benefício para elas, como uma dádiva do Estado (Zanella, 2018ZANELLA, Maria Nilvane. Da institucionalização de menores à desinstitucionalização de crianças e adolescentes: os fundamentos ideológicos da extinção da Funabem como solução neoliberal. Tese (Doutorado em Educação). Universidade Estadual de Maringá. Maringá, 2018. Disponível em: http://www.ppe.uem.br/teses/2018/2018%20-%20Maria%20Nilvane.pdf.
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).

Lessa (2013LESSA, Sergio. Capital e Estado de bem-estar: o caráter de classe das políticas públicas. São Paulo: Instituto Lukács, 2013.) relata sobre situações envolvendo famílias que tentavam recuperar o poder familiar sobre crianças enviadas para instituições menoristas. Uma carta reproduzida por esse autor demonstra a surpresa do padrasto ao descobrir que o enteado havia se tornado um imigrante:

Minha aflição e o choque não poderiam ser maiores com a notícia de que o filho de minha esposa emigrou sem o consentimento, por escrito ou verbal, dela. Não há papéis de adoção assinados por ela e, na verdade, eu tenho uma cópia de uma carta que ela lhes enviou no dia 6 de agosto de 1946, em que expressamente afirma que seu filho não era para ser adotado. Sob qual autoridade foi ele transferido ao exterior? Por que isso foi feito sem a permissão de minha esposa? Estas são perguntas às quais eu exijo uma explicação completa. Exijo também que informe do seu paradeiro exato e que inicie as medidas imediatas para devolvê-lo. Ele é meu enteado e vai ser criado em um lar amoroso. Certamente vocês não podem ter deixado de perceber que sua mãe o iria querer de volta. Ela o afirmou claramente quando ele foi colocado sob seus cuidados. Peço-lhe uma resposta imediata e o retorno da criança (Lessa, 2013LESSA, Sergio. Capital e Estado de bem-estar: o caráter de classe das políticas públicas. São Paulo: Instituto Lukács, 2013., p. 77, grifo nosso).

A resposta do orfanato foi a de que a mãe da criança, no período de dez meses, não enviara ao orfanato dinheiro para a manutenção do menino, por isso

[...] ficou evidente que alguém tinha de assumir direitos parentais e agir em nome da criança. Ao invés de ficar aborrecida, sua esposa deveria considerar-se afortunada. Albert está vivo, bem e desfruta de um futuro muito mais saudável e mais brilhante. Isso não é, de modo algum, mérito de sua esposa. As ações dela prejudicaram o bem-estar dele, e procuramos protegê-lo (Lessa, 2013LESSA, Sergio. Capital e Estado de bem-estar: o caráter de classe das políticas públicas. São Paulo: Instituto Lukács, 2013., p. 77, grifo nosso).

Além disso a resposta informava: “Albert foi enviado para a Austrália em 1949 sob o esquema de migração infantil. Está sob a jurisdição das autoridades australianas e não é mais da nossa alçada. Gostaria de preveni-lo contra toda tentativa de recuperá-lo” (Lessa, 2013LESSA, Sergio. Capital e Estado de bem-estar: o caráter de classe das políticas públicas. São Paulo: Instituto Lukács, 2013., p. 78, grifo nosso).

Segundo o autor, o esquema de deportação de crianças e adolescentes para diversos países contava com o apoio de Igrejas, Exército da Salvação, assistentes sociais e do próprio governo, que contribuíram para que “Milhares de crianças fo[sse]m enviadas para as colônias, quase sempre sem autorização ou conhecimento dos pais e, muitas vezes, ainda que os pais não quisessem entregar seus filhos para a custódia do Estado” (Lessa, 2013LESSA, Sergio. Capital e Estado de bem-estar: o caráter de classe das políticas públicas. São Paulo: Instituto Lukács, 2013., p. 78).

A análise documental de cartas e telegramas trocados entre mães e membros de instituições de caridade demonstrou que muitas crianças eram, indevidamente, retiradas dos pais ou responsáveis sem que fosse dada qualquer opção de escolha. As crianças continuariam, “[...] por toda a vida, como cidadãos de segunda categoria. Alguns jamais conseguiram seus registros de nascimento, por desconhecerem os nomes de seus pais ou o local de nascimento” (Lessa, 2013LESSA, Sergio. Capital e Estado de bem-estar: o caráter de classe das políticas públicas. São Paulo: Instituto Lukács, 2013., p. 82). Muitas delas sofreram maus-tratos, abuso sexual e foram forçadas a trabalhos escravos em países como Inglaterra, Austrália e Nova Zelândia. Segundo o autor, a emigração infantil para a Austrália teve o seu apogeu entre 1956 e 1966, e existem registros da existência de navios lotados de 750 a 1.000 crianças que eram fadadas a trabalhar em várias organizações católicas.

A justificativa da morte das crianças para os pais e dos pais para as crianças era a desculpa, recorrentemente, utilizada, como identificou Margaret Humphreys em Empty cradles (1994HUMPHREYS, Margaret. Empty cradles. Londres: Doubleday, 1994.).

No livro, a assistente social do Conselho do Município de Nottinghamshire resolveu investigar, em 1986, a afirmação de uma mulher sobre ter sido levada em um barco, quando tinha 4 anos, na década de 1950, para a Austrália, pelo governo britânico. Ao investigar o fato, a pesquisadora descobriu que mais de 150 mil crianças, algumas com menos de 3 anos de idade, haviam sido deportadas de lares infantis na Grã-Bretanha e enviadas para uma “nova vida” em partes distantes do império, até 1970.7 7 O processo de investigação realizado por Humpheys transformou-se no filme Oranges and sunshine (2011). O filme demonstra o método que Humphreys utilizou para contatar as crianças perdidas do império e os relatos dos abusos e violências sofridas. Além disso, mostra os reencontros possíveis e impossíveis porque muitas mães já haviam morrido. Decorrente da visibilidade que ganhou a história, no ano de 2010, o primeiro-ministro Gordon Browm pediu desculpas às milhares de crianças britânicas enviadas ao exterior (People should sort..., 20 fev. 2010PEOPLE SHOULD SORT this mess. The Guardian, 20 fev. 2010. Disponível em: Disponível em: https://www.theguardian.com/theguardian/2010/feb/20/margaret-humphreys-child-migrants-trust . Acesso em: 15 jan. 2018.
https://www.theguardian.com/theguardian/...
; Margaret Humphreys..., 22 mar. 2011).MARGARET HUMPHREYS on “Oranges and sunshine” film. BBC News, 22 mar. 2011. Disponível em: Disponível em: http://www.bbc.com/news/uk-england-nottinghamshire-12818070 . Acesso em: 15 jan. 2018.
http://www.bbc.com/news/uk-england-notti...

Vítimas da pobreza ou de lares desfeitos, as crianças eram consideradas menores e um fardo para a sociedade da Grã-Bretanha. Portanto, se cresceriam como ladrões e arruaceiros e, possivelmente, terminariam na cadeia, visto que estavam em perigo de o ser, deveriam ser institucionalizados/as. Ocorre que o aumento no número de crianças em orfanatos e casas para os pobres ­ onerando as instituições de caridade, ordens religiosas e agências governamentais de bem-estar que cuidavam delas - deveria ser resolvido, assim, a melhor opção era, em uma perspectiva utilitarista, enviá-las para serem úteis em diversos países (Humphreys, 1994HUMPHREYS, Margaret. Empty cradles. Londres: Doubleday, 1994., p. 56-57)

“The policy of deporting children dated back to the seventeenth century, as long as Britain has had an Empire. But these were not remote stories from ancient history - the practice had been resumed in 1947, and had been going on as late as the 1970s”8 8 A política de deportação de crianças remonta ao século XVII, desde que a Grã-Bretanha teve um império. Mas essas não eram narrativas remotas da história antiga - a prática foi retomada em 1947 e continuada até a década de 1970 (tradução livre). (Cooper, 2019COOPER, Benedict. Margaret Humphreys CBE, the Home Children Scandal, and the Lost Children of the Empire. Leftlion, 7 jul. 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.leftlion.co.uk/read/2019/july/margaret-humphreys-home-children-child-migrants-trust/ . Acesso em: 8 ago. 2021.
https://www.leftlion.co.uk/read/2019/jul...
). De todas as crianças investigadas, apenas uma era realmente órfã e as demais ouviam mentiras sobre como eram órfãos, como seus pais não as queriam ou sobre serem filhas de prostitutas. As investigações de Humphreys comprovaram que elas haviam sido retiradas de suas famílias. A prática que acontecia há séculos só se tornou usual no final do século XIX e, até 1920, quando 150 mil crianças foram enviadas para diversos países. Apenas na década de 1950, 130 mil crianças britânicas que estavam em lares e instituições infantis foram deportadas em um esquema que só finalizou em 1970 (People should sort..., 20 fev. 2010PEOPLE SHOULD SORT this mess. The Guardian, 20 fev. 2010. Disponível em: Disponível em: https://www.theguardian.com/theguardian/2010/feb/20/margaret-humphreys-child-migrants-trust . Acesso em: 15 jan. 2018.
https://www.theguardian.com/theguardian/...
; Margaret Humphreys..., 22 mar. 2011MARGARET HUMPHREYS on “Oranges and sunshine” film. BBC News, 22 mar. 2011. Disponível em: Disponível em: http://www.bbc.com/news/uk-england-nottinghamshire-12818070 . Acesso em: 15 jan. 2018.
http://www.bbc.com/news/uk-england-notti...
).

Portanto, os estudos realizados por Humphreys corroboram a nossa tese de que a institucionalização de crianças foi realizada com maior ênfase no século XX, sob os auspícios dos salvadores da infância que participavam ativamente das reuniões e congressos articulados por membros de organismos internacionais que, de maneira positivista, acreditavam que as crianças pobres traziam o germe da criminalidade em si (Zanella, 2018ZANELLA, Maria Nilvane. Da institucionalização de menores à desinstitucionalização de crianças e adolescentes: os fundamentos ideológicos da extinção da Funabem como solução neoliberal. Tese (Doutorado em Educação). Universidade Estadual de Maringá. Maringá, 2018. Disponível em: http://www.ppe.uem.br/teses/2018/2018%20-%20Maria%20Nilvane.pdf.
http://www.ppe.uem.br/teses/2018/2018%20...
).

As investigações realizadas pelo Parlamento inglês concluíram números mais modestos, mas identificaram como marco dessas ações a Empire Settlement Act/Lei de Assentamento do Império, de 1922. Essa lei foi um acordo entre o governo britânico e vários países para facilitar o deslocamento de agricultores, trabalhadores agrícolas, trabalhadores domésticos e imigrantes jovens para outros países. No Canadá, vários planos de assentamento ofereceram assistência aos imigrantes em potencial, com custos de transporte e treinamento especializado como incentivos para a emigração. Na década de 1920, o governo canadense renovou seus esforços para atrair imigrantes britânicos (Bibliothèque et Archives Canada, 1922BIBLIOTHÈQUE ET ARCHIVES CANADA. Statuts du Canada. A bill to make better provisions for further British settlement in his Majesty’s oversea dominions, 1922. Ottawa: SC 12 George V, Projet de loi 87. Disponível em: http://www.quai21.ca/recherche/histoire-d-immigration/empire-settlement-act-1922-fr. https://biblio.uottawa.ca/omeka2/jmccutcheon/items/show/17 Acesso em: 15 jan. 2018.
https://biblio.uottawa.ca/omeka2/jmccutc...
).

A busca ativa dos colonos britânicos foi vista como um meio de garantir a prevalência dos valores britânicos na sociedade canadense e, consequentemente, a manutenção dos preceitos de uma maioria branca, seguindo o ideário eugenista. Durante muitos anos, a Austrália só permitiu que brancos colonizassem o país - em sua maioria, pessoas da Grã-Bretanha, Itália e Grécia -, política que só se alterou a partir de 1972. A prática declinou após a Primeira Guerra Mundial por causa da prosperidade na Grã-Bretanha e do alto custo do transporte transatlântico, fatores que desencorajaram a emigração - possivelmente, a alternativa encontrada tenha sido o contrabando de crianças abrigadas.

O governo canadense esperava contrariar esses obstáculos trabalhando com o governo britânico em programas de colonização assistida. Vários planos de liquidação foram realizados no Canadá, e as famílias britânicas receberiam assistência financeira para a compra e colocação em fazendas canadenses e treinamento prático na agricultura. Outro programa ofereceu, às mulheres domésticas da Inglaterra, apoio financeiro para a sua travessia bem como trabalho garantido com um salário padrão (Bibliothèque et Archives Canada, 1922BIBLIOTHÈQUE ET ARCHIVES CANADA. Statuts du Canada. A bill to make better provisions for further British settlement in his Majesty’s oversea dominions, 1922. Ottawa: SC 12 George V, Projet de loi 87. Disponível em: http://www.quai21.ca/recherche/histoire-d-immigration/empire-settlement-act-1922-fr. https://biblio.uottawa.ca/omeka2/jmccutcheon/items/show/17 Acesso em: 15 jan. 2018.
https://biblio.uottawa.ca/omeka2/jmccutc...
). Apesar de tantos benefícios, em um dos planos formalizados, 75% dos mais de 8.000 mineiros britânicos desempregados, levados ao Canadá para colherem trigo, retornaram à Grã-Bretanha, o que demonstra que as condições não eram tão favoráveis como as promessas diziam.

Os planos de colonização não foram todos bem-sucedidos: mais de 1.000 famílias aprovadas no âmbito do plano familiar de 3.000 pessoas se evadiram do programa depois de receberem seu empréstimo inicial. Os programas de liquidação sob o Empire Settlement Act não conseguiram atrair o número desejado de imigrantes britânicos. Cerca de 170 mil destes chegaram ao Canadá como parte dos vários planos de liquidação, muito menos do que os milhões antecipados inicialmente. Com o início da Grande Depressão e a eleição de um novo governo conservador em 1930, os programas de colonização assistida formal chegaram ao fim, mas, como demonstrou a pesquisa de Margaret Humphreys, informalmente, a prática continuou até a década de 1970.

Como já dissemos, Lessa (2013LESSA, Sergio. Capital e Estado de bem-estar: o caráter de classe das políticas públicas. São Paulo: Instituto Lukács, 2013.) procura demonstrar, no seu livro, em cada uma das áreas por ele analisada, que a política de bem-estar social foi um mito e por isso sintetiza que não existiram, efetivamente, políticas de bem-estar social para a área da infância. A prova de que Lessa enganou-se, neste caso, está sintetizada por ele. O autor explica que, depois da Segunda Guerra Mundial, o conservador governo australiano ficou receoso de que houvesse uma imigração em massa de asiáticos empobrecidos para o país e por isso tomou uma iniciativa que antecedia uma solução para um possível problema que nem mesmo havia ocorrido: povoar a Austrália com um bom plantel de pessoas brancas. A nacionalidade inglesa foi a escolhida porque o esquema de migração de pequenos ingleses resolveria o problema dos dois países:

A Grã-Bretanha pagava para remover um problema de bem-estar social; a Austrália aumentava sua população. Enquadrava-se perfeitamente na lógica das instituições de caridade, muitas das quais acreditavam que a urbanização e a industrialização eram as raízes de todos os males. Qual a melhor maneira de inverter esta tendência senão retirar crianças dos cortiços e transformá-las em agricultores? (Humphreys, apudLessa, 2013LESSA, Sergio. Capital e Estado de bem-estar: o caráter de classe das políticas públicas. São Paulo: Instituto Lukács, 2013., p. 81).

O esquema era operado por várias instituições voluntárias que, obviamente, no desejo de garantir o melhor para as crianças, receberam incentivo e apoio financeiro de sucessivos governos britânicos e de governos dos países receptores, pois o esquema não se restringiu à Austrália. Esquemas de crianças mantidas em reformatórios foram políticas sociais para crianças e adolescentes dos Estados de bem-estar.

Nesse sentido, a importação de crianças no período foi uma deliberada política social ou, melhor dizendo, uma estratégia econômica, não apenas para a Inglaterra e a Austrália, mas possivelmente para todos os países que participavam das conferências dos honoráveis membros reformadores que, em conjunto com os organismos internacionais, demandavam as políticas do final do século XIX até, quem sabe, o final do século XX. “Exceções existiram, mas as crianças e adolescentes eram frequentemente ‘deportadas’ às colônias para construir, sob regime de trabalho escravo, mosteiro, igrejas, escolas etc., para várias organizações católicas”, em um período em que o trabalho formal infantil já era proibido (Lessa, 2013LESSA, Sergio. Capital e Estado de bem-estar: o caráter de classe das políticas públicas. São Paulo: Instituto Lukács, 2013., p. 83).

As descobertas sobre o esquema, que só finalizou no final da década de 1960, fizeram Humphreys argumentar: “Os anos 60 foram tempos de abundância na Grã-Bretanha. A economia estava crescendo e não houve mais pobreza pós-guerra ou terríveis dificuldades econômicas”, o que a levou a questionar: “Qual, no universo, poderia ser a necessidade, mesmo que mal compreendida, de enviar uma criança ao exterior?” (Humphreys, 1994, p. 56-77 apudLessa, 2013LESSA, Sergio. Capital e Estado de bem-estar: o caráter de classe das políticas públicas. São Paulo: Instituto Lukács, 2013., p. 84). A resposta, em uma incursão pela área da infância, parece óbvia: o desejo de salvamento da infância e as leis tutelares que retiravam o pátrio poder das famílias pobres, pois, como já dissemos, os benfeitores do período acreditavam que retirar as crianças de suas famílias era um benefício para elas, como uma dádiva do Estado de bem-estar social.

O processo que ocorreu na Inglaterra causa espanto pelo envolvimento de crianças, mas, analisando atentamente o período histórico, concluímos que os preceitos eugênicos e positivistas estavam na base da concepção que orientou o envio de força de trabalho excedente da Europa para outros países. A partir de 1847, como já dissemos, o Brasil também recebeu um contingente de trabalhadores europeus. Como o país contava com a força de trabalho - liberta da escravidão -, essa importação só se justifica a partir de uma política de branqueamento.

Conforme demonstra a investigação elaborada por Aguilar Filho (2011) na tese de doutorado Educação, autoritarismo e eugenia: exploração do trabalho e violência à infância desamparada no Brasil (1930-1945), a utilização de crianças tuteladas pelo Estado como força de trabalho escrava não foi uma prerrogativa da Austrália. Entre 1930 a 1945, meninos órfãos e abandonados que estavam sob a guarda do Juizado de Menores do Distrito Federal foram retirados do Educandário Romão de Mattos Duarte, da Irmandade de Misericórdia do Rio de Janeiro, e transferidos para uma propriedade privada, no interior de São Paulo, para trabalharem. Segundo o autor, a transferência dessas crianças de 9 a 11 anos de idade era respaldada pelo Código de Menores de 1927. Por uma década, as crianças foram submetidas a uma escolaridade precária e a uma educação baseada em longas jornadas de trabalho agrícola e pecuário (sem remuneração), ao cárcere, a castigos físicos e a constrangimentos morais em fazendas de membros da cúpula da Ação Integralista Brasileira (AIB), declarados adeptos do nazismo.

Conforme denunciou a pesquisa de Aguilar Filho (2011FERNANDES, Maria Nilvane; COSTA, Ricardo Peres da. A Declaração dos Direitos da Criança de 1924, a Liga das Nações, o modelo tutelar e o movimento Save the children: o nascimento do menorismo. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais - RBHCS. v. 13, n. 25, Edição Especial de 2021. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.furg.br/rbhcs/article/view/11887/8619 . Acesso em: 17 jun. 2021.
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), os meninos “[...] estavam sob a ‘disponibilidade’ do Juizado de Menores da Capital Federal e sob a ‘guarda’ do Educandário Romão de Mattos Duarte da Irmandade de Misericórdia do Rio de Janeiro” e foram transferidos em viaturas policiais,

para trabalhar sem remuneração, sob alegações educativas e profissionalizantes. Isolados do restante da comunidade estiveram sob tutela real de capangas armados a chicote, palmatória, punhal, cães de guarda e armas de fogo. Impedidos da livre circulação estiveram submetidos à agressão, ao abuso físico, ao constrangimento moral, ao cárcere e a fome como formas de castigo às resistências, desobediências e transgressões (Aguilar Filho, 2011AGUILAR FILHO, Sidney. Educação, autoritarismo e eugenia: exploração do trabalho e violência à infância desamparada no Brasil (1930-1945). Tese (Doutorado em Educação). Campinas: UNICAMP, 2011. Disponível em:Disponível em:http://repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/251194 . (2011). Acesso em 18 jan. 2018.
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, p. 24).

A realidade histórica demonstra que, nesse caso, e em tantos outros, o Estado incentivou a segregação de crianças pobres em instituições para colocar em prática um projeto eugênico de salvação da infância, tornando-as vítimas de uma política social que foi orientada pelo modelo parens patriae. A pesquisa de Aguilar Filho (2011) identificou que, dentre as estratégias utilizadas para a saída das crianças do orfanato, estavam o patronato e a tutoria que transparecem no Código de Menores.

Considerações finais

O artigo apresenta um estudo histórico, associando imigração, sequestro e tráfico de crianças na história. A análise centrou-se na discussão de que, historicamente, as crianças estiveram envolvidas em contextos de violação de seus direitos elementares. A marca da violência sempre esteve presente nesse processo histórico, quando as crianças estavam acompanhadas de sua família, cuidadores, ou quando retiradas do poder familiar.

A pesquisa indicou a utilização da força de trabalho desses infantes no processo de imigração. A estratégia econômica de forma deliberada foi usualmente implementada na importação de crianças europeias para diversos contextos de exploração do trabalho infantil, como ferramenta de auxílio catequético, doutrinação religiosa ou ainda para expansão do povoamento, especialmente, no caso das meninas.

Demonstramos, ainda, que a institucionalização do menorismo foi também um elemento de segregação de crianças pobres, marginalizadas e em situação de rua, expressando um projeto eugênico de isolamento social com a perspectiva ideológica de salvar a infância. Esse modelo utilizado no Brasil, durante todo o século XX, foi também aplicado, em larga escala, na Europa, o que aproxima a política de bem-estar social do menorismo.

Referências

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  • ZANELLA, Maria Nilvane. A perspectiva da ONU sobre o menor, o infrator, o delinquente e o adolescente em conflito com a lei: as políticas de socioeducação Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Estadual de Maringá. Maringá, 2014. Disponível em: http://www.ppe.uem.br/dissertacoes/2014%20-%20Maria%20Nilvane.pdf
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  • 2
    Immigratus, em latim, significa se mudar para. Enquanto imigração é o movimento de chegada de pessoas em um país estrangeiro, a palavra emigração é o movimento inverso, ou seja, de saída de pessoas do seu país ou região de origem.
  • 3
    O termo eugenia (boa geração) foi cunhado em 1883 por Francis Galton, sobrinho de Charles Darwin, no período anterior ao termo genética, criado em 1908. Eugenia seria a ciência que lidaria com todas as influências que supostamente melhorariam as qualidades inatas de uma pressuposta raça em favor da evolução da humanidade. Para Galton, as características humanas como a intelectualidade, a cultura e a moralidade decorriam “[...] da hereditariedade mais do que da própria História, dando início ao que seria conhecido como Darwinismo Social. O uso distorcido e falseado do pensamento darwinista agrediu a Darwin, que dele discordou publicamente e radicalmente” (Aguilar Filho, 2011, p. 16).
  • 4
    A eugenia é a segregação racial em seu tratamento mais científico. Do modelo eugênico nasceu a higienia, ou o higienismo, que está relacionada à limpeza e à higiene. O sanitarismo representa o termo pelo qual os higienistas (na sua maioria médicos) passaram a fazer da política de saúde pública seu principal foco de atuação, mas essa política atingiu todas as instituições sociais. “Nas primeiras décadas do século XX, a utilização da dupla ‘higiene-eugenia’ como promotora da saúde foi recorrente no Brasil, no discurso de médicos e educadores” ([xref ref-type="bibr" rid="r15"]Janz Jr., 2012[/xref], p. 3). Convém lembrarmos, entretanto, que seus efeitos foram sentidos na educação assim como nas instituições de atendimento de menores.
  • 5
    Nina Rodrigues, por exemplo, chegou a propor uma reformulação do conceito de responsabilidade penal, relacionado à raça do agente criminoso. O esforço da sua pesquisa era implantar no Brasil a concepção do darwinismo social que ganhou corpo na Europa e nos Estados Unidos da América (EUA) (Zanella, 2018).
  • 6
    Os temas menorismo e o movimento dos Salvadores da Infância foram detalhadamente analisados por Zanella (2014; 2018) e por Fernandes e Costa (2021) no artigo intitulado “A Declaração dos Direitos da Criança de 1924, a Liga das Nações, o modelo tutelar e o movimento Save the children: o nascimento do menorismo”.
  • 7
    O processo de investigação realizado por Humpheys transformou-se no filme Oranges and sunshine (2011). O filme demonstra o método que Humphreys utilizou para contatar as crianças perdidas do império e os relatos dos abusos e violências sofridas. Além disso, mostra os reencontros possíveis e impossíveis porque muitas mães já haviam morrido.
  • 8
    A política de deportação de crianças remonta ao século XVII, desde que a Grã-Bretanha teve um império. Mas essas não eram narrativas remotas da história antiga - a prática foi retomada em 1947 e continuada até a década de 1970 (tradução livre).
  • 1
    Este artigo contou com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    16 Fev 2021
  • Aceito
    26 Nov 2021
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