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A muralha cinzenta e o pórtico majestoso: o processo de patrimonialização do Complexo Penitenciário do Carandiru

Resumo:

Este artigo analisa a patrimonializacão do Complexo Penitenciário do Carandiru e suas contradições: de um lado, o apagamento das marcas arquitetônicas; e, de outro, o reconhecimento daquilo que foi considerado vestígio de sua história como patrimônio cultural da cidade de São Paulo (SP/Brasil). Em um primeiro momento, disseca-se o processo de tombamento, aberto em 1997, e são percorridos seus desdobramentos até seu deferimento definitivo, em 2020. Na segunda parte, problematizam-se as especificidades, os limites, as potencialidades e as fissuras de um trabalho de neutralização de memórias incômodas, que determina o que pode ser dito e lembrado a respeito do Carandiru e do massacre ali ocorrido. O escopo temporal é o tempo presente, traçando inteligibilidade a uma história ainda movediça e, em muitos momentos, insubordinada às narrativas assertivas e determinantes.

Palavras-chave:
Carandiru; Massacre; Patrimônio prisional; Prisões; História do tempo presente

Abstract:

This study analyzes the Carandiru Penitentiary Complex’s patrimonialization and its contradictions: on the one hand, the architectural marks erasure and, on the other hand, the recognition of what was considered a vestige of its history as the city of São Paulo’s (SP/Brazil) cultural heritage. First we dissected the listing process, opened in 1997, and followed its unfoldings until its definitive approval in 2020. In the second part, we problematize the specificities, limits, poten­t­ialities, and fissures of an uncomfortable memories neutralization work, which determines what can be said and remembered regarding Carandiru and the massacre that occurred there. The temporal scope is the present time, tracing intelligibility to a history still unstable and, in many moments, unsubordinated to assertive and determining narratives.

Keywords:
Carandiru; Massacre; Prison heritage; Prisons; Current time history

A muralha cinzenta e o pórtico majestoso1 1 Agradeço a Fernando Salla pelas conversas que permitiram compreender melhor a história da Penitenciária de São Paulo e da Casa de Detenção.

Logo nas primeiras páginas de Estação Carandiru, Dráuzio Varella descreve seu trajeto até o Complexo Penitenciário do Carandiru: “Desço na estação Carandiru e saio à direita, na frente do quartel da PM [polícia militar]. Ao fundo, a perder de vista, a muralha cinzenta com os postos de vigia. Vizinho do quartel abre-se um pórtico majestoso: Casa de Detenção, em letras pretas” (Varella, 1999VARELLA, Dráuzio. Estação Carandiru. São Paulo: Companhia das Letras, 1999., p. 13), como pode ser visto nas Figuras 1 e 2.

Figura 1
Pórtico de entrada da Casa de Detenção. Arquivo fotográfico pessoal de José de Araújo Monteiro, ex-carcereiro da Casa de Detenção. Década de 1990.

Figura 2
Muralha e pavilhões da Casa de Detenção de São Paulo, década de 1990.

Na atualidade, nem a muralha cinzenta, nem o pórtico majestoso com suas letras pretas existem mais. A Casa de Detenção de São Paulo, conhecida como Carandiru, foi o cenário da morte de 111 presos por policiais militares em 1992, numa ação de contenção de rebelião que ficou conhecida como Massacre do Carandiru.2 2 O Relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos usa o termo massacre, além de extermínio generalizado e morticínio indiscriminado, para descrever o modo como as vítimas foram executadas. Nos depoimentos de sobreviventes, foi relatado que o número de mortos era muito maior do que 111. A esse respeito ver: https://artsandculture.google.com/exhibit/mem%C3%B3ria-massacre-carandiru/XgIS6ep1-mKqIg?hl=pt-BR e https://www.massacrecarandiru.org.br/. Acesso em: 22 abr. 2021. Dez anos depois, em 2002, aquela que já foi considerada a maior cidade penitenciária do país e uma das maiores do mundo começou a ser implodida. Primeiramente, foram os pavilhões 6, 8 e 9, este último o palco do massacre. Em 2005, foi a vez dos pavilhões 2 e 5, encerrando o processo de implosão e desativação da Casa de Detenção. No local foi criado o Parque da Juventude, e os dois pavilhões remanescentes da Casa de Detenção, 4 e 7, foram substancialmente alterados, dando lugar a uma faculdade tecnológica, uma biblioteca e espaços para shows e saraus.

Jornais de todo o país noticiaram o fim do “inferno chamado Carandiru”, segundo matéria do jornal O Estado de S. Paulo. A implosão do Carandiru seria atração dominical: “Nem praia nem cinema. O programa de domingo [...] é ver a implosão de três pavilhões da Casa de Detenção”.3 3 O Estado de S. Paulo, São Paulo, 7 dez. 2002, p. 15. Tanto a destruição de edificações que poderiam ser aproveitadas para outros fins como o espetáculo construído em torno do evento são reveladores da maneira como a memória prisional vem sendo gestada. A vontade de apagamento dessa história incômoda varreu do tecido urbano parte importante da memória prisional do país.

A Penitenciária do Estado foi inaugurada em 21 de abril de 1920, na zona norte da cidade de São Paulo, no bairro Carandiru. Seu edifício foi uma das maiores construções realizadas pelo governo de São Paulo no início do século XX, e por muitos anos o lugar foi tido como uma prisão-modelo. Ao seu redor, o Complexo Penitenciário foi sendo erguido morosamente ao longo dos anos, englobando o Presídio de Mulheres, o Centro de Observação Criminológica, o Presídio da Polícia Civil e a Casa de Detenção.

A construção da Casa de Detenção, iniciada em 1956, foi pensada para receber detentos transferidos de outras unidades, principalmente daquelas localizadas na Ilha de Anchieta e na Avenida Tiradentes, como uma resposta à primeira grande crise de segurança pública vivida pelo estado de São Paulo, entre 1940 e 1960, a qual teve como epicentro a rebelião na Ilha de Anchieta, em 1952 (Salla, 2015SALLA, Fernando. Rebelião na Ilha Anchieta em 1952 e a primeira grande crise na segurança pública paulista. Dilemas, v. 8, n. 4, p. 633-658, 2015.). Em 1975 a Casa de Detenção já abrigava cinco mil presos, e, assim, a ideia de prisão-modelo foi cedendo lugar a novas representações, “associadas à violência, ao abandono e à precariedade”.4 4 Informação disponível em: https://nev.prp.usp.br/noticias/os-cem-anos-do-carandiru/. Acesso em: 30 mar. 2021. No dia 2 de outubro de 1992, dia do massacre, havia 7.257 homens encarcerados na instituição, dos quais 2.706 estavam recolhidos no Pavilhão 9.5 5 Os detentos que estavam no Pavilhão 9 no dia do massacre “eram réus primários (cumpriam sua primeira pena de prisão) e muitos deles ainda não haviam sido condenados, achando-se amparados pela presunção de inocência”, conforme Relatório n. 34/00 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, disponível em: https://cidh.oas.org/annualrep/99port/Brasil11291.htm. Acesso em: 30 mar. 2021.

O apagamento físico da memória do massacre é acompanhado da ausência de condenação aos culpados. Em 27 de setembro de 2016 o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo anulou os julgamentos dos 74 policiais militares envolvidos no episódio, todos julgados culpados pelo júri entre 2013 e 2014 (com penas variando entre 48 e 624 anos). Os laudos necroscópicos das 111 vítimas “indicam claramente que a polícia militar atirou com o intuito de incapacitar e matar e não para conter uma rebelião. A grande maioria dos ferimentos com arma de fogo atingiu o tórax e a cabeça. Muitos ferimentos evidenciam vítimas já rendidas, ajoelhadas ou deitadas”.6 6 Informação disponível em: https://artsandculture.google.com/exhibit/mem%C3%B3ria-massacre-carandiru/XgIS6ep1-mKqIg?hl=pt-BR. Acesso em: 30 mar. 2021. A destruição dos vestígios arquitetônicos alinha-se ao apagamento de culpados.

A maior matança de pessoas sob a custódia do Estado não teve culpados, e as indenizações por danos morais e materiais buscadas por alguns familiares em processos de responsabilidade civil foram em sua maioria concedidas pela Justiça mais de uma década após o massacre.7 7 Informação disponível em: https://artsandculture.google.com/exhibit/mem%C3%B3ria-massacre-carandiru/XgIS6ep1-mKqIg?hl=pt-BR. Acesso em: 30 mar. 2021.

Em meio às demolições e aos desdobramentos do julgamento, corria desde 1997 no Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) o processo8 8 Processo 1997-0.125.758-8, Conpresp. que solicitava o tombamento do Complexo Penitenciário do Carandiru, aprovado somente em 2020. Depois de 23 anos, demolições, implosões, descaracterizações e reformas, o que restava para ressignificar como patrimônio? No processo, muitas fotografias da Penitenciária do Estado e de seus imponentes prédios centenários, mas nenhuma das imagens aterradoras que se tornaram parte da memória da nação e circularam pelas imprensas nacional e internacional.9 9 “Nos Estados Unidos, centenas de emissoras de TV exibiram imagens da rebelião. Jornais americanos e europeus usaram palavras como ‘sangrento’, ‘atrocidade’ e ‘massacre’. O Brasil foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização de Estados Americanos (OEA), o maior organismo de monitoramento do respeito aos direitos humanos no continente. A acusação baseava-se nas evidências de uso indiscriminado da violência, como o fuzilamento de presos com armas como fuzis Colt AR-15, submetralhadoras HK e Beretta”. Informação disponível em: https://memoriaglobo.globo.com/jornalismo/coberturas/massacre-no-carandiru/. Acesso em: 23 mar. 2021. As imagens do massacre não fazem parte do documento.

O argumento central deste artigo é que a patrimonialização tardia e deformada carrega uma contraditória roupagem de reconhecimento da memória instituída como oficial tanto do massacre quanto da história prisional brasileira. Trata-se de um discurso despolitizado das questões ligadas aos direitos humanos, configurado com base em uma política de apagamento, tecendo uma memória neutralizada. A patrimonialização do Complexo Penitenciário do Carandiru mostra os limites da memória quando o assunto são os presos comuns.

A memória do Massacre do Carandiru permite refletir a respeito da complexidade de preservar os patrimônios difíceis (Borges, 2018BORGES, Viviane. Memória pública e patrimônio prisional: questões do tempo presente. Tempo e Argumento, v. 10, n. 23, p. 310-332, 2018.; Meneguello, 2020MENEGUELLO, Cristina. Patrimônios difíceis, sombrios. In: CARVALHO, Aline; MENEGUELLO, Cristina(eds.). Dicionário temático de patrimônio: debates contemporâneos. Campinas: Editora da Unicamp, 2020. p. 237-240.), e problematizar a configuração do patrimônio prisional como marginal, circunscrita às bordas ou excluída do consenso ordinário que liga o patrimônio cultural apenas ao belo e ao bom, instituindo um recordar marcado pela amnésia, pelo apagamento e pelo silêncio. Uma memória sombria, obscura, que não se deseja ativar, ligada a uma história que se prefere - consciente ou inconscientemente - não lembrar (Martí, 2008MARTÍ, Gil Manuel Hernàndez i. La memoria oscura el patrimonio cultural y su sombra. In: Congreso Internacional Restaurar la Memoria, 6., 2008, Valladolid. Anales…(editados por Javier Rivera Blanco). Valladolid: Junta de Castilla y León, 2008. v. 2, p. 629-637.). Lugares e vestígios relativos a eventos históricos traumáticos, marcados por violações de direitos humanos, e associados a políticas de memória que silenciam e apagam são, no entanto, frequentemente acionados por grupos preocupados em reativar, denunciar e reatualizar as memórias ligadas a tais episódios. Nesse caso não é diferente.

Neste artigo se analisa o processo de tombamento do Complexo Penitenciário do Carandiru no Conpresp, composto de cinco volumes10 10 O processo é composto de cinco volumes. No terceiro volume estão as plantas do Parque da Juventude, e o quarto trata do projeto de reforma da Penitenciária Feminina de Santana. A parte que aborda mais diretamente o complexo é o primeiro volume, em parte o segundo e o quinto, do qual consta a decisão final do Conpresp. O documento está em suporte papel e disponível à consulta presencial mediante agendamento no Conpresp. de uma fonte ainda inexplorada pela historiografia brasileira, bem como algumas das inúmeras reportagens em jornal acerca do tema, tendo como fio condutor algumas questões: o que determinou o que deveria ser implodido e o que deveria permanecer? Qual é o lugar do massacre nesse processo? É possível criar um lugar de memória para um tipo de violência que persiste no presente? Pode-se falar de uma política de memória ligada às prisões e aos presos comuns?

Outros questionamentos são apontados ao longo do texto. Não se pretende fornecer respostas a questões tão emblemáticas e latentes, mas sim instigar o debate, trazendo à tona um tema que extrapola o caso em tela e remete ao apagamento de determinados eventos e sujeitos na configuração do que é entendido como relevante à memória e ao patrimônio cultural. Para isso, em um primeiro momento se disseca o processo de tombamento, aberto em 1997, e são percorridos seus desdobramentos até seu deferimento, em 2020. Na segunda parte, problematizam-se as especificidades, os limites, as potencialidades e as fissuras de um trabalho de neutralização de memórias incômodas, que determina o que pode ser dito e lembrado a respeito do Carandiru e do massacre.

O fim do inferno?

O Processo Administrativo n. 1997-0.125.758-8 encaminhava os documentos visando a abertura de um processo de tombamento para o Complexo Penitenciário do Carandiru. O documento é de 23 de junho de 1997, cinco anos depois do massacre e cinco anos antes do início do trabalho de desativação e implosão da Casa de Detenção. O processo, encaminhado pelo Departamento do Patrimônio Histórico (DHP), solicitava o tombamento do Complexo por meio de uma “exposição de motivos” fundamentada principalmente na história da Penitenciária do Estado: “Sua importância histórica, arquitetônica e social” (Seção Técnica de Levantamento e Pesquisa, 2005). Data do mesmo dia o encaminhamento do Conpresp, que decide “abrir processo de tombamento do Complexo Penitenciário do Carandiru, visando preservar as características arquitetônicas e ambientais existentes”.

Em 1999, a Secretaria Municipal do Planejamento (Sempla)11 11 Em 1986, o Conpresp passou a integrar a estrutura da Sempla, visando assegurar uma visão mais ampla dos aspectos urbanísticos e um planejamento integrado do desenvolvimento do Município de São Paulo. Conforme a Lei 10.236, de 16 de dezembro de 1986, “caberá ao CONPRESP, em conjunto com a Secretaria Municipal de Cultura, formular as diretrizes e as estratégias necessárias para garantir a preservação de bens culturais e naturais”. solicitou mais informações, visto se tratar de um tema “bastante complexo”. Em 2000, o documento intitulado “Informação n. 458”, da Seção Técnica e Crítica de Tombamento (STCT) do DPH, corroborou a importância e indicou a necessidade de abertura de um processo de tombamento para a área - o que mostra que o processo ainda não estava aberto. Nesse mesmo ano, uma “Solicitação de tombamento” é enviada ao Conpresp pelos “moradores e cidadãos da zona norte da cidade de São Paulo”, sugerindo a criação de um parque, “semelhante ao Parque do Ibirapuera”. O documento de meia página, não indicava nada a respeito da preservação de qualquer edificação do Complexo. Foi criada então uma comissão de estudos12 12 As “Comissões de Constituição e Justiça, de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente, de Trânsito, Transportes, e Atividade Econômica, e Finanças e Orçamento”, deveriam ter como objetivo de fixar parâmetros para a ocupação da área do Carandiru. Eram membros das comissões os vereadores Jooji Hato, Aldaíza Sposati, Antônio Carlos Rodrigues e Adriano Diogo, tendo como presidente o vereador Erasmo Dias (Comissão de Estudos, Relatório Final, 21 de agosto de 2001). destinada a fixar parâmetros de ocupação da futura área correspondente ao Complexo do Carandiru e seus equipamentos, após desativação, fornecendo subsídios para a abertura do Processo de Tombamento.

Em 22 de agosto de 2001, o relatório da comissão apontava para a importância da preservação da Penitenciária do Estado, reiteradamente mencionada no processo, por seu significativo valor patrimonial, mas afirmava que a edificação ainda não se encontrava protegida nem pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) nem pelo Conpresp, solicitando por parte desses conselhos uma posição. Ressaltava-se a “exclusão de qualquer reaproveitamento de áreas edificadas no campo penitenciário”, pois, apesar de esse reaproveitamento ser uma das diretrizes colocadas pelo governo estadual, se desconheciam “os custos e a real capacidade de reaproveitamento das estruturas, além da inconveniência de se manter prédios vazios, sem utilização”. Erasmo Dias, presidente da comissão, assina o documento intitulado “Considerações Gerais - Desativação do Complexo do Carandiru”, que se refere ao “fim do inferno” ao descrever o projeto de desativação previsto para ser concluído em 2002: “Quando Secretário da Segurança, Deputado Federal e Deputado Estadual, sempre fomos adeptos da desativação do monstrengo Carandiru”.

Somente em 2001 a Resolução 15/200113 13 Documento disponível em: http://moyarte.com.br/centro-de-sao-paulo/conpresp-condephaat-iphan/resolucao15-01.pdf. Acesso em: 22 jan. 2021. do Conpresp (São Paulo, 2021) oficializou a abertura do estudo de tombamento do “Conjunto de Edifícios da Penitenciária do Estado”. Até esse momento, os estudos procuravam trazer elementos que justificassem a importância história do lugar, mas a preocupação mais proeminente era em relação à desativação e ao reaproveitamento da área. Por meio da referida Resolução, “a Casa do Administrador e a Vegetação Remanescente de Mata Atlântica existentes no denominado Complexo Penitenciário do Carandiru” foram incluídos na lista de bens a serem tombados. Ficaram de fora, porém, as Torres de Controle e o Portal da Casa de Detenção, elementos apontados na abertura do processo, em 1997. O parecer do arquiteto Carlos Lemos, que atuou como conselheiro no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), no Condephaat e no Conpresp, corrobora a importância do edifício da Penitenciária do Estado, excluindo o interesse histórico e artístico em relação às demais construções, entre elas as torres de vigilância e o pórtico:

[...] A determinação daquilo que seja histórico ou artístico é o problema latente quando tendem a prevalecer as decisões subjetivas ou políticas e daí a conveniência da deliberação coletiva, oportunidade em que as dúvidas são dissipadas com maior facilidade.

Essas reflexões são persistentes quando estamos a tratar do complexo arquitetônico encabeçado pela velha Penitenciária do Carandiru. Ali está descartada a possiblidade de estarmos diante de uma obra de arte. A arquitetura ali presente é simplesmente correta quando examinamos o primitivo edifício da década dos anos vinte projetado por Samuel Antônio das Neves e modificado e construído pelo escritório Ramos de Azevedo tendo em vista os modelos estrangeiros da época. O interesse artístico ou histórico das demais construções anexas é verdadeiramente desprezível, para não dizer nulo.

O ponto de vista histórico também é relativo, trata-se da primeira penitenciária paulista feita para substituir o velho presídio de Tiradentes, do qual já tombado pelo Condephaat o que restou do seu portão de entrada, merecedor de uma lápide alusiva aos planos políticos ali implicados.

Aceitando a Penitenciária do Carandiru como documento histórico, sugerimos o seu tombamento simplesmente circunscrito a seu perímetro, liberando da preservação oficial o seu terreno envoltório, e ao mesmo tempo, julgando mais que necessária a total demolição das construções salientes, inclusive a Casa de Detenção (Carlos Lemos, Consultor Relator; destaques meus).

Nas amarras e articulações entre o que lembrar e o que esquecer, nada até então havia sido mencionado a respeito do massacre. No processo consta um longo texto intitulado “História da Penitenciária do Estado”, elaborado pela Seção Técnica de Levantamento e Pesquisa do Departamento de Patrimônio Histórico (DPH). O documento traça a história do complexo desde a criação da penitenciária estadual até o massacre do Carandiru, sendo o evento citado pela primeira vez: “O ano de 1992 foi marcado por um dos episódios mais violentos de nossa história recente. A ação da polícia militar, ao reagir a uma rebelião de prisioneiros, produziu o episódio conhecido como o ‘Massacre do Carandiru’, com o trágico saldo de 111 presos mortos” (Departamento de Patrimônio Histórico, História da Penitenciária do Estado).

O documento reitera a importância do tombamento da Penitenciária do Estado, em razão do seu valor histórico, arquitetônico e social, excluindo a possibilidade de se preservar a Casa de Detenção em função de sua deterioração. Conforme mencionado, o edifício da penitenciária foi uma das maiores construções do governo de São Paulo no início do século XX. Assim, “à exuberância dos pavilhões alinhados simetricamente, que saltavam na paisagem, pesados, com paredes grossas, e a infinidade de janelas das celas, adicionou-se a fantasia do presídio-modelo” (Salla, 1999SALLA, Fernando. As prisões em São Paulo. São Paulo: Annablume; Fapesp, 1999., p. 193).

A fantasia do presídio-modelo parece inebriar a configuração de todo o processo de tombamento, voltando os holofotes para as edificações centenárias projetadas pelo famoso escritório Ramos de Azevedo, também responsável por projetar o Theatro Municipal de São Paulo. A muralha da penitenciária não foi em nada alterada ao longo dos anos, e os pavilhões de modo geral também não, sendo, portanto, a prisão mais antiga e de certa forma a que mais manteve a integridade de suas edificações desde sua criação. A Penitenciária do Estado pertence a outro tempo, algo distante do presente, representando um desejo de “demonstrar civilidade ao Brasil e ao mundo” (Departamento de Patrimônio Histórico, História da Penitenciária do Estado).

Entre as décadas de 1950 e 1960, uma série de denúncias em jornais passou a desfazer o mito, apontando as mazelas das prisões do Estado, contrariando os que ainda nutriam “a ilusão de que São Paulo construía e mantinha instituições modelares de controle social” (Salla, 2015SALLA, Fernando. Rebelião na Ilha Anchieta em 1952 e a primeira grande crise na segurança pública paulista. Dilemas, v. 8, n. 4, p. 633-658, 2015., p. 642). A ideia de penitenciária-modelo aparece como uma “memória imaginada” (Huyssen, 2002HUYSSEN, Andreas. En busca del futuro perdido: cultura y memoria en tiempos de globalización. México, DF: Fondo de Cultura Económica, 2002., p. 21), que facilmente apaga os problemas vividos pela instituição ao longo dos anos. A Casa de Detenção representa o presente, um contexto marcado pela superlotação, falta de assistência médica e jurídica, carência de funcionários, que suscitam violência, motins, homicídios, corrupção, abuso sexual, tráfico de drogas (Dias, 2014DIAS, Camila Nunes. Consolidação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema carcerário paulista e a nova configuração do poder. L’Ordinaire des Amériques, n. 216, p. 1-11, 2014.; Teixeira, 2006TEIXEIRA, Alessandra. Do sujeito de direito ao estado de exceção: o percurso contemporâneo do sistema penitenciário brasileiro. Dissertação (Mestrado em Direito), Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006.).

Sobre o massacre, o documento ressalta ainda: “A violência da ação chocou a opinião pública e foi destaque em todos os meios de comunicação, tendo ampla repercussão internacional. O maior presídio da América Latina tornou-se também o maior símbolo do fracasso do sistema prisional brasileiro” (Departamento de Patrimônio Histórico, História da Penitenciária do Estado).

O texto faz referência também à “megarrebelião” ocorrida em 2001, a qual mobilizou em 29 unidades prisionais um movimento sincronizado de rebeliões liderado por presos pertencentes a uma organização criminosa denominada de Primeiro Comando da Capital (PCC). “Milhares de espectadores acompanharam pela televisão, imagens das rebeliões que se espalharam pelos presídios do Estado. Um dos centros de comando do movimento foi a Casa de Detenção de São Paulo, com mais de sete mil presos” (Salla, 2006SALLA, Fernando. As rebeliões nas prisões: novos significados a partir da experiência brasileira. Sociologias, v. 8, n. 16, p. 274-307, 2006., p. 274). As rebeliões simultâneas tinham como objetivo pressionar a administração penitenciária para a volta à Casa de Detenção de São Paulo dos líderes do PCC, que dias antes haviam sido removidos dali, para o Anexo da Casa de Custódia de Taubaté. Os rebelados também solicitavam a desativação do anexo, “onde as regras disciplinares eram extremamente severas, permanecendo os presos, durante 23 horas por dia, isolados na cela, sem qualquer atividade e com severas restrições de visitas” (Salla, 2006, p. 275). O episódio tornaria ainda mais evidentes as condições inadequadas da casa de detenção, corroborando com sua demolição.

O massacre aparece de forma mais contundente no processo de tombamento em março de 2018, por meio de um parecer do Instituto de Arquitetos do Brasil de São Paulo (IAB-SP). Além de ressaltar a importância histórica da “penitenciária-modelo”, o documento menciona as “memórias dolorosas e polêmicas do trauma social que entrou para a história recente como Massacre do Carandiru”:

Note-se que tal leitura vai ao encontro de algumas discussões recentes no campo do patrimônio e memória que, sobretudo a partir da década de 1980, destacam a importância fundamental da preservação de sítios entendidos como espaços de ‘memória dolorosa’, ‘traumática’, ou ‘lugares de memória e consciência’, procurando destacar a sua fundamental importância para a construção futura de novas visadas da história sob outras perspectivas, e seu potencial pedagógico com vistas à tolerância e à afirmação dos direitos humanos.

O parecer foi lido na reunião de 19 de março de 2018 (Ata da 667ª Reunião Ordinária do Conpresp), quando o Tombamento do Complexo Penitenciário do Carandiru foi deferido, gerando a Resolução n. 38/2018 do Conpresp,14 14 Disponível em: www.conpresp.prefeitura.sp.gov.br. Acesso em: 20 fev. 2021. que considera que o complexo é “fundamental para a preservação da história prisional no Brasil, ocupando lugar de destaque nesta trajetória”. Conforme o artigo 1º da referida resolução, fica decidido:

TOMBAR o Complexo Penitenciário do Carandiru constituído pelo Conjunto Arquitetônico da Penitenciária do Estado, Edifício da Escola de Formação de Agentes Penitenciários e antigas Residências do Administrador (em sua configuração na década de 1920), pelo antigo edifício da prisão Albergue (atual Prisão da Polícia), pelos dois Pavilhões e obras civis remanescentes da Casa de Detenção (em sua configuração da década de 1950) e pela Mata Atlântica, em sua configuração da década de 1920 (Conpresp, Resolução n. 38).

O que de fato está se perpetuando para as gerações futuras depois das implosões? Quais são as razões desse reconhecimento tardio, deformado e neutralizado daquilo que restou como patrimônio cultural da cidade de São Paulo?

A Resolução n. 38 deixava de fora algumas edificações da Penitenciária do Estado, amplamente citadas e corroboradas pelo seu valor histórico e, por isso, foi solicitado o recurso à homologação da resolução, em 14 de novembro de 2019, encaminhado pela arquiteta Mirtes Baffii, vice-coordenadora do Núcleo SP/DOCOMOMO Br,15 15 “O DOCOMOMO é uma organização não governamental, com representação em mais de quarenta países. Foi fundada em 1988, na cidade de Eindhoven na Holanda. É uma instituição sem fins lucrativos e está sediada atualmente em Barcelona, na Fundació Mies van der Rohe, e é um organismo assessor do World Heritage Center da Unesco. Os objetivos do DOCOMOMO são a documentação e a preservação das criações do Movimento Moderno na arquitetura, urbanismo e manifestações afins. O DOCOMOMO é reconhecido como uma das mais importantes organizações mundiais ligadas às causas preservacionistas”. Disponível em: https://docomomo.org.br/old/docomemos/oqueedocomomo.htm. Acesso em: 20 fev. 2021. uma das mais importantes organizações mundiais dedicadas às causas preservacionistas. O recurso ressaltava que a base do processo aberto em 1997 era demonstrada pela história da Penitenciária do Estado e que a Resolução n. 38 não contemplava o Conjunto Penitenciário do Carandiru em sua integridade, o que “subtraía a possibilidade de perfeita compreensão do incomparável valor histórico e arquitetônico deste bem, motivo da ação de tombamento”. O recurso apresentado pela Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), em 17 de fevereiro de 2020, segue a mesma linha:

Dentro das edificações excluídas do tombamento, assustou-me o fato de nelas se encontrar a Penitenciária do Estado, projeto do escritório Ramos de Azevedo, do início do século passado (1911-1920) que introduziu na arquitetura dos cárceres, a criação de espaços não apenas penitenciais, mas também de recuperação dos aprisionados.

O recurso teve parecer favorável, propondo a ampliação da área protegida pela Resolução n. 38, mas seguiu a visão de preservação de forma isolada e não como conjunto, incluindo a preservação dos

Pavilhões da Penitenciária do Estado, Cozinha, Lavanderia, Oficinas, sistema de circulação (corredor), Cine-teatro, e demais edifícios intramuros: preservação das características arquitetônicas externas originais e partes ou elementos internos tais como: a circulação entre os mesmos (corredores), escadarias (guarda-corpos, pisos, soleiras), um exemplar de cela etc.

Garantia-se assim, ao menos oficialmente, a preservação da edificação modelar projetada por Ramos de Azevedo. Contudo, a Portaria (ou subportaria), da década de 1920, localizada na entrada da avenida Ataliba Leonel, teve sua estrutura modificada ao longo dos anos. A própria inscrição na entrada passou por momentos diferentes, de “Penitenciária” (apenas) para “Penitenciária do Estado”, acompanhando a curva do portal, e, por fim, a inscrição atual, também em arco, “Penitenciária Feminina Sant’Ana” (2005), quando o presídio deixou de ser masculino e se transformou em penitenciária feminina. As modificações ocorreram em meio aos embates sobre o tombamento, ignorando a preservação de elementos importantes do patrimônio carcerário.

No que se refere à Casa de Detenção, ficaram de fora, portanto, sete dos pavilhões (incluindo o 9, palco do massacre), o pórtico e a muralha. A respeito dos dois pavilhões remanescentes: “Preservação das características externas originais, tais como fachadas, cobertura, envasaduras e acabamentos especiais característicos do momento da construção do edifício”. Mas, depois das reformas empreendidas ao longo dos anos, o que ainda existe do “momento da construção”? A muralha cinzenta e o pórtico majestoso com suas letras pretas a indicar Casa de Detenção, apontados para um possível tombamento na abertura do processo em 1997, já não mais existiam em 2018. Como manter a “configuração da década de 1950” se os pavilhões remanescentes da Casa de Detenção já haviam sido completamente descaracterizados? Sobre a Casa de Detenção, a resolução ressalta:

Considerando que os ‘generosos cubos’, os pavilhões da CASA DE DETENÇÃO, são referências há mais de meio século e representam para a população paulistana e brasileira a memória histórica, triste, mas não menos importante, conhecida como o ‘massacre do Carandiru’, e que têm a função de perpetuar às gerações futuras, o resultado desastroso desta ação do homem e contribuir para que não se repita (destaque meu).

Os “generosos cubos”, os pavilhões 4 e 7, a que se refere a resolução, remanescentes da Casa de Detenção, são os vestígios mais visíveis do massacre, ainda que descaracterizados. No ínterim entre as demolições e obras, alguns espaços chegaram a ter outros usos. Em 2002, por exemplo, o Pavilhão 2, demolido em 2005, foi marcadamente descaracterizado por seu uso em algumas cenas do filme Carandiru.16 16 Informação disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1909200225.htm. Acesso em: mar. 2021. Em 2004, o Pavilhão 5 foi utilizado como moradia por trabalhadores encarregados das obras do Parque da Juventude, que em sua maioria moravam longe e preferiam dormir no local de trabalho.17 17 Informação disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1807200415.htm. Acesso em: mar. 2021. Os pavilhões 2 e 5, portanto, foram demolidos durante o longo e controverso processo de tombamento, muito antes das decisões sobre o que de fato seria preservado. Já os pavilhões 4 e 7 foram mantidos, ainda que irreconhecíveis devido às reformas que os descaracterizaram.

As demolições e as descaracterizações neutralizaram as potencialidades de reflexão a respeito de um lugar que seria fundamental para pensar a prisão, como a disposição das celas, a ocupação do lugar pelos presos, as reconfigurações instituídas pelo cotidiano institucional. Tornar algo patrimônio implica, em muitos sentidos, configurar uma herança cultural que se refere ao passado (Macdonald, 2009MACDONALD, Sharon. Difficult heritage: negotiating the Nazi past in Nuremberg and beyond. New York: Routledge, 2009.), mas, nesse caso, a discussão segue reverberando no presente, um passado incômodo, desajeitado, uma “memória histórica triste” que se deseja, quando não apagar, ao menos domesticar, silenciar.

“Se não lembra, parece que nem existiu”

A categoria patrimônio prisional ou patrimônio carcerário vem se configurando, nas últimas décadas, permeada por discussões, contradições e apagamentos (Borges, Santos, 2020). Preservar esses vestígios seria dar conta da memória dos sem voz, propondo uma reflexão baseada na seguinte questão: a privação da liberdade também deve ser uma exclusão da história?18 18 Informação disponível em: https://www.liberation.fr/societe/2014/09/18/les-prisons-font-aussi-partie-de-notre-patrimoine_1103194/. Acesso em: mar. 2021.

Em entrevista publicada em 2015, Carlos Augusto Mattei Faggin, então em seu nono mandato como conselheiro e no segundo como presidente do Condephaat, comentou: “Eu tive uma briga longa em um dos meus mandatos porque o [Geraldo] Alckmin resolveu demolir os pavilhões do Carandiru. Lutei muito, não consegui, para que fosse preservado como o nosso Holocausto”.19 19 Informação disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2019/08/07/interna_nacional,1075587/nao-admito-interferencia-de-ninguem-no-condephaat-diz-presidente-do.shtml. Acesso em: mar. 2021.

Se a memória do Holocausto se tornou uma espécie de metáfora global para designar tragédias contemporâneas (Huyssen, 2004HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2004.), a memória do Massacre do Carandiru também foi instituída como metáfora nacional para identificar outras histórias e memórias ligadas às prisões superlotadas e com perigo potencial de episódios de violência e rebeliões, chamadas de “novos Carandirus”.20 20 Refiro-me aqui às inúmeras reportagens que enunciam o surgimento de “novos Carandirus”. A exemplo disso, ver: http://noticias.r7.com/sao‐paulo/com‐prisoes‐superlotadas‐sp‐cria‐novos‐carandirus‐09092014 e https://ponte.org/cdp-pinheiros-o-novo-carandiru-de-sao-paulo/. Acesso em: 31 maio 2020. O episódio segue sendo constantemente atualizado no presente, reforçado pela mobilização social a cada 2 de outubro, quando diferentes segmentos da sociedade civil relembram o massacre, destinando esse dia à memória e à tematização de outros eventos marcados pela violência de Estado. A rememoração anual sugere um descompasso entre as políticas patrimoniais e as demandas da sociedade civil. A memória do massacre permanece presente, reatualizada em atos de memória, apesar do - ou mesmo como reação ao - apagamento operado pelo tombamento. A memória do massacre resiste às tentativas de silenciamento. O Carandiru parece ter se tornado um lugar-comum nacional, um prisma pelo qual olhamos outros exemplos ligados à violência prisional. Contudo, essa visibilidade não parece ser suficiente para se sobrepor à banalização que muitas vezes naturaliza o ocorrido como parte do cotidiano prisional brasileiro. As arbitrariedades no sistema prisional são tratadas como episódicas, e a comoção do público diante das denúncias sucessivas de violações de direitos humanos não reverberam em mudanças concernentes aos abusos que marcam as práticas carcerárias. Não se questiona a natureza dessas instituições (Castro, Santos, Borges, 2021CASTRO, Maurício; SANTOS, Myriam Sepúlveda dos; BORGES, Viviane. Contando uma história difícil: patrimônio prisional, arte e representação. In: FRAGA, Hilda et al. (ed.). Experimentações do patrimônio: diversidades e resistências. Porto Alegre: Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, 2021. p. 342-368.).

Ao longo dos anos outros “carandirus” foram apagados, como o Instituto Penal Cândido Mendes (1940, Rio de Janeiro, parcialmente demolido em 1994), o Complexo Penitenciário Frei Caneca (1850, no Rio de Janeiro, demolido em 2010), o Presídio de Tiradentes (1852, São Paulo, demolido na década de 1970). Na América Latina, outros lugares relacionados à memória das prisões, marcados pela violência de Estado, passaram por processos semelhantes de apagamento:

Sítios como Lecumberri no México, Punta Carretas no Uruguai, Carandiru no Brasil ou Buen Pastor na Argentina, tiveram um papel importante na construção de imaginários da modernidade em seus respectivos países e também funcionaram como suportes arquitetônicos para uma repressão que fez necessária sua demolição material no fim do século XX (Draper, 2013DRAPER, Susana. Las prisiones del archivo: pasado y presente de Lecumberri en Cementerio de papel. MLN, v. 128, n. 2, p. 352-372, 2013., p. 252).

Trata-se de construções que já representaram a modernidade relacionada às políticas prisionais em seus respectivos países, mas também são marcas da violência e da repressão, e, por essa razão, foram demolidas ao fim do século XX. A destruição desses complexos parece atender a um desejo de redenção, como se colocá-los por terra significasse o surgimento de dias melhores, silenciando passados traumáticos, negando a reparação e o reconhecimento da violência sofrida.

O parecer do arquiteto Carlos Lemos, citado anteriormente, a respeito do tombamento do Complexo do Carandiru, ao mencionar o tombamento do Arco de Tiradentes pelo Estado de São Paulo, levanta uma questão interessante. Tiradentes, criado em 1852, foi demolido em 1972 em virtude das obras do metrô, restando apenas o Arco de Pedra do portal de entrada, construído na década de 1930. Em 1985 o Arco foi tombado pelo Condephaat.21 21 Informação disponível em: http://www.memorialdaresistenciasp.org.br/memorial/upload/memorial/bancodedado s/130740251278039152_192_PRESIDIO_TIRADENTES.pdf. Acesso em: 22 maio 2015. Esse arco, vestígio de uma instituição carcerária cuja história atendeu às funções de casa de correção, depósito de escravos e cárcere político em diferentes momentos da história do país, se tornou monumento histórico, foi instituído como patrimônio cultural, contudo não há nenhuma indicação a respeito da história do presídio no local, o que nos leva a pensar que possivelmente grande parte dos transeuntes desconhece o que representa esse vestígio remanescente da história carcerária. Isso leva ao questionamento de Lemos: quais são os “planos políticos ali implicados”? Essa ausência de identificação e de conexão com o presente acaba neutralizando as potencialidades desses lugares de memória em incitar a reflexão, silenciando esses vestígios do passado que seguem na cena pública. A conexão passado-presente é fundamental à reflexão e razão de ser das políticas patrimoniais.

No parecer de Lemos, escrito em 2001, o interesse histórico referente à Casa de Detenção é apontado como “desprezível” ou “nulo”, indicando que esta deveria ser demolida. O documento não faz menção ao massacre. Conforme apontado, no processo de tombamento, as discussões que inserem a importância do massacre como parte do processo de patrimonialização aparecem com mais força somente a partir de 2018. O parecer do IAB-SP sinaliza “memórias dolorosas”, “traumática”, e “lugares de memória e consciência”, além de utilizar o termo massacre, e não motim ou rebelião.

As discussões contemporâneas a respeito da memória, a partir da década de 1980, são fortemente marcadas pelos embates políticos e traumáticos que os precederam (Huyssen, 2014HUYSSEN, Andreas. Culturas do passado-presente: modernismos, artes visuais, políticas da memória. Rio de Janeiro: Contraponto; Museu de Arte do Rio, 2014.). O período é marcado por uma série de acontecimentos: o pós-Guerra Fria, a descolonização, o fim das ditaduras na América Latina e a potencialização do fenômeno da globalização ao fim do século XX. A história do tempo presente, área de investigação nascida na França nos anos de 1970, é atravessada por essas narrativas preocupadas com os contradiscursos, que desconstroem os discursos oficiais e procuram traçar outras narrativas ligadas a grupos até então apartados da historiografia (Rousso, 2016ROUSSO, Henry. A última catástrofe: a história, o presente, o contemporâneo. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2016.).

A importância dada a essas “memórias dolorosas” conduz propostas que desejam ressignificar vazios representacionais, motivando a criação de “lugares de memória e consciência”. Há, por exemplo, um grupo de instituições filiadas à Coalizão Internacional dos Sítios de Consciência que se propõe a ligar violações ocorridas no passado aos movimentos atuais por direitos humanos.22 22 Sobre essas iniciativas, ver o site da Coalizão Internacional dos Sítios de Consciência, disponível em: https://www.sitesofconscience.org/en/home. Acesso em: 17 jun. 2020. “É preciso, portanto, que o público seja capaz de construir uma nova linguagem a partir do que foi apresentado e não apenas repetir palavras que possam ser para ele uma experiência melancólica” (Castro, Santos, Borges, 2021CASTRO, Maurício; SANTOS, Myriam Sepúlveda dos; BORGES, Viviane. Contando uma história difícil: patrimônio prisional, arte e representação. In: FRAGA, Hilda et al. (ed.). Experimentações do patrimônio: diversidades e resistências. Porto Alegre: Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, 2021. p. 342-368.). A história do tempo presente e seu escopo de pesquisa ligado ao século XX têm se dedicado ao estudo do trágico e de suas memórias, a histórias que são feridas ainda abertas, “passados que não passam”,23 23 A expressão “um passado que não passa” é empregada por Henry Rousso e Éric Conan (1994) para tratar de Vichy. evidenciando a maneira como a sociedade tem lidado com heranças desconfortáveis, incômodas, que provocam, entre outras coisas, questões acerca das práticas de seleção e preservação do passado recente.

A patrimonialização das prisões está ligada à história política e à história dos direitos civis e da violência de Estado, o que na América Latina remete à revisitação de espaços vinculados a processos ditatoriais,24 24 Como é o caso do Parque da Paz Villa Grimaldi, no Chile, propriedade transformada em centro de detenção após o golpe; do Museo de la Memoria de Rosario, na Argentina, localizado no prédio que serviu de sede ao Comando do II Corpo do Exército argentino; e do Memorial da Resistência de São Paulo, situado no antigo prédio do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo. com a criação de museus e memoriais em locais onde funcionavam antigos centros de aprisionamento e tortura, como é o caso do prédio do antigo Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi): “Não se pode apagar a história de nosso país, pois ela foi feita com muita luta e muito sangue. Derrubar prédios é a melhor forma de apagar a história. A derrubada do Carandiru é a melhor mostra dessa tentativa de apagar a história. [...] Se não lembra, parece que nem existiu” (Ivan Seixas, presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana - Condepe).25 25 Informação disponível em: https://revistaforum.com.br/blogs/rodrigovianna/brodrigovianna-ivan-seixas-tombamento-do-predio-do-doi-codi-e-um-marco-de-nossa-historia/#. Acesso em: mar. 2021.

No trecho, Ivan Seixas26 26 Ivan Seixas “foi preso em 1971, aos 16 anos, junto com seu pai pela Operação Bandeirante - OBAN. Levados para o DOI-Codi/SP foram torturados juntos. Seu pai foi morto sob tortura no DOI-Codi/SP em 17/04/1971. Toda sua família, a mãe Fanny e as duas irmãs, Ieda e Iara Seixas, também foram levadas ao DOI-Codi, onde também sofreram violações e viram o Joaquim ser morto”. Informação disponível em: http://www.memorialdaresistenciasp.org.br/memorial/default.aspx?c=entrevistados&identrevistado=4&identrevista=8. Acesso em: 18 fev. 2021. cita o exemplo do Carandiru para corroborar o tombamento realizado pelo Condephaat do prédio do antigo DOI-Codi, um dos mais conhecidos e emblemáticos centros de repressão da ditadura militar brasileira. O processo (n. 66578-2012) foi proposto por ele mesmo, um dos sobreviventes das torturas que aconteciam no DOI-Codi,27 27 Segundo levantamento de Brasil: Nunca Mais, pelo menos 1.843 pessoas passaram por algum tipo de tortura no DOI-Codi de São Paulo, entre 1969 e 1975. Entre as vítimas, estão alguns casos conhecidos, como o do jornalista Vladimir Herzog e da ex-presidenta Dilma Rousseff. Informação disponível em: http://spressosp.com.br/2014/01/27/ivan-seixas-e-adriano-diogo-tombam-o-doi-codi-de-sao-paulo/. Acesso em: mar. 2021. reconhecido como o local onde ocorreram mais mortes de opositores ao regime decorrentes de torturas. A historiadora Déborah Neves, no processo de tombamento do lugar, destaca sua importância como suporte físico fundamental da violação de direitos humanos, indispensável para ponderarmos sobre as “razões que levaram ao seu reconhecimento como patrimônio cultural do estado”.28 28 Processo n. 414, disponível em: http://condephaat.sp.gov.br/benstombados/conjunto-das-antigas-instalacoes-da-oban-e-doi-codi/. Acesso em: mar. 2021.

No caso do DOI-Codi se trata da memória de presos políticos cujas famílias insistiram em reivindicar seus mortos e desaparecidos e em elucidar os crimes e as torturas, buscando a criminalização dos responsáveis e o reconhecimento da importância histórica dos bens e locais relacionados ao regime.29 29 Processo n. 414, disponível em: http://condephaat.sp.gov.br/benstombados/conjunto-das-antigas-instalacoes-da-oban-e-doi-codi/. Acesso em: mar. 2021. Enquanto o DOI-Codi permaneceu como suporte físico incômodo, a perturbar a construção da memória oficial, impedindo seu caráter por vezes apaziguador e suas tentativas de apagamento, a demolição do Carandiru representa o apagamento de uma história incômoda, marcada por um tipo de violência que segue no presente. Os presos comuns, de forma geral, não são vistos como sujeitos de memória. Parece ter se criado o consenso de que a memória do encarceramento diz respeito somente aos presos políticos, corroborando uma atitude de indiferença em relação aos presos comuns, cujos abusos são naturalizados. São escassas até mesmo as fontes que documentam a passagem dos presos comuns pela prisão.

Myriam Sepúlveda dos Santos (2018SANTOS, Myriam Sepúlveda dos. Memórias das prisões da Ilha Grande: quatro histórias, duas colônias, uma ilha. Rio de Janeiro: Garamond, 2018.), que atuou na organização do Museu do Cárcere (RJ), aponta para as dificuldades de se obter registros e depoimentos deixados por presos comuns nos arquivos ligados às penitenciárias da Ilha Grande, no Rio de Janeiro. Por outro lado, de acordo com a autora, “os presos políticos, oriundos em sua maioria de setores da população que detinham mais recursos e poder, conseguiram dar visibilidade ao que vivenciaram e presenciaram” (Santos, 2013SANTOS, Myriam Sepúlveda dos. Ruínas e testemunhos: o lembrar através de marcas do passado. Revista de Ciências Sociais, n. 39, p. 221-239, 2013., p. 237). Michel Foucault (2010FOUCAULT, Michel. Inquirição sobre as prisões: quebremos a barreira do silêncio. In: FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos IV. Manoel Barros da Motta (ed.). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.), em seu envolvimento com o Grupo de Informações sobre Prisões (GIP), na década de 1970, já apontava o fato de que os presos políticos tinham meios de expressão privilegiados em relação aos presos de direito comum, estes últimos sem “conhecimentos, relações sociais, contatos exteriores que permitem saber o que dizem, o que fazem e, sobretudo, o suporte político que faz ricochetear sua ação” (Foucault, 2010FOUCAULT, Michel. Inquirição sobre as prisões: quebremos a barreira do silêncio. In: FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos IV. Manoel Barros da Motta (ed.). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010., p. 8).

No caso do Carandiru, essa diferença é crucial e determinante para a ausência de políticas de reconhecimento e reparação, que possibilitou o apagamento do lugar e a impunidade dos envolvidos. Susana Draper (2015DRAPER, Susana. Against depolitization: prison-museums, escape memories, and the place of rights. Memory Studies, v. 8, n. 1, p. 62-74, 2015., p. 63), ao tratar da despolitização de “prisões museus”, problematiza o fato de os presos comuns nunca serem sujeitos dos atos de memória, tecendo os limites do discurso ligado aos direitos humanos, que não se articulam às políticas de memória quando o assunto são as prisões e os presos de direito comum. É como se a memória do cárcere estivesse restrita aos presos políticos, pertencente a outro tempo, desvinculada dos problemas do presente.

Quando falamos do Complexo Penitenciário do Carandiru e dos presos comuns alojados na maioria das penitenciárias brasileiras, estamos falando de jovens, em sua maioria entre 18 e 25 anos, negros ou mestiços, pobres, com pouca ou nenhuma escolaridade, sem acesso à imprensa, à justiça, ou a possibilidades de participação política e canais de visibilidade, lembrados pela sociedade somente quando episódios de violência dentro de penitenciárias ganham visibilidade nos telejornais (Borges e Santos, 2019BORGES, Viviane, SANTOS, Myriam Sepúlveda dos. O patrimônio prisional: estética do sofrimento, fetiche e reflexão. Revista Luso-brasileira de Artes e Cultura, Porto, v. 1, p. 82-97, 2019.). É como se essa violência prisional ocorrida no presente não causasse empatia social, como se os recorrentes castigos ilegais no interior das prisões atendessem, ainda que de forma velada, ao desejo de vingança por parte das populações, visto que o controle do crime pelo sistema jurídico-penal não satisfaz à necessidade coletiva (Garland, 2009GARLAND, David. O que significa escrever uma ‘história do presente’? A abordagem genealógica de Foucault explicada. Revista Justiça e Sistema Criminal, v. 1, n. 1, p. 73-96, 2009.). As políticas de memória oficiais não parecem atentas às injustiças sociais do presente quando estas dizem respeito aos presos de direito comum, ou não conseguem sensibilizar a opinião pública a ponto de haver uma demanda social por um trabalho de memória. Ao contrário, parecem atentas em apagá-las, como se a destruição dos vestígios físicos exorcizasse as mazelas e apontasse para dias melhores. As prisões e a violência prisional não são memória; são um “aí está” desconfortável que afronta o presente e desafia as ações de patrimonialização.

A preservação do Pavilhão 9 implicaria lidar com marcas perturbadoras. O laudo sobre o local narra os danos encontrados nos pavilhões: marcas de tiros da polícia e de sangue nas paredes.30 30 Informação disponível em: https://artsandculture.google.com/exhibit/mem%C3%B3ria-massacre-carandiru/XgIS6ep1-mKqIg?hl=pt-BR. Acesso em: mar. 2021. Em 2002, enquanto seguiam os trabalhos de desativação, demolição e tombamento, a Casa de Detenção foi aberta à visitação. As visitas, monitoradas por funcionários das secretarias da Cultura e da Administração Penitenciária, tinham entrada gratuita e poderiam ser feitas de terça a domingo, entre 14h e 16h. Foram liberados para visitação somente os pavilhões 2 e 7. O visitante estava autorizado a levar máquinas fotográficas e filmadoras.

Escolas e público em geral lotaram o lugar, uma multidão inesperada de cerca de duas mil pessoas:31 31 Informação disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2109200215.htm. Acesso em: mar. 2021. “O caminho do visitante começará pelo pavilhão 2, localizado à esquerda de quem está de frente para o presídio. [...] A área mais ‘real’ e preservada da prisão integrará a segunda parte da visitação, que acontece no 3º andar do Pavilhão 7. Ali, o visitante só poderá andar em grupos de 30 ou 40 pessoas, e sempre com a presença de funcionários”.32 32 Informação disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1909200225.htm. Acesso em: mar. 2021.

A visitação da Casa de Detenção desativada e prestes a ser demolida permitia acesso a uma área tida como área mais real, mas que real era esse? A visita ao Complexo Penitenciário não é necessariamente uma novidade; a Penitenciária do Estado já foi parada obrigatória para os visitantes que passavam pela cidade: “Autoridades e personalidades de outros estados e países, de qualquer setor, quase que obrigatoriamente percorriam suas dependências e deixavam no livro de visitas as suas expressões padronizadas de admiração. Estudantes de diferentes idades e graus afluíram para lá em grande número, tornando a visita mais uma página de sua vida escolar” (Salla, 1999SALLA, Fernando. As prisões em São Paulo. São Paulo: Annablume; Fapesp, 1999., p. 194).

A visita realizada ao “presídio-modelo” na primeira metade do século XX em pouco se assemelha à visitação à Casa de Detenção no século XXI. Se antes as visitas despertavam elogios que corroboravam o mito de que a penitenciária representava uma “obra-prima no campo do tratamento penal” (Salla, 1999SALLA, Fernando. As prisões em São Paulo. São Paulo: Annablume; Fapesp, 1999., p. 196), no pós-massacre ela equivalia à corroboração de uma realidade aterradora, trazendo gatilhos do passado ao presente. O mito, que silenciava as “tragédias, violências e desmandos” (Salla, 1999, p. 197), presentes no cotidiano prisional já em suas primeiras décadas de funcionamento, se desfaz ao longo do tempo, corroído pelas denúncias constantes a respeito das violações de direitos humanos que acompanham a história do sistema penal brasileiro.

Após o massacre e sua ampla divulgação na imprensa, visitar a Casa de Detenção significava buscar sensações e imagens que corroborassem o discurso de violência recorrentemente noticiado. Uma das reportagens menciona o estudante Felipe de Oliveira (16 anos), que saiu de Guarulhos (SP) com dois amigos para conhecer o lugar, pois “tinha curiosidade em saber como os presos viviam”.33 33 Informação disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2109200215.htm. Acesso em: mar. 2021. Conhecer pavilhões desocupados e descaracterizados permite ter essa dimensão? Como tornar o patrimônio prisional ferramenta para uma discussão politizada a respeito do sistema carcerário?

O interesse da população pelo tema leva a uma procura de vestígios diante do apagamento. Na imprensa, algumas confusões fazem crer que parte das muralhas do Carandiru ainda se encontra no Parque da Juventude: “O estigma da penitenciária até chegou a criar rejeição em outros tempos. Atualmente, só colabora para atrair pessoas. Principalmente por causa de uma muralha de 600 metros: era de lá que os seguranças vigiavam os internos”;34 34 Informação disponível em: https://vejasp.abril.com.br/cidades/santana-parque-da-juventude/. Acesso em: mar. 2021. “Em meio ao Parque da Juventude, ao lado do metrô Carandiru, ruínas de uma muralha preservada ainda lembram a existência do presídio que já abrigou mais de 8.000 homens”;35 35 Informação disponível em: http://especial.folha.uol.com.br/2015/morar/santana-guarulhos/2015/10/1695138-parque-da-juventude-da-vida-nova-ao-carandiru.shtml. Acesso em: mar. 2021. “Parte das ruínas da antiga Casa de Detenção do Carandiru também foram mantidas dentro do parque e estão disponíveis para visitação. Os freqüentadores podem conhecer os 600 metros do antigo presídio e suas celas”.36 36 Informação disponível em: https://www.saopaulo.sp.gov.br/ultimas-noticias/parque-da-juventude-revitaliza-antiga-area-prisional-do-carandiru/. Acesso em: mar. 2021.

As ruínas são muitas vezes atribuídas equivocadamente à Casa de Detenção, sendo remanescentes de duas unidades prisionais que não chegaram a ser concluídas. Esses restos do passado prisional não fizeram parte das instalações dos antigos pavilhões do Carandiru, mas sim de um projeto não finalizado que aumentaria a quantidade de cárceres do complexo (Bianchini, 2018BIANCHINI, Douglas Alves. Do Carandiru ao Parque da Juventude: reconstrução da paisagem urbana. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo), Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo, 2018.).

Na teia das políticas de memória moldadas pelo Estado para silenciar o massacre e cristalizar novos e apaziguadores sentidos, dois lugares de memória foram criados no local onde antes existia a Casa de Detenção: o Museu Penitenciário Paulista e o Espaço Memória Carandiru. O museu, aberto ao público em 2014, possui um riquíssimo acervo a respeito da história das prisões em São Paulo e prefere o termo motim em detrimento a massacre, atenuando as dimensões do ocorrido. O Espaço Memória foi criado pelo Decreto Estadual n. 52.112, de 30 de agosto de 2007, e volta-se para a história do bairro do Carandiru, do Complexo Penitenciário e do Parque da Juventude, não mencionando o massacre em sua “missão”37 37 Informação disponível em: http://www.etecpj.com.br/memoria/#services. Acesso em: mar. 2021. (Borges, 2018BORGES, Viviane. Memória pública e patrimônio prisional: questões do tempo presente. Tempo e Argumento, v. 10, n. 23, p. 310-332, 2018.). O massacre segue à margem dos processos de patrimonialização, neutralizado por uma política de memória que o apaga e desautoriza outras formas de identificação, um caminho marcado por disputas sobre o que deve ser dito e o que deve ser silenciado.

Cabe mencionar que ambos os lugares possuem importantes acervos para pensar a história das prisões no Brasil. Na reunião que aprova o tombamento do Complexo, é “sugerido o estudo para a abertura de processo de tombamento de dois acervos, já sob a guarda do Estado, que viriam a reforçar a compreensão das dinâmicas e do cotidiano da popu­lação carcerária que ali habitou em dois momentos distintos: o acervo do Museu Penitenciário e o acervo do Espaço Memória Carandiru” (Ata da 667ª Reunião Ordinária do Conpresp, 19 de março de 2018).

Os acervos ficaram de fora do tombamento de 2020. Foi indicado apenas que, “após os procedimentos referentes ao tombamento, o processo deverá retornar ao Departamento de Patrimônio Histórico para análise dos acervos”. Ambos os lugares citados possuem acervos fotográficos e objetos relacionados à vida no cárcere, contudo, a relevância do escopo documental abrigado pelo Museu Penitenciário Paulista deve ser ressaltada como fundamental para a história do sistema carcerário no Brasil, compondo um dos maiores e mais importantes acervos ligados à história das prisões da América Latina, contendo objetos variados, usados e produzidos pelos presos, como armas, utensílios de tatuagem e material artístico, obras de arte realizadas em oficinas, algumas peças datadas da década de 1920, como pinturas, esculturas e móveis feitos pelos detentos, além de documentos como relatórios e regimentos de diferentes penitenciárias do Estado e pareceres do Conselho Penitenciário de São Paulo. Cabe destacar ainda o arquivo fotográfico, com 2.600 fotografias, e arquivos detalhados de tatuagens de presos, organizados entre 1920 e 1940, além de uma numerosa coleção de fotografias institucionais que mostram o cotidiano prisional em períodos distintos.

Considerações finais

De forma conclusiva, pode-se dizer que o patrimônio prisional envolve a preservação de acervos prisionais em diferentes suportes (textuais, objetos tridimensionais, fotográficos etc.), abrangendo os objetos apreendidos e os vestígios deixados pelos presos durante o período de reclusão (Borges e Santos, 2019BORGES, Viviane, SANTOS, Myriam Sepúlveda dos. O patrimônio prisional: estética do sofrimento, fetiche e reflexão. Revista Luso-brasileira de Artes e Cultura, Porto, v. 1, p. 82-97, 2019.). Assunto movediço, inconcluso e incômodo, que provoca um misto de familiaridade ordinária e estranha repulsa, impedindo que as prisões e seus vestígios sejam entendidos como parte da história e do patrimônio. O acervo do Museu Penitenciário Paulista é indispensável para compreender a história das prisões no Brasil, as dinâmicas internas, as práticas institucionais. Logo, envolver o local no processo de patrimonialização é essencial para repensar as políticas de memória relacionadas às prisões e evitar que essas fontes sejam também apagadas.

Procurou-se neste texto, por um lado, dar inteligibilidade a um processo de patrimonialização cercado por contradições e, por outro, traçar as especificidades do patrimônio prisional e os embates que essa tipologia faz emergir. O patrimônio, nesse caso, liga-se a “um passado do qual o presente não pode ou não quer se desligar completamente. Quer se trate de celebrá-lo, imitá-lo, conjurá-lo, de extrair prestígio dele ou apenas de poder visitá-lo” (Hartog, 2013HARTOG, François. Tempo e patrimônio. Varia Historia, v. 22, n. 36, p. 261-273, 2013., p. 197). Uma memória esconjurada, que insiste em relembrar um passado incômodo, tece o processo de patrimonialização enviesado e contraditório do Complexo Penitenciário do Carandiru. O ajuizamento patrimonial que deixa de fora ou neutraliza o massacre, bem como a atualidade que ele representa no que tange à realidade do sistema prisional brasileiro, constroem novos sentidos, selecionam o que deve ser lembrado, apagam, renomeiam ou implodem o que deve ser esquecido. Mas todo esse esforço de invisibilização não consegue exorcizar o incômodo que o Carandiru e tudo que ele representa traz à tona a cada rememoração.

Referências

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  • BORGES, Viviane, SANTOS, Myriam Sepúlveda dos. O patrimônio prisional: estética do sofrimento, fetiche e reflexão. Revista Luso-brasileira de Artes e Cultura, Porto, v. 1, p. 82-97, 2019.
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  • VARELLA, Dráuzio. Estação Carandiru São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
  • 1
    Agradeço a Fernando Salla pelas conversas que permitiram compreender melhor a história da Penitenciária de São Paulo e da Casa de Detenção.
  • 2
    O Relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos usa o termo massacre, além de extermínio generalizado e morticínio indiscriminado, para descrever o modo como as vítimas foram executadas. Nos depoimentos de sobreviventes, foi relatado que o número de mortos era muito maior do que 111. A esse respeito ver: https://artsandculture.google.com/exhibit/mem%C3%B3ria-massacre-carandiru/XgIS6ep1-mKqIg?hl=pt-BR e https://www.massacrecarandiru.org.br/. Acesso em: 22 abr. 2021.
  • 3
    O Estado de S. Paulo, São Paulo, 7 dez. 2002, p. 15.
  • 4
    Informação disponível em: https://nev.prp.usp.br/noticias/os-cem-anos-do-carandiru/. Acesso em: 30 mar. 2021.
  • 5
    Os detentos que estavam no Pavilhão 9 no dia do massacre “eram réus primários (cumpriam sua primeira pena de prisão) e muitos deles ainda não haviam sido condenados, achando-se amparados pela presunção de inocência”, conforme Relatório n. 34/00 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, disponível em: https://cidh.oas.org/annualrep/99port/Brasil11291.htm. Acesso em: 30 mar. 2021.
  • 6
    Informação disponível em: https://artsandculture.google.com/exhibit/mem%C3%B3ria-massacre-carandiru/XgIS6ep1-mKqIg?hl=pt-BR. Acesso em: 30 mar. 2021.
  • 7
    Informação disponível em: https://artsandculture.google.com/exhibit/mem%C3%B3ria-massacre-carandiru/XgIS6ep1-mKqIg?hl=pt-BR. Acesso em: 30 mar. 2021.
  • 8
    Processo 1997-0.125.758-8, Conpresp.
  • 9
    “Nos Estados Unidos, centenas de emissoras de TV exibiram imagens da rebelião. Jornais americanos e europeus usaram palavras como ‘sangrento’, ‘atrocidade’ e ‘massacre’. O Brasil foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização de Estados Americanos (OEA), o maior organismo de monitoramento do respeito aos direitos humanos no continente. A acusação baseava-se nas evidências de uso indiscriminado da violência, como o fuzilamento de presos com armas como fuzis Colt AR-15, submetralhadoras HK e Beretta”. Informação disponível em: https://memoriaglobo.globo.com/jornalismo/coberturas/massacre-no-carandiru/. Acesso em: 23 mar. 2021.
  • 10
    O processo é composto de cinco volumes. No terceiro volume estão as plantas do Parque da Juventude, e o quarto trata do projeto de reforma da Penitenciária Feminina de Santana. A parte que aborda mais diretamente o complexo é o primeiro volume, em parte o segundo e o quinto, do qual consta a decisão final do Conpresp. O documento está em suporte papel e disponível à consulta presencial mediante agendamento no Conpresp.
  • 11
    Em 1986, o Conpresp passou a integrar a estrutura da Sempla, visando assegurar uma visão mais ampla dos aspectos urbanísticos e um planejamento integrado do desenvolvimento do Município de São Paulo. Conforme a Lei 10.236, de 16 de dezembro de 1986, “caberá ao CONPRESP, em conjunto com a Secretaria Municipal de Cultura, formular as diretrizes e as estratégias necessárias para garantir a preservação de bens culturais e naturais”.
  • 12
    As “Comissões de Constituição e Justiça, de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente, de Trânsito, Transportes, e Atividade Econômica, e Finanças e Orçamento”, deveriam ter como objetivo de fixar parâmetros para a ocupação da área do Carandiru. Eram membros das comissões os vereadores Jooji Hato, Aldaíza Sposati, Antônio Carlos Rodrigues e Adriano Diogo, tendo como presidente o vereador Erasmo Dias (Comissão de Estudos, Relatório Final, 21 de agosto de 2001).
  • 13
    Documento disponível em: http://moyarte.com.br/centro-de-sao-paulo/conpresp-condephaat-iphan/resolucao15-01.pdf. Acesso em: 22 jan. 2021.
  • 14
    Disponível em: www.conpresp.prefeitura.sp.gov.br. Acesso em: 20 fev. 2021.
  • 15
    “O DOCOMOMO é uma organização não governamental, com representação em mais de quarenta países. Foi fundada em 1988, na cidade de Eindhoven na Holanda. É uma instituição sem fins lucrativos e está sediada atualmente em Barcelona, na Fundació Mies van der Rohe, e é um organismo assessor do World Heritage Center da Unesco. Os objetivos do DOCOMOMO são a documentação e a preservação das criações do Movimento Moderno na arquitetura, urbanismo e manifestações afins. O DOCOMOMO é reconhecido como uma das mais importantes organizações mundiais ligadas às causas preservacionistas”. Disponível em: https://docomomo.org.br/old/docomemos/oqueedocomomo.htm. Acesso em: 20 fev. 2021.
  • 16
    Informação disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1909200225.htm. Acesso em: mar. 2021.
  • 17
    Informação disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1807200415.htm. Acesso em: mar. 2021.
  • 18
    Informação disponível em: https://www.liberation.fr/societe/2014/09/18/les-prisons-font-aussi-partie-de-notre-patrimoine_1103194/. Acesso em: mar. 2021.
  • 19
    Informação disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2019/08/07/interna_nacional,1075587/nao-admito-interferencia-de-ninguem-no-condephaat-diz-presidente-do.shtml. Acesso em: mar. 2021.
  • 20
    Refiro-me aqui às inúmeras reportagens que enunciam o surgimento de “novos Carandirus”. A exemplo disso, ver: http://noticias.r7.com/sao‐paulo/com‐prisoes‐superlotadas‐sp‐cria‐novos‐carandirus‐09092014 e https://ponte.org/cdp-pinheiros-o-novo-carandiru-de-sao-paulo/. Acesso em: 31 maio 2020.
  • 21
    Informação disponível em: http://www.memorialdaresistenciasp.org.br/memorial/upload/memorial/bancodedado s/130740251278039152_192_PRESIDIO_TIRADENTES.pdf. Acesso em: 22 maio 2015.
  • 22
    Sobre essas iniciativas, ver o site da Coalizão Internacional dos Sítios de Consciência, disponível em: https://www.sitesofconscience.org/en/home. Acesso em: 17 jun. 2020.
  • 23
    A expressão “um passado que não passa” é empregada por Henry Rousso e Éric Conan (1994ROUSSO, Henry; CONAN, Éric. Vichy, un passé qui ne passe pas. Paris: Fayard, 1994.) para tratar de Vichy.
  • 24
    Como é o caso do Parque da Paz Villa Grimaldi, no Chile, propriedade transformada em centro de detenção após o golpe; do Museo de la Memoria de Rosario, na Argentina, localizado no prédio que serviu de sede ao Comando do II Corpo do Exército argentino; e do Memorial da Resistência de São Paulo, situado no antigo prédio do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo.
  • 25
    Informação disponível em: https://revistaforum.com.br/blogs/rodrigovianna/brodrigovianna-ivan-seixas-tombamento-do-predio-do-doi-codi-e-um-marco-de-nossa-historia/#. Acesso em: mar. 2021.
  • 26
    Ivan Seixas “foi preso em 1971, aos 16 anos, junto com seu pai pela Operação Bandeirante - OBAN. Levados para o DOI-Codi/SP foram torturados juntos. Seu pai foi morto sob tortura no DOI-Codi/SP em 17/04/1971. Toda sua família, a mãe Fanny e as duas irmãs, Ieda e Iara Seixas, também foram levadas ao DOI-Codi, onde também sofreram violações e viram o Joaquim ser morto”. Informação disponível em: http://www.memorialdaresistenciasp.org.br/memorial/default.aspx?c=entrevistados&identrevistado=4&identrevista=8. Acesso em: 18 fev. 2021.
  • 27
    Segundo levantamento de Brasil: Nunca Mais, pelo menos 1.843 pessoas passaram por algum tipo de tortura no DOI-Codi de São Paulo, entre 1969 e 1975. Entre as vítimas, estão alguns casos conhecidos, como o do jornalista Vladimir Herzog e da ex-presidenta Dilma Rousseff. Informação disponível em: http://spressosp.com.br/2014/01/27/ivan-seixas-e-adriano-diogo-tombam-o-doi-codi-de-sao-paulo/. Acesso em: mar. 2021.
  • 28
    Processo n. 414, disponível em: http://condephaat.sp.gov.br/benstombados/conjunto-das-antigas-instalacoes-da-oban-e-doi-codi/. Acesso em: mar. 2021.
  • 29
    Processo n. 414, disponível em: http://condephaat.sp.gov.br/benstombados/conjunto-das-antigas-instalacoes-da-oban-e-doi-codi/. Acesso em: mar. 2021.
  • 30
    Informação disponível em: https://artsandculture.google.com/exhibit/mem%C3%B3ria-massacre-carandiru/XgIS6ep1-mKqIg?hl=pt-BR. Acesso em: mar. 2021.
  • 31
    Informação disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2109200215.htm. Acesso em: mar. 2021.
  • 32
    Informação disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1909200225.htm. Acesso em: mar. 2021.
  • 33
    Informação disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2109200215.htm. Acesso em: mar. 2021.
  • 34
    Informação disponível em: https://vejasp.abril.com.br/cidades/santana-parque-da-juventude/. Acesso em: mar. 2021.
  • 35
    Informação disponível em: http://especial.folha.uol.com.br/2015/morar/santana-guarulhos/2015/10/1695138-parque-da-juventude-da-vida-nova-ao-carandiru.shtml. Acesso em: mar. 2021.
  • 36
    Informação disponível em: https://www.saopaulo.sp.gov.br/ultimas-noticias/parque-da-juventude-revitaliza-antiga-area-prisional-do-carandiru/. Acesso em: mar. 2021.
  • 37
    Informação disponível em: http://www.etecpj.com.br/memoria/#services. Acesso em: mar. 2021.
  • **
    Pesquisa com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina - Fapesc (Edital Universal 12/2020) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (Chamada CNPq/MCTI/FNDCT 18/2021).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    12 Jul 2021
  • Aceito
    28 Out 2021
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