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Uma contradição tão marcada de princípios: as disputas pela independência do Brasil na província Cisplatina e a metáfora da escravidão (1821-1824)

A contradiction so marked of principles: the disputes for the independence of Brazil in the Cisplatine province and the metaphor of slavery (1821-1824)

Resumo:

Este artigo discute os usos e significados da metáfora política da escravidão durante o processo de independência do Brasil. Enfatiza os diferentes projetos políticos e os conflitos que surgiram em função da separação entre Brasil e Portugal e a pluralidade de jornais e panfletos que surgiram nessa nova conjuntura. Relaciona essa perspectiva com os debates nesses impressos da província Cisplatina e os questionamentos sobre os pactos políticos firmados no Rio da Prata e sua validade ou não através da presença brasileira. Sublinha que a escravidão, em seus sentidos políticos e sociais, foi elemento fundamental para a construção da oposição ao Império do Brasil nos conflitos pela independência na região.

Palavras-chave:
Escravidão; Imprensa; Independência do Brasil

Abstract:

This article discusses the uses and meanings of the slavery metaphor during Brazil’s independence process. Emphasize the different political projects and conflicts that arose due to the separation between Brazil and Portugal and the plurality of newspapers and pamphlets that emerged in this new conjuncture. Relate this perspective to the debates in these printouts from the Cisplatine province and the questions about the political pacts signed in Río de la Plata and their validity or not through the Brazilian presence. Emphasize that slavery, in its political and social senses, was a fundamental element for the construction of independence from the Brazilian Empire in the conflicts for independence in the region.

Keywords:
Independence of Brazil; Press; Slavery

Em meio a guerra pela independência do Brasil, o redator do jornal El Ciudadano¸ em sua edição inaugural, no primeiro dia de junho de 1823, descrevia aquilo que considerava as injustiças cometidas pelo governo brasileiro. Afirmava que enquanto lideravam as lutas pela liberdade os mesmos governantes, do Rio de Janeiro, não seguiam esse comportamento em relação à província Cisplatina, de onde escrevia. Desse modo, argumentava que enquanto em relação às Cortes de Lisboa as lideranças do partido brasileiro exigiam que se fizesse valer a vontade de seus habitantes, no Rio da Prata mantinham a sua presença política e militar. Em um lado defendiam “as máximas liberales de legitimidad” e em outro faziam uso da “fuerza y la opresion, la sangre y el acero”. O nome do jornal não era uma escolha fortuita, tratava-se da principal pauta da população local frente aos considerados abusos brasileiros: a reivindicação da sua cidadania.1 1 A ampliação, em 12 de julho de 1821, da Liberdade de Imprensa promovida pelas Cortes Extraordinárias de Lisboa ajudou a desenvolver uma ampla e rica imprensa na cidade de Montevidéu. Anteriormente restrita a poucas e isoladas publicações, entre os anos de 1821 e 1824, durante o processo de independência do Brasil, 16 periódicos foram publicados, além de mais de uma centena de panfletos (González Demuro, 2013b; Winter, 2018). O jornal fazia parte de um conjunto de publicações em circulação em Montevidéu entre os anos de 1822 e 1823, caraterizadas, sobretudo, pela forte oposição ao domínio brasileiro. Se os primeiros dois impressos da província Cisplatina, criados no final de 1821 e início de 1822, tinham tom oficioso em defesa da presença lusitana, os 14 jornais e as dezenas de panfletos que são impressos entre 1822 e 1823 (González Demuro, 2013bGONZÁLEZ DEMURO, Wilson. Prensa periódica y circulación de ideas en la Provincia Oriental, entre el final de la dominación española y la independencia (1814-1825). Tesis (Maestría en Historia Rio-platense), Universidad de la República. Montevideo, 2013b.; Winter, 2018WINTER, Murillo Dias. Imprensa periódica e a construção da identidade oriental (província Cisplatina, 1821-1828). Porto Alegre: Fi Editora, 2018.), em função da independência brasileira, conformam aquilo que William Acree (2013ACREE, William. La lectura cotidiana: cultura impresa e identidad colectiva en el Río de la Plata. Buenos Aires: Prometeo, 2013.) vai determinar como “uma imprensa de guerra”: publicações de existência efêmera, com texto combativo e de interesse exclusivamente político. Ainda que estes redatores de panfletos e jornais apresentassem diferenças e projetos políticos conflitantes, como a ideia de uma independência completa ou uma associação com Buenos Aires,2 2 O debate em torno das diferentes concepções de independência, parcial ou total, ou seja, ligada ao projeto buenairense ou uma soberania própria, movimentou os mesmos redatores dos impressos aqui analisados e provocou a busca de apoio oficial de Buenos Aires na luta contra o Império do Brasil, possibilidade que foi rechaçada pelos líderes no outro lado do Rio da Prata e desarticulou parte da oposição ao Brasil (Thévenin de Garabelli, 1978). em comum estava o rechaço ao Brasil.3 3 Carlos Frederico Lecor, em 10 de setembro de 1822, declarava sua adesão a D. Pedro e abandonava Montevidéu com direção a São José e, posteriormente, a Canelones. O ato que marcou o início dos conflitos entre brasileiros e portugueses na Cisplatina, também manteve o grupo ligado ao projeto brasileiro longe das prensas, todas localizadas em Montevidéu e, portanto, sem possibilidade de criar impressos favoráveis aos seus interesses. Estas publicações vão existir, com a criação de uma prensa volante, em número bastante restrito nos meses seguintes e sem forte impacto na cena pública da cidade.

Para tanto, era frequente a utilização política da metáfora da escravidão. Desse modo, indicava a tirania em que a população estava submetida e o paradoxo entre um grupo de políticos que defendia a liberdade do Império do Brasil ao mesmo tempo em que mantinha cassados os direitos políticos de uma província, como foi sintetizado na última frase da publicação: “a nosotros no toca el examen de la causa que aquel gobierno sostiene, ni deslindar se ella es de la mayoridad de los brasilienses: pero entretanto ¡qué contraste singular! ¡qué contradicción tan marcada de principios!”4 4 El Ciudadano, Montevidéu, n. 1, 1 jun. 1823, p. 1. Os periódicos utilizados nesta investigação pertencem à Coleção Primeiros Impressos da Biblioteca Dr. Pablo Blanco Acevedo, Museu Histórico Nacional, Uruguai. (Destaque no original).

Minha proposta é analisar os usos e os significados da metáfora da escravidão durante os conflitos pela independência do Brasil na província Cisplatina. Desse modo, busco compreender as formas como a imprensa cisplatina reverberou e se inseriu no processo de independência do Brasil. Em um contexto de fluidez e pluralidade de ideias, vocábulos e identidades, busco demonstrar como a crise do Antigo Regime em sua dimensão lusitana possibilitou o desenvolvimento de diversas alternativas e projetos de futuro (Jancsó e Pimenta, 2001JANCSÓ, István; PIMENTA, João Paulo G. Peças de um mosaico (ou apontamentos para o estudo da emergência da identidade nacional brasileira). In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). Viagem incompleta: a experiência brasileira (1500-2000). São Paulo: Ed. Senac, 2001.), dentre eles a própria criação da Cisplatina, a sua posse por Portugal e as disputas com os grupos políticos brasileiros pelo seu domínio. Portanto, por meio de jornais e panfletos em circulação na cidade de Montevidéu, entendo que é possível examinar como discursos políticos se articulavam com as transformações da modernidade no espaço atlântico.

Como define Reinhart Koselleck (2006KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006.), entre aproximadamente 1750 e 1850, o mundo ocidental - em especial a Europa central - passou por uma série de mudanças simbólicas, políticas e culturais. Entre as transformações, as mais destacadas estão alterações aceleradas e profundas no vocabulário político. No bojo das reformas ilustradas e, sobretudo, nas revoluções liberais e de independência, se produziu no espaço ibérico uma profunda mutação léxica e semântica na linguagem política. Os discursos políticos denotavam percepções e representações do processo de mudança em acontecimento na mesma medida em que influenciavam estas alterações. A utilização de metáforas é um exemplo dessas modificações, como explica Fernández Sebastián (2009): baseadas em analogias, as metáforas são uma estratégia para aproximar semanticamente palavras e termos de difícil definição, especialmente em momentos de transição, a exemplo das rápidas mudanças do início da modernidade. É desse modo que o período conhecido como a Era das Revoluções é composto por um amplo repertório de metáforas em busca de explicar as rápidas transformações em voga e se colocar nas disputas políticas.

Como destaca David Brion Davis (1975DAVIS, David Brion. The problem of slavery in the Age of Revolution, 1770-1823. Ithaca: Cornell University Press, 1975.), o vocábulo “escravidão” desde a Antiguidade teve conotações metafóricas ligadas às ideias de dominação e dependência; no entanto, é significativo que nesse novo contexto, repleto de transformações semânticas e neologismos, a retórica política da escravidão permanecesse como um elemento central. Praticamente em todos os discursos pela liberdade no mundo atlântico eram evocados direitos políticos, lutava-se contra a opressão e a dominação de um povo sobre o outro evocando a escravidão política a que estavam submetidos e o simbolismo das correntes e dos grilhões que deveriam ser quebrados. Figura de linguagem recorrente, afinal, o escravismo - mais além de sua dimensão econômica, mas nos seus efeitos sociais, políticos, demográficos, culturais - era o nexo que aproximava os impérios atlânticos uns dos outros e de seus domínios coloniais e que definia grande parte dessas relações. O mundo atlântico era um espaço de trocas e aproximações, que tornava linguagens, práticas, inseridas nessa dinâmica comercial mundial, mais semelhantes e a escravidão uma característica basilar (Tomich, 2004TOMICH, Dale. O Atlântico como espaço histórico. Estudos Afro-Asiáticos, v. 26, n. 2, p. 221-240, 2004., p. 221-240).

Essa incongruência, a simultaneidade dessa retórica de libertação e de práticas escravistas pelos líderes dos movimentos revolucionários no mundo atlântico, é definida pelo historiador estadunidense David Eltis (2000ELTIS, David. The rise of African slavery in the Americas. Nova York: Cambridge University Pres, 2000.) como o slave-free paradox. Ou seja, o modo como, nessas sociedades, foram elaboradas progressivamente noções de direitos e de liberdades individuais de sentido universalista, mas que não incluíam grandes contingentes populacionais e reduziam as noções de cidadania. Nesse sentido, a partir desses elementos atlânticos e observando as particularidades do processo de independência do Brasil, buscarei examinar como esse paradoxo aparece na linguagem política, primeiro nas queixas sobre a continuidade da dominação brasileira e nas alegações em torno da ruptura do pacto político firmado durante o Congresso Cisplatino (1821), para, posteriormente, discutir os usos e significados das metáforas da escravidão política na região durante os conflitos entre as tropas brasileiras e os Voluntários Reais.

O Congresso Cisplatino: do pacto com Portugal às críticas ao Brasil

Em 24 de agosto de 1821, parte dos habitantes de Montevidéu, especialmente aqueles ligados ao grupo dirigente da cidade e os comerciantes associados com o interesse mercantil português, celebravam a incorporação oficial da Banda Oriental ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Tornava-se oficial o resultado de uma intervenção militar iniciada em 1816. Para tanto, os eventos que tumultuaram o mundo lusitano na década de 1820 foram fundamentais. Após a Revolução do Porto (1820), as Cortes de Lisboa convocaram D. João VI (1767-1826) para retornar a Portugal; antes da viagem o monarca enviou ordens expressas para Carlos Frederico Lecor (1764-1836), comandante do exército de ocupação, resolver a situação platina. As diretrizes eram para a realização de um congresso soberano, com representantes eleitos pela população local, que escolheria o futuro da região. Existiam três opções: a manutenção dos laços com Portugal, a associação com as Províncias Unidas do Rio da Prata ou a criação de um corpo político completamente independente. Entretanto, Lecor, seguindo os seus interesses, trabalhou intensamente para que a primeira opção fosse a escolhida. Para tanto, incluiu os seus aliados entre os integrantes do Congresso. Como resultado, de maneira unânime, em 1821, foi criada a província Cisplatina.5 5 Outros trabalhos já trataram dos meandros do Congresso Cisplatino e os mecanismos de cooptação de Carlos Frederico Lecor para garantir o resultado a favor de Portugal e, mais especificamente, aos seus interesses particulares (Ferreira, 2012; Winter, 2018).

Parte das celebrações, além da satisfação dos interesses econômicos em jogo, era justificada na pacificação da região após mais de uma década de conflitos intermitentes. Ponto fundamental é que foi através das mudanças nas formas de representação política e das transformações da Revolução do Porto que este espaço pôde ser incorporado aos domínios lusitanos, valendo-se do discurso da regeneração e da ordem. Ao contrário de outros espaços na América portuguesa, a recepção do movimento Vintista na província Cisplatina foi pautada pela defesa da unidade lusitana e pelo conservadorismo. Diferentemente do que ocorria no Pará e no Rio Grande de São Pedro, por exemplo, não houve na região disputas sobre o reconhecimento ou não do projeto constitucional ou embates de grupos políticos opostos resultando em troca de comando provincial (Comissoli, 2011COMISSOLI, Adriano. A serviço de Sua Majestade: administração, elite e poderes no extremo meridional brasileiro (1808c.-1831c.). Tese (Doutorado em História), Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2011.; Machado, 2010MACHADO, André Roberto de A. A quebra da mola real das sociedades: a crise política do Antigo Regime português na província do Grão-Pará (1821-1825). São Paulo: Hucitec, 2010.). Na Cisplatina, ser vinculado a Portugal era estar ligado ao Vintismo.

Por tratar-se de uma invasão militar, o governo eleito na Cisplatina tornou-se oficial em consequência da nova ordem liberal. Enquanto na Bahia, por exemplo, os movimentos iniciais, deflagrados a partir da chegada das informações dos eventos em Portugal eram de ensejar transformações mais populares (Souza, 2008SOUSA, Maria A. Silva de. A Bahia na crise política do Antigo Regime. Revista de História, n. 159, p. 135-166, 2º sem. 2008.), na Cisplatina estes eventos serviram para a classe dirigente e a elite econômica de Montevidéu buscarem a formalização da dominação lusitana e tentar assegurar a sua posição na sociedade e as suas propriedades. Portanto, as armas portuguesas em 1816 e a política lusitana a partir de 1821 serviram como salvaguarda de interesses locais somados a um antigo desejo de unidade do Prata aos domínios dos Bragança. A defesa da Cisplatina foi do princípio do consentimento para o livre ingresso em qualquer forma de associação política. Ou seja, tratava-se de um pacto político da população da Cisplatina com o monarca português e, de acordo com os novos tempos, fundamentado na Constituição e na sua soberania (Winter, 2019WINTER, Murillo Dias. Uma tempestade de papéis impressos e infames: imprensa e linguagem política na independência do Brasil (Província Cisplatina, 1821-1824). Tese (Doutorado em História), Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2019.).

No ano seguinte, durante os primeiros meses de 1822, os rumores crescentes sobre independência intensificavam o debate político sobre o futuro da Cisplatina. Ao longo dos meses se tornava mais evidente a ruptura entre Carlos Frederico Lecor, cada vez mais próximo do projeto brasileiro e o comando das tropas dos Voluntários Reis, que se mantinham fiéis a Portugal. Em 11 de setembro de 1822, o Conselho Militar planejava transferir as tropas estabelecidas nos arredores de Montevidéu para a região central da Campanha oriental. Com esta justificativa, Lecor se retirou da cidade, usou da oportunidade para se desligar das tropas portuguesas e se juntar oficialmente ao projeto brasileiro de independência. Paralelamente a este movimento, a fragata Tetris bloqueou o porto de Montevidéu. Militares e dirigentes políticos montevideanos cruzaram as muralhas da cidade para encontrá-lo e, posteriormente, todos se transferiram para São José, estabelecendo o quartel-general das tropas brasileiras na província Cisplatina. Tinha início um conflito armado que durou até fevereiro de 1824.

Desse modo, um intenso debate foi aberto com o intuito de projetar alternativas frente a independência do Brasil e o futuro da Cisplatina. Afinal, o Congresso Cisplatino foi um pacto assinado entre a população oriental e o governo lusitano, parte ainda do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Questionava-se, especialmente, a forma de condução e a validade do Congresso Cisplatino, o direito brasileiro de permanecer ocupando a província e os moldes dessa eventual aliança. De acordo com Martha Thévenin de Garabelli (1978THÉVENIN DE GARABELLI, Martha Campos. La Revolución Oriental de 1822-1823: su génesis. Montevideo: Junta Departamental de Montevideo, 1978. t. II.), estes movimentos de questionamento ao Congresso Cisplatino, mesmo após a sua realização e efetivação, foram um importante fator de mobilização política na tentativa de estabelecer uma resistência consistente ao domínio brasileiro.

Desse modo, os mesmos argumentos que tornavam válido o pacto político com Portugal, eram utilizados para questionar o domínio brasileiro. Como salienta José Carlos Chiaramonte (2004CHIARAMONTE, José Carlos. Nación y Estado en Iberoamerica: el linguaje político en tiempos de la independencia. Buenos Aires: Sudamericana, 2004.), segundo as normas do jus naturalismo e do direito de gentes, especialmente em suas vertentes contratualistas, nenhum Estado ou líder teria o direito de governar sem o acordo de súditos ou cidadãos. O governante receberia da população a autoridade que possuía sobre ela. Todavia, essa autoridade seria limitada pelas leis naturais. Quando o pacto deixa de existir, os vínculos entre o governo e a população também seriam anulados. Estes elementos, que foram amplamente difundidos na conjuntura das independências na América, proporcionaram, por exemplo, aos súditos americanos o argumento jurídico para negarem as autoridades peninsulares, exigindo participação direta nas eleições e nos eventos enquanto durasse a vacância no trono. Mais além de referências a autores célebres, existia um contexto comum de doutrinas e pautas políticas que conformaram o imaginário do período. Os homens letrados haviam absorvido essas noções através dos estudos universitários e transmitido esses ensinamentos por meio de escritos, tertúlias, periódicos e cerimônias que de alguma maneira difundiam este tipo de pensamento. Essas doutrinas, na ausência de outras formas de estudo da sociedade, constituíram o fundamento do direito político e, desse modo, das práticas políticas da época.

A maneira como foi organizado e conduzido o Congresso Cisplatino foi pauta frequente dos textos, pois era considerado “indispensable tratar en este lugar sobre la legitimidad del congreso Cisplatino”. Os redatores de panfletos e jornais alegavam que desde o seu princípio a organização do Congresso foi viciada e manipulada por Lecor conforme os interesses de Portugal. Argumentava-se que o número de representantes e o seu caráter não representariam a distribuição demográfica da província. Desse modo, a independência brasileira foi observada, por parte da imprensa, como o momento oportuno para rever esta aliança e até mesmo questionar a sua existência. Foi nesse sentido que o redator do panfleto “El hombre sin partido o resolución de la primera cuestión del conciliador” era taxativo ao afirmar que “el congreso fue nulo en su origen por falta de poderes y agraviante á la soberanía de los pueblos, por haberse usurpado sus facultades intransmisibles por su naturaleza y que jamás debió tener lugar su instalación con tales ilegitimidades”.6 6 “El hombre sin partido o resolución de la primera cuestión del conciliador” (23 nov. 1822, página única). Os panfletos aqui analisados pertencem à coleção Folletos da Biblioteca Nacional do Uruguai.

Soma-se a isso a pressão militar exercida em Montevidéu, com as tropas portuguesas presentes na cidade durante todas as sessões. Assim, ainda que fossem consideradas válidas as alegações de Lecor e correta a forma de condução do Congresso, a presença dos Voluntários Reais impediria os representantes de votar de maneira livre e de acordo com seus interesses objetivos. Portanto, pelo uso a incorporação da Banda Oriental deveria ser anulada de maneira imediata, uma vez que teria sido obtida através do uso da força. Portanto, nesse novo contexto, possibilitado pelas discussões em torno da independência do Brasil, a história recente passa a ser revisada pelos redatores de impressos e a argumentação sobre os eventos torna-se também um objeto de disputa:

El [Congresso] tuvo sus sesiones en esta plaza… En donde observaban sus acciones tres mil bayonetas… interesadas en la incorporación… persuadidos de ser conquistadoras… bajo una guardia de las mismas. Cuando tales corporaciones, aunque sean legítimamente constituidas obran con sus semejantes trabas, cuanto hacen es nulo, porque el derecho presume que proceden forzadas y que decisiones son obras del temor, que se llama suficiente para dominar al varón constante: luego aun supuesto legitimo el congreso, la incorporación se debe conceptuar como no declarada (Destaque no original).7 7 “El hombre sin partido...” (23 nov. 1822, página única).

De maneira bem-humorada e utilizando outro elemento decidido no Congresso Cisplatino, o nome da nova província, o redator do panfleto “Un patriota a los mocitos de tienda” acusava a classe dirigente de Montevidéu de vender a Cisplatina. Portanto, o Congresso seria apenas uma encenação para o ato da transferência de posse. A transação teria ocorrido pela ganância desse grupo, que via na presença portuguesa a possibilidade de enriquecimento. Manipulando o termo Cisplatina, o redator afirmava que seu verdadeiro significado era “levar a prata até os aliados dos lusitanos”:

Mi amada provincia oriental - Oriental he dicho; porque esto de Cis-platina, me huele à venta o traición y no voy fuera de camino.8 8 É interessante observar a distinção entre “província oriental” e “Cisplatina” estabelecida pelo redator. Esta construção retórica, ainda incipiente, ganhará, especialmente durante a Guerra da Cisplatina (1825-1828), fortes contornos identitários auxiliando na construção de uma identidade oriental fundamental na formação da República Oriental do Uruguai (Pimenta, 2004; Winter, 2018). Me puso en curiosidad de saber, porque era tan inversa de Oriental, si según decían, valía lo mismo; y al afecto, hice una consultita à cierto sujeto instruido que saca fiado el gasto de mi casa, y me contestó que cis valía tanto como de este lado o para acá y que platino ello mismo lo decía, pues era lo proprio que en la misa le llaman cum quibus y entre nosotros la mosca la argent &. Luego, dije yo, si cis quiere decir para acá y platino plata; se deduce de esto claramente, que poniendo las dos palabras en la boca de los que negociaron la incorporación de la provincia, ella fue vendida (Destaque no original).9 9 “Un patriota a los mocitos de tienda”, Montevidéu, s.d.

Ainda que não fosse possível amenizar os seus efeitos, ressaltava-se que esse pacto havia sido assinado durante a existência do Reino Unido. Na intepretação do redator, “la incorporación se hacia al triple cordón, de Portugal, Brasil y Algarve” e desfeita esta unidade não existiria respaldo jurídico para a permanência da ocupação. Afinal, “la Banda Oriental se incorporó pues al todo, y no à alguna de las partes”. A emancipação brasileira transformaria as relações entre as partes e exigiria a anulação do Congresso Cisplatino: “Por la declaración de la independencia del Brasil, se ha desecho o disuelto aquel todo, pasando a ser dos lo que era uno, y por consiguiente faltando él, queda sin efecto, lo que explicita y terminantemente se le refería”.10 10 “El hombre sin partido...” (23 nov. 1822, página única). Portanto, caberia novamente à população oriental, por livre escolha, decidir a qual unidade política se vincular. Exigia-se a convocação de uma nova assembleia, que diante dos novos eventos tornasse possível escolher qual seria o futuro da província Cisplatina, “que cuando llegase el caso de una emancipación absoluta del reino del Brasil, es al Estado Cisplatino á quien compete decidir de su suerte y fijar sus destinos futuros”.11 11 “Un patriota...” (s.d.).

Se o Brasil tinha o direito de escolher o seu futuro, as outras partes que compunham o Reino Unido deveriam ter a mesma prerrogativa. A possível escolha dos representantes da província Cisplatina incluiria vínculos com Portugal, com o emergente Estado independente brasileiro ou até mesmo com nenhuma das partes com quem mantinham ligações até então:

Debería entonces considerarse como igual en derecho á cualquiera de los tres reinos que antes estaban unidos. Se el Brasil tiene para separarse, deberá también este Estado Cis-platino gozarlos para disponer de si y unirse por su voluntad libre, bien a Portugal y Algarves, bien al mismo Brasil, bien a ninguno de ellos.12 12 “El hombre sin partido...” (23 nov. 1822, página única).

A liberdade para que fosse escolhido livremente o destino da província Cisplatina era um elemento básico dos novos tempos, das transformações políticas do continente americano e das doutrinas do direito. Na primeira edição do periódico El Ciudadano estes princípios eram enfatizados, com destaque para a afirmação de que os partidários da independência do Brasil se valiam da mesma argumentação para legitimar a sua própria independência: “El gobierno del Brasil instruido del verdadero estado de la Banda Oriental no había de empeñarse en sostener una dominación opuesta al voto de los habitantes, a las luces del siglo, y à los principios en que apoya a su misma causa”.13 13 El Ciudadano, Montevideo, 1 jul. 1823, p. 1.

Usando de linguagem mais virulenta, o redator do panfleto “Contestacion al señor conciliador o Amigo de la Paz” repetia esses mesmos argumentos:

Ha llegado el caso de que esta benemérita provincia, pueda resolver sobre su futura suerte, sin riesgo de oponerse à ninguna ley, atendiendo á que siendo hecha la incorporación al Reino Unido de Portugal, Algarbe y Brasil, luego que ésta se ha separado de aquel, el mismo derecho asiste por imitación y justicia á nuestra provincia, para pretender su desunión, porque se la separación del Brasil, tiene por motivo la voluntad general de sus habitantes, en este mismo caso estamos nosotros con respecto á él. Toda contradicción à este principio sería un absurdo, una sofistería, y distante de toda razón por esta causa, y por la de que no existe ninguno tratado legal que nos comprometa con el Brasil, no tiene este derecho para ocupar nuestro territorio con sus tropas.14 14 “Contestacion al señor conciliador o Amigo de la Paz” (Montevidéu, 8 nov. 1822, p. 2).

No entanto, o resultado foi justamente a ausência de qualquer movimento brasileiro em buscar a organização de um novo congresso ou de reformar o pacto político com a população oriental. Durante os debates sobre a independência do Brasil, o fim da dominação na província Cisplatina ou a elaboração de novos vínculos do Brasil com o Rio da Prata não foi pauta dos debates públicos. O que, para parte da imprensa, em Montevidéu, não deveria ser nenhuma surpresa, afinal Lecor não acataria nenhum pedido nesse sentido e “¿Cómo era posible que nos pusiera las armas en la mano antes de poner sobre nuestro cuello las del Brasil?15 15 “Un patriota...” (s.d.). Outro ponto enfatizado era a hipocrisia daqueles que discursavam em favor da liberdade e da emancipação brasileira. A imprensa Cisplatina acusava que a livre escolha, o desejo pela independência e a vontade geral da população só eram considerados quando favoráveis aos mais fortes, já que os locais não foram contemplados pela política de D. Pedro. Se o Brasil exigia liberdade, deveria oferecer o mesmo para aqueles que questionavam a validade do pacto que uniu todas as partes em uma unidade que poderia ruir a qualquer momento. Diante disso, as práticas políticas do período levavam a entender a construção de um novo corpo político e a adesão de seus membros a partir dos termos racionalistas e contratualistas próprios do jus naturalismo difundido na Europa e na América desde meados do século anterior, caso contrário o Império do Brasil colocava a população oriental sob seu jugo e anulava seus direitos políticos, colocando-os em posição de escravos.

O domínio brasileiro e a metáfora da escravidão

A linguagem da escravidão foi utilizada como metáfora fundamental destes debates públicos. A escravidão foi operada nos impressos com dois sentidos, como política e como civil.16 16 Uso a descrição elaborada por Marco Morel ao descrever os relatos da imprensa do Brasil sobre a Revolução do Haiti. Para o historiador os impressos faziam referência a escravidão de duas formas: “utilizava-se o termo ‘escravidão’ em seu sentido político, de domínio de um povo sobre outro, ou de uma nação sobre outra - não necessariamente ligado à escravidão civil, isto é, ao regime de trabalho forçado e à posse de um ser humano sobre outro” (Morel, 2017, p. 236). Parte da imprensa da Cisplatina argumentava que, no sentido político, o Brasil teria imposto à região oriental, a partir da continuidade da província Cisplatina, a servidão, através da retirada de todas as riquezas, da opressão e da nulificação da sua capacidade de decisão e representação através da imposição de um governo considerado despótico. No sentido social, o escravismo é atrelado substancialmente ao Império do Brasil, responsável pelo incremento de cativos na região e por oferecer riscos à segurança da população oriental diante da possibilidade de uma revolta de escravos.

Em um artigo intitulado “Comercio de negros”, publicado na edição de número cinco do jornal La Aurora, podem ser entrevistos estes dois elementos políticos e civis, como na passagem em que o redator se refere a: “este tráfico infame de la especie humana, contra el cual há declamado la filosofia con tanta vehmencia desde el siglo anterior”. Tal prática havia sido “abolid[a] en este pais como en otros del nuevo mundo á proporción que los pueblos han ido abrazando la causa de la ilustracion y la humanidad”. Entretanto, segundo o redator, com a manutenção da dominação pelos brasileiros esse comércio foi “restablecido en Montevideo por efecto de una de las medidas liberales de la Lógia de los Aristrocratas”.17 17 La Aurora, Montevidéu , n. 5, 18 jan. 1823, p. 3.

Os redatores do El Aguacero, Antonio Díaz, Santiago Vázquez e Juan Francisco Giró, na terceira edição do periódico inauguraram um novo espaço na publicação, intitulado “Biografia”. Nestas páginas foi explicado que geralmente este tipo de texto, em tom de exaltação, “eterniza las grandes acciones, hace revivir los heróes, ofrece uma leccion constante de virtudes sublimes y asegura el premio no interrompido de la fama que les tributa la justa posteridade”. No entanto, o jornal terá outra atitude, afinal a imprensa e a história, tomada aqui a partir de uma noção moderna de tribunal, “está tambien destinada á perpetuar del mismo modo los hechos de los malvados, presentando ese cuadro de sus crímenes otra leccion no menos útil para las edades”. Desse modo, este seria o retrato, com a intenção de ser perpetuado, dos integrantes do Clube do Barão e sua atuação na defesa da independência do Brasil, interpretada com uma traição à população oriental:

Los traidores trabajan por esclavizar à los libres Orientales, y buscan por entre la sangre, las ruinas y los crímines los fragmentos de una riqueza que ya han consumido: impelidos pues por el inocente deseo de que nuestros venideros puedan evocar á los manes de los Herreras, Obes, Garcias, Velez, Bianquis y demas de la logia imperial, y presentarles la historia fiel de su vida y milagros, hemos abierto con este objeto el presente artículo que tendrá un lugar constante en nuestros números (Destaque no original).18 18 El Aguacero, Montevidéu , n. 3, 8 maio 1823, p. 11.

Não se tratava, evidentemente, da população da província Cisplatina colocada em navios negreiros para ser enviada ao Rio de Janeiro ou Salvador, nem ainda a imposição de trabalhos forçados e não remunerados na produção de charque na Campanha oriental. A escravidão se referia a uma condição política. Parte da imprensa argumentava que estavam ameaçadas as liberdades civis e políticas da população. A continuidade da dominação pelo Brasil, após a sua independência seria arbitrária e colocaria a Cisplatina em posição de dependência. Nesse sentido, Carlos Frederico Lecor e os seus aliados, “Los traidores”, eram os responsáveis por impor uma relação em que todos viveriam em situação semelhante aos escravos africanos que abundavam no território do Império do Brasil, sem direitos e sem poder de escolha.

De acordo com Quentin Skinner (1999SKINNER, Quentin. Liberdade antes do liberalismo. São Paulo: Editora Unesp, 1999.), a associação entre o conceito de escravidão política, servidão pública e o despotismo têm origem neo-romana. Para estes autores, uma das principais vias para que um corpo político seja desprovido de sua liberdade se dá através da privação forçosa ou coercitiva de sua capacidade de agir a favor dos fins que escolheu. O historiador inglês afirma que quando é retirada esta capacidade, “Tal Estado, será não obstante, considerado escravo se sua capacidade para ação for, de alguma maneira, dependente da vontade de alguém que não o corpo de seus próprios cidadãos” (Skinner, 1999SKINNER, Quentin. Liberdade antes do liberalismo. São Paulo: Editora Unesp, 1999., p. 49). Ideia associada à compreensão de que “eles tratam o uso dessa força contra um povo livre como nada menos do que a marca distintiva de tirania” (p. 47).

Argumento comum no mundo anglo-saxônico durante o século XVII, durante as sucessões de eventos e de disputas pelo poder na Inglaterra, um dos principais hinos, entoados também pelos opositores ao poder absoluto da Coroa britânica, era a canção Rule, Britannia! onde afirmavam que os “Britons never, never, never shall be slaves”, referindo-se tanto aos conflitos externos, notadamente contra a França, como também ao combate à tirania interna. A resistência à escravidão baseava-se, sobretudo, na ideia de impedir a imposição de um poder sobre os demais ou de uma dominação estrangeira, tornando-se símbolo do imaginário britânico do período (Armitage, 2000ARMITAGE, David. The ideological origins of the British Empire. Cambridge: Cambridge University Press, 2000., p. 173-185).

Essas mesmas referências doutrinárias foram utilizadas contra os ingleses durante a guerra de independência dos Estados Unidos. Nas Treze Colônias, marcadas pela larga utilização de mão de obra africana cativa, a escravidão política também se tornou uma metáfora operacionalizada com frequência. Para muitos dos revolucionários norte-americanos as medidas fiscais e as sanções tomadas pelo governo inglês eram interpretadas como tentativas de submeter os colonos a um regime de escravidão. Estavam ameaçadas suas liberdades com a criação de leis e de práticas de governo estabelecidas contra a sua vontade. Nesse sentido, Alexander Hamilton diferenciava liberdade e escravidão, interpretada no sentido político: “A única distinção entre liberdade e escravidão consiste nisso: no primeiro estado, um homem é governado pelas leis às quais ele deu seu consentimento, pessoalmente ou por seu representante; no segundo, ele é governado pela vontade de outro” (Hamilton, 15 dec. 1774; em tradução livre).19 19 No original: “The only distinction between freedom and slavery consists in this: In the former state a man is governed by the laws to which he has given his consent, either in person or by his representative, in the latter, he is governed by the will of another”. O historiador Bernard Bailyn (1992BAILYN, Bernard. The ideological origins of the American Revolution. Cambridge: Belknap Press, 1992.) também recorda das afirmações de pais fundadores, como John Dickinson (1732-1808) e John Adams (1735-1826), sobre as taxações dos britânicos e a imposição de leis contra a vontade dos colonos, reclamadas como tirania e escravidão.

A escravidão, portanto, seria uma condição política a qual todos os homens poderiam ser submetidos quando perdiam as suas liberdades e passavam a depender da vontade arbitrária de outros indivíduos. Na Cisplatina era fruto da imposição de outro corpo político, que não teria direitos sobre aquele território, sem o consentimento da população. Dito em outras palavras, as ligações com o Império do Brasil não eram fruto de uma consulta à população e da livre manifestação de seus desejos. Eram resultado da ação de um governo despótico. Construção presente, por exemplo, na elaboração de oposições para demonstrar a função do governo apresentada pelo redator do Pacífico Oriental de Montevideo. Assim, “El esclavo pertenece al déspota, y el ciudadano à la sociedad”, ainda por cima “el primero es vil instrumento de ajenos caprichos, el segundo observando sus deberes concurre à la felicidad común”. Por fim o editor destaca essas imposições e suas consequências, assim “reina la arbitrariedad, por el despotismo vive el hombre en el abatimiento y en la miseria, por la libertad ejerce sus derechos, cumple con sus altos destinos, satisface los votos de la naturaleza”.20 20 Pacífico Oriental de Montevideo, n. 25, 7 jul. 1821, p. 2.

Para retratar a imposição dessa forma de dominação política alguns mecanismos, igualmente ligados ao léxico do escravismo, foram mobilizados pela imprensa. Figuras de linguagem decorrentes das punições dos escravos eram utilizadas para descrever como era estabelecido o governo do Império brasileiro na Cisplatina. Assim, as pessoas aliadas ao governo da província foram apresentadas como carrascos, responsáveis por infligir suplícios aos seus opositores, “Los berdugos de Carlos Lecor”.21 21 La Aurora, Montevidéu , n. 7, 1 fev. 1823, p. 4. Somados a estas descrições, aparecem os ferros, os instrumentos de dominação e submissão impostos pelo desrespeito a pretensa vontade geral da população, que sofreria com “Yugos, cadenas, grillos”.22 22 El Aguacero, Montevidéu , n. 2, 26 abr. 1823, p. 2. As correntes desempenharam papel essencial, pois poderiam significar tanto o aprisionamento, quando descritas como maneiras de cingir, de cercar e aprisionar, “Son cadenas que intentan ceñir”,23 23 La Aurora, Montevidéu , n. 7, 1 fev. 1823, p. 8. quanto símbolos de resistência e libertação, “romped las cadenas”.24 24 “Hymno de un fusilero cívico” (s.d.). Portanto, a escravidão política também tinha seus símbolos e mecanismos de dominação atrelados a mesma linguagem.

A escravidão política e seus instrumentos como antíteses da liberdade, especialmente relacionada a um invasor estrangeiro, a um governo autoritário e a imposição da força sobre a vontade geral são apresentadas na primeira edição do periódico La Aurora, em dezembro de 1822. O redator, Antonio Díaz, apontava que a população oriental havia saído recentemente de uma dominação colonial na década de 1810, eliminando o jugo da dependência, entretanto e estava caindo em outra ainda pior, em que os grilhões seriam ainda mais pesados. Afinal, o governo do Império do Brasil era portador de um projeto atrasado e perigoso:

Después que estos pueblos saliendo, como otros muchos, del error en que se les mantenía sacudieron en el año 810, el yugo de la dependencia, y juraron sostenerla a costa del sacrificio de sus vidas y fortunas, intentar ponerles nuevos grillos, incomparablemente más pesados y ominosos que los que entonces quebrantaron, sujetarlos a la dominación de los colonos brasilienses, que apenas han dado un paso fuera del caos de la ignorancia, y cuya ilustración viene marchando tras nosotros un siglo, cuando medos; querer, como decimos obrar un retroceso semejante con la aplicación de aquellos mismos principios es sin duda alguna el proyecto más ridículo y peligroso que puede concebirse (Destaque no original).25 25 La Aurora, Montevidéu, n. 1, 21 dez. 1822, p. 7.

Esta mesma argumentação foi utilizada durante o movimento Vintista em Portugal. Os ferros, cadeiras, grilhões e jugo levavam ao sentido político o significado de ferir “o homem na própria carne” e tinham o objetivo de demonstrar as limitações e o aprisionamento do sistema político pré-revolucionário. Nesse sentido, os grilhões, as cadeias e os ferros são metáforas para demonstrar os males do despotismo e da opressão dos governos autoritários, denunciando sobretudo a arbitrariedade dessa forma de governo que colocaria o jugo para impor os caminhos que os seus súditos, sem olhar ao redor, seguiriam (Verdelho, 1981VERDELHO, Telmo dos Santos. As palavras e as ideias na Revolução Liberal de 1820. Coimbra: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1981., p. 89). Já em relação ao emprego destes termos no Brasil, Bastos aponta caminhos semelhantes na imprensa do Rio de Janeiro e da Bahia. Nos primeiros anos eram praticamente reproduções das referências da imprensa lusitana. Os mesmos ganhariam contornos diferentes a partir do processo de independência do Brasil, quando os escravos seriam os brasileiros e os feitores os integrantes reinóis das Cortes de Lisboa26 26 A retórica da escravidão e a utilização do neologismo “recolonização” e de expressões como “restabelecer o sistema colonial” têm data e objetivos específicos. São encontradas nos registros oficiais em relação aos trabalhos constituintes a partir do início de 1822 e tinham como objetivo fortalecer o governo de D. Pedro, sendo empregadas quando sua oposição ao governo de Lisboa já era concreta. Desse modo, estavam associadas aos diversos projetos para a unidade do Império luso e ao momento mais agudo de seu debate nas Cortes de Lisboa. Ainda no século XIX foi absorvida por parte da historiografia como causa fundamental da independência brasileira (Berbel, 2005, p. 791-808; Penalves Rocha, 2009, p. 15-45). (Neves, 2003NEVES, Lúcia M. Bastos P. Corcundas e constitucionais: a cultura política da independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Revan; Faperj, 2003., p. 130-131).

Apelos que se tornaram, na Cisplatina, instrumentos de tentativa de mobilização da população local para aderir aos Voluntários Reais na luta contra um governo considerado despótico, como em Portugal, representado na figura de um governo estrangeiro, figura atribuída pelos brasileiros às Cortes e pelos uruguaios ao imperador. Nesse sentido, a escravidão proporcionava um recurso de comoção potente já que apelava para as emoções de uma população que era retratada em perigo e oprimida. Nas páginas da imprensa eram invocadas narrativas sobre ataques aos filhos e esposas dos homens orientais, convocavam a população para a guerra e declaravam a importância da liberdade sobre as próprias vidas dos cidadãos. Então, a resistência contra a dominação brasileira era entendida como a luta pela liberdade frente a um Império que aspirava acabar com a suas vontades políticas, submetê-los à escravidão e impor um monarca e leis que eram alheias a eles. Como entoava a edição de número 7 do jornal La Aurora:

3. ¿No lo veis de saña inflamados Son espadas infames vibrar. A las castas esposas violando, Y á sus hijos matar sin piedad? Ese sordo rugido que suena Sus cadenas que intentan ceñir Al cobarde que no profiriese Antes muerte que esclavo vivir (Destaque no original).27 27 La Aurora, Montevidéu, n. 7, 1 fev. 1823, p. 2.

E no segundo número do periódico El Aguacero:

Vuestros pérfidos planes tenebrosos Cayeron para siempre, triunfó el cielo Del amante del bien, y en triste duelo Gimen los parricidas ominosos. ¿Qué os resta pues?... abandonad la tierra, Id donde los esclavos - el Oriente Declara á los tiranos cruda guerra: Yugos, cadenas, grillos no consiente, Su coraje á los déspotas aterra, Y eleva su destino INDEPENDIENTE (Destaque no original).28 28 El Aguacero, Montevidéu, n. 2, 26 abr. 1823, p. 6.

No mundo ibero-americano a ideia de liberdade como o avesso da escravidão política ganha alguns sentidos adicionais aos da tradição neorromânica decorrentes do contexto de luta pela emancipação na primeira década do século XIX. Ainda no final do século XVIII, a liberdade é associada ao livre-arbítrio, ao direito natural, outorgado por Deus, e, sobretudo, à ausência de dominação. Como conotação negativa no mesmo período estava presente também a noção de libertinagem. Ao avançar para o século XIX, a liberdade também era associada ao livre comércio e ganhava contornos revolucionários, associada aos direitos individuais e frequentemente da libertação de um passado de opressão. É nesse contexto que liberdade e independência são tomadas como sinônimos, fato que acontece em todo o continente americano. Gabriel Entin e Loles González-Ripoll (2014ENTIN, Gabriel; GONZÁLEZ-RIPOLL, Loles. Usos y sentidos de la libertad en Iberoamerica (1770-1870). In: FERNÁNDEZ SEBASTIÁN, Javier (dir.) Diccionario político y social del mundo iberoamericano. ENTIN, Gabriel; GONZÁLEZ-RIPOLL, Loles (eds.). Conceptos políticos fundamentales, 1770-1870: Libertad. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales; Universidad del País Vasco, 2014. t. II.) afirmam que “la libertad se emplea como sinónimo de independencia, aunque este uso se generalizará con la crisis monárquica de 1808” e igualmente na província Cisplatina, onde “ya independizado el Brasil, miembros destacados del patriciado asociaban libertad con la ausencia de la dominación extranjera” (González Demuro, 2013aGONZÁLEZ DEMURO, Wilson. Libertad: el concepto de ‘libertad’: un acercamiento a su evolución, desde el fin de la época colonial a la primera modernización estatal uruguaya. In: CAETANO, Gerardo (coord.). Historia conceptual: voces y conceptos de la política oriental (1750-1870). Montevidéu: Banda Oriental, 2013a., p. 35).

Outro elemento fundamental nessa conjuntura revolucionária e na transformação semântica das noções de liberdade e escravidão é Santo Domingo. Com a Revolução Francesa a ideia de liberdade é associada com as noções de igualdade e com as liberdades naturais, formalizadas com a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão. A “verdadeira liberdade”, em sentido positivo, seria associada à ordem, à unidade, à monarquia e à religião. No entanto, como sentido negativo, a “liberdade convulsionada” remetia à decapitação do monarca francês, ao terror e ao jacobinismo e também à revolução em Santo Domingo (Entin e González-Ripoll, 2013ENTIN, Gabriel; GONZÁLEZ-RIPOLL, Loles. Usos y sentidos de la libertad en Iberoamerica (1770-1870). In: FERNÁNDEZ SEBASTIÁN, Javier (dir.) Diccionario político y social del mundo iberoamericano. ENTIN, Gabriel; GONZÁLEZ-RIPOLL, Loles (eds.). Conceptos políticos fundamentales, 1770-1870: Libertad. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales; Universidad del País Vasco, 2014. t. II., p. 27-28). Dessa forma, a independência do Haiti e a rebelião de escravos foram lembrados pela imprensa Cisplatina para alertar sobre a escravidão civil e os riscos associados diretamente aos brasileiros. A edição de número 10 do Pacífico Oriental de Montevideo realçava que “No es de temer que se repitan las catástrofes de Santo Domingo, en donde el más ciego furor de venganza, ejecutó acciones que aún se estremecen la humanidade”,29 29 Pacífico Oriental de Montevideo, Montevidéu, n. 10, 28 fev. 1822, p. 5. diagnóstico complementado na edição seguinte do jornal; afinal, diante do comportamento “de los negros porque la experiencia acredita constantemente sus incitaciones, y por eso es que tememos males para El Brasil”.30 30 Pacífico Oriental de Montevideo, Montevidéu, n. 11, 2 mar. 1822, p. 3.

A revolução dos escravos foi reverberada em todo o mundo atlântico, ora como exemplo de liberdade e autodeterminação dos povos, ora como temor frente a um massacre da população branca escravocrata. Suas intepretações, relatos e notícias variavam conforme a conjuntura política continental, os problemas internos de cada país, as relações internacionais e os eventos na própria ilha (Gomez, 2010GOMEZ, Alejandro. Le syndrome de Saint-Domingue: perceptions et representations de la Revolution haitienne dans le Monde atlantique, 1790-1886. Thèse (Doctorat en Histoire), École des Hautes Études en Sciences Sociales. Paris, 2010., p. 316-362). Na imprensa do Rio de Janeiro, desde 1808, com as primeiras publicações, até o final do Primeiro Reinado, em 1831, os relatos sobre o Haiti tinham tom positivo, de apoio à soberania nacional, e em favor da independência, com muitos silêncios (Morel, 2017MOREL, Marco. A revolução do Haiti no Brasil escravista: o que não deve ser dito. Jundiaí: Paco, 2017., p. 227-240). Posição que não era compartilhada pelos dirigentes luso-americanos, temorosos da repetição destes eventos em locais com grandes contingentes de escravos, atentos às lições que a história poderia oferecer (Pimenta, 2004PIMENTA, João Paulo. O Brasil e a América espanhola (1808-1822). Tese (Doutorado em História), Universidade de São Paulo. São Paulo, 2004., p. 285).

Na Cisplatina, a metáfora da escravidão também foi operada para construir argumentos que ultrapassavam seus significados políticos, associando diretamente o escravismo com o Império do Brasil. Somava-se aos argumentos anteriores, de uma escravidão política e de um governo arbitrário, a escravidão civil. Desse modo, a experiência haitiana foi demonstrada como o símbolo do que poderia ocorrer na Cisplatina. De acordo com Manuel Torres, redator do El Patriota, na edição de número 5, esse temor se justificava pelo aumento da presença de escravos nas ruas de Montevidéu desde que o governo brasileiro se fez presente na cidade:

[...] sin embargo no podremos negar que se ha conmovido nuestra sensibilidad, al ver á las puertas de algunas casas y almacenes de esta ciudad bastante número de aquellos desgraciados, en calidad de fardos de venta, con sola la diferencia de hallarse sentados como hombres.31 31 El Patriota, Montevidéu, n. 5, 13 set. 1822, p. 2.

Contudo, o discurso sobre o aumento da presença de cativos na cidade desde a independência do Brasil, o que justificaria os temores apresentados nas páginas do periódico, não passava de uma ferramenta retórica utilizada para associar o Império com a escravidão. Afinal, o aumento do comércio de escravos e o crescimento no número de africanos escravizados na região do Prata teve o seu auge antes das duas intervenções militares de Portugal na Banda Oriental e, consequentemente, da criação da província Cisplatina e a manutenção de sua posse pelo Império do Brasil. Os registros oficiais indicam que entre 1777 e 1812 ao menos setenta mil escravos - oriundos ou da África ou da América portuguesa - chegaram ao espaço platino. Neste período, impulsionado pela criação do Vice-reino do Rio da Prata, da reordenação da economia e das estruturas imperiais e em tempos de crescimento econômico e de escassez de força de trabalho, o comércio de cativos alcançou números inéditos na história da região e “fue probablemente el acontecimiento demográfico más importante desde el comienzo de la colonización ibérica en la región” (Borucki, 2017BORUCKI, Alex. De compañeros de barco a camaradas de armas: identidades negras en el Río de la Plata, 1760-1860. Buenos Aires: Prometeo, 2017., p. 38).

Alex Borucki (2017BORUCKI, Alex. De compañeros de barco a camaradas de armas: identidades negras en el Río de la Plata, 1760-1860. Buenos Aires: Prometeo, 2017.) caracteriza quatro fases distintas durante esse intervalo de tempo. A primeira e a última com números mais modestos do que a segunda e a terceira. O primeiro momento (1777-1791) foi marcado pelos eventos na América do Norte, Espanha e América portuguesa. Em 1779, a marinha britânica bloqueou o acesso marítimo da Espanha às suas colônias em consequência do apoio aos independentistas norte-americanos; como alternativa, os espanhóis permitiram o desembarque de navios portugueses no Rio da Prata, o que possibilitou que navios negreiros, através do contrabando, também ingressassem na região. Com a paz entre britânicos e o governo espanhol em 1784, a própria Coroa espanhola foi responsável por grandes desembarques de escravos através da Real Companhia das Filipinas, autorizada a comercializar cativos de maneira exclusiva. O segundo momento (1792-1799) foi possibilitado pela abertura do comércio de escravos a comerciantes de todas as origens, com especial atuação dos norte-americanos e dos luso-americanos. O tráfico direto com a África, especialmente Moçambique, marcou o terceiro período (1800-1806), sendo que o pico da entrada de escravos no Prata ocorreu apenas entre 1802 e 1803, quando ao menos 11 mil cativos foram desembarcados. A última fase (1807-1812) foi marcada pelos conflitos na região e o declive do comércio até sua proibição em 1812 pelo governo de Buenos Aires. O que evidentemente não marcaria o seu fim, mas sim o encerramento deste grande ciclo.

A expansão da presença de escravos em Montevidéu foi responsável por uma grande transformação na cidade. Praticamente 70% de todos os cativos que foram levados ao Rio da Prata desembarcaram no porto montevideano, para então permanecer ou serem encaminhados a outros destinos. A cidade cresceu vertiginosamente como destino preferencial do tráfico de escravos em toda a América espanhola, ficando apenas atrás de Havana em importância. Borucki indica uma transformação radical da cidade, que “casi de la noche a la mañana, el tráfico de esclavos transformó Montevideo en un auténtico entrepot del Atlántico” Dessa forma a cidade “floreció durante la breve era virreinal del Río de la Plata como un centro estratégico para comerciantes cuyas redes de comercio se extendían desde Buenos Aires a Río de Janeiro, y al otro lado del Atlántico, a África y Europa” (Borucki, 2017, p. 43).

Durante a criação da província Cisplatina e a ocupação brasileira, Montevidéu tornou-se o ponto mais ao sul do tráfico interno de escravos luso-americano e posteriormente brasileiro, com dinâmicas diferentes do período anterior. Porém, a cidade continuaria sendo um porto de distribuição de cativos para outros locais do Prata. No entanto, também é possível analisar a presença de cativos na Campanha oriental nesse período. Através da análise de dados dos censos realizados em 1822 e 1824 na região, Eduardo Palermo indica que nos distritos de Paysandú, Tacuarembó e Cerro Largo e suas respectivas jurisdições, em termos de porcentagem do número de cativos em relação aos homens e mulheres livres, os índices são os maiores da província Cisplatina, com as cifras alcançando os 31%.32 32 Com objetivo de controlar a população Cisplatina, principalmente em relação à polêmica com ex-donatários de terras do período artiguista foram determinadas, em 7 de setembro de 1821, instruções para a realização de censos em todas as jurisdições da província. Como lembra o próprio Eduardo Palermo, os dados dos censos são fragmentados e incompletos, haja vista que em poucas localidades foi possível fazer o levantamento completo (Palermo, 2008, p. 285). Já 75% das estâncias possuíam ao menos um trabalhador escravo, em sua maioria de propriedade de brasileiros. Eduardo Palermo afirma que “en la década de 1820, los porcentajes de población esclavizada en el norte uruguayo y Rio Grande do Sul son similares, constituyendo la Banda Norte una verdadera prolongación socioeconómica de los territorios rio-grandenses” (Palermo, 2008PALERMO, Eduardo. Tierra esclavizada: el Norte uruguayo en la primera mitad del siglo 19. Dissertação (Mestrado em História), Universidade de Passo Fundo. Passo Fundo, 2008., p. 300). Posição que reafirma as reclamações de orientais em relação à política de favorecimento de rio-grandenses na fronteira, à ocupação de terras e ao roubo de gado, mas que também aponta que a presença da escravidão não era um fator novo ou de crescimento acentuado.

Somado a isto, Fabrício Prado (2010PRADO, Fabrício. A presença luso-brasileira no Rio da Prata e o período cisplatino. In: NEUMANN, Eduardo Santos; GRIJÓ, Luiz Alberto. O Continente em armas: uma história da guerra no sul do Brasil. Rio de Janeiro: Apicuri, 2010.) lembra que as relações entre os comerciantes estabelecidos na Banda Oriental, sobretudo em Montevidéu, com a América portuguesa eram organizadas e estáveis desde a fundação da cidade em 1724, mesmo que em alguns momentos fossem realizadas na ilegalidade. Dados que demonstram que, apesar da crítica sobre a presença de escravos durante a vigência da ocupação do Brasil, a existência de cativos e de comerciantes de escravos oriundos do mundo lusitano não era novidade na Cisplatina, inclusive por parte da população que participava de tal prática há algumas décadas.

A conivência com a escravidão pode ser observada nos próprios periódicos que tratavam da escravidão política e civil em termos de denúncia.33 33 Além da linguagem política explorada nesse trabalho, essas relações paradoxais entre a presença de cativos e o combate à escravidão política por figuras proeminentes da sociedade montevideana foram exploradas por Aníbal Barrios Pinto, que tratou do caso de um assassinato de uma rica viúva cometido por uma escrava e a defesa pública da cativa realizada por Lucas José Obes (1782-1838), advogado, figura central do apoio local ao Brasil e proprietário de um navio negreiro que fazia rotas entre Brasil, África e Cuba (Barrios Pinto, 1996, p. 173-193). Por exemplo, nos anúncios de compra e venda de escravos, comuns nas páginas de diversos jornais. Um exemplo dessa postura pode ser encontrado no periódico El Pampero ao anunciar a venda de uma jovem escrava aos possíveis interessados; contudo entre seus três redatores está Antonio Díaz, redator do La Aurora que, como já observado, 17 dias depois da publicação desta comunicação atacou o caráter desumano da escravidão. Na seção de avisos do jornal está o seguinte anúncio:

Quien quisiere comprar una negra de catorce años de edad, sin vicios, sabe lavar, planchar, y los demas servicios domesticos, se servirá hablar con el Mayor de Brigada de Caballeria de la Division de los Voluntarios Reales del Rey residente en la casa de d. Antonio Baltasar Perez en el Arroyo Seco; siendo su costo 350 pesos.34 34 El Pampero, Montevidéu, n. 3, 1 jan. 1823, p. 8.

É possível aproveitar as categorias demonstradas por Ira Berlin (2006BERLIN, Ira. Gerações de cativeiro: uma história da escravidão nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Record, 2006.) para pensar a sociedade oriental, suas queixas em relação à escravidão civil e política realizada pelos brasileiros e as diferenças entre estes dois espaços, a Cisplatina e o restante do Império do Brasil. O historiador constrói distinções entre “sociedades com escravos” e sociedades escravistas” no mundo moderno. As primeiras são caraterizadas por estar à margem dos processos produtivos centrais, com plantéis de escravos menores, com os senhores sendo parte (não exclusiva) de uma elite abastada. Assim sendo, as relações econômicas não eram baseadas essencialmente na escravidão, já que ela existia conjuntamente com outras formas de trabalho. Já a segunda, era dependente da mão de obra escrava, uma vez que a produção escravista constituía o centro econômico. A elite escravista era também a classe governante e a relação senhor-escravo fornecia o modelo para todas as relações sociais, todas as relações mimetizavam as da escravidão.

Esse é o ponto central das relações entre a Cisplatina e o Império do Brasil. A mimetização do escravismo. O Prata pode ser definido como uma sociedade com escravos, pelo seu contingente de cativos, a cadeia produtiva e as relações sociais. 35 35 Borucki reafirma essa posição ao escrever que “El Río de la Plata no era una sociedad esclavista en su sentido pleno como Brasil y las Islas del Caribe, en donde la reproducción económica de la sociedad dependía de la mano de obra esclava en plantaciones que producían para mercados externos” (Borucki, 2017, p. 15). Ao passo que o Império do Brasil pode ser definido como uma sociedade escravista por excelência. E foi justamente nos vínculos com a Cisplatina, na imposição da dominação, menos que na escravidão civil, compatível com a sociedade oriental, que residia a principal construção retórica que substanciava o ataque ao reconhecimento da independência do Brasil e à presença brasileira na região. A proximidade, a ligação (ainda que pretensamente não desejada) com uma sociedade escravista fazia os apelos e os alertas sobre a escravidão metafórica ainda mais sensíveis e, portanto, mais eficientes. Elementos mobilizadores para uma guerra que, por sua vez, saía das páginas da imprensa, deixava de ser metafórica, ingressando também no campo das armas.

Considerações finais

Ao contrário do que se afirmava em grande parte da historiografia tradicional, que quando desfeitos os laços brasileiros com Portugal seria natural esta transferência de posse da província, sem a necessidade de convocação de assembleias ou consultas populares e que esse acontecimento não teve resistência e foi pacífico, as ações das lideranças do projeto comandado a partir do Rio de Janeiro favoráveis à anexação foram contestadas veementemente na Cisplatina, especialmente nas páginas dos jornais e de panfletos. Os anos de 1822 e, especialmente, 1823 foram de atividade intensa da imprensa, em sua maioria contrária à continuidade do domínio brasileiro. Na linguagem política, a escravidão denotou claramente a forma que o Império brasileiro agiu sobre a província, sem autonomia, sem a consideração da vontade geral e de maneira agressiva e impositiva. A escravidão exerceu um papel de alteridade fundamental. Diferenciava-se a população e os grupos políticos entre aqueles que eram escravos e senhores politicamente e aqueles que possuíam escravos. Ainda que o Império do Brasil tenha vencido o conflito armado, as tropas portuguesas expulsas da cidade em dezembro de 1823 e em fevereiro de 1824, e a província Cisplatina tenha sido integrada oficialmente ao Império do Brasil - última província a fazê-lo, a crescente diferenciação entre os locais e os brasileiros, entre as práticas e costumes apresentados (e inventados) nos jornais, ajudou a construir um sistema de identidades e alteridades que, em 1825, seria utilizado para iniciar a Guerra da Cisplatina e, posteriormente, em 1828, na criação da República Oriental do Uruguai. A linguagem política, parte dela manifestada nas metáforas da escravidão e liberdade, foi ferramenta decisiva nesse processo.

Referências

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  • 1
    A ampliação, em 12 de julho de 1821, da Liberdade de Imprensa promovida pelas Cortes Extraordinárias de Lisboa ajudou a desenvolver uma ampla e rica imprensa na cidade de Montevidéu. Anteriormente restrita a poucas e isoladas publicações, entre os anos de 1821 e 1824, durante o processo de independência do Brasil, 16 periódicos foram publicados, além de mais de uma centena de panfletos (González Demuro, 2013b; Winter, 2018).
  • 2
    O debate em torno das diferentes concepções de independência, parcial ou total, ou seja, ligada ao projeto buenairense ou uma soberania própria, movimentou os mesmos redatores dos impressos aqui analisados e provocou a busca de apoio oficial de Buenos Aires na luta contra o Império do Brasil, possibilidade que foi rechaçada pelos líderes no outro lado do Rio da Prata e desarticulou parte da oposição ao Brasil (Thévenin de Garabelli, 1978).
  • 3
    Carlos Frederico Lecor, em 10 de setembro de 1822, declarava sua adesão a D. Pedro e abandonava Montevidéu com direção a São José e, posteriormente, a Canelones. O ato que marcou o início dos conflitos entre brasileiros e portugueses na Cisplatina, também manteve o grupo ligado ao projeto brasileiro longe das prensas, todas localizadas em Montevidéu e, portanto, sem possibilidade de criar impressos favoráveis aos seus interesses. Estas publicações vão existir, com a criação de uma prensa volante, em número bastante restrito nos meses seguintes e sem forte impacto na cena pública da cidade.
  • 4
    El Ciudadano, Montevidéu, n. 1, 1 jun. 1823, p. 1. Os periódicos utilizados nesta investigação pertencem à Coleção Primeiros Impressos da Biblioteca Dr. Pablo Blanco Acevedo, Museu Histórico Nacional, Uruguai.
  • 5
    Outros trabalhos já trataram dos meandros do Congresso Cisplatino e os mecanismos de cooptação de Carlos Frederico Lecor para garantir o resultado a favor de Portugal e, mais especificamente, aos seus interesses particulares (Ferreira, 2012; Winter, 2018).
  • 6
    El hombre sin partido o resolución de la primera cuestión del conciliador” (23 nov. 1822, página única). Os panfletos aqui analisados pertencem à coleção Folletos da Biblioteca Nacional do Uruguai.
  • 7
    “El hombre sin partido...” (23 nov. 1822, página única).
  • 8
    É interessante observar a distinção entre “província oriental” e “Cisplatina” estabelecida pelo redator. Esta construção retórica, ainda incipiente, ganhará, especialmente durante a Guerra da Cisplatina (1825-1828), fortes contornos identitários auxiliando na construção de uma identidade oriental fundamental na formação da República Oriental do Uruguai (Pimenta, 2004; Winter, 2018).
  • 9
    Un patriota a los mocitos de tienda”, Montevidéu, s.d.
  • 10
    “El hombre sin partido...” (23 nov. 1822, página única).
  • 11
    “Un patriota...” (s.d.).
  • 12
    El hombre sin partido...” (23 nov. 1822, página única).
  • 13
    El Ciudadano, Montevideo, 1 jul. 1823, p. 1.
  • 14
    Contestacion al señor conciliador o Amigo de la Paz” (Montevidéu, 8 nov. 1822, p. 2).
  • 15
    Un patriota...” (s.d.).
  • 16
    Uso a descrição elaborada por Marco Morel ao descrever os relatos da imprensa do Brasil sobre a Revolução do Haiti. Para o historiador os impressos faziam referência a escravidão de duas formas: “utilizava-se o termo ‘escravidão’ em seu sentido político, de domínio de um povo sobre outro, ou de uma nação sobre outra - não necessariamente ligado à escravidão civil, isto é, ao regime de trabalho forçado e à posse de um ser humano sobre outro” (Morel, 2017, p. 236).
  • 17
    La Aurora, Montevidéu , n. 5, 18 jan. 1823, p. 3.
  • 18
    El Aguacero, Montevidéu , n. 3, 8 maio 1823, p. 11.
  • 19
    No original: “The only distinction between freedom and slavery consists in this: In the former state a man is governed by the laws to which he has given his consent, either in person or by his representative, in the latter, he is governed by the will of another”.
  • 20
    Pacífico Oriental de Montevideo, n. 25, 7 jul. 1821, p. 2.
  • 21
    La Aurora, Montevidéu , n. 7, 1 fev. 1823, p. 4.
  • 22
    El Aguacero, Montevidéu , n. 2, 26 abr. 1823, p. 2.
  • 23
    La Aurora, Montevidéu , n. 7, 1 fev. 1823, p. 8.
  • 24
    “Hymno de un fusilero cívico” (s.d.).
  • 25
    La Aurora, Montevidéu, n. 1, 21 dez. 1822, p. 7.
  • 26
    A retórica da escravidão e a utilização do neologismo “recolonização” e de expressões como “restabelecer o sistema colonial” têm data e objetivos específicos. São encontradas nos registros oficiais em relação aos trabalhos constituintes a partir do início de 1822 e tinham como objetivo fortalecer o governo de D. Pedro, sendo empregadas quando sua oposição ao governo de Lisboa já era concreta. Desse modo, estavam associadas aos diversos projetos para a unidade do Império luso e ao momento mais agudo de seu debate nas Cortes de Lisboa. Ainda no século XIX foi absorvida por parte da historiografia como causa fundamental da independência brasileira (Berbel, 2005, p. 791-808; Penalves Rocha, 2009, p. 15-45).
  • 27
    La Aurora, Montevidéu, n. 7, 1 fev. 1823, p. 2.
  • 28
    El Aguacero, Montevidéu, n. 2, 26 abr. 1823, p. 6.
  • 29
    Pacífico Oriental de Montevideo, Montevidéu, n. 10, 28 fev. 1822, p. 5.
  • 30
    Pacífico Oriental de Montevideo, Montevidéu, n. 11, 2 mar. 1822, p. 3.
  • 31
    El Patriota, Montevidéu, n. 5, 13 set. 1822, p. 2.
  • 32
    Com objetivo de controlar a população Cisplatina, principalmente em relação à polêmica com ex-donatários de terras do período artiguista foram determinadas, em 7 de setembro de 1821, instruções para a realização de censos em todas as jurisdições da província. Como lembra o próprio Eduardo Palermo, os dados dos censos são fragmentados e incompletos, haja vista que em poucas localidades foi possível fazer o levantamento completo (Palermo, 2008, p. 285).
  • 33
    Além da linguagem política explorada nesse trabalho, essas relações paradoxais entre a presença de cativos e o combate à escravidão política por figuras proeminentes da sociedade montevideana foram exploradas por Aníbal Barrios Pinto, que tratou do caso de um assassinato de uma rica viúva cometido por uma escrava e a defesa pública da cativa realizada por Lucas José Obes (1782-1838), advogado, figura central do apoio local ao Brasil e proprietário de um navio negreiro que fazia rotas entre Brasil, África e Cuba (Barrios Pinto, 1996, p. 173-193).
  • 34
    El Pampero, Montevidéu, n. 3, 1 jan. 1823, p. 8.
  • 35
    Borucki reafirma essa posição ao escrever que “El Río de la Plata no era una sociedad esclavista en su sentido pleno como Brasil y las Islas del Caribe, en donde la reproducción económica de la sociedad dependía de la mano de obra esclava en plantaciones que producían para mercados externos” (Borucki, 2017, p. 15).
  • **
    Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo(Fapesp). Bolsa de pós-doutorado (processo no 2021/01011-2).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    14 Mar 2021
  • Aceito
    20 Maio 2021
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