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Rússia: a Grande Guerra Patriótica como política de memória

Russia: the Great Patriotic War as a politics of memory

Resumo:

O artigo analisa o papel da vitória da União Soviética na Grande Guerra Patriótica na atual política de memória do Estado russo. O recurso à vitória tem sido uma tática amplamente utilizada para obter coesão social e política em torno de Vladimir Putin. Ao mesmo tempo em que a sociedade russa se fragmenta política e socialmente em função das dificuldades enfrentadas pelo país, a memória sobre a vitória na Grande Guerra Patriótica torna-se, cada vez mais, um fator aglutinador e de autoidentificação nacional. Surgem novas “tradições inventadas” que visam ritualizar e “domesticar” a relação dos russos com a Guerra, fornecendo cada vez mais coesão ao tecido social.

Palavras-chave:
Rússia; Grande Guerra Patriótica; Política de memória

Abstract:

The article analyzes the role of the victory of the Soviet Union in the Great Patriotic War in the current memory policy of the Russian State. Recourse to victory has been a widely used tactic to achieve social and political cohesion around Vladimir Putin. At the same time that Russian society is politically and socially fragmented due to the difficulties faced by the country, the memory of the victory in the Great Patriotic War becomes, increasingly, an unifying factor and of national self-identification. New “invented traditions” arise in order to ritualize and “domesticate” the Russians’ relationship with the War, providing more and more cohesion to the social fabric.

Keywords:
Russia; Great Patriotic War; Memory politics

Em seu artigo “Memória e identidade social”, Michael Pollak (1992POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 200-212, 30 jul. 1992. ) afirma que a memória não deve ser encarada como um fenômeno estritamente individual. Apoiado nas ideias do sociólogo francês da primeira metade do século XX Maurice Halbwachs, o historiador francês lembra que a memória é, também, construída socialmente (fatos selecionados via um processo permanente de negociação coletiva). E, nesse sentido, ela serve como elemento de unificação ou identidade para uma nação, grupo ou classe social. Ter uma lembrança comum equivale a pertencer a um determinado grupo que passou pelas mesmas experiências. Assim, a memória fornece coesão ao tecido social. Devido à sua função aglutinadora e sua influência sobre o presente, a memória é um importante campo de disputa política em qualquer sociedade. Por isso, os atuais Estados nacionais preocupam-se com esse tema e têm desenvolvido o que costumamos chamar de política de memória. Entendemos a política de memória como uma determinada política de Estado voltada para a disputa das narrativas sobre o passado de uma determinada nação, sempre com vistas à legitimação e perpetuação dos poderes estabelecidos. As políticas de memória são aplicadas por ministérios, secretarias, escolas, programas universitários, líderes políticos e religiosos. O objetivo da política de memória é fortalecer a identidade nacional em torno de símbolos, datas, acontecimentos ou lugares “sagrados” para um povo.

De todos os recursos empregados pelo Estado russo em sua atual política de memória, a vitória na Grande Guerra Patriótica é, sem qualquer sombra de dúvida, o mais poderoso e mais amplamente utilizado. Trata-se de uma memória organizadora (Candau, 2011CANDAU, Joël. Memória e identidade. São Paulo: Contexto, 2011. ). À medida que a guerra se afasta em direção ao passado, a memória sobre esse evento torna-se mais intensa e sobretudo mais emocional; as paradas e desfiles militares ficam cada vez mais grandiosos, surgem “novas tradições” (inventadas),1 1 Segundo Hobsbawm ([xref ref-type="bibr" rid="r7"]2015[/xref]), as tradições inventadas são fenômenos (rituais, comemorações, feriados, monumentos, vestimentas, símbolos etc.) surgidos nos atuais Estados nacionais e que utilizam a história como legitimadora das ações do presente. Ao contrário das tradições verdadeiras, muito mais flexíveis e dinâmicas, sempre abertas à perda (Candau, 2011), as tradições inventadas são rígidas. Seu “abandono” significa a traição dos valores estabelecidos e evidencia o não pertencimento do sujeito à comunidade. Nesse sentido, as tradições inventadas reforçam a suposta naturalidade e continuidade de determinada estrutura política ou social, servindo com isso à legitimação dos poderes estabelecidos, que sempre encontrarão suas raízes na suposta tradição. as gerações mais jovens são envolvidas nas comemorações da vitória. Tudo isso fortalece o poder de Estado, que se coloca como principal guardião da vitória e fiador do novo poderio militar e da segurança do país.

A primeira comemoração da vitória na Grande Guerra Patriótica se deu por ordem do Presidium do Soviete Supremo da URSS de 8 de maio de 1945, que estabelecia o dia 9 de maio como “Festa da Vitória” e feriado nacional (Presidium do Soviete Supremo da URSS, 1945PRESIDIUM DO SOVIETE SUPREMO DA URSS. Ordem. Ob obiavlenii 9 maia Prazdnikom Pobedi, Moscou, 8 maio 1945. Disponível em: Disponível em: http://base.garant.ru/198106/ . Acesso em: 21 jul. 2020.
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). As festividades, no entanto, não foram grandes nos primeiros anos após a vitória. Em geral, reduziam-se a encontros festivos nos locais de trabalho, passeios populares em parques e pelas ruas, artigos comemorativos em jornais e revistas e fogos de artifício no fim do dia. Em 1947 o mesmo Presidium do Soviete Supremo, ao que tudo indica, por iniciativa direta de Stálin, cancelou o feriado nacional e a data tornou-se novamente dia de trabalho. Segundo o historiador Boris Románov (2010ROMÁNOV, Boris. Kak Stalin otmenil Den Pobedi v 1947 godu. Proza.ru, [s. l.], 2010. Disponível em: Disponível em: https://proza.ru/2010/05/11/32 . Acesso em: 21 jul. 2020.
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), Stálin temia o aumento do prestígio de certos líderes militares, sobretudo Gueorgui Júkov, bem como a própria iniciativa independente das bases da sociedade soviética, que haviam estado na Europa Ocidental e visto com seus próprios olhos como vivia o proletariado nos países capitalistas. Em 1965, já sob Brejnev, a data foi novamente declarada feriado nacional. Cabe observar também que não era costume realizar desfiles militares em comemoração da vitória. A única parada militar realizada até 1965 foi a do dia 24 de junho de 1945, na qual os estandartes nazistas capturados durante a guerra foram jogados aos pés da nomenklatura dirigente, que assistia ao desfile do alto do mausoléu de Lênin. A partir de 1965, com a introdução dos desfiles militares na Praça Vermelha e solenidades no Krémlin, a festa ganhou novamente força, tornando-se de fato o segundo feriado mais importante do país, logo após o aniversário da Revolução de Outubro, no dia 7 de novembro.

As comemorações da vitória nos anos 1980, 1990 e na Rússia contemporânea

Durante o período da perestroika e glasnost, as comemorações da vitória passaram por uma relativa crise. Para Mark Edele (2019EDELE, Mark. The Soviet culture of victory. Journal of Contemporary History, Melbourne, n. 54, p. 780-798, 2019., p. 786), isso tem a ver com o surgimento de um acirrado debate na sociedade sobre os aspectos negativos da participação soviética na guerra (Pacto Môlotov-Ribbentrop, invasão da Finlândia, papel de Stálin como líder militar etc.). Foi um período em que toda a história russa esteve em debate e era natural que o feriado não fosse comemorado com a mesma intensidade.

Com o fim da União Soviética, o 7 de novembro (aniversário da Revolução de Outubro) naturalmente perdeu importância e o Dia da Vitória passou a ser comemorado como principal feriado nacional. Em 1995 os desfiles militares na Praça Vermelha foram retomados e inauguraram-se o complexo memorial Parque da Vitória na colina Poklonnaia, em Moscou, e o monumento ao marechal Gueorgui Júkov na entrada da Praça Vermelha. Logo em seguida, em 1996, Boris Iéltsin determinou que o dia 22 de junho (início da Operação Barbarossa contra a URSS) fosse comemorado em toda a Rússia como “Dia da Memória e Luto” (“Den Pamiati i Skorbi”), o que fortaleceu ainda mais a mitologia em torno da guerra. Em geral, os anos 1990 cumpriram um papel muito importante na modificação da política de memória do Estado, já que se acelerou o desaparecimento físico da geração que havia diretamente lutado na guerra, fazendo com que a “memória viva” fosse cada vez mais substituída por uma espécie de memória “midiática” e oficial da guerra. Desde então, as comemorações do Dia da Vitória tornaram-se cada vez mais importantes, o que só aumentou com a chegada de Putin ao poder e com a introdução de uma nova política de memória. Uma intensificação ainda maior das comemorações relativas ao Dia da Vitória pôde ser observada após os eventos de 2014 na Ucrânia (deposição de Viktor Ianukôvitch pelos manifestantes pró-União Europeia na Praça Maidan, em Kiev; reanexação da Crimeia à Rússia, início do conflito armado no sudeste da Ucrânia) (Gabovitch, 2015GABOVITCH, Mikhail. Pamiatnik i prazdnik: etnografia Dnia Pobedi. Neprikosnovennii zapas, São Petersburgo, n. 3, 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.nlobooks.ru/magazines/neprikosnovennyy_zapas/ 101_nz_3_2015/article/11512/ . Acesso em: 21 jul. 2020.
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).

Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, em 9 de maio de 2015, e mais tarde reproduzido em uma revista especial editada pela Embaixada da Rússia no Brasil, os embaixadores da Armênia, Ashot Galoyan, da Belarus, Leonid Krupets, do Cazaquistão, Bakytzhan Ordabayev e da Rússia, Sergey Akopov, explicitam a atual posição oficial dos governos de seus países a respeito da vitória na Segunda Guerra Mundial:

É uma festa na qual a força conquistadora do patriotismo triunfa. Quando todos sentimos de um modo particularmente agudo o que significa ser fiel à Pátria e como é importante saber defender os seus interesses.

O Dia da Vitória é a festa mais querida, mais sincera e mais popular nos nossos países. Para os povos da ex-União Soviética este será para sempre o dia do grande feito popular. Já para os Estados europeus e para todo o planeta, esse é o dia da salvação do planeta. […]

Já se passaram 70 anos. No entanto, todos os anos, cada dia 9 de maio, iremos lamentar os mortos, iremos lembrar daquela guerra, uma guerra que chama à consciência (Galoyan et al., 2015GALOYAN, Ashot; KRUPETS, Leonid; ORDABAYEV, Bakytzhan; AKOPOV, Sergey. Dia da Vitória: festejo com lágrimas nos olhos. In: EMBAIXADA DA RÚSSIA NO BRASIL. 70 anos da Vitória na Grande Guerra Patriótica de 1941-1945. Brasília: Athalaia, 2015. p. 3-4. , p. 3).

Junto com os desfiles militares, surgiram as “novas tradições”, como o Regimento Imortal, que será abordado em maiores detalhes mais adiante, e a Fita de São Jorge,2 2 Na verdade, uma tradição reinventada, resgatada da história militar da Rússia imperial e cuja principal finalidade é retirar dos comunistas o monopólio da simbologia da guerra (até a reintrodução da Fita de São Jorge no imaginário popular, por volta de 2006, a vitória na guerra era lembrada por meio de uma fita vermelha). atual símbolo da vitória. Essas ações, associadas a uma ampla e intensa campanha propagandística do Estado russo, visam promover um clima de unidade nacional, orgulho patriótico e rememoração afetiva dos eventos da guerra. Vale notar também o esforço feito pelo Estado para atrair a juventude para as comemorações da vitória, por exemplo, através de concursos de obras artísticas em grafite que representem os distintos momentos e heróis da guerra.3 3 Ver, por exemplo: https://opreutov.ru/?p=287 e http://inlubertsy.ru/novosti/konkurs-na-luchshee-graffiti-ko-dnyu-velikoy-pobedy-prodolzhaetsya-v-lyubercah. Acesso em: 3 ago. 2020.

A vitória na Grande Guerra Patriótica e a opinião pública

O Dia da Vitória sempre foi marcado por uma certa tensão entre a política de Estado e a relação espontânea do povo com a guerra. A festa nunca esteve totalmente sob o controle da elite dirigente, e a população manteve vivas formas próprias de rememoração e luto. Isso é assim até hoje. Em 2019, o Fundo de Opinião Pública (FOM), um dos mais importantes institutos de pesquisa do país, perguntou aos russos o que significava, do ponto de vista pessoal, o Dia da Vitória. O resultado foi o seguinte:4 4 Disponível em: https://fom.ru/Proshloe/14203. Acesso em: 22 jul. 2020.

Tabela 1
Relação dos russos com o feriado do Dia da Vitória

Como se vê, a esmagadora maioria das pessoas ainda considera o Dia da Vitória uma festa popular ou familiar (64%), enquanto uma minoria (31%) reconhece a festividade como tendo caráter fundamentalmente estatal. Essa relação é confirmada quando se pergunta aos russos sobre a forma de comemoração do Dia da Vitória, embora aqui já se perceba uma evolução do domínio estatal sobre o feriado. Em 2012 e 2018, o Centro Pan-Russo de Pesquisas de Opinião Pública (VTsIOM), outro importante instituto de pesquisas do país, perguntou à população: “Como você planeja passar o Dia da Vitória?” (Pergunta fechada, qualquer quantidade de respostas). O resultado obtido está transcrito no Tabela 2:5 5 Disponível em: https://infographics.wciom.ru/theme-archive/politics/internal-policy/army-defence/article/den-pobedy-sokhranim-pamjat-o-podvige.html. Acesso em: 22 jul. 2020.

Como se pode notar, em seis anos aumentou sensivelmente (de 37% para 55%) o percentual de pessoas que estão dispostas a participar de solenidades oficiais, como desfiles militares e outros. Ao mesmo tempo, diminuiu o percentual da população que prefere algum tipo de comemoração privada (TV, piqueniques etc.). Em geral, as pessoas não veem contradição entre o caráter popular e familiar da festa e a forma estatal de lembrança e comemoração.

Tabela 2
Formas de comemoração do Dia da Vitória entre os russos

O que está fora de qualquer dúvida é que o Dia da Vitória é a principal data do país. Em 2020 o VTsIOM perguntou à população sobre o peso do Dia da Vitória na história do país no século XX e obteve os seguintes resultados (Pergunta fechada, uma resposta):6 6 Disponível em: https://wciom.ru/index.php?id=236&uid=10339. Acesso em: 22 jul. 2020.

Tabela 3
Importância da vitória na Grande Guerra Patriótica para o país

Somando-se as duas primeiras respostas, temos um total de 95% de pessoas que concordam total ou parcialmente que a vitória na Grande Guerra Patriótica é o principal fato histórico do século XX para a Rússia. Para Liev Gudkóv, analista do Instituto de Pesquisas Levada-Tsentr, a valorização da vitória na Grande Guerra Patriótica ocorre na mesma medida da decepção do povo russo com outros aspectos da vida social e política do país:

[…] na medida da erosão e enfraquecimento dos antigos elementos de orgulho dos soviéticos - revolução, construção de uma nova sociedade, estabelecimento do ‘novo homem’, conquistas eloquentes da industrialização soviética, poderio militar da superpotência e toda a ciência e técnica a eles relacionadas - cresce o peso simbólico da Vitória. Nesse contexto rapidamente se desvalorizam tanto a herança cultural imperial (incluindo a ‘santa’ literatura russa), quanto os símbolos ideológicos do socialismo (que se preservam hoje em dia somente junto às gerações mais velhas na forma de nostalgia por um passado idealizado) (Gudkóv, 2005GUDKÓV, Liev. “Pamiat” o voine i massovaia identitchnost rossian. Neprikosnovennii zapas, São Petersburgo, n. 2, 2005. Disponível em: Disponível em: https://magazines.gorky.media/nz/2005/2/pamyat-o-vojne-i-massovaya-identichnost-rossiyan.html . Acesso em: 22 jul. 2020.
https://magazines.gorky.media/nz/2005/2/...
, tradução nossa).

Outra pesquisa muito importante é a que mede a percepção popular sobre a contribuição de cada país para a vitória na Segunda Guerra Mundial. Em 2009, 2016 e 2019 o VTsIOM perguntou às pessoas: “O quão importante é a contribuição desses países para a vitória na Segunda Guerra Mundial?” (Pergunta fechada, uma resposta).7 7 Disponível em: https://wciom.ru/index.php?id=236&uid=9869. Acesso em: 3 ago. 2020. O resultado obtido foi o que segue:

Tabela 4
Importância da contribuição dos países para a vitória na Segunda Guerra Mundial

Como se percebe, de 2009 para 2016 caiu de 18% para 10% o percentual de russos que considerava a contribuição norte-americana para a vitória fundamental ou muito importante. Em 2019 esse percentual chegou ao patamar mínimo de 9%, refletindo exatamente a dinâmica de piora das relações russo-norte-americanas. Junto com isso, de 2009 para 2016 aumentou de 38% para 55% o percentual de russos que acreditava que a contribuição norte-americana foi pouco importante ou de praticamente nenhuma importância. Em 2019 esse percentual estabilizou-se em 52%. Trata-se de mais uma prova de que o presente tem um papel fundamental na apreensão do passado.

Interessante notar também a relação entre a memória sobre a guerra propriamente dita e a memória sobre a vitória na guerra e como elas se diferenciam entre si, revelando interessantes aspectos da mentalidade social. Em geral, a vitória ofusca a maior parte das lembranças negativas sobre a guerra: seu curso, suas vítimas, a destruição do país, os resultados para a sociedade e a economia, o acordo Môlotov-Ribbentrop etc. De alguma forma, a vitória justifica a guerra (junto com todos os seus erros) e encerra o debate. Para Liev Gudkóv, a mitologização da guerra transforma todos os temas a ela correlatos em um grande tabu, impedindo a racionalização de seu lado negativo (a ação da liderança política e militar, a natureza do regime político do país): “O triunfo dos vencedores mascara a dubiedade do próprio símbolo” (Gudkóv, 2005, tradução nossa). Segundo essa concepção, criticar elementos específicos da guerra é questionar a própria vitória e o papel progressista cumprido pela URSS. Notemos desde já que a iniciativa levada a cabo pelo centro do poder de transformar a guerra em tabu tem obtido considerável sucesso. O amplo debate democrático sobre o passado soviético iniciado nos anos 1980 durou até cerca de meados dos anos 1990 e hoje se encontra praticamente bloqueado, sem muito espaço para o dissenso. Temas como o Pacto Môlotov-Ribbentrop, a invasão da Finlândia e dos países bálticos, a “limpeza” (“tchistka”) do Exército Vermelho nos anos de 1937-1938, a inépcia de Stálin como líder militar e em geral a repressão stalinista e o imediato pré-guerra simplesmente não são discutidos, devido ao caráter “sagrado” da guerra e da vitória. Todo o debate levantado desde Khruschev em seu informe denominado “Sobre o culto à personalidade e suas consequências” (informe secreto ao XX Congresso do PCUS) até a glasnost e a abertura política e cultural dos anos 1990 parece ter sucumbido às necessidades imediatas da “guerra da memória”.8 8 Forma aguda de luta pela memória, em que há polarização social e política em torno aos temas do passado. O termo “guerra da memória” pode parecer um exagero para o leitor brasileiro, mas não o é. “Guerra pela Memória” (“Voina za Pamiati”) é o nome do documentário de Andrei Kondrachôv produzido em 2020 e veiculado pelo Primeiro Canal (estatal) russo. Sobre o filme, o autor enfatiza: “Hoje cabe a nós, descendentes dos vitoriosos, lutar pela memória sobre essa grandiosa façanha do nosso povo”. Ver: http://m.vest-news.ru/news/146030. Acesso em: 4 ago. 2020. Em 2014, o VTsIOM perguntou às pessoas: “O que fazer se forem descobertos fatos indesejáveis sobre a Grande Guerra Patriótica?”. O resultado obtido foi o seguinte:9 9 Disponível em: https://infographics.wciom.ru/theme-archive/society/religion-lifestyle/past-future/article/neprigljadnaja-pravda-o-voine-nuzhna-li-ona-sovremennomu.html. Acesso em: 22 jul. 2020.

Tabela 5
Relação com a possível descoberta de fatos indesejáveis sobre a Grande Guerra Patriótica

Embora a maioria da população ainda defenda a discussão aberta sobre quaisquer fatos que venham a ser descobertos sobre a Grande Guerra Patriótica, chama a atenção o fato de que uma minoria nada desprezível (39%) prefere simplesmente esconder a verdade se esta não se adaptar às suas expectativas patrióticas.

Resultados imediatos da atual política de memória do Estado russo

Um dos resultados da presente política de memória aplicada pelo Estado russo é que o Dia da Vitória não é um dia de dor ou luto, mas fundamentalmente de comemoração, alegria e orgulho. O Regimento Imortal, por exemplo, embora tenha nascido como uma atividade de luto e memória das incontáveis tragédias familiares que se abateram sobre o povo russo, logo se transformou em uma comemoração do orgulho militar.10 10 Alguns especialistas denunciam uma certa “carnavalização da guerra”, quer dizer, a transformação da memória sobre o conflito em um espetáculo de mau gosto (uniformes infantis de guerra, “degustação” do pão produzido durante o cerco a Leningrado, adesivos de carros com a inscrição “Rumo a Berlim!” etc.). Por exemplo, em: https://openmedia.io/news/kak-den-pobedy-prevrashhayut-v-voenno-patrioticheskij-maskarad/. Acesso em: 3 ago. 2020. Em 2019, o FOM perguntou às pessoas: “Quais sentimentos, pensamentos ou associações surgem em sua cabeça em primeiro lugar quando você ouve as palavras ‘Grande Guerra Patriótica’?” (Pergunta aberta, qualquer quantidade de respostas). O resultado a que se chegou foi o que segue:11 11 Disponível em: https://fom.ru/Proshloe/14203. Acesso em: 22 jul. 2020.

Tabela 6
Sentimentos, pensamentos e associações diante da Grande Guerra Patriótica

Como se vê, os sentimentos de orgulho, patriotismo, alegria e gratidão somam 50% das respostas, enquanto os sentimentos claramente negativos (morte, amargura, dor, medo) somam 39%. A diferença não é grande, mas é o suficiente para fazer do Dia da Vitória um feriado infinitamente mais importante do que o Dia da Memória e Luto. Além disso, para a autodefinição nacional, os sentimentos positivos são muito mais importantes e úteis do que os negativos.

Detenhamo-nos um pouco mais no problema do papel da guerra para a autodefinição nacional. Em seu livro O fim do homem soviético, Svetlana Aleksievitch (2016ALEKSIEVITCH, Svetlana. O fim do homem soviético. Tradução Lucas Simone. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. , p. 21) define o povo russo fundamentalmente em função de sua relação com a guerra: “No geral, somos um povo bélico. Ou guerreávamos ou nos preparávamos para a guerra. Nunca vivemos de outra maneira. Daí vem uma psicologia bélica. Mesmo durante a paz, tudo na vida era próprio da guerra. O tambor batia, a bandeira esvoaçava... o coração saltava do peito...”. A definição de Aleksievitch serve não somente para o período soviético, mas é ainda mais verdade hoje em dia, depois de longos anos de uma intensa campanha patriótica implementada pelo Estado ao redor da vitória na Segunda Guerra Mundial. O fato de a URSS ter sido agredida e mesmo assim ter vencido a guerra fornece aos russos um sentimento de pertencimento extremamente poderoso, quase tribal, que delimita profundamente o “nós” e o “eles”,12 12 Veja-se a força do pronome possessivo “nossos” (“nachi”) na língua russa. Esse pronome frequentemente substitui a palavra “russos”. “Nossos” é também o nome do movimento de juventude impulsionado pelo Estado e que visa preencher o espaço político e cultural deixado pelo antigo “Komsomol” (o braço juvenil do PCUS). opondo o “russo” a todo o resto, mas fundamentalmente ao “ocidental”.

Em 1997 foi lançado o filme “Brat” (“Irmão”), drama criminal dirigido por Aleksei Balabánov. Em 2000, estreou sua continuação, “Brat 2”, do mesmo diretor. A franquia como um todo fez um enorme sucesso na Rússia ao promover o sentimento patriótico exatamente num momento em que o país se enfrentava com as consequências da crise econômica e social dos anos 1990. “Brat” e “Brat 2” contam a história de um jovem russo ex-combatente da Guerra da Tchetchênia que tenta se encontrar na vida civil e acaba envolvido no mundo criminal da nova Rússia. Ambos filmes foram dissecados em citações que quase todo jovem russo sabia (e sabe) de memória. Entre elas, talvez a mais interessante diga respeito a um diálogo entre o herói do filme, Danila Bagróv (Serguei Bodróv), e seu antagonista, um homem de negócios norte-americano chamado Richard Mennis (Gary Houston), que extorquia dinheiro de um amigo de Bagróv. Em um determinado momento do filme, Bagróv diz a Mennis:

Me diga, americano, onde está a força? Por acaso no dinheiro? Meu irmão também diz que é no dinheiro. Você tem muito dinheiro. E daí? Já eu acho que a força está na verdade. Aquele que tem a verdade é o mais forte. Você enganou alguém, extorquiu dinheiro... E daí? Você ficou mais forte? Não, não ficou. Porque você não tem a verdade. Mas aquele que foi enganado - ele está com a verdade. Então ele é mais forte.13 13 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=K9TRaGNnjEU&has_verified=1. Acesso em: 23 jul. 2020.

Deixemos de lado por um instante o fato de que Bagróv se dirige exatamente a um norte-americano em sua reflexão filosófica sobre a verdade. Tal fato é interessante, mas sua análise extrapolaria os objetivos da presente exposição. O mais importante nesse diálogo é que, para Bagróv, a força está na verdade, o que se aplica também à Grande Guerra Patriótica e em geral a todas as guerras das quais os russos participaram. Ora, na Segunda Guerra Mundial os russos foram covardemente agredidos pela máquina de matança nazista, sofreram as maiores perdas, tiveram uma enorme parte de seu território ocupado, suas cidades e vilarejos foram destruídos. Mas é exatamente aí que reside, segundo essa concepção, sua força moral como nação. Os alemães lutaram com a força do poderio militar, enquanto os russos lutaram munidos unicamente da razão histórica, quer dizer, da verdade. Por isso, o Dia da Vitória é comemorado com tanta ênfase e acaba cumprindo um papel de unificador da nação. Reside aí também uma certa visão de que o “ser russo” se expressa de forma plena sobretudo nos momentos de crise, não necessariamente em tempos “normais”. Temos assim muito mais do que um país “bélico” (apenas preparado para a guerra), como afirma Svetlana Aleksievitch. Temos um país forjado e unido pela própria guerra. A Guerra (com letra maiúscula, pois todos sabem de qual guerra se está falando) é o mito fundamental formador da nação, e o Estado - o eterno guardião da vitória.14 14 Interessante observar que, quando se abriu na sociedade russa o debate sobre as emendas constitucionais propostas por Vladimir Putin em 2020, uma das propostas apresentadas era a de inscrever na Constituição da Rússia a condição de “potência vencedora da Segunda Guerra Mundial”. Ao final, a proposta foi descartada, mas a simples hipótese de sua inclusão no texto constitucional mostra o quanto a vitória na Grande Guerra Patriótica cumpre o papel de mito fundador da nação (considerando que é exatamente a Constituição que “funda” o país). Como observa o autor da proposta, membro do Conselho da Federação (equivalente ao Senado), Aleksei Puchkóv: “Eu marcaria, de uma ou outra forma, a nossa vitória na Segunda Guerra Mundial, o status de potência vencedora, porque isso define a nossa existência, tanto interna quanto internacional” (destaque nosso). Ver: https://www.znak.com/2020-01-28/senator_pushkov_predlozhil_otrazit_v_konstitucii_status_rossii_kak_strany_pobeditelnicy e também https://www.rbc.ru/rbcfreenews/5e4551969a794753 e3e42268. Acessos em: 25 jul. 2020.

A memória da Grande Guerra Patriótica como unificadora da nação

A Grande Guerra Patriótica unifica a nação também pelo simples motivo de que quase todas as famílias russas tiveram algum ente querido morto ou pelo menos envolvido diretamente nos combates. Nesse sentido, é interessante observar a atitude que o próprio presidente russo estabelece com a guerra. Em todas as ocasiões em que é possível, Vladimir Putin faz questão de salientar que sua relação com a guerra é pessoal, já que seu pai, Vladimir Spiridonovitch Putin (1911-1999), lutou e foi ferido na guerra, e seu irmão mais velho, Viktor Vladimirovitch Putin (1940-1942), morreu durante o cerco a Leningrado. Como nos lembra Elizabeth Wood (2011WOOD, Elizabeth A. Performing Memory: Vladimir Putin and the celebration of WWII in Russia. The Soviet and Post-Soviet Review, Leiden, n. 38, p. 172-200, 2011. Disponível em: Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/233566311_Performing_Memory_Vladimir_Putin_a nd_the_Celebration_of_World_War_II_in_Russia . Acesso em: 29 jul. 2020.
https://www.researchgate.net/publication...
, p. 198, tradução nossa), “Ao transformar a guerra em um evento pessoal e também sagrado, Vladimir Putin criou um mito e um ritual que o eleva pessoalmente, unindo a Rússia (pelo menos teoricamente) e mostrando-o como o herói-líder natural, o guerreiro que está pessoalmente associado à defesa da Pátria”. Assim como a própria guerra, o líder não deve ser questionado. Fazê-lo é sabotar a unidade da nação.

Se a vitória na Segunda Guerra Mundial é o mito fundacional da nação, pode-se e deve-se utilizar essa vitória na educação patriótica das novas gerações. É o que aponta uma pesquisa realizada pelo VTsIOM em 2020. Nela, perguntou-se às pessoas: “Na sua opinião, a vitória na Grande Guerra Patriótica deve ser usada na educação patriótica da juventude?” (Pergunta fechada, uma resposta):15 15 Disponível em: https://wciom.ru/index.php?id=236&uid=10339. Acesso em: 22 jul. 2020.

Tabela 7
Utilização da vitória na Grande Guerra Patriótica para a educação patriótica da juventude

Aqui chama a atenção, em primeiro lugar, a naturalização de um conceito tão discutível quanto “educação patriótica”. Mas, para além disso, temos o fato de que nada menos do que 92% da população russa considera razoável (“com certeza deve ser usada”, “provavelmente, deve ser usada”) a utilização da vitória na Grande Guerra Patriótica na “educação patriótica” da juventude.

Como se vê, muito mais do que um fato histórico objetivo e determinado, com seus aspectos positivos e negativos, seus pontos fortes e fracos, a vitória na Segunda Guerra Mundial se apresenta para os russos como um símbolo extremamente profundo,

[…] um elemento importantíssimo de identificação coletiva, um ponto de contagem, uma régua que dá uma determinada visão sobre o passado e, em parte, uma compreensão sobre o presente e o futuro. A vitória de 1945 é não apenas o nó central que dá sentido à história soviética que começou com a Revolução de Outubro e terminou com a dissolução da URSS; de fato, ela é o único ponto de apoio positivo da consciência nacional da sociedade pós-soviética (Gudkóv, 2005GUDKÓV, Liev. “Pamiat” o voine i massovaia identitchnost rossian. Neprikosnovennii zapas, São Petersburgo, n. 2, 2005. Disponível em: Disponível em: https://magazines.gorky.media/nz/2005/2/pamyat-o-vojne-i-massovaya-identichnost-rossiyan.html . Acesso em: 22 jul. 2020.
https://magazines.gorky.media/nz/2005/2/...
, tradução nossa).

A política de memória como instrumento da política externa

Uma análise mais profunda sobre a mitificação da vitória na Segunda Guerra Mundial mostra que ela ocorre visando não apenas questões domésticas. A “unidade da nação” frente a si mesma (relação interna) parece ser o fator fundamental que determina a política de memória do governo russo, mas não é o único. Há também a influência de fatores externos, como a posição da Rússia no jogo internacional de potências. Desde pelo menos meados dos anos 2000, o papel da União Soviética na Segunda Guerra Mundial tem sido questionado por líderes e organizações europeias e norte-americanas, principalmente em função do Pacto Môlotov-Ribbentrop e da ocupação dos territórios do leste europeu no imediato pós-guerra. Esse processo se intensificou nos últimos anos, sobretudo depois da reanexação da Crimeia pela Rússia em 2014, o que coloca a Rússia em uma situação internacional delicada frente a outras potências europeias. Em setembro de 2019, uma resolução do Parlamento Europeu chegou a declarar que a responsabilidade pelo início da Segunda Guerra Mundial recaía igualmente tanto sobre a Alemanha nazista quanto sobre a União Soviética, e criticava ambos regimes como igualmente “totalitários”.16 16 Disponível em: https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/B-9-2019-0098_PT.html. Acesso em: 29 jul. 2020. Tal resolução é extremamente interessante, pois demonstra que a Rússia está em guerra não contra inimigos imaginários, mas que existe de fato uma dura luta pela memória sendo travada no terreno mundial em geral e europeu em particular. Diante desse quadro, a luta da Rússia pela “sua” versão dos acontecimentos tem como função legitimar o país como sujeito pleno das relações internacionais, evitando um isolamento ainda maior. O que está em jogo, enfim, é o pertencimento da Rússia à Europa e o reconhecimento desse pertencimento por parte dos outros países europeus. Como observa Marlene Laruelle (2018LARUELLE, Marlene. Looking West more than East: Russia’s World War II commemorations. In: YANG, Daqing; MOCHIZUKI, Mike; IRIYE, Akira (ed.). Memory, identity, and commemorations of World War II: anniversary politics in Asia Pacific. Lexington: Lanham, 2018. p. 127-140., p. 132, tradução nossa):

Visto desde a perspectiva russa, a estratégia dos países bálticos e da Ucrânia consiste em negar o papel da União Soviética como libertadora da Europa com o objetivo de deslegitimar o direito da atual Rússia de participar nos negócios do continente. Ao contrário, na Rússia, o culto à Segunda Guerra Mundial é entendido como a principal ferramenta de legitimidade que o país cultiva para se colocar como um ator legítimo na atual paisagem política europeia.

Além da relação com os países europeus em geral, tem grande importância na política de memória do Estado russo a relação com a Ucrânia em particular. Após os eventos de 2014, de fato adquiriu peso e expressão pública na sociedade ucraniana um setor neonazista, partidário de colaboracionistas como Stepan Bandera (1909-1959) e outras figuras do nacionalismo radical ucraniano. Nesse sentido, o culto à vitória na Segunda Guerra Mundial promovido pelo Estado russo tem por objetivo desqualificar o nacionalismo ucraniano como um todo, associando-o diretamente aos ideais nazistas derrotados pelo Exército Vermelho na Grande Guerra Patriótica. O Estado russo contemporâneo apela à unidade obtida pelo povo soviético na luta contra o fascismo para se qualificar como única força capaz de unir os povos eslavos orientais na atualidade, quer dizer, como instrumento geopolítico no espaço pós-soviético.17 17 Ver as repetidas declarações de Putin de que ucranianos e russos são, essência, um só povo, por exemplo em: https://ria.ru/20171214/1510927363.html. Acesso em: 30 jul. 2020.

De um modo geral, durante o período soviético, a vitória na Grande Guerra Patriótica era apresentada como a prova da superioridade do sistema econômico e social surgido com a Revolução de Outubro. Hoje, diante da desideologização18 18 Entendemos a “desideologização do passado soviético” como o processo através do qual a sociedade soviética, na memória coletiva da nação, é despida de seu conteúdo de sociedade especificamente socialista, ou seja, alternativa ao capitalismo, e passa a ser vista única e exclusivamente como “passado comum”, inespecífico em relação a todos os outros períodos da história russa. Para mais desenvolvimentos, ver Kalínina ([xref ref-type="bibr" rid="r9"]2014[/xref]). do passado soviético, essa mesma vitória é apresentada como prova do valor da nação e de que a Rússia é capaz de repetir, caso seja necessário, o mesmo feito: “Repetiremos!” (“Mi povtarim!”).19 19 Ver, por exemplo, declarações de Putin em: https://www.rbc.ru/rbcfreenews/5e66ba3c9a79471e1bb1185b e https://www.gazeta.ru/army/2020/03/09/12997117.shtml. Acesso em: 3 ago. 2020.

Novas formas de comemoração

Para Pierre Nora (1993NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, v. 10, p. 7-28, dez. 1993. ), os lugares de memória são fundamentais na construção, consolidação e manutenção da memória coletiva e, por essa via, no fortalecimento do sentimento de pertencimento e identidade. Mas há uma armadilha na questão. Segundo o autor, lugares de memória são importantes exatamente porque em nossa sociedade há uma ruptura com o passado (aceleração da história), e por isso um desaparecimento da memória real. A sociedade se vê incapaz de lembrar de maneira espontânea. Assim, lugares de memória permitem a encarnação da pouca ou nenhuma memória restante em uma sociedade. Lugares de memória surgem do fato de que a memória precisa ser cultivada. São lugares consagrados ao prolongamento de uma experiência que já não pode ser revivida. Nesse sentido, é interessante analisar como o Estado russo, em sua política de memória, tem lidado com o fato do desaparecimento da geração que lutou na Grande Guerra Patriótica.

Recentemente, houve uma mudança importante na forma de comemoração da vitória com a introdução do conceito de “cidades de valor do trabalho” (“goroda trudovoi doblesti”). Detenhamo-nos um pouco mais nessa questão. Tradicionalmente, existiam na União Soviética as “cidades-heróis” (“goroda-gueroi”), que se destacaram por elevado heroísmo na luta contra o fascismo durante os anos da Grande Guerra Patriótica. Essas cidades eram: Leningrado, Odessa, Sebastopol, Volgogrado (Stalingrado), Kiev, Fortaleza de Brest (categoria especial de “fortaleza-herói”), Moscou, Kertch, Novorossisk, Minsk, Tula, Murmansk e Smolensk. Em 2006, com o objetivo de ampliar o alcance das comemorações da vitória, Putin introduziu o conceito de “cidades de glória militar” (“goroda voinskoi slavi”), que passaram a ocupar uma posição imediatamente abaixo das “cidades-heróis” nas honrarias de Estado. Como resultado, quarenta e cinco cidades foram classificadas nessa categoria. Em 2020, uma nova ordem foi introduzida, a de “cidades de valor do trabalho”. Trata-se das cidades que permaneceram na retaguarda da luta militar direta, mas cuja contribuição econômica (produção industrial e agrícola) considera-se decisiva para a vitória. Ao total, vinte cidades foram assim categorizadas. A introdução do conceito de “cidade de valor do trabalho” tem uma importância fundamental na mecânica de comemoração da vitória. Ocorre que em muitas fábricas que foram importantes para a vitória empregava-se principalmente mão de obra infantil ou adolescente. Isso significa que a introdução do novo conceito representa uma ampliação ou adiamento geracional da “memória viva” da guerra, ou seja, mais heróis diretos permanecerão vivos por mais tempo. Isso é particularmente importante num momento em que se reduz rapidamente, ano a ano, o número de veteranos combatentes.

Por fim, comentemos um aspecto particular do recente artigo escrito e publicado por Vladimir Putin em diversos meios da imprensa internacional em comemoração aos 75 anos da vitória na Segunda Guerra Mundial. Em um longo texto repleto de referências documentais, Putin se esforça por apresentar ao público estrangeiro a versão russa dos acontecimentos, lembrando as perdas soviéticas na guerra (bem como o seu próprio drama familiar), as negociações entre as potências ocidentais e a Alemanha nazista e os desafios à paz que se colocam perante o mundo atual. O artigo de Putin pode ser considerado típico das posições defendidas atualmente pelo Estado russo no debate, e nesse sentido não apresenta grandes novidades. Importante notar, no entanto, um elemento positivo presente nele: o chamado ao amplo debate histórico profissional e à abertura dos arquivos dos países ocidentais. Partindo de uma referência aos protocolos secretos anexos ao Pacto Môlotov-Ribbentrop, Putin (2020PUTIN, Vladimir. 75 liet Velikoi Pobedi: obschaia otvetstvennost pered istoriei i buduschim. 2020. Disponível em: Disponível em: http://kremlin.ru/events/president/news/63527 . Acesso em: 4 ago. 2020.
http://kremlin.ru/events/president/news/...
, tradução nossa) escreve:

Nós também não sabemos se houve ‘protocolos secretos’ e anexos aos acordos de uma série de países com os nazistas. Resta apenas ‘acreditar na palavra’. Em particular, até agora não foram publicados os materiais sobre as negociações secretas anglo-alemãs. Por isso, convocamos todos os Estados a acelerar o processo de abertura de seus arquivos, a publicação de documentos antes desconhecidos do período pré-guerra e de guerra, assim como tem feito a Rússia nos últimos anos. Estamos prontos para a ampla colaboração, para projetos de pesquisa conjuntos de estudiosos e historiadores.

Não está descartado, evidentemente, que o convite de Putin ao debate seja apenas uma jogada de marketing para agradar o público europeu e norte-americano. No entanto, na presente conjuntura de “guerra da memória”, tal chamado pode cumprir um papel importante de ponto inicial para uma discussão mais ampla.

A “Lei contra a falsificação da memória histórica”

Um dos passos decisivos no controle do passado por parte do Estado foi dado com a adoção da lei contra a falsificação da memória histórica, sob a presidência de Dmitri Medvêdiev, em 2014. O artigo n. 354.1 do Código Penal russo passou a estabelecer responsabilidade criminal pela:

Negação dos fatos estabelecidos pelo veredito do Tribunal Militar Internacional20 20 Refere-se aos Julgamentos de Nuremberg (1945-1946). para julgamento e punição dos principais criminosos de guerra dos países europeus do Eixo, aprovação dos crimes estabelecidos por esse veredito, bem como propagação de informações sabidamente falsas sobre a atuação da URSS nos anos da Segunda Guerra Mundial (Rússia, 2014RÚSSIA. Lei n. 354.1, de 5 de maio de 2014. Reabilitatsia Natsizma., tradução nossa).

Analisemos um pouco mais de perto o texto da lei. Ora, ninguém em sã consciência poderia negar a importância e a utilidade de uma lei “contra a reabilitação do nazismo”, como é conhecida a presente lei. A questão, porém, não reside no espírito geral que supostamente motivou a adoção do texto, mas sim em sua letra fria. Perceba-se que a lei estabelece responsabilidade criminal pela “propagação de informações sabidamente falsas sobre a atuação da URSS nos anos da Segunda Guerra Mundial”. O que seriam exatamente “informações sabidamente falsas”? A crítica historiográfica à assinatura do Pacto Môlotov-­Ribbentrop pela URSS, em 1939, e a denúncia de seus protocolos secretos, por exemplo, poderiam ser qualificadas como “propagação de informações sabidamente falsas”? O texto não deixa claro qual é o grau de liberdade de que dispõem os historiadores e o público em geral. Se até agora não temos notícias de violações grosseiras das liberdades individuais baseadas na lei, nada impede que isso venha a acontecer no futuro, caso a “guerra da memória” assuma formas mais agudas.

Ao que tudo indica, estamos diante da possibilidade do fim do pensamento crítico em história. A “luta contra a falsificação do passado” significa na prática a tentativa de retirar da sociedade civil o direito de produzir uma visão própria, alternativa, do passado russo. O Estado apresenta sua versão dos fatos e todo o resto arrisca cair sob a definição de “informações sabidamente falsas”. É uma espécie de “sequestro” do passado, tão nocivo quanto a sua falsificação grosseira.

Para Serguei Uchákin (2015UCHÁKIN, Serguei. “Mi u prochlogo ne utchimsia, mi im jiviom” (Entrevista). 2015. Revista eletrônica Neprikosnovennii zapas. Disponível em: Disponível em: http://magazines.russ.ru/nz/2015/4/11int.html . Acesso em: 21 fev. 2017.
http://magazines.russ.ru/nz/2015/4/11int...
, tradução nossa), o controle da história por parte do Estado russo tem por objetivo impedir que o passado seja apreendido pelas pessoas de outra forma que não dentro dos marcos sentimentais e emotivos:

[…] por isso as tentativas de interpretação do passado são encaradas de forma tão dolorosa: elas quebram os apegos afetivos estabelecidos em relação ao passado. As interpretações veem no passado apenas um texto, um conjunto de acontecimentos e fatos que podem ser reformatados e reorganizados de maneira diferente. A luta contra a ‘falsificação da história’ é, na verdade, não tanto a luta contra esta ou aquela interpretação dos fatos, mas sim uma luta pela preservação da apreensão do mundo estabelecida e dos apegos emocionais.

Ou seja, trata-se, na verdade, de uma luta contra a racionalidade em história. Segundo essa concepção, o passado é visto desde o prisma exclusivo da nostalgia, como vivência emocional, e não como conhecimento que deve ser submetido permanentemente à crítica e à revisão (Ignátova, 2015IGNÁTOVA, S. N. “Sovetskie” tsennosti v soznanii sovremennikh krestian. In: SOTSIOLOGITCHESKIE TCH­TENIIA PAMIATI V. B. GOLOFASTA, 2014, São Petersburgo. Nache prochloe: nostalgitcheskie vospominania ili ugroza budushemu? São Petersburgo: Eidos, 2015. p. 176-187., p. 178).

O Regimento Imortal

Dentre todas as manifestações nostálgicas relacionadas à Grande Guerra Patriótica, cabe destacar o movimento “Regimento Imortal”, pois ele é sintomático da forma como os russos se relacionam com os fatos do passado soviético em geral e com a guerra em particular.

Surgido em 2012 na cidade de Tomsk, o Movimento Social Inter-regional Histórico-Patriótico “Regimento Imortal” consiste na organização de passeatas cidadãs que ocorrem nos aniversários da vitória na Grande Guerra Patriótica. A ideia foi proposta por três jornalistas, Serguei Lápenkov, Serguei Kolotôvkin e Igor Dmítriev, que perceberam que, a cada ano, o número de veteranos presente nos desfiles da vitória diminuía e deveria chegar a zero em pouco tempo. Então surgiu a ideia de um desfile diferente, no qual os descendentes dos veteranos carregariam as fotos de seus pais, avós e bisavós que lutaram na guerra. Isso permitiria manter e até mesmo ampliar a participação popular direta nas comemorações, antes restrita ao desfile dos veteranos. Segundo o Estatuto do Movimento:21 21 Disponível em: https://www.moypolk.ru/ustav-polka. Acesso em: 4 mar. 2019.

A participação no “Regimento Imortal” pressupõe que cada um que lembra e respeita seu antepassado - veterano do Exército, da Marinha, partisan, clandestino, membro da Resistência, trabalhador da retaguarda, prisioneiro de campo de concentração, blokadnik,22 22 Quem viveu em Leningrado durante o cerco. criança da guerra - no dia 9 de Maio sai às ruas da cidade com a fotografia dele (dela) e, se não houver fotografia, com o seu nome para participar da passeata na coluna do “Regimento Imortal”, ou trazendo cartaz, foto ou nome do antepassado para o Fogo Eterno23 23 Monumento ao soldado desconhecido, em geral na forma de uma chama que arde ininterruptamente. ou outro monumento memorial.

Para organizar a iniciativa, os jornalistas criaram um portal onde qualquer pessoa pode registrar seu antepassado, contar sua história e subir uma foto, que deverá ser impressa em um formato mais ou menos padronizado e depois carregada durante a passeata. A iniciativa teve enorme sucesso e já em sua primeira edição, cerca de 6.000 pessoas desfilaram com aproximadamente 2.000 cartazes com fotos de veteranos da guerra.24 24 Disponível em: https://www.moypolk.ru/letopis-polka. Acesso em: 4 mar. 2019. Ao longo dos anos seguintes a iniciativa se espalhou por outras cidades russas e até mesmo por outros países. Já em 2013, ocorreram passeatas em mais de 120 cidades russas, bem como na Ucrânia, Cazaquistão e Quirguistão e que mobilizaram aproximadamente 180 mil pessoas. Em 2015 as passeatas do Regimento Imortal levaram às ruas da Rússia e de mais 15 países cerca de 4 milhões de pessoas, sendo 500 mil apenas em Moscou. Em 2016, já havia representação do Regimento Imortal em 44 países e o site do movimento já contava com 290 mil biografias escritas por parentes de veteranos. Atualmente o portal oficial do movimento contabiliza 428.294 biografias.25 25 Disponível em: https://www.moypolk.ru/. Acesso em: 4 mar. 2019. Além do registro da biografia, é possível fazer a busca por veteranos no site do movimento. Apesar de ser um movimento oficialmente autônomo e apartidário, o Regimento Imortal conta com forte apoio das instituições estatais, que fornecem anualmente toda a infraestrutura necessária, bem como a divulgação adequada para a realização dos desfiles. O maior símbolo do apoio não oficial ao movimento foi a participação de Vladimir Putin no desfile de 2015 em Moscou, quando o presidente da Federação Russa encabeçou a coluna do regimento.26 26 Disponível em: https://republic.ru/posts/51319. Acesso em: 4 mar. 2019.

Em geral, as passeatas do Regimento Imortal apelam não tanto aos fatos da história, quanto ao sentimento geral de pertencimento que a guerra provoca entre os russos. Cria-se assim uma situação em que a guerra não apenas é lembrada, mas inclusive revivida, dentro de certos limites. Segundo Serguei Uchákin (2015UCHÁKIN, Serguei. “Mi u prochlogo ne utchimsia, mi im jiviom” (Entrevista). 2015. Revista eletrônica Neprikosnovennii zapas. Disponível em: Disponível em: http://magazines.russ.ru/nz/2015/4/11int.html . Acesso em: 21 fev. 2017.
http://magazines.russ.ru/nz/2015/4/11int...
, tradução nossa):

[…] as comemorações públicas sobre a Grande Guerra Patriótica não são, como regra, exatamente lembranças, mas sim uma espécie de vivência da guerra por pessoas que não tiveram com ela uma relação direta. Ou seja, é um tipo de vivência mediada, uma imersão num contexto superado para construir com esse passado uma certa relação emocional.

O cantor popular russo Oleg Gazmánov fez uma canção em homenagem ao Regimento Imortal. Eis o que diz a letra (Bessmertnii polk, 2018):27 27 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=hSz7KodTE3E.

Corre o rio do Regimento Imortal Pelas ruas, pelas avenidas, pelo país. Marcham em fila com os retratos nas mãos Os descendentes dos vencedores na guerra. Nas velhas fotos, os antepassados sempre jovens, Deixando os seus postos nos céus, Marcham conosco, como se estivessem vivos. Corre o rio do Regimento Imortal Corre o rio do Regimento Imortal Corre o rio e as colunas não têm fim. Marcham lado a lado marechal e soldado. E das fotografias, os rostos, como se fossem de um ícone, Sem fechar os olhos, nos fitam. Marcham conosco, vencendo a morte com a própria morte,28 28 Referência à ressurreição de Cristo em uma canção pascoal ortodoxa. Como em 41, protegendo o mundo com seus corpos. E nossa vida não termina enquanto Corre o rio do Regimento Imortal Corre o rio do Regimento Imortal Para que o mundo, a salvo, não se esqueça dos heróis. Anda, rompendo o silêncio do esquecimento, Percorre a eternidade - o Regimento Imortal em formação Vai de novo lutar pelo país. Ao unir as almas dos mortos com as nossas próprias, Elas, como uma onda, fervem até as nuvens, Ressuscitando então em seus descendentes. Corre o rio do Regimento Imortal Corre o rio do Regimento Imortal

Interessante observar não apenas o tom heroico da canção, mas inclusive suas referências religiosas: “Deixando os seus postos nos céus”, “os rostos, como se fossem de um ícone, / Sem fechar os olhos, nos fitam”, “vencendo a morte com a própria morte”. Tudo isso contribui para criar uma atmosfera mítica em torno do Regimento Imortal. Além disso, a frase repetida constantemente pela imprensa estatal de que o Regimento Imortal, apesar de seus poucos anos de existência, “já é uma tradição” cria um ambiente em que torna-se um dever de todo o cidadão russo que se importa com seu país se emocionar e reviver a Grande Guerra Patriótica por meio do Regimento Imortal.

Considerações finais

Desde pelo menos a segunda metade de seu primeiro mandato, Vladimir Putin aplica na Rússia uma ampla e profunda política de memória voltada para o renascimento do sentimento patriótico entre os russos. Através de sua história familiar e sua relação afetiva com o evento, o presidente russo busca ser pessoalmente associado à vitória na Grande Guerra Patriótica e, consequentemente, ser visto como o único líder capaz de conduzir a Rússia no atual contexto de guerra híbrida mundial. Nesse sentido, a política de memória do Estado russo visa fazer com que os russos estabeleçam uma relação pessoal, de vivência mediada com a Guerra, de forma a unificar as forças sociais em apoio às distintas políticas de Estado. A “luta pelo passado” é uma realidade cotidiana na Rússia atual. Apesar da profunda fragmentação da sociedade russa em função de uma série de elementos (crise política e social, estagnação econômica, dificuldade em modernizar o parque produtivo russo além da produção de armamentos etc.), a política de memória aplicada pelo Estado russo tem obtido relativo sucesso. O debate público racional a respeito da guerra e suas contradições se encontra praticamente bloqueado em função de necessidade de glorificação da vitória. Todos os erros e crimes cometidos pela direção soviética da época se anulam ou se justificam em função da posição da Rússia como “potência vencedora da Segunda Guerra Mundial”. Questionar aspectos particulares da Guerra equivale, segundo essa política de memória, a questionar o próprio papel da Rússia na vitória sobre o nazismo e a apoiar os atuais “detratores e inimigos da Rússia”.

Resta saber se essa forma de controle social por meio da regulamentação e manipulação do passado é realmente efetiva ou, pelo menos, se pode ser sustentada em longo prazo. Ocorre que, no final das contas, o passado nunca pode ser completamente “limpo” das controvérsias políticas e ideológicas. Isso diz respeito tanto ao passado soviético quanto a outros períodos mais distantes da história russa. É impossível que figuras como Ivan, o Terrível, ou Lênin não gerem acalorados debates, ou que fatos como a Revolução de Outubro de 1917 e o Levante Dezembrista de 1825 não despertem as mais variadas e intensas paixões. Certamente, o Estado russo buscará abordar esses fatos de maneira que se garanta o equilíbrio e a estabilidade no presente, mas não se pode ignorar o fato de que a história é, por definição, exatamente o oposto: mudança, desequilíbrio e instabilidade. Mais cedo ou mais tarde, esses desequilíbrio e instabilidade do passado lançam seus tentáculos em direção ao nosso tempo, abalando assim as bases da tão sonhada “paz social”.

Referências

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  • GUDKÓV, Liev. “Pamiat” o voine i massovaia identitchnost rossian. Neprikosnovennii zapas, São Petersburgo, n. 2, 2005. Disponível em: Disponível em: https://magazines.gorky.media/nz/2005/2/pamyat-o-vojne-i-massovaya-identichnost-rossiyan.html Acesso em: 22 jul. 2020.
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  • HOBSBAWM, Eric. Introdução: a invenção das tradições. In: HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (org.). A invenção das tradições 10. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2015. Cap. 1. p. 7-24.
  • IGNÁTOVA, S. N. “Sovetskie” tsennosti v soznanii sovremennikh krestian. In: SOTSIOLOGITCHESKIE TCH­TENIIA PAMIATI V. B. GOLOFASTA, 2014, São Petersburgo. Nache prochloe: nostalgitcheskie vospominania ili ugroza budushemu? São Petersburgo: Eidos, 2015. p. 176-187.
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  • ROMÁNOV, Boris. Kak Stalin otmenil Den Pobedi v 1947 godu. Proza.ru, [s. l.], 2010. Disponível em: Disponível em: https://proza.ru/2010/05/11/32 Acesso em: 21 jul. 2020.
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  • RÚSSIA. Lei n. 354.1, de 5 de maio de 2014. Reabilitatsia Natsizma
  • UCHÁKIN, Serguei. “Mi u prochlogo ne utchimsia, mi im jiviom” (Entrevista). 2015. Revista eletrônica Neprikosnovennii zapas Disponível em: Disponível em: http://magazines.russ.ru/nz/2015/4/11int.html Acesso em: 21 fev. 2017.
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  • WOOD, Elizabeth A. Performing Memory: Vladimir Putin and the celebration of WWII in Russia. The Soviet and Post-Soviet Review, Leiden, n. 38, p. 172-200, 2011. Disponível em: Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/233566311_Performing_Memory_Vladimir_Putin_a nd_the_Celebration_of_World_War_II_in_Russia Acesso em: 29 jul. 2020.
    » https://www.researchgate.net/publication/233566311_Performing_Memory_Vladimir_Putin_a nd_the_Celebration_of_World_War_II_in_Russia
  • 1
    Segundo Hobsbawm ([xref ref-type="bibr" rid="r7"]2015[/xref]), as tradições inventadas são fenômenos (rituais, comemorações, feriados, monumentos, vestimentas, símbolos etc.) surgidos nos atuais Estados nacionais e que utilizam a história como legitimadora das ações do presente. Ao contrário das tradições verdadeiras, muito mais flexíveis e dinâmicas, sempre abertas à perda (Candau, 2011), as tradições inventadas são rígidas. Seu “abandono” significa a traição dos valores estabelecidos e evidencia o não pertencimento do sujeito à comunidade. Nesse sentido, as tradições inventadas reforçam a suposta naturalidade e continuidade de determinada estrutura política ou social, servindo com isso à legitimação dos poderes estabelecidos, que sempre encontrarão suas raízes na suposta tradição.
  • 2
    Na verdade, uma tradição reinventada, resgatada da história militar da Rússia imperial e cuja principal finalidade é retirar dos comunistas o monopólio da simbologia da guerra (até a reintrodução da Fita de São Jorge no imaginário popular, por volta de 2006, a vitória na guerra era lembrada por meio de uma fita vermelha).
  • 3
    Ver, por exemplo: https://opreutov.ru/?p=287 e http://inlubertsy.ru/novosti/konkurs-na-luchshee-graffiti-ko-dnyu-velikoy-pobedy-prodolzhaetsya-v-lyubercah. Acesso em: 3 ago. 2020.
  • 4
    Disponível em: https://fom.ru/Proshloe/14203. Acesso em: 22 jul. 2020.
  • 5
    Disponível em: https://infographics.wciom.ru/theme-archive/politics/internal-policy/army-defence/article/den-pobedy-sokhranim-pamjat-o-podvige.html. Acesso em: 22 jul. 2020.
  • 6
    Disponível em: https://wciom.ru/index.php?id=236&uid=10339. Acesso em: 22 jul. 2020.
  • 7
    Disponível em: https://wciom.ru/index.php?id=236&uid=9869. Acesso em: 3 ago. 2020.
  • 8
    Forma aguda de luta pela memória, em que há polarização social e política em torno aos temas do passado. O termo “guerra da memória” pode parecer um exagero para o leitor brasileiro, mas não o é. “Guerra pela Memória” (“Voina za Pamiati”) é o nome do documentário de Andrei Kondrachôv produzido em 2020 e veiculado pelo Primeiro Canal (estatal) russo. Sobre o filme, o autor enfatiza: “Hoje cabe a nós, descendentes dos vitoriosos, lutar pela memória sobre essa grandiosa façanha do nosso povo”. Ver: http://m.vest-news.ru/news/146030. Acesso em: 4 ago. 2020.
  • 9
    Disponível em: https://infographics.wciom.ru/theme-archive/society/religion-lifestyle/past-future/article/neprigljadnaja-pravda-o-voine-nuzhna-li-ona-sovremennomu.html. Acesso em: 22 jul. 2020.
  • 10
    Alguns especialistas denunciam uma certa “carnavalização da guerra”, quer dizer, a transformação da memória sobre o conflito em um espetáculo de mau gosto (uniformes infantis de guerra, “degustação” do pão produzido durante o cerco a Leningrado, adesivos de carros com a inscrição “Rumo a Berlim!” etc.). Por exemplo, em: https://openmedia.io/news/kak-den-pobedy-prevrashhayut-v-voenno-patrioticheskij-maskarad/. Acesso em: 3 ago. 2020.
  • 11
    Disponível em: https://fom.ru/Proshloe/14203. Acesso em: 22 jul. 2020.
  • 12
    Veja-se a força do pronome possessivo “nossos” (“nachi”) na língua russa. Esse pronome frequentemente substitui a palavra “russos”. “Nossos” é também o nome do movimento de juventude impulsionado pelo Estado e que visa preencher o espaço político e cultural deixado pelo antigo “Komsomol” (o braço juvenil do PCUS).
  • 13
    Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=K9TRaGNnjEU&has_verified=1. Acesso em: 23 jul. 2020.
  • 14
    Interessante observar que, quando se abriu na sociedade russa o debate sobre as emendas constitucionais propostas por Vladimir Putin em 2020, uma das propostas apresentadas era a de inscrever na Constituição da Rússia a condição de “potência vencedora da Segunda Guerra Mundial”. Ao final, a proposta foi descartada, mas a simples hipótese de sua inclusão no texto constitucional mostra o quanto a vitória na Grande Guerra Patriótica cumpre o papel de mito fundador da nação (considerando que é exatamente a Constituição que “funda” o país). Como observa o autor da proposta, membro do Conselho da Federação (equivalente ao Senado), Aleksei Puchkóv: “Eu marcaria, de uma ou outra forma, a nossa vitória na Segunda Guerra Mundial, o status de potência vencedora, porque isso define a nossa existência, tanto interna quanto internacional” (destaque nosso). Ver: https://www.znak.com/2020-01-28/senator_pushkov_predlozhil_otrazit_v_konstitucii_status_rossii_kak_strany_pobeditelnicy e também https://www.rbc.ru/rbcfreenews/5e4551969a794753 e3e42268. Acessos em: 25 jul. 2020.
  • 15
    Disponível em: https://wciom.ru/index.php?id=236&uid=10339. Acesso em: 22 jul. 2020.
  • 16
    Disponível em: https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/B-9-2019-0098_PT.html. Acesso em: 29 jul. 2020.
  • 17
    Ver as repetidas declarações de Putin de que ucranianos e russos são, essência, um só povo, por exemplo em: https://ria.ru/20171214/1510927363.html. Acesso em: 30 jul. 2020.
  • 18
    Entendemos a “desideologização do passado soviético” como o processo através do qual a sociedade soviética, na memória coletiva da nação, é despida de seu conteúdo de sociedade especificamente socialista, ou seja, alternativa ao capitalismo, e passa a ser vista única e exclusivamente como “passado comum”, inespecífico em relação a todos os outros períodos da história russa. Para mais desenvolvimentos, ver Kalínina ([xref ref-type="bibr" rid="r9"]2014[/xref]).
  • 19
    Ver, por exemplo, declarações de Putin em: https://www.rbc.ru/rbcfreenews/5e66ba3c9a79471e1bb1185b e https://www.gazeta.ru/army/2020/03/09/12997117.shtml. Acesso em: 3 ago. 2020.
  • 20
    Refere-se aos Julgamentos de Nuremberg (1945-1946).
  • 21
    Disponível em: https://www.moypolk.ru/ustav-polka. Acesso em: 4 mar. 2019.
  • 22
    Quem viveu em Leningrado durante o cerco.
  • 23
    Monumento ao soldado desconhecido, em geral na forma de uma chama que arde ininterruptamente.
  • 24
    Disponível em: https://www.moypolk.ru/letopis-polka. Acesso em: 4 mar. 2019.
  • 25
    Disponível em: https://www.moypolk.ru/. Acesso em: 4 mar. 2019.
  • 26
    Disponível em: https://republic.ru/posts/51319. Acesso em: 4 mar. 2019.
  • 27
    Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=hSz7KodTE3E.
  • 28
    Referência à ressurreição de Cristo em uma canção pascoal ortodoxa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    02 Fev 2022
  • Aceito
    30 Maio 2022
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