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Crises da memória na Europa contemporânea: 1918, 1945, 1989 e além

Crises of memory in contemporary Europe: 1918, 1945, 1989 and beyond

Resumo:

Crises da memória na Europa contemporânea: 1918, 1945, 1989 e além introduz as discussões que orientaram a concepção do dossiê de mesmo título. Sob este aspecto, analisa algumas dimensões teóricas, bem como o debate historiográfico em torno da construção das memórias europeias no século XX e suas relações com os eventos traumáticos e processos de violência que caracterizaram a experiência recente do continente. Considera, assim, a memória, em suas variantes comunicativa, cultural e política, bem como sua importância central para se compreender as tensões entre uma identidade europeia e as variadas identidades nacionais.

Palavras-chave:
Europa; Memória; Século XX

Abstract:

Crises of memory in contemporary Europe: 1918, 1945, 1989 and beyond introduces the discussions that guided the conception of the dossier of the same title. Under this aspect, it analyses some theoretical dimensions as well as the historiographical debate around the construction of European memories in the twentieth century and its relations with the traumatic events and processes of violence that have characterised the continent’s recent experience. It thus considers memory, in its communicative, cultural and political variants, as well as its central importance for understanding the tensions between a European identity and varied national identities.

Keywords:
Europe; Memory; Twentieth century

... a memória é uma vasta ferida.

ChicoBuarque (2009BUARQUE, Chico. Leite derramado. São Paulo: Companhia das Letras, 2009., p. 6)

No início da década de 1940, no ápice da expansão nazista na Europa, durante a Segunda Guerra, Stefan Zweig, o famoso escritor austríaco de origem judaica, exilara-se no Brasil. Escolhera, mais precisamente, a cidade de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro. De lá, escreveu sua autobiografia, a qual pretendia, segundo ele, ser a biografia de sua geração. Nela, ao narrar os anos que antecederam a eclosão da Grande Guerra, em 1914, Zweig recordava sua cidade natal, Viena e constatava: “em nenhum outro lugar era mais fácil ser europeu” (Zweig, 2014ZWEIG, Stefan. Autobiografia: o mundo de ontem. Rio de Janeiro: Zahar, 2014., p. 38).

Carl Schorske, em seu estudo sobre história intelectual da Europa moderna, elege também Viena como espaço privilegiado de análise. No hoje clássico Viena fin-de-siècle, o autor chama atenção para as inovações em áreas diversas nas quais atuou a intelligentsia da cidade, constituindo o que se identificou em toda a esfera cultural europeia como “escolas vienenses”, principalmente na psicologia, história da arte e música, mas também na literatura, arquitetura, pintura e política. Sob esses aspectos, “os austríacos se entregaram a reformulações críticas ou transformações subversivas de suas tradições, que foram reconhecidas por sua sociedade como radicalmente novas” (Schorske, 1988SCHORSKE, Carl E. Viena fin-de-siècle: política e cultura. São Paulo: Companhia das Letras , 1988., p. 21).

Anos mais tarde, na introdução de sua monumental história da Europa pós-1945, Tony Judt também nos falava sobre Viena. E, ao se referir à capital do Império Habsburgo nos primeiros anos do século XX, constatava que “Viena era a Europa: o centro fértil, nervoso e autocomplacente de uma cultura e civilização às vésperas do apocalipse” (Judt, 2007JUDT, Tony. The past is another country: myth and memory in post-war Europe. In: MÜLLER, Jan-Vern (ed.). Memory and power in post-war Europe. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 157-183., p. 16).1 1 Esta e as demais citações de obras em língua estrangeira têm tradução livre. É emblemática, nesse sentido, a imagem de uma cidade que abrigava, em 1913, às vésperas do primeiro conflito mundial e em um raio de poucos quilômetros, figuras centrais para a história do século XX em diferentes áreas, como Freud (que escrevia seu paradigmático Totem e tabu), Tito, Hitler, Stalin, Trotsky e (ainda que com maior dificuldade, dada sua intensa agenda de viagens) o próprio Zweig (Morton, 1989MORTON, Frederic. Thunder at twilight: Vienna 1913/1914. New York: MacMillan, 1989.).

Mas o que exatamente compunha esse ser europeu - em grande medida idealizado -, ao qual se referia Zweig, ou essa cultura e civilização autoindulgente de que falava Judt? Sob muitos aspectos, a autoimagem da Europa na modernidade forjou-se em torno de valores como humanismo, liberdade, razão, progresso e cosmopolitismo. Também o amor pela arte e pela cultura que, mais uma vez conforme as memórias de Zweig (2014ZWEIG, Stefan. Autobiografia: o mundo de ontem. Rio de Janeiro: Zahar, 2014., p. 29), teria sido cultuado em Viena com paixão incomum, seria outro traço distintivo da identidade europeia.

Essa Europa amante das artes, centro cultural e “civilizacional” do mundo moderno, no entanto, deixara de existir em 1914. E essa é, em certo sentido, a amarga conclusão de Zweig, a qual, no limite, o levara ao suicídio. A partir de então, e tendo em vista também o que se seguiria pelo menos até 1945, o velho continente imergiu na violência, no caos, na barbárie, nos mais variados e dilacerantes processos de brutalização das relações sociais.

Aqui, mais uma vez, Viena aparecia também como espelho europeu. Muito longe da notável capital cosmopolita de fin-de-siècle, Viena refletia, então, a decadência da cultura liberal moderna que forjou a identidade do continente no século XIX. Ao contrário, assistia-se, naquele momento, o triunfo de movimentos e regimes que negavam o que, até pouco tempo, os europeus pareciam considerar sua própria essência (Botz, 2018BOTZ, Gerhard. Nationalsozialismus in Wien. Viena: Mandelbaum, 2018., 55s.). Assim, no lugar da razão, parecia haver triunfado o culto ao líder; no lugar da liberdade, a guerra e a violência; em vez da celebração do indivíduo, o fulgor das massas em cena. Nesse contexto, a célebre capital do Império Austro-Húngaro passou

da condição de gloriosa metrópole imperial à capital empobrecida de um diminuto rebotalho de Estado, Viena decaíra de modo constante, acabando por se tornar um posto avançado do império nazista, ao qual a maioria dos vienenses jurou fervorosa lealdade (Judt, 2007JUDT, Tony. The past is another country: myth and memory in post-war Europe. In: MÜLLER, Jan-Vern (ed.). Memory and power in post-war Europe. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 157-183., p. 16).

Mais tarde, nos anos 1950, quando os europeus fizeram do “esquecimento um estilo de vida” (Judt, 2007JUDT, Tony. The past is another country: myth and memory in post-war Europe. In: MÜLLER, Jan-Vern (ed.). Memory and power in post-war Europe. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 157-183.), Viena e a Áustria, de maneira geral, sintetizaram mais uma vez este espírito, demonstrando extraordinária habilidade para esquecer:

esquecer o fato de que, como a República Federal, a República da Áustria foi um Estado sucessor do Terceiro Reich; esquecer o papel de muitos austríacos individualmente nos piores crimes da era nazista; esquecer as cenas selvagens de júbilo que saudaram Hitler durante sua viagem triunfal pela Áustria após o Anschluss; e esquecer a forma vergonhosa com que muitos austríacos participaram e muitas vezes lucraram com a destruição da comunidade judaica austríaca (Berger, 2012BERGER, Thomas U. War guilt and world politics after World War II. Cambridge: Cambridge University Press, 2012., p. 83).

De certo modo, a história da Europa no século XX pode ser compreendida, portanto, como a história da decadência dos valores e da sociedade liberal moderna forjada no século anterior; das tragédias que se acumularam, sobretudo, durante a “nova guerra de trinta anos europeia”, entre 1914 e 1945 (Traverso, 2009TRAVERSO, Enzo. A sangre y fuego: de la guerra civil europea, 1914-1945. Buenos Aires: Prometeo, 2009.) e das formas a partir das quais o continente tentou lidar com o passado indizível que se apresentava diante de seus olhos depois de 1945. Datas importantes como 1914, 1939, 1945, 1989 ajudaram a demarcar perspectivas específicas quanto ao futuro do continente, mas também com relação ao passado. Esse, por sua vez, tornou-se uma obsessão. Sobretudo após o Holocausto, acertar as contas com o passado e lidar com os eventos traumáticos que marcaram a experiência europeia transformaram-se, progressivamente, em um importante imperativo de reconstrução democrática, tanto do ponto de vista nacional como também de integração do continente.

Mais recentemente, nas últimas três décadas, a Europa tem vivido um período de intensas transformações em sua autoimagem, com implicações fundamentais nos campos cultural e político. Boa parte desse fenômeno está relacionada com as políticas de memória e sua decantação, tanto entre as populações nacionais quanto no nível da comunidade europeia. Os objetos dessas “crises da memória”, como define Susan Suleiman (2019SULEIMAN, Susan. Crises de memória e a Segunda Guerra Mundial. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2019.), ganham variações nacionais e locais, mas respondem a alguns momentos-chave da história recente do continente: a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, o Holocausto, a desagregação do bloco socialista e a formatação da União Europeia (UE). Violência, crise e autoritarismo se mesclam com ideias de cosmopolitismo, liberdade e igualdade, formando um complexo mosaico que habita o imaginário conjunto do continente, mas que evidencia tensões nos (e por vezes entre) os lugares (Nora, 1993NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares de memória. Projeto História, São Paulo, v. 10, p. 7-28, set.-dez. 1993.) e espaços (Assmann, 2006ASSMANN, Aleida. Erinnerungräume: Formen und Wandlungen des kulturellen Gedächtnis. München: C. H. Beck, 2006.) de memória.

Diante desse pano de fundo, a memória abre questões fundamentais que se desdobram em diferentes frentes: a apreensão e o esquecimento, a identidade pessoal e coletiva, sua visualidade e sua imaterialidade. As perspectivas que se desenrolam a partir dessas premissas colocam o historiador diante de questões importantes para perceber não apenas seu trabalho, mas também, e talvez principalmente, como seu próprio tempo lida com o passado.

Aleida Assmann (2014ASSMANN, Aleida. Geschichte im Gedächtnis: von der individuellen Erfahrung zur öffentlichen Inszenierung. München: C. H. Beck, 2014.) nos lembra, em um ensaio produzido a partir da pergunta fundamental da identidade alemã e sua relação com o passado, que a história de vida, pessoal de cada indivíduo, não é uma peça isolada, com começo, meio e fim (ainda que ela tenha, de fato, começo, meio e fim), mas está ancorada permanente e irremediavelmente em uma “corrente, nas conexões das gerações, gêneros, nações e culturas” (Assmann, 2014BERGER, Thomas U. War guilt and world politics after World War II. Cambridge: Cambridge University Press, 2012., p. 71). Dessa forma, um dos elementos mais essenciais para a formação de uma identidade (histórica) dos indivíduos e das sociedades está ligado a uma memória familiar, a partir da qual a história e os contextos históricos que se ligam à família (em geral, primeiro grupo de reconhecimento do indivíduo) são percebidos e assimilados. Essa conexão familiar com a memória e com as narrativas da experiência histórica levaram os estudiosos da memória a uma conceituação específica para essa memória mais elementar, denominando-a memória comunicativa. Ela está, portanto, ligada a uma curta temporalidade, uma temporalidade que registra uma certa permanência da experiência histórica rememorada e tem sua duração variada de cerca de três ou quatro gerações, pois depende da “existência de portadores e comunicadores vivos dessa experiência” (Welzer, 2017WELZER, Harald. Das kommunikative Gedächtnis: eine Theorie der Erinnerung. München: C. H. Beck , 2017., p. 14).

E se a família pode ser apontada como primeiro repositório da memória, as memórias coletivas emanam de diferentes espaços, de diferentes grupos, de diferentes tempos (Halb­wachs, 2003HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2003.), e o indivíduo, em uma reflexão sociopraxiológica (Bourdieu, 2011BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2011.), transita por diferentes grupos, por diferentes campos, tendo sua experiência demarcada por uma transculturalidade que permeia, também, a relação com a(s) memória(s) coletiva(s).

Na esteira desse reconhecimento, a reflexão da antropóloga alemã reside na percepção mais elementar sobre a memória, que é a sua característica comunicativa e experiencial. A amplitude dessa constatação vem sendo comprovada nas últimas décadas. Ela não está ligada apenas às ideias de Pierre Nora (1993NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares de memória. Projeto História, São Paulo, v. 10, p. 7-28, set.-dez. 1993.) sobre os lugares de memória, eles mesmos pensados e projetados para garantir o impulso permanente de rememoração e celebração. Ao contrário, Nora problematizava a ideia de que os lugares de memória supriam uma carência de memória, ou melhor, se projetavam contra o esquecimento:

Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque essas operações não são naturais. [...] Mas se o que eles defendem não estivesse ameaçado, não se teria, tampouco, a necessidade de construí-los (Nora, 1993NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares de memória. Projeto História, São Paulo, v. 10, p. 7-28, set.-dez. 1993., p. 13).

Assmann não nega a natureza desses lugares e leva adiante as reflexões acerca da memória. Para a autora, não é mais o problema da carência que se impõe sobre as sociedades, mas uma transformação na natureza mesma dessa memória. Se, então, os museus, arquivos e memoriais ditavam uma espécie de fluxo de memória, resguardando e promovendo em seus lugares - esses demarcados como próprios para essa preservação -, hoje temos a conformação de uma busca pelo entendimento do que se chama de memória cultural, isto é, uma memória que se mostre duradoura e que se relacione com a identidade do grupo em questão e com seu imaginário. Na constituição dessa memória cultural de um determinado grupo, os lugares de memória têm lugar essencial, mas também as sociabilidades, as experiências coletivas culturais, uma convivência interna que promova a experiência da memória em seu caráter cultural, social e psicológico. É a partir do

intercâmbio de uma coletividade por meio de um enquadramento referencial comum que se criam as condições para que um passado entre na memória coletiva desse grupo. Com isso, o fenômeno do esquecimento também se torna mais claro: se um enquadramento referencial para os fenômenos do presente não surge ou se perde, não haverá ponto de referência a partir do qual se possa verificar retrospectivamente sua existência. O passado então desaparece literalmente sem deixar vestígios no decorrer do tempo (Schraten, 2011SCHRATEN, Jürgen. Zur Aktualität von Jan Assmann. Wiesbaden: VS Verlag, 2011., p. 16-17).

Esses referenciais para a constituição da memória coletiva são atingidos a partir das sociabilidades, ou seja, da memória comunicativa. Mas só se tornam verdadeiramente fixados com a sua transformação cultural, quando eles se inserem em enquadramentos coletivos mais amplos, refletindo-se em comunicações e narrativas sobre o passado. E, nesse sentido, a estética, a visualidade e a performatividade ganham espaço na constituição de uma memória que se pretende permanente (cultural). Em particular, a visualidade das mídias que, cada vez mais avançadas e com capacidade de armazenamento cada vez maior, transformam signos e imagens em elementos constitutivos de imaginários que transpassam as gerações, ainda que a experiência primária das gerações que vivenciaram os acontecimentos relativos à memória em foco desapareça com o passar do tempo.

Esse fenômeno pode ser facilmente compreendido quando observamos o reforço constante que a visualidade impõe sobre as memórias pessoais de crianças nascidas no século XXI. Assim como, no plano individual, as crianças crescem em uma rememoração constante, com imagens onipresentes de sua vida sendo relembradas por fotografias infinitas,2 2 O Instagram, por exemplo, foi criado em 2010, o que nos leva a ter já praticamente uma geração criada sob a influência da massificação das imagens. Apenas a título de exemplo, é possível pensar endereços e perfis no Instagram como espaços virtuais de memória. Essa definição não se aplica apenas às postagens publicadas por perfis de museus e memoriais, que publicizam parte de seus acervos e cumprem uma função pedagógica ao explicarem esses elementos aos “visitantes”, mas também - e talvez principalmente - a perfis que promovem conscientizações sobre determinado período ou personagem histórico a partir de uma reconstrução virtual do cotidiano de dado contexto histórico. Um exemplo dessa variante performativa é o perfil @IchBinSophieScholl, que se propôs a reconstituir o último ano de Sophie Scholl, estudante resistente ao nazismo e membra da organização Rosa Branca, por ocasião do centenário de seu nascimento. O perfil virtual foi uma iniciativa do SWR (Südwestrundfunk) e do BR (Bayerischer Rundfunk). no plano coletivo as imagens que reforçam memórias sensíveis são projetadas e retransmitidas de modo constante e permanente, exponencializando a afirmação de Mitchell (1994MITCHELL, W. J. T. Picture theory. Chicago: Chicago University Press, 1994., p. 41) de que as imagens são não apenas elementos basilares do imaginário, mas também produtoras da realidade social.

Esses elementos da memória ainda garantem a base e possibilitam a discussão em torno daquilo que Marianne Hirsch chamou de pós-memória, um fenômeno que se torna cada vez mais observável à medida que as gerações “guardiãs” de dada memória, especialmente as traumáticas, desaparecem. Guiadas pela afetividade e sensibilidade, as gerações que se seguem à geração que experienciou o trauma acabam por incorporar a ideia de memória como se fosse a sua própria. Nas palavras da autora,

[...] os descendentes dos sobreviventes (de vítimas e de perpetradores) de grandes eventos traumáticos se conectam de forma tão profunda às lembranças da geração anterior que sentem a necessidade de chamar essa conexão de memória, de forma que, em circunstâncias extremas, memória pode ser transmitida para aqueles que não estiveram lá para vivenciar o evento. Ao mesmo tempo - assim é assumido - essa memória recebida é distinta da recordação das testemunhas e participantes contemporâneos. Daí a insistência no “pós” e nos muitos adjetivos que tentam definir tanto um ato de transferência intra- e trans-geracional específico quanto os efeitos secundários ressonantes do trauma (Hirsch, 2008HIRSCH, Marianne. The generation of postmemory. Poetics Today, v. 29, n. 1, p. 103-128, 2008., 105-106, destaques no original).

A concepção dessa pós-memória tem clara ligação emocional com a memória comunicativa e com as imagens hipermidiáticas e agentes (Assmann, 2006ASSMANN, Aleida. Erinnerungräume: Formen und Wandlungen des kulturellen Gedächtnis. München: C. H. Beck, 2006. p. 221) a que somos expostos cotidianamente, imagens que preenchem, por assim dizer, os espaços do imaginário que a falta da experiência real acarreta.

Essa pós-memória, entretanto, não prescinde nem pode substituir o testemunho, que se torna a base para a fundação de uma memória das violências e dos traumas, dos quais a contemporaneidade está plena de exemplos. O testemunho transcende a mera narrativa, dando corpo (ou voz) a uma experiência-limite: “‘eu vi’, ou ‘vi com os meus próprios olhos’. Essa expressão valida o objeto de um testemunho em um sentido distinto do estritamente empírico ou positivista. Ela também tem uma força performativa com relação à experiência comum e devastadora de “ter estado em um lugar” (Lacapra, 2020LACAPRA, Dominick. Traumatopismo: do trauma o sublime pela via do testemunho? In: FREDERIGO, Fabiana de Souza; GOMES, Ivan Lima (org.). História e trauma:linguagens e usos do passado. Vitória: Milfontes, 2020. p. 29-70., p. 33). O ter estado no lugar, o ter testemunhado e o falar sobre a experiência caracterizam essa “Era da Testemunha” (Wieviorka, 1998WIEVIORKA, Annette. L’Ère du témoin. Paris: Plon, 1998.), que serve àquilo que se colocou, no pós-guerra, como primado: o dever de memória.

A partir desses elementos, é possível compreender que a memória cultural vem se pavimentando no imaginário (pode-se dizer mesmo global) pela fundamentação de uma cultura da memória. Essa cultura visa proteger, alimentar e espalhar a consciência sobre o passado, em uma busca, primeiro, pelo reconhecimento dos sofrimentos e das perdas provocadas pelos acontecimentos violentos das últimas décadas, e, em segundo lugar, por um efeito pedagógico em relação às violências e a sua prevenção. A memória, aqui, demonstra que sua dimensão comunicativa ultrapassa a dimensão monumentalística e simbólica, uma dimensão que já está presente nas sociabilidades mais básicas e diversas, mas que é exponencializada com as novas mídias e com a revolução digital. Essa exponencialização traz as memórias, antes locais ou específicas, para uma nova dimensão, abrindo espaço para aquilo que Levy e Sznaider (2007LEVY, Daniel; SZNAIDER, Natan. Erinnerung in globaler Zeitalter: Der Holocaust. Frankfurt: Suhrkamp, 2007.) chamam de memória cosmopolita. Trata-se da constituição de uma memória cultural de escala global, uma que engloba não apenas as lembranças culturais, mas também as construções identitárias e as legitimações políticas.

O impulso para essa cultura da memória advém de uma certa consciência da ruptura civilizacional que a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto representam e está ligado à derrocada dos grandes impérios e da política imperialista europeia.3 3 “Discursos de memória de um novo tipo surgiram pela primeira vez no Ocidente depois da década de 1960, no rastro da descolonização e dos novos movimentos sociais em sua busca por histórias alternativas e revisionistas. A procura por outras tradições e pela tradição dos ‘outros’ foi acompanhada por múltiplas declarações de fim: o fim da história, a morte do sujeito, o fim da obra de arte, o fim das metanarrativas. Tais declarações eram frequentemente entendidas literalmente, mas, no seu impulso polêmico e na replicação do ethos do vanguardismo, elas apontam diretamente para a presente recodificação do passado, que se iniciou depois do modernismo” (Huyssen, 2000, p. 10). Ele implica também em uma expansão dos espaços e lugares de memória, como é o caso dos memoriais que surgem nas capitais europeias. Destacam-se nesse sentido o Mémorial de la Shoah, de Paris, e o Denkmal für den ermordeten Juden Europas, em Berlim. Levando em consideração que a “memória é melhor servida pelo rito do que pela crônica” (Wieviorka, 1998WIEVIORKA, Annette. L’Ère du témoin. Paris: Plon, 1998., p. 74), os dois memoriais investem na sensibilidade em suas narrativas: o francês em um tom solene-ritualístico e o alemão em uma performance da opressão e do isolamento. A partir da aplicação de políticas de memória articuladas, a ideia de lugares de memória, de Pierre Nora, ganha aqui um alcance mundial quando monumentos e museus voltados para memória de genocídios e das violências não apenas se tornam pontos turísticos ou de rememoração da própria população, mas também de seus visitantes estrangeiros. Um movimento duplo pode ser aqui observado: a nação e a história nacional se tornam, por um lado, apenas incidentais na constituição da memória, enquanto, por outro lado, a memória nacional abre espaço para contraposições a essas narrativas memorialísticas, em particular quando o viés nacionalista entra em pauta e busca uma “redenção” perante a memória “global”.

Esse processo não foi, claro, colocado em prática na Europa imediatamente após a guerra. Ao contrário, o passado e sua memória tiveram vidas duplas, como aponta Tony Judt:

Surgiram assim duas formas de memórias: a das coisas feitas a ‘nós’ pelos alemães na guerra, e a lembrança bastante diferente (embora semelhante) das coisas feitas por ‘nós’ para ‘outros’ depois da guerra (tirando vantagem de uma situação que os alemães tinham tornado possível, embora não intencionalmente). Dois vocabulários morais, dois tipos de raciocínio, dois passados. Nesta circunstância, a lembrança desconfortavelmente confusa de coisas feitas por nós a outros durante a guerra (ou seja, sob os auspícios alemães) se perdeu convenientemente. Foi nessas circunstâncias que surgiu o mito da ‘Resistência’. Se houvesse um ponto de referência na memória nacional para os anos entre 1939 e 1945 só poderia ser o inverso daquele que estava firmemente ligado aos alemães. Se os alemães eram culpados, então ‘nós’ éramos inocentes. Se a culpa consistia em ser alemão ou trabalhar para alemães e seus interesses - e dificilmente poderia ser negado que em cada país tais pessoas estiveram presentes e foram proeminentes - então a inocência tinha que significar uma postura antialemã, depois de 1945, mas também antes. Assim, para ser inocente, uma nação tinha que ter resistido, e ter feito isso em sua esmagadora maioria, uma reivindicação que foi forçosamente feita e pedagogicamente aplicada em toda a Europa, da Itália à Polônia, da Holanda à Romênia (Judt, 2004JUDT, Tony. The past is another country: myth and memory in post-war Europe. In: MÜLLER, Jan-Vern (ed.). Memory and power in post-war Europe. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 157-183., p. 163).

A dinâmica da memória aqui descrita ganha contornos nítidos quando aplicamos esses filtros à memória europeia. Fica claro que a memória, em suas variantes comunicativa, cultural e política, surge como uma questão de primeiro plano na tensão entre uma identidade europeia e as variadas identidades nacionais.4 4 A temática da resistência, levantada por Tony Judt, e sua relação com a memória e os museus é uma das linhas mais férteis para compreender essa dinâmica. Para mais sobre as narrativas da resistência e sua relação com a memória em diferentes países, ver os trabalhos de Denise Rollemberg (2016; 2021). Henry Rousso chega mesmo a identificar essa dinâmica da cultura de memória em relação ao Holocausto como um ‘pedágio’ a ser pago pelos países postulantes à União Europeia, em uma espécie de “reconhecimento das cumplicidades locais” com os crimes nazistas - o que a historiografia vem, desde a década de 1970, desvelando com o desenvolvimento da história do cotidiano. Rousso diferencia ainda a memória positiva (relativa aos grandes feitos e aos heróis) da memória negativa, que “está ligada a um compromisso cívico e moral voluntário, que procura agir sobre o passado. Ela é negativa porque evoca episódios fatais, mas positiva em seus objetivos: o nunca mais, a lembrança do pior no intuito de permitir um mundo melhor” (Rousso, 2020ROUSSO, Henry. A memória traumática da Europa. In: FREDERIGO, Fabiana de Souza; GOMES, Ivan Lima(org.). História e trauma: linguagens e usos do passado. Vitória: Milfontes , 2020. p. 71-80., p. 72).

Essa premissa da memória negativa ganha espaço nas políticas de memória de praticamente todos os países da Europa Ocidental, seja ela referente à Primeira Guerra, à Segunda Guerra, ao Imperialismo ou, em especial, ao Holocausto. O primado dos direitos humanos guia essas iniciativas, que ganha, a partir da queda do bloco socialista, um novo capítulo, um pouco tortuoso e controverso, com o reconhecimento de uma “dupla herança”, a do nazismo e a do comunismo.

Assim, a partir de 1989, após as revoluções que levaram à queda do socialismo na Europa Central e do Leste, tendeu-se à constituição de uma narrativa estruturada fundamentalmente em torno da premissa da reunificação do continente sob os valores da “verdadeira Europa” (Mark et al., 2019MARK, James et al. (ed.). 1989: A global history of Eastern Europe. New York: Cambridge University Press, 2019.), reivindicados, inclusive, pela própria intelectualidade centro-europeia.5 5 A esse respeito, ver o emblemático ensaio de Milan Kundera (1983), ou o conjunto de ensaios do filósofo Jan Patočka (1991), também de origem tcheca, como Kundera,. Os estudos dos processos de integração da memória regional em âmbito europeu, no entanto, têm mostrado, cada vez mais, as fissuras dessa narrativa, apontando para as complexidades e mesmo para a contestação da identidade europeia conforme elaborada a partir do Ocidente.

De maneira geral, em toda a Europa Central, o passado recente, tanto o comunista como aquele relativo à ocupação nazista durante a Segunda Guerra Mundial, tornou-se objeto de constante discussão a partir da década de 1990. O cientista político Georges Mink afirma que as preocupações memorialísticas acompanharam as transições democráticas nos diversos países da Europa Central e do Leste. Muito embora não se trate, ainda de acordo com o autor, de um ressurgimento do debate memorialístico, mas de sua intensificação, agora incluindo novas questões e novas categorias de vítimas (Mink, 2021MINK, Georges. Mémoire, histoire e politique en Europe Centrale, de la réconciliation à la réactivation des conflicts du passé. In: DELSOL, Chantal; NOWICKI, Joanna (dir.). La vie de l’esprit en Europe centrale et orientale depuis 1945. Dictionnaire encyclopedique. Paris: Les Éditions du CERF, 2021., p. 329-330).

Nesse sentido, nos últimos trinta anos, as questões relativas aos passados autoritários da região transformaram-se em elementos fundamentais, não apenas para a construção das identidades nacionais e regionais, mas também como componente da política externa desses países, em particular, no âmbito europeu. Essencialmente, portanto, o debate sobre memória na Europa Central e do Leste tem sido marcado pela reivindicação de reconhecimento dos crimes cometidos por regimes invasores, ou seja, o nazista e, em perspectiva mais recente (e muitas vezes mais sensível), o comunista.

Mas, se os meandros da construção da memória nesses países têm em comum tal reivindicação, sob outros aspectos, há diferenças que dizem respeito tanto às experiências nacionais como também aos distintos e cambiantes contextos políticos.

Ao analisar o que chamou de “memória dividida” da Europa, Aleida Assmann (2013ASSMANN, Aleida. Europe’s divided memory. In: BLACKER, Uilleam; ETKIND, Alexander; FEDOR, Julie(ed.). Memory and theory in Eastern Europe. New York: Palgrave Macmillian, 2013.) constatou que, em virtude dos períodos massivos e prolongados de violência na história do continente, seu passado está longe de ser pacificado; pelo contrário, continua a assombrar o presente com erupções periódicas e controvérsias, escândalos e tabus. Sob este aspecto e apesar dos esforços de construção de uma memória transnacional, em detrimento das memórias nacionais, as disputas e contestações quando se trata de interpretar, representar e comemorar o passado europeu continuam a existir.

O trabalho de Assmann acima referido insere-se em um conjunto de reflexões mais amplo, levado a cabo pelos pesquisadores Uileam Blacker, Aleksander Etkind e Julie Fedor, na coletânea Memory and theory in Eastern Europe. Nessa obra os autores propõem investigar o estado atual da memória do Leste Europeu, “desigual, contestada e invariavelmente rica - e examinar como as abordagens teóricas e as práticas acadêmicas dos Estudos da Memória podem ser aplicadas e transformadas nessa região” (2013, p. 2).

Assim, concentrando-se especificamente nos processos de construção da memória no Leste Europeu, os autores destacam que, em contraste com a memória do Ocidente, nas antigas democracias populares, a memória cultural não foi dominada pelo Holocausto e a conquista nazista da Europa. Ao contrário, ali, as práticas autoritárias e violentas exercidas pelos Estados contra seus próprios cidadãos, tanto na União Soviética quanto nos países da Europa Central e Leste, foram tão importantes quanto, e, muitas vezes, mais importantes. Portanto, não apenas a memória do Leste Europeu tem sua própria dinâmica, com especificidades próprias de cada país, mas o material cultural dessa memória também é diferente do que se tornou comumente aceito na Europa Ocidental (Assmann, 2013ASSMANN, Aleida. Europe’s divided memory. In: BLACKER, Uilleam; ETKIND, Alexander; FEDOR, Julie(ed.). Memory and theory in Eastern Europe. New York: Palgrave Macmillian, 2013., p. 4-5).

No âmbito da União Europeia e com relação às suas políticas para o passado, ao longo da década de 1990 e, sobretudo após 2004, com a integração dos países do antigo bloco socialista,6 6 Em 1º de maio de 2004, dez novos países aderiram à EU, que passou, naquele momento, a ser constituída por 25 Estados membros. Foi o maior alargamento do bloco e, dentre os dez novos países, estavam incluídas três antigas repúblicas soviéticas (Estônia, Letônia e Lituânia), quatro antigos países-satélite da URSS (Polônia, República Tcheca, Hungria e Eslováquia), uma antiga república iugoslava (Eslovênia) e duas ilhas mediterrâneas (Chipre e Malta). Cf.: EUR-LEX - Acesso ao Direito da União Europeia. Glossário das sínteses. “Alargamento 2004: o desafio acrescido de uma UE a 25”. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=LEGISSUM:e50017&from=FR. Acesso em: 6 set. 2022. foram muitas e plurais as ações tomadas - por vezes em conjunto, por vezes individualmente -, pelos novos integrantes da UE, tendo em vista a implementação de determinadas políticas de memória. Todas elas reivindicam, justamente, a especificidade da condição centro-europeia, afligida, ao longo do século XX, por dois totalitarismos. Rousso nos fala sobre o debate em torno da escolha da data do Dia Europeu da Memória:

O debate não parou desde a queda do Muro de Berlim. Em 23 de setembro de 2008, após a ação de personalidades como o tcheco Vaclav Havel, o lituano Vytautas Landsbergis ou ainda o alemão Joachim Gauck, o parlamento europeu adotou uma resolução tornando o dia 23 de agosto, data da assinatura do Pacto Germano-Soviético, uma ‘data europeia em memória às vítimas do stalinismo e do nazismo’. No ano seguinte, em 2 de abril de 2009, foi criado o ‘Dia Europeu da Memória’, em homenagem às vítimas do totalitarismo (Rousso, 2020ROUSSO, Henry. A memória traumática da Europa. In: FREDERIGO, Fabiana de Souza; GOMES, Ivan Lima(org.). História e trauma: linguagens e usos do passado. Vitória: Milfontes , 2020. p. 71-80., p. 77)

Tais iniciativas, entretanto, não diminuem a tensão que se estabelece na dicotomia histórica das ocupações nazista e soviética sobre os países europeus. Tensão que remete à violência, ao trauma e à responsabilidade, mas também a problemas mais recentes relativos ao processo de ampliação da União Europeia e da integração de memórias conflitantes (Droit, 2007DROIT, Emmanuel. Le Goulag contre la Shoah: mémoires officielles et cultures mémorielles dans l’Europe élargie. Vingtième Siècle, v. 2, n. 94, p. 101-120, 2007.).

Sob este aspecto, se é correto afirmar que, desde a criação da Comunidade Econômica Europeia (CEE), ainda na década de 1950, as preocupações relativas ao recente passado traumático do continente mobilizaram o bloco,7 7 “Uma das primeiras menções a ela(s), ainda sob os escombros da guerra às sombras da tragédia alemã, foi feita em 1946 por Winston Churchill na Universidade de Zurique. Na ocasião, o então primeiro-ministro inglês reconheceu os esforços anteriores pela manutenção da paz na Europa e no mundo, desde a União Pan-Europeia até a Liga das Nações, e lembrou que esses projetos não haviam falhado pela natureza de seus propósitos, mas sim pela covardia e falta de firmeza dos governos europeus. Foi com essa narrativa, e com a imagem de uma Europa destruída, que Churchill lançou o primeiro apelo por um governo federativo do continente, urdindo a reconstrução da ‘família dos povos europeus’” (Liebel, 2018, p. 285). e é fundamental também considerar que tais preocupações ganharam ainda mais importância ao longo da década de 1990, com o fim da Guerra Fria, a perspectiva de reunificação do continente e as sombras de violência e guerra que os conflitos na antiga Iugoslávia lançavam novamente sobre a Europa.

Em um breve retrospecto, podemos observar como a elaboração dos critérios de adesão à UE passaram a incorporar imperativos memorialísticos importantes, relacionados, sobretudo, ao respeito à democracia e aos direitos humanos. Em 1993, o Conselho Europeu de Copenhagen instituiu como critério fundamental de adesão o compromisso com “a estabilidade das instituições que garantem a democracia, o Estado de direito, os direitos humanos e o respeito pelas minorias e a sua proteção”.8 8 Cf.: EUR-LEX - Acesso ao Direito da União Europeia. Glossário das sínteses. “Critérios de Adesão (Critérios de Copenhaga)”. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/summary/glossary/accession_criteria_copenhague.html?locale=pt Acesso em: 06 set. 2022. A cláusula democrática, como ficou conhecida, constitui-se, portanto, em condição prévia incontornável para a admissão de novos países ao bloco.

De acordo com Emmanuel Droit, quanto às políticas sobre o passado, desde meados da década de 1960, a Europa Ocidental deu início a um processo longo a partir do qual substituiu aos poucos o “paradigma nacional da resistência” pelo “paradigma transnacional da Shoah”. Este transformava-se em um critério de memória capaz, em tese, de unificar o continente. O historiador fala mesmo que, a partir dos anos 1990, a Shoah tornou-se uma espécie de “critério memorial implícito” de Copenhagen, a partir do qual, o reconhecimento do papel dos Estados europeus nos crimes cometidos contra os judeus tornava-se condição importante, ainda que não expressa, para a integração de novos membros. Em 1995, tal situação seria reforçada com a instituição pelo Parlamento Europeu de uma jornada de rememoração da lembrança do Holocausto no conjunto dos países-membros (Droit, 2007DROIT, Emmanuel. Le Goulag contre la Shoah: mémoires officielles et cultures mémorielles dans l’Europe élargie. Vingtième Siècle, v. 2, n. 94, p. 101-120, 2007., p. 103-105).

A preocupação com o passado recente, bem como as diferentes formas a partir das quais os países-membro da UE vêm lidando com a memória das tragédias e traumas do século XX reatualizam o debate sobre o lugar da memória e da história no contexto da construção europeia e como esse debate por vezes articula-se, por vezes confronta-se, com a questão nacional. As discussões em torno da Shoah, nesse sentido, embora sintetizem sob diversos aspectos as políticas sobre o passado europeu, não esgotam o debate, sobretudo, se considerarmos o processo de expansão do bloco em direção ao leste.

Em alguma medida, pode-se afirmar, portanto, que o século XXI europeu nasceu sob o signo de uma crise de memória que possui características específicas. Para Susan Suleiman, uma crise de memória constitui um “momento de escolha e algumas vezes de dilema ou conflito em relação às lembranças do passado pertencentes a indivíduos ou grupos”. Sob este aspecto, quando se configura uma crise de memória, o que está em jogo são as formas de autorrepresentação: “a forma como nos vemos e nos representamos para os outros é indissociável das histórias que contamos sobre o nosso passado” (Suleiman, 2019SULEIMAN, Susan. Crises de memória e a Segunda Guerra Mundial. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2019., p. 11).

Assim, o processo de (re)integração do continente a partir da década de 1990 e a presença das antigas democracias populares na UE desde 2004 confrontam as políticas de passado europeias com uma questão, colocada da seguinte maneira por Laure Neumayer (2015NEUMAYER, Laure. Integrating the Central European past into a common narrative: the mobilizations around the ‘crimes of communism’ in the European Parliament. Journal of Contemporary European Studies, v. 23, n. 3, p. 344-363, 2015., p. 2): como integrar o passado dessa região, cuja narrativa baseia-se na equivalência entre dois totalitarismos - o nazista e o stalinista - nas narrativas produzidas pela União Europeia, ancoradas justamente na singularidade do Holocausto?.

Essa crise que se verifica - o contexto de ascensão do populismo, de fissura da União Europeia, de crescente xenofobia e islamofobia agravadas pela crise dos refugiados - impõe aos historiadores novos horizontes, apresentando releituras e reinterpretações do passado, trazendo novas perspectivas que, a um só tempo, evidenciam a atualidade da temática e sugerem uma perspectiva universalizante e globalizada.

Também é preciso considerar que memória se espalha como conceito e como objeto de interesse, não apenas na academia, mas na sociedade de forma geral. As batalhas de memória a que assistimos hoje na mídia e na arena política, muitas, se não a maioria, plenas de fake news e pós-verdades históricas, são o ápice de um interesse que vem se manifestando já há décadas, naquilo que Andreas Huyssen (2003HUYSSEN, Andreas. Present pasts. Stanford: Stanford University Press, 2003.) chamou de memory boom. Alguns dos exemplos mais marcantes dessa tensão dizem respeito às políticas de memória que os países adotam em relação ao nazismo e ao Holocausto. É nesse campo que se inserem as declarações de Marine Le Pen, em 2017, inocentando os franceses a respeito do episódio do Vel d’Hiv,9 9 Episódio no qual mais de 13 mil judeus foram concentrados no Vélodrome d’Hiver para serem deportados aos campos de trabalho e de extermínio. Estima-se que mais de 38 mil judeus tenham sido deportados da França para os campos até setembro de 1942. ou a declaração do político alemão ligado ao partido de extrema-direita Alternative für Deutschland, Björn Höcke, criticando o memorial dos judeus assassinados da Europa e alegando que os “alemães [...] são o único povo do mundo que plantou um monumento à sua vergonha no coração de sua capital” (Liebel, 2020LIEBEL, Vinícius. O populismo de direita e suas estratégias de sobrevivência: O Alternative für Deutschland. In: ANDRADE, Guilherme et al. (org). Tempos conservadores: estudos críticos sobre a direita. v. 3: Direitas na Europa. Goiânia: Gárgula, 2020. p. 105-133.; Funke, 2016FUNKE, Hajo. Von Wutbürgern und Brandstiftern. Berlin: VBB, 2016.), chegando ainda no caso húngaro, que tem na política de memória do partido Fidesz uma busca pelo silenciamento sobre qualquer participação húngara no acontecimento (Cordeiro, 2022CORDEIRO, Janaína. De volta à Europa: rememorar as revoluções de 1989, trinta anos depois: Praga e Budapeste. Varia Historia, Belo Horizonte, v. 38, n. 76, p. 261-297, 2022.).

Esses casos evidenciam que o passado ainda é terreno a ser conquistado. Isso porque a memória se tornou um elemento transnacional e transcultural central para compreender as transformações que se operaram no mundo nas últimas décadas: do fim da Guerra Fria às transições de regimes autoritários para democracias; de genocídios aos processos de descolonização. No vetor da memória, todos esses fenômenos dialogam e se tornam globalmente relevantes, em espaços e ambientes dos mais variados.

Mas é precisamente na tensão dessa memória cultural com o vetor identitário que percebemos a crise de memória, o ponto de inflexão no qual o campo mais amplo de uma memória cultural entra em conflito com o mosaico de memórias nacionais. Por sua relevância não apenas para a historiografia europeia, mas também para pensarmos as trilhas das historiografias nacionais em âmbito global, é que a temática aqui apresentada se mostra pertinente.

Seguindo essa premissa, o dossiê aqui proposto visa dialogar com essas novas perspectivas dos estudos historiográficos e de memória, pautando-se pela diversidade temática, contextual e geográfica, ainda que mantendo como base a matriz imaginária europeia. O dossiê se mostra ainda como um dos primeiros frutos dos debates desenvolvidos pelo Europa - Núcleo de Estudos em História Moderna e Contemporânea. Os diálogos que se estabelecem aqui interessam diretamente aos trabalhos desenvolvidos pelos pesquisadores do núcleo, pautados pelas discussões em torno dos processos de construção identitária, dos embates confessionais às formações supranacionais, passando pelas configurações regionais; as formas diversas de violência que marcaram a experiência histórica através do continente; os processos de dissidência e resistência; as sociabilidades e a circulação de ideias; bem como as discussões relativas à memória dos eventos traumáticos e os usos do passado.

Nas páginas seguintes, a leitora e o leitor encontrarão, portanto, artigos que abordam o tema da memória europeia a partir de perspectivas bastante distintas, desde narrativas fílmicas ao estudo de museus, monumentos ou das comemorações de determinados eventos.

Abrindo o dossiê, o artigo de Wolfgang Heuer, “Entradas e saídas de uma cultura de violência - ‘A fita branca’ e ‘O desertor’: duas representações fílmico-literárias no mundo de língua alemã”, lida com os condicionamentos morais e políticos da memória da violência na Alemanha na primeira metade do século XX. Enquanto A fita branca (Michael Haneke, 2009) se passa no interior do país às vésperas da eclosão da Grande Guerra, O desertor (Florian Gallenberger, 2020) acompanha a trajetória de um jovem soldado alemão nos últimos momentos da Segunda Guerra Mundial e os rumos de sua vida em uma Alemanha dividida pela Guerra Fria. Assim, ao tomar, a partir dos filmes, dois momentos singulares da história alemã - que sintetizam diferentes crises de memória -, o autor propõe uma reflexão mais ampla sobre como as sociedades entram e saem de culturas de violência: quais condições, valores e comportamentos condicionam a entrada na violência? Em que sentido as sociedades saem transformadas de processos extremos de violência? Como tais processos impactam a experiência cotidiana?

Em seguida, Denise Rollemberg aborda as tensões existentes entre as dimensões histórica e celebratória dos museus, em particular àqueles dedicados às temáticas da Segunda Guerra Mundial. Em “O desafio dos museus históricos celebratórios”, a historiadora analisa os limites da narrativa museológica celebrativa. Percorrendo alguns casos na Alemanha, na França e na Itália, o texto questiona se e como seria possível a existência de um museu histórico de temas como o fascismo, o nazismo, a colaboração e seus personagens. Reflete, dessa forma, sobre quais caminhos deveriam ser percorridos para a construção de uma narrativa histórica não celebratória desses episódios traumáticos que marcaram o século XX.

Já o artigo de Henrique Canary, “Rússia: a Grande Guerra Patriótica como política de memória”, volta suas atenções para a Rússia de Vladimir Putin. Nele, o autor analisa as comemorações do dia vitória na Segunda Guerra Mundial - 9 de maio, para os russos - na antiga União Soviética e na Rússia. Especificamente, concentra-se no papel que a Grande Guerra Patriótica - como os russos a chamam - desempenha nas políticas de memória do governo Putin. Sob este aspecto, Canary toma as narrativas em torno do evento como uma “memória organizadora”, com expressivo poder aglutinador e de autoidentificação nacional. O estudo proposto por Canary percorre caminhos e fontes extremamente interessantes para compreendermos melhor as formas como se organiza e se transforma, ao longo dos últimos anos, o nacionalismo russo sob Vladimir Putin.

Encerra o dossiê o estudo de Ágnes Erőss sobre a Hungria. Em “The symbolic landscape of an illiberal regime: glorifying the interwar era in post-2010 Budapest”, Erőss aborda as múltiplas intervenções na paisagem urbana da capital do país, Budapeste, levada à cabo pelo governo iliberal e radical de direita do Fidesz e do primeiro-ministro Viktor Orbán. Ao tomar como objeto principal as mudanças arquitetônicas operadas em duas das principais praças de Budapeste, a praça da Liberdade e a praça Kossuth, a autora demonstra como o Fidesz vem realizando um processo de apagamento de passados considerados inconvenientes pelo partido, ao mesmo tempo em que reabilita no espaço público urbano o período do governo autoritário do almirante Horthy, que dominou o país no período entreguerras.

Como se vê, o dossiê que ora apresentamos aos leitores aborda o problema da memória dos eventos traumáticos na Europa a partir de sua pluralidade temática, teórica e geográfica. Os estudos aqui reunidos pretendem ser uma contribuição para a ampliação do debate, na academia brasileira, em torno das disputas de memória na Europa em um momento emblemático da história do continente, quando seu presente, seu futuro e também seu passado se encontram mais uma vez em jogo.

Desejamos a todos uma boa leitura!

Referências

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  • ZWEIG, Stefan. Autobiografia: o mundo de ontem Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
  • 1
    Esta e as demais citações de obras em língua estrangeira têm tradução livre.
  • 2
    O Instagram, por exemplo, foi criado em 2010, o que nos leva a ter já praticamente uma geração criada sob a influência da massificação das imagens. Apenas a título de exemplo, é possível pensar endereços e perfis no Instagram como espaços virtuais de memória. Essa definição não se aplica apenas às postagens publicadas por perfis de museus e memoriais, que publicizam parte de seus acervos e cumprem uma função pedagógica ao explicarem esses elementos aos “visitantes”, mas também - e talvez principalmente - a perfis que promovem conscientizações sobre determinado período ou personagem histórico a partir de uma reconstrução virtual do cotidiano de dado contexto histórico. Um exemplo dessa variante performativa é o perfil @IchBinSophieScholl, que se propôs a reconstituir o último ano de Sophie Scholl, estudante resistente ao nazismo e membra da organização Rosa Branca, por ocasião do centenário de seu nascimento. O perfil virtual foi uma iniciativa do SWR (Südwestrundfunk) e do BR (Bayerischer Rundfunk).
  • 3
    “Discursos de memória de um novo tipo surgiram pela primeira vez no Ocidente depois da década de 1960, no rastro da descolonização e dos novos movimentos sociais em sua busca por histórias alternativas e revisionistas. A procura por outras tradições e pela tradição dos ‘outros’ foi acompanhada por múltiplas declarações de fim: o fim da história, a morte do sujeito, o fim da obra de arte, o fim das metanarrativas. Tais declarações eram frequentemente entendidas literalmente, mas, no seu impulso polêmico e na replicação do ethos do vanguardismo, elas apontam diretamente para a presente recodificação do passado, que se iniciou depois do modernismo” (Huyssen, 2000, p. 10).
  • 4
    A temática da resistência, levantada por Tony Judt, e sua relação com a memória e os museus é uma das linhas mais férteis para compreender essa dinâmica. Para mais sobre as narrativas da resistência e sua relação com a memória em diferentes países, ver os trabalhos de Denise Rollemberg (2016; 2021).
  • 5
    A esse respeito, ver o emblemático ensaio de Milan Kundera (1983), ou o conjunto de ensaios do filósofo Jan Patočka (1991), também de origem tcheca, como Kundera,.
  • 6
    Em 1º de maio de 2004, dez novos países aderiram à EU, que passou, naquele momento, a ser constituída por 25 Estados membros. Foi o maior alargamento do bloco e, dentre os dez novos países, estavam incluídas três antigas repúblicas soviéticas (Estônia, Letônia e Lituânia), quatro antigos países-satélite da URSS (Polônia, República Tcheca, Hungria e Eslováquia), uma antiga república iugoslava (Eslovênia) e duas ilhas mediterrâneas (Chipre e Malta). Cf.: EUR-LEX - Acesso ao Direito da União Europeia. Glossário das sínteses. “Alargamento 2004: o desafio acrescido de uma UE a 25”. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=LEGISSUM:e50017&from=FR. Acesso em: 6 set. 2022.
  • 7
    “Uma das primeiras menções a ela(s), ainda sob os escombros da guerra às sombras da tragédia alemã, foi feita em 1946 por Winston Churchill na Universidade de Zurique. Na ocasião, o então primeiro-ministro inglês reconheceu os esforços anteriores pela manutenção da paz na Europa e no mundo, desde a União Pan-Europeia até a Liga das Nações, e lembrou que esses projetos não haviam falhado pela natureza de seus propósitos, mas sim pela covardia e falta de firmeza dos governos europeus. Foi com essa narrativa, e com a imagem de uma Europa destruída, que Churchill lançou o primeiro apelo por um governo federativo do continente, urdindo a reconstrução da ‘família dos povos europeus’” (Liebel, 2018, p. 285).
  • 8
    Cf.: EUR-LEX - Acesso ao Direito da União Europeia. Glossário das sínteses. “Critérios de Adesão (Critérios de Copenhaga)”. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/summary/glossary/accession_criteria_copenhague.html?locale=pt Acesso em: 06 set. 2022.
  • 9
    Episódio no qual mais de 13 mil judeus foram concentrados no Vélodrome d’Hiver para serem deportados aos campos de trabalho e de extermínio. Estima-se que mais de 38 mil judeus tenham sido deportados da França para os campos até setembro de 1942.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    07 Set 2022
  • Aceito
    10 Set 2022
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