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Nas malhas do paternalismo: o associativismo recreativo entre os operários têxteis do bairro do Jardim Botânico na Primeira República

In the meshes of paternalism: recreational associations among textile workers in the Jardim Botânico neighborhood in the First Republic

Resumo:

A partir do final do século XIX, surgiram diferentes associações de lazer criadas por operários têxteis do Jardim Botânico - bairro situado na Zona Sul do Rio de Janeiro -, que contaram com o apoio dos dirigentes das fábricas de tecidos ali instaladas durante o período. Através da análise de jornais operários, da imprensa comercial e de documentos de polícia, que reunia as licenças concedidas aos clubes congêneres da cidade, este artigo investiga como tais trabalhadores se apropriaram dessas supostas concessões - em um conflituoso diálogo com as visões de mundo patronais. À luz da compreensão do conceito de paternalismo operado pelo historiador inglês E. P. Thompson, a intenção é demonstrar que essas associações recreativas financiadas pelas fábricas se constituíram tanto em espaços de diversão entre esses operários quanto em espaços de negociação e disputa por seus interesses compartilhados.

Palavras-chave:
Paternalismo; Jardim Botânico (Rio de Janeiro); Associações

Abstract:

From the end of the 19th century, different leisure associations emerged created by textile workers from the Jardim Botânico - a neighborhood located in the south of Rio de Janeiro - which had the support of the managers of the fabric factories installed there during the period. Through the analysis of workers’ newspapers, the commercial press and police documents, which granted annual licenses to similar clubs in the city, this article aims to investigate how these workers appropriated these supposed concessions - in a conflicting dialogue with the of employers’ world. In the light of the understanding of the concept of paternalism operated by the English historian E. P. Thompson, the intention is to demonstrate that these recreational associations financed by the factories constituted both spaces for fun among such workers and spaces for negotiation and dispute for their shared interests.

Keywords:
Paternalism; Botanical Garden (Rio de Janeiro); Associations

Em 1895, o Jornal do Brasil noticiou a realização de um evento que comemorava a criação do Clube Musical Recreativo Carioca. Tratava-se de uma associação “instrutiva e musical” formada por “crescido número de operários” da fábrica de tecidos Carioca, instalada à rua D. Castorina (atual Pacheco Leão), em 1886, no bairro do Jardim Botânico.1 1 Em relação ao perfil de operários da fábrica que faziam parte do clube, embora o seu estatuto não tenha sido identificado na documentação de polícia do período, grupos congêneres com sede no bairro, como a Sociedade Pessoal da Fábrica Corcovado, não restringiam a entrada de mulheres e menores na agremiação. Alguns estudos sobre a participação feminina em associações semelhantes apontam para o fato de que as operárias integravam o quadro social de clubes como esses ao longo da Primeira República, ainda que em alguns casos pudesse haver certas restrições (Pereira, 2017). O evento marcava a inauguração da primeira associação voltada para atividades musicais e recreativas, formada por trabalhadores locais. Segundo o jornalista da folha, os próprios diretores da empresa apoiaram a criação do clube naquela ocasião, ao comparecerem a sua inauguração. Em comemoração ao evento, o presidente da nova associação, o operário Antonio José Duarte Junior, chegou a trocar brindes amistosos com os dirigentes da companhia têxtil.2 2 Jornal do Brasil, 19 mar. 1895.

Doze anos depois, os empregados da fábrica Carioca resolveram fundar um clube dedicado à prática do futebol, esporte que nos primeiros anos do século XX passava a se constituir em uma das atividades prediletas dos trabalhadores da cidade. No Jardim Botânico, essa predileção logo se traduziu na formação, em 1907, do Clube Esportivo Victorioso, formado por operários daquela companhia.3 3 Ainda que nesta pesquisa não tenha sido identificado o estatuto do Carioca F. C. no período analisado, em 1935 constava no estatuto do próprio clube que este seria “composto de sócios em número ilimitado, sem distinção de nacionalidade, política ou religiosa”. É possível notar pela descrição das categorias de sócios do estatuto citado, que o clube abria a possibilidade de indivíduos maiores de 14 anos e menores de 18 anos se tornarem membros do seu quadro social. Arquivo Nacional, 1°Ofício de Registro de Títulos e Documentos, v. 27, ano 1935. No entanto, o clube mudaria de nome - passando a se chamar Carioca Foot-ball Clube, de modo a assegurar a proteção de seus patrões (Pereira, 2000PEREIRA, Leonardo A. de M. Footballmania: uma história social do futebol no Rio de Janeiro (1902-1938). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.). Em 1912, o então secretário da associação reconhecia que o terreno do seu campo era uma doação dos diretores da companhia, indicando como o clube surgia com o incentivo de seus patrões.4 4 Careta, 24 ago. 1912.

A fundação de clubes como estes com o apoio patronal não era uma peculiaridade da fábrica Carioca. Naquele momento, os dirigentes de outras empresas passaram também a apoiar simbolicamente e/ou materialmente a criação de associações recreativas formadas por seus empregados, dando início a uma prática que se difundiu rapidamente entre diferentes empreendimentos pela cidade. Por essa lógica, tal prática se mostraria generalizada entre patrões e operários de outros estabelecimentos têxteis do Jardim Botânico, ainda nos primeiros anos do século XX. Era o que notava o articulista do Jornal do Brasil, ao noticiar que os operários da companhia de fiação e tecelagem Corcovado, localizada à rua Jardim Botânico desde 1891, mantinham “uma associação geral recreativa, composta de grupo musical com orquestra e banda e grupo dramático”. Tratava-se da Sociedade Pessoal da Fábrica Corcovado, cuja sede estava fixada à rua Jardim Botânico n. 3. Na mesma matéria, o próprio diretor da indústria têxtil, chamado José da Cruz, destacava que a sociedade recebia o apoio da companhia.5 5 Jornal do Brasil, 26 abr. 1902; 28 nov. 1902. Àquela altura, ela já se encontrava em funcionamento, como é possível notar por seu pedido de licença entregue à Repartição de Polícia em 1900.6 6 Arquivo Nacional, GIFI 6c 50. Já outra associação formada pelos trabalhadores dessa fábrica, criada em 1902, chamava-se Sociedade Beneficente Homenagem a José da Cruz - nome do então diretor-presidente do estabelecimento fabril.7 7 Jornal do Brasil, 02 abr. 1902. Em 1909, os operários da fábrica Corcovado fundaram ainda o time esportivo que levava o nome da companhia, chamado Corcovado Foot-ball Clube.8 8 Correio da Manhã, 02 maio 1909. Processo semelhante ocorria na Gávea, cuja fábrica de fiação e tecidos São Felix se instalou à rua Marquês de São Vicente, em 1891. Os dirigentes da companhia incentivavam também a formação de espaços de lazer dos seus operários. Gazeta de Notícias, 14 jun. 1911.

Não se tratava, porém, de um mero acaso o interesse que esses trabalhadores dispensavam àquelas atividades voltadas para o lazer. A expressiva quantidade de pedidos de licenças solicitados anualmente ao chefe de polícia da Capital Federal por associações que tinham sua sede em diferentes regiões da cidade, sugere a amplitude e força desse movimento associativo, tornando-se assim uma das opções preferenciais de lazer dos trabalhadores cariocas no período (Pereira, 2002PEREIRA, Leonardo A. de M. E o Rio dançou. Identidade e tensões nos clubes recreativos cariocas (1912-1922). In: CUNHA, Maria Clementina Pereira da. Carnavais e outras f(r)estas: ensaios de história social da cultura (org.) São Paulo: Unicamp/Cecult, 2002.).

Era o que acontecia, de modo especial, no bairro do Jardim Botânico. Isso porque, a partir do final do século XIX, o seu perfil passaria por um rápido processo de mudança, ao receber investimentos industriais que começavam a transformar as características rurais até então predominantes na região. Trata-se da instalação de indústrias voltadas para a produção têxtil, como as fábricas Carioca e Corcovado, o que impulsionaria de modo muito mais intenso seu crescimento e urbanização. A partir desse momento, o bairro assumiria uma clara marca fabril (Costa, 2014COSTA, Mariana B. C. da. Entre o lazer e a luta: o associativismo recreativo entre os trabalhadores fabris do Jardim Botânico (1895-1917). Dissertação (Mestrado em História Social da Cultura), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2014.).

Sintomático a esse respeito, era a construção de diversas habitações por empresas públicas e privadas destinadas à moradia dos operários têxteis do bairro. O fato, porém, é que empreendimentos como esses eram realizados em larga escala, na maior parte dos casos por companhias têxteis da própria localidade, onde começava a se estabelecer expressivo contingente de força de trabalho. Tais construções tornavam-se a principal forma de habitação para os empregados dos estabelecimentos industriais instalados no Jardim Botânico. A iniciativa se mostrou especialmente importante devido às condições recentes de ocupação e desenvolvimento urbano do bairro, impulsionando sua ocupação nos anos que seguiram à instalação das fábricas (Lobo, 1989LOBO, Eulalia. O movimento operário e a questão habitacional. Rio de Janeiro: UFRJ, 1989.).

Era em torno das instalações fabris, no entanto, que se concentravam as novas habitações construídas para os operários, expressando assim o processo de ordenação do seu espaço físico, que se formava na maior parte dos casos a partir da lógica de atuação dos diretores industriais. Configurava-se, assim, um bairro fabril edificado como a própria extensão dos interesses de tais companhias, expressas no traçado urbano do bairro e nas relações de subordinação que se tentava marcar com aqueles empreendimentos (Costa, 2014COSTA, Mariana B. C. da. Entre o lazer e a luta: o associativismo recreativo entre os trabalhadores fabris do Jardim Botânico (1895-1917). Dissertação (Mestrado em História Social da Cultura), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2014.).

Com efeito, as ações patronais não se restringiam apenas ao incentivo às associações de lazer formadas por seus empregados. Estendendo sua ação para além do lazer operário, os dirigentes fabris buscavam realizar empreendimentos que atingiam diferentes esferas da vida cotidiana do trabalhador, ao promover diversos tipos de assistência capaz de atender algumas necessidades básicas dos operários locais. Era como um conjunto de procedimentos realizados pelas indústrias no mesmo contexto e com objetivos semelhantes que se identifica a atuação dos empresários das companhias localizadas no bairro do Jardim Botânico em relação às associações de lazer formadas por seus empregados (Costa, 2014COSTA, Mariana B. C. da. Entre o lazer e a luta: o associativismo recreativo entre os trabalhadores fabris do Jardim Botânico (1895-1917). Dissertação (Mestrado em História Social da Cultura), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2014.).9 9 A fábrica Corcovado, por exemplo, mantinha uma creche, um montepio para os operários enfermos e uma escola, enquanto a fábrica Carioca mantinha a Cooperativa Operária Carioca.

Interessa destacar que tais práticas de lazer cotidianas dos operários das fábricas de tecidos instalados no Jardim Botânico se relacionavam com a política implementada pelos diretores das fábricas têxteis, ao fomentar clubes recreativos como aqueles criados ao redor das fábricas Carioca e Corcovado. Compreender como esses indivíduos se colocaram dentro dessa lógica de domínio, de modo a perceber como essa trama foi tecida pelos próprios trabalhadores que frequentavam tais associações recreativas na localidade, se constitui assim como o objetivo principal deste artigo.

Em estudos que tiveram repercussão no Brasil durante a década de 1970, parte da historiografia brasileira buscou analisar as ações patronais direcionadas aos operários no final do século XIX e início do século XX, especialmente em centros industriais como Rio de Janeiro e São Paulo, a partir de uma perspectiva que enfatizava a força de tais práticas de dominação. A lógica da ação patronal era, nessa visão, a de criar um meio de controlar as horas livres do trabalhador por meio da concessão de serviços e incentivo de diferentes atividades, inclusive voltadas para o seu lazer, com a finalidade de inculcar valores como disciplina, amor ao trabalho e moralidade (Stein, 1979STEIN, Stanley J.Origens e evolução da indústria têxtil no Brasil, 1850-1950. Rio de Janeiro: Campus, [1957] 1979.; Dean, 1971DEAN, Warren. A industrialização de São Paulo (1880-1945). São Paulo: Difel, 1971.). Ainda que alguns desses estudos não necessariamente desconsiderassem a ação dos trabalhadores nesse processo, perspectivas como essas que enfatizavam o paternalismo dos industriais se afirmavam no período como uma forma de compreender as práticas desses dirigentes fabris e a experiência dos trabalhadores brasileiros durante a Primeira República.

No entanto, àquela altura, começava a se fazer marcante na historiografia sobre as relações de trabalho e experiências dos trabalhadores no Brasil a influência de estudos que buscavam abordar os processos históricos e sociais, a partir da agência dos sujeitos que eram atingidos por tais políticas patronais. Parte desses pesquisadores reagiam à perspectiva até então hegemônica, cuja em que a atuação política desses indivíduos era entendida como fruto de determinações estruturais econômicas exteriores às suas próprias experiências e práticas, resultando assim numa visão dos trabalhadores como passivos e incapazes de pensamentos e ações próprias (Chalhoub, Silva, 2009CHALHOUB, Sidney; SILVA, Fernando Teixeira da. Sujeitos no imaginário acadêmico: escravos e trabalhadores na historiografia brasileira desde os anos 1980. Cadernos AEL, Campinas, v. 14, n. 26, 2009, pp.11-50.).

Respondiam, com isso, à influência que teve no Brasil, a partir da década de 1970, a historiografia marxista inglesa, em que se destaca a obra do historiador inglês Edward Thompson, publicada em 1963THOMPSON, Edward P. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, [1963] 1987.. No livro A formação da classe operária inglesa, o autor afirma a necessidade de compreender esse processo como um fenômeno histórico, cujos sentidos devem ser buscados em contextos particulares e nas próprias ações e relações sociais estabelecidas por tais sujeitos. Thompson demonstra como é a partir dos costumes, crenças e ideias dos trabalhadores que se pode entender os processos por eles protagonizados, em especial aqueles ligados à formação de redes de solidariedade e identidade de classe (Thompson, 1987THOMPSON, Edward P. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, [1963] 1987.).

A partir de tal influência, parte dos pesquisadores brasileiros passaram a entender os trabalhadores como sujeitos históricos e políticos ativos - o que implicava uma abordagem do tema que enfatizasse suas próprias ações, experiências de organização e estratégias de enfrentamento social. Diante de tal esforço, colocava-se a necessidade de repensar as formas tradicionais pelas quais havia sido compreendido até então o conceito de paternalismo industrial no que dizia respeito à experiência dos trabalhadores no período republicano. Foi no rastro de posições como estas que alguns autores buscaram analisar a experiência dos trabalhadores cariocas e a sua relação com tais políticas paternalistas industriais, a partir das suas ações e lógicas no contexto das relações de trabalho.10 10 Era o caso da historiografia da escravidão no Brasil, que se apropriava do conceito de agência, ressignificando o termo paternalismo senhorial. Tais perspectivas historiográficas demostraram como esses escravizados eram sujeitos ativos da relação paternalista à qual estavam submetidos, conseguindo afrontar a lógica de domínio senhorial dentro de seus próprios termos - fosse minando cotidianamente suas bases ou realizando ações que confrontavam diretamente a autoridade dos senhores (Negro, 2004).

Uma das obras que afirmou tal influência foi o livro intitulado Do cabaré ao lar, de Margareth Rago, publicado em 1985. A autora identificou diferentes práticas paternalistas, como a construção de vilas operárias, associações voltadas para o lazer, escolas e igrejas, demonstrando como se constituía a política de controle patronal sobre os trabalhadores através dessas ações. Se tais formas de controle foram entendidas até aquele momento por muitos historiadores como a expressão acabada de falta de consciência de classe dos trabalhadores, a autora apontou para um sentido contrário, ao demonstrar que tais estratégias de disciplinarização e moralização baseadas na lógica capitalista do trabalho imposta ao operariado foram sistematicamente e cotidianamente questionadas por meio de diferentes métodos de resistência. Valendo-se de jornais operários anarquistas, ela identificou tais ações como, por exemplo, ataques à propriedade privada, roubo de peças e destruição de máquinas. Dessa forma, Rago argumentou que não eram apenas as paralisações grevistas que se constituíam num meio de luta eficaz entre os operários, sendo aqueles métodos de resistência também alvo da propaganda anarquista, por se constituírem em formas de “ação direta” (Rago, 1985RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar - Brasil 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.).

Entendendo as práticas paternalistas como uma imposição sobre os trabalhadores e desconsiderando que muitos desses indivíduos não necessariamente resistiram a tais projetos - como no caso das próprias atividades voltadas para o lazer - a autora criou um antagonismo entre paternalismo e resistência, que separava dois mundos analisados e entendidos como distintos de atuação operária. Isso porque os métodos de enfrentamento social dos trabalhadores se legitimam no discurso anarquista, terminando assim por reiterar a imagem alienada que os próprios militantes construíam daqueles que se entregavam às atividades recreativas e se colocavam sob a proteção de seus patrões. Fazendo do discurso e projeto anarquistas a descrição acabada do processo de formação da classe, nessa visão, não são problematizadas assim as conflituosas relações entre patrões e trabalhadores e os diferentes sentidos que esses sujeitos atribuíram a tal experiência.

Este não era, porém, um caso isolado. Parte dos pesquisadores que integravam o campo de história do trabalho do Brasil passaram a deslocar a compreensão do processo de formação das identidades de classe das condições econômicas para o próprio movimento de organização e mobilização dos trabalhadores. Influenciados pelas perspectivas que valorizavam os trabalhadores como sujeitos históricos e sociais, tais autores buscaram investigar as formas de organização desses sujeitos em partidos e associações de classe - tanto aquelas de tendências anarquistas quanto de outras correntes ideológicas - e a capacidade do movimento de mobilizar esses sujeitos para o enfrentamento social através da lógica de ação política direta, modo pelo qual se tentou refletir sobre o processo de formação da classe trabalhadora no Brasil. Ainda que sob perspectivas e caminhos diversos, evidenciava-se com isso a força do movimento operário organizado primordialmente em associações sindicais, que tinha na greve sua maior demonstração de força. Ao voltarem-se para o pensamento político e ideológico difundido por imigrantes europeus de origens diversas a partir de meados do século XIX, definindo através dele um modelo de ação política e embate social tidos como propriamente de classe, tais estudiosos acabaram por desconsiderar as experiências e visões de mundo próprias de expressiva quantidade de trabalhadores, que mobilizaram diferentes estratégias para atingir seus objetivos e lutar por seus interesses compartilhados (Chalhoub, Silva, 2009CHALHOUB, Sidney; SILVA, Fernando Teixeira da. Sujeitos no imaginário acadêmico: escravos e trabalhadores na historiografia brasileira desde os anos 1980. Cadernos AEL, Campinas, v. 14, n. 26, 2009, pp.11-50.).

Seguindo os caminhos trilhados pelos historiadores que têm renovado a historiografia do mundo do trabalho no Brasil desde as décadas de 1970 e 1980, é possível refletir sobre a questão por meio de outro livro de autoria de E. P. Thompson, intitulado Costumes em comum: estudos sobre cultura tradicional (Thompson, 1998THOMPSON, Edward P. Costumes em co). Ao aprofundar o estudo sobre os trabalhadores ingleses durante os séculos XVIII e XIX, a partir da aproximação com a antropologia e a problematização do conceito de cultura, o autor teve como objetivo refletir sobre os costumes e hábitos cotidianos de tais sujeitos. É o que ele faz, de modo particular, no capítulo “Patrícios e plebeus”. Como argumentou Antonio Negro, Thompson “afunda e acode o conceito de paternalismo” (Negro, 2004NEGRO, Antonio L. Paternalismo, populismo e história social. Cadernos AEL, Campinas, v. 11, n. 20-21, 2004, pp.09-40., p. 16). Trata-se, portanto, da crítica que ele submeteu à compreensão corrente do conceito de paternalismo industrial naquele momento, ao afirmar que o conceito é identificado de maneira naturalizada às ideias de manipulação das classes subalternas pelos “de cima” e, como resultado, à ausência dos conflitos de classe. Entretanto, Thompson buscou operar com o conceito a partir da análise dos processos históricos e relações sociais experimentadas cotidianamente pelos trabalhadores ingleses, modo pelo qual compreende a construção dos sentidos próprios elaborados por eles das noções de direitos, leis e costumes comuns, expressas nas práticas de organização e mobilização desses sujeitos coletivos.

À luz da compreensão do conceito de paternalismo proposto por Thompson, podem ganhar novos sentidos as práticas recreativas realizadas pelos operários têxteis de um complexo fabril como o do Jardim Botânico. Financiados pelos patrões, frequentado por trabalhadores e administrado muitas vezes por ambos, os clubes recreativos da região aparecem, assim, como um bom meio de investigar as diferentes lógicas e sentidos que alimentaram as relações paternalistas entre patrões e operários no período. Para tanto, o artigo estrutura-se em duas partes: a primeira, Os domínios do lazer, analisa a política paternalista implementada pelos diretores das fábricas de tecidos instaladas no Jardim Botânico, a partir de seus interesses e visões de mundo, direcionada particularmente para as associações recreativas formadas por operários têxteis do bairro. Em seguida, na segunda parte, Associativismo recreativo e agência operária, a intenção é compreender como os próprios trabalhadores fabris se colocaram frente a essa lógica de domínio nos seus espaços de lazer.

Os domínios do lazer

Como parte dos diferentes empreendimentos realizados pelos diretores das fábricas instaladas no bairro do Jardim Botânico, os espaços voltados para o lazer dos operários ganhavam a atenção de seus patrões. Não seria nenhum acaso, nesse sentido, o fato de que as primeiras associações recreativas do bairro fossem criadas com o apoio patronal, e que este se constituísse num meio pelo qual os dirigentes fabris expressavam claramente suas perspectivas e interesses (Costa, 2014COSTA, Mariana B. C. da. Entre o lazer e a luta: o associativismo recreativo entre os trabalhadores fabris do Jardim Botânico (1895-1917). Dissertação (Mestrado em História Social da Cultura), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2014.).

É o que fazia o empresário José da Cruz, então diretor da fábrica Corcovado, que tentou explicar tais ações, como mostrava o seu testemunho em 1903, ao articulista do jornal Brasil Operário que o entrevistou: “Quando lhe apertei a mão, S. S. disse-me estas palavras, que me ficaram gravadas na mente: ‘Estes operários, eu os considero como se eles fossem meus filhos’”.11 11 Brasil Operário, 16 jul. 1903. O diretor da companhia buscava, desse modo, efetivar ações que o apresentavam para seus empregados como dádivas concedidas para incentivar suas atividades preferidas, mas também como um “pai” que estava presente na sua vida cotidiana, tentando representar a ideia de que diretores e empregados formavam uma família, cujo elemento de ordenação das relações se dava a partir de uma administração paternal. Colocando-se como um “pai” protetor, o diretor da fábrica via no lazer de seus “filhos” algo a ser apoiado.

Reiterando tal perspectiva, um articulista do Jornal do Brasil noticiou que, ao realizar uma visita à fábrica Corcovado, alguns representantes do Centro das Classes Operárias12 12 Criado em 1902, o Centro das Classes Operárias buscava tomar para si a tarefa de mobilizar os trabalhadores cariocas, por exemplo, por meio de periódicos de propaganda como a Gazeta Operária e A Nação e do estímulo de agremiações de diversas categorias. ouviram do Sr. José da Cruz que foi implementado “um hábil mecanismo administrativo”, “(...) [que] provê o bem estar dos administrados, proporcionando-lhes todas as comodidades de modo a suavizar lhes as agruras da vida (...), até ali estendendo a ação de sua autoridade quase paternal”. O articulista do jornal exemplificava essas benfeitorias afirmando que a fábrica mantinha uma associação recreativa, a Sociedade P. da F. Corcovado, com banda musical e grupo dramático. O diretor evidenciava assim sua motivação ao realizar tais empreendimentos, constatando que “as vantagens que a companhia tira desse sistema administrativo reflete-se no desenvolvimento constante da fábrica, nos seus lucros e disciplina e na moralidade do seu pessoal”.13 13 Jornal do Brasil, 26 abr. 1902. Junto à lógica paternalista de doação e benevolência, as palavras do diretor da fábrica Corcovado sugerem como tais práticas tinham uma dimensão importante para os seus próprios interesses, tanto pelos lucros obtidos pela empresa quanto pelas noções específicas de moralidade e disciplina impostas aos seus empregados.

As ações empreendidas pelos dirigentes das companhias têxteis que buscavam incentivar e apoiar os espaços de lazer dos operários locais construíam, nessa visão, a lógica de controle e subordinação que caracteriza a sua política de domínio no complexo fabril. Nessa perspectiva, a harmonia entre operários e patrões resultaria na completa impossibilidade de articulação desses sujeitos a partir de uma mobilização autônoma que não tivesse como intermediário os últimos. Para os diretores da fábrica, a possibilidade de identificação mais ampla entre os trabalhadores e a própria companhia poderia se dar apenas junto a seus tutores e benfeitores através de valores e sentidos impostos por seus patrões. Acreditando que suas políticas de controle e subordinação se convertiam em infalíveis estratégias de neutralização dos seus empregados, os diretores das fábricas locais idealizavam um mundo em que as hierarquias estabelecidas não seriam contestadas.

Em visita à fábrica Carioca, em 1915, o jornalista da Gazeta de Notícias dava um parecer que reiterava essa imagem: “Todos aqueles a quem falamos se mostravam satisfeitos: nada tinham de que se queixar, apenas da crise - a negra megera que atormenta a todos nós neste momento”, escrevia o articulista.14 14 Gazeta de Notícias, 07 maio 1915. Enfatizava com essas palavras a mesma imagem de fraternidade entre patrões e empregados que os diretores fabris buscavam forjar, afirmando que ambos pertenciam a um universo de interesses comuns - já que a crise afetava indiscriminadamente “a todos nós”. O jornalista parecia assim dissolver as contradições que os distinguiam. Mais do que reforçar a imagem fraterna que os diretores buscavam forjar, parte da imprensa participava ativamente na sua construção (Barbosa, 2000). Resultava da construção dessa imagem harmoniosa entre patrões e empregados a idealização de um mundo que tanto esses articulistas como os próprios diretores buscavam representar e realizar.

À primeira vista, os próprios operários que compunham esses clubes pareciam corroborar tal lógica. Na mesma matéria de 1915, a diretoria da fábrica Carioca teria apresentado ao articulista da Gazeta de Notícias o “líder” dos operários, o sr. Domingos Herculano do Amaral, para mostrar a fábrica e suas diversas instalações. O operário já havia desempenhado, àquela altura, a função de presidente do Clube Carioca em 191415 15 Jornal do Brasil, 05 jan. 1914. - o que pode explicar, em parte, o papel de liderança sobre os operários a ele atribuído pelos seus diretores. Na ocasião, o sr. Domingos do Amaral afirmava que “Estamos muito bem com os nossos diretores”.16 16 Gazeta de Notícias, 07 maio 1915. Ele próprio fazia questão de enaltecer a imagem benevolente dos diretores da fábrica, que o articulista se empenhava em reforçar publicamente na matéria do jornal carioca. Desse modo, os próprios operários (ou ao menos alguns deles) pareciam corroborar a lógica dessa política paternalista.

O sentido do apoio de empregados da companhia à diretoria da fábrica ganhou contornos mais nítidos quando o Sr. Domingos do Amaral levou o repórter ao salão do Clube Carioca - associação que, segundo o operário, tinha por fim “(...) proporcionar diversões aos seus associados e velar pelos interesses da classe”. Ao informar sobre a função do clube, o próprio operário formulava uma compreensão que associava “diversões” e “interesses” comuns aos operários, apontando para a importância que as atividades tinham para seus sócios. E complementava ainda afirmando que este “é o testemunho fiel de nossas lutas e a afirmação de nossa disciplina e amor ao trabalho”. Por outro lado, ao se referir a “disciplina e amor ao trabalho”, o operário operava com a lógica que construía o discurso de legitimação dessa política de controle. Reiterando a visão de mundo dos diretores da companhia no seu discurso ao repórter do jornal, o Sr. Domingos do Amaral conseguia fazer com que eles se mantivessem motivados a empreender tais ações e assim contemplar os próprios interesses coletivos de seus companheiros de recreação, que buscavam continuar realizando as atividades cotidianas do clube.

Não é de se admirar que, em contrapartida, o incentivo e apoio dos dirigentes têxteis pudesse resultar na interferência da companhia em tais espaços de lazer. Era o caso, em particular, do próprio controle da composição do quadro de sócios e diretores dos clubes, como constava no estatuto da Sociedade Pessoal da Fábrica Corcovado em 1913:

Presidente de Honra - Enquanto a Sociedade estiver em dependência da Companhia de Fiação e Tecidos o seu Presidente de Honra será o Diretor Gerente da mesma e compete-lhe a nomeação de sócios para ocupar os cargos de Presidente-Secretário e Tesoureiro.17 17 Arquivo Nacional, GIFI 6c 466.

Em relação às atribuições do presidente de honra, o documento definia que ele poderia destituir “qualquer diretor quando este não cumpra (sic) com os seus deveres”. Ao menos burocraticamente, o diretor da fábrica poderia interferir diretamente na escolha do quadro administrativo da associação, na medida em que tinha o poder de vetar certos operários para alguns cargos - já que a ideia de “deveres” a serem cumpridos era bastante vaga e suscetível a arbitrariedades.

Tais atitudes dos operários em relação aos seus patrões não deixaram de incomodar a outros operários, que viam em tal posição a expressão de sua subordinação e passividade diante das políticas de domínio, que eram constantemente denunciadas nas páginas dos jornais operários. Em 1911, um militante afirmou no periódico anarquista Guerra Social que:

(...) enquanto os trabalhadores permanecem no mais criminoso indiferentismo, os burgueses não descansam um instante, sendo poucos todos os momentos para estudar novas bases e impor novos regulamentos, a fim de explorar e escravizar com melhores resultados.18 18 Guerra Social, 29 jun. 1911.

Do ponto de vista de parte dos militantes adeptos das doutrinas anarquistas, a dedicação dos trabalhadores às atividades recreativas seria, então, simples meio de “agradar aos patrões, do que instruir-se e lutar para defender os seus direitos”.19 19 Guerra Social, 20 ago. 1911. Para esses militantes anarquistas, as tentativas de controle dos patrões sobre os operários seriam efetivas, impossibilitando qualquer reação dos trabalhadores contra as péssimas condições de trabalho e vida às quais eram submetidos. Nessa perspectiva, os patrões tinham êxito em conseguir desviar sua atenção das precárias condições de trabalho e vida que os próprios militantes denunciavam constantemente nas suas folhas. Os responsáveis por isso seriam, desse ponto de vista, os próprios operários que se entregavam a essa lógica de domínio - como afirmava outro militante anarquista no jornal Guerra Social, ao argumentar que “enquanto o operariado não se convença de que a força reside em si próprios e que nada tem a esperar de ninguém se não de sua própria união em sindicato de classe, as coisas continuarão de mal a pior”.20 20 Guerra Social, 29 jun. 1911.

Em tal perspectiva militante, as atividades recreativas teriam o efeito de neutralizar a mobilização dos operários, que acabavam distraídos de seus reais interesses, aceitando, por isso, medidas patronais que potencializavam sua exploração. A denúncia de militantes anarquistas que entendiam tais práticas como uma forma de alienar os trabalhadores, afastando-os das práticas e associações que realmente lhes interessava, convertia-se, na perspectiva desses militantes, em uma crítica aos próprios operários que aceitavam passivamente essa tentativa de dominação. Desse modo, a atitude dos trabalhadores que aderiam aos projetos patronais, criando associações de lazer com o nome de seus locais de trabalho e recebendo apoio e proteção dos diretores fabris, comprovariam o controle a que estavam submetidos e a alienação em que se encontravam.

Por lógicas e objetivos políticos distintos, esses militantes acabavam assim por se aproximar dos pontos de vista dos próprios diretores das fábricas, na visão de que tais procedimentos patronais em relação aos espaços de lazer formados por seus empregados seriam eficazes em cumprir o sentido disciplinador daqueles indivíduos. Cabe, no entanto, investigar como os seus próprios sócios, alvos supostamente passivos desse processo, construiriam a seu modo alternativas e estratégias diversas através da formação e manutenção de seus espaços de lazer, a partir dessa política paternalista dos industriais do bairro.

O associativismo recreativo e a agência operária

Ao denunciarem as práticas de controle patronais e a passividade dos operários, muitos militantes constatavam a atenção e o interesse que esses espaços e suas atividades despertavam entre os operários locais. Esta é uma pista para tentarmos compreender, para além da visão alienada que alguns contemporâneos projetavam sobre os operários associados em agremiações como o Clube Carioca, quais os sentidos próprios que esses sujeitos atribuíam ao seu associativismo e como se apropriavam de tais espaços de lazer no período.

Em 1895, o Jornal do Brasil noticiou que os próprios operários da fábrica Carioca, sob a presidência de Alfredo Tavares, fundaram o Clube M. R. Carioca. Quando fundada, a associação composta por operários da fábrica formou a banda de música, contando ainda com uma organização administrativa de um presidente, dois secretários e um procurador, cujos cargos eram ocupados por empregados da companhia.21 21 Jornal do Brasil, 19 mar. 1895. O articulista da folha sugeria com isso que não era uma iniciativa da companhia a criação do espaço de lazer, embora a empresa viesse a apoiar sua criação.22 22 Jornal do Brasil, 10 mar. 1895. A experiência de trabalho na localidade era um elemento que reunia os operários da fábrica naquele espaço associativo, até mesmo como um fator explícito de identificação dos sócios do clube ao adotarem o nome da própria indústria. O resultado é que, na prática, o clube era organizado através de laços de sociabilidade constituídos no universo de trabalho, agrupando trabalhadores do mesmo ofício e articulando em torno de onde trabalhavam um dos sentidos de sua associação (Costa, 2014COSTA, Mariana B. C. da. Entre o lazer e a luta: o associativismo recreativo entre os trabalhadores fabris do Jardim Botânico (1895-1917). Dissertação (Mestrado em História Social da Cultura), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2014.).

Em 1902, quando o Clube Carioca contava já com sete anos de existência, aGazeta Operárianoticiou a realização de um “imponente baile em seu salão”. Na ocasião, a diretoria da fábrica Carioca fez ao clube uma doação de 100 mil réis. Já o diretor, o gerente e o mestre dos teares da fábrica, respectivamente, os srs. Frederick Burowar, George Casev e William Porighton, doaram ainda individualmente 50 mil réis.23 23 Gazeta Operária, 28 set. 1902. Interessa notar que foram realizados dois tipos de doações: uma em nome da diretoria da fábrica e outra em nome de cada diretor. Através do apoio da própria companhia e da contribuição dos diretores individualmente, ambos concediam uma importante assistência ao clube. Com a chance de se somar ao patrimônio da associação, o financiamento da fábrica proporcionava recursos para além do que seria possível com as mensalidades pagas pelos sócios. Em média, a mensalidade que deveria ser paga pelos seus membros variava entre 1$000 e 3$000, e a joia para ingresso na associação de 3$000 a 5$000.24 24 Arquivo Nacional, GIFI 6c 466. Se comparado com os salários recebidos por esses indivíduos, nota-se a dificuldade que muitos de seus sócios poderiam ter para pagar os módicos valores cobrados para fazer parte de tais associações. Embora os valores de seus salários variassem de acordo com as funções realizadas, idade e gênero, recebiam em média entre $500 e 3$500 por diária em 1903, segundo um articulista do jornal O Paiz.25 25 O Paiz, 20 ago. 1903. Os valores doados pelos diretores da fábrica e a sua diretoria no evento, de 50$000 e 100$000, eram assim parte expressiva do caixa da associação, que representava uma contribuição financeira significativa para manutenção do clube. Se para os diretores fabris a dependência caracterizada por tal contribuição financeira era um meio pelo qual buscavam controlar e disciplinar seus empregados, para os membros de tais associações criadas a partir da sua relação com a fábrica, contando com os investimentos financeiros de seus patrões, eles conseguiam realizar as atividades cotidianas que eram objeto de interesse de seus sócios - o que não os eximia de contribuir também com recursos próprios para a sobrevivência de cada associação do gênero. Conseguindo que seus patrões reconhecessem e apoiassem a criação dessas associações e a realização de suas atividades, o Clube Carioca e tantas outras associações formadas a partir da mesma lógica forjavam um meio de obter condições financeiras para sua criação e funcionamento.

Havia também a possibilidade de que os músicos das bandas de tais associações tivessem uma formação musical proporcionada pelo apoio patronal, o que possibilitava a realização dos seus bailes. Em 1913, constava no estatuto da Sociedade P. da F. Corcovado um artigo que especificava que a associação mantinha “aulas de música”.26 26 Arquivo Nacional, GIFI 6c 466. Ao oferecer tais atividades, os sócios conseguiam organizar a banda do clube e refinar a sua qualidade musical através da própria preparação dos integrantes da banda. Alguns indivíduos tinham até mesmo a oportunidade de se destacar como respeitados músicos, como chegou a ocorrer com outros trabalhadores da cidade naquele momento. A possibilidade de que essa prática representasse, para aqueles operários, uma forma de ascender socialmente e economicamente tornava esses espaços de lazer importantes meios de transformação dos seus supostos destinos (Diniz, 2007DINIZ, André. O Rio musical de Anacleto de Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.).

O mestre da banda de música do Clube Carioca, chamado Joviniano de Paula Bohemia, que atuou na associação pelo menos desde 1902,27 27 Correio da Manhã, 13 maio 1902. parece ter conseguido trilhar um caminho que lhe rendeu certa visibilidade e prestígio entre seus companheiros de clube nas três primeiras décadas do século XX. O operário da fábrica Carioca era sergipano e, naquele ano, contava 28 anos. Além de comandar a banda de música da fábrica, Joviniano de Paula Bohemia se mostrou atuante em questões políticas no período, como na ocasião da campanha em oposição às medidas obrigatórias impostas pelo governo de vacinação contra a varíola em 1904, subscrevendo a representação que seria enviada ao Congresso.28 28 Jornal do Brasil, 14 ago. 1904. Exerceu ainda o cargo de primeiro secretário do Carioca F. C., durante parte da década de 1920 e 1930, chegando também a ocupar o cargo de vice-presidente da mesma associação esportiva.29 29 Jornal do Brasil, 17 mar. 1916; 19 jun. 1919.

Mas era como mestre de banda do Clube Carioca que Joviniano se destacaria entre seus companheiros. Comandando a banda do clube, o operário tocou em festivais esportivos promovidos por tais associações, festas religiosas do bairro e homenagens a autoridades políticas, entre outros eventos - além, é claro, dos bailes periodicamente oferecidos pelo Clube Carioca. No sarau realizado no dia 13 de maio de 1902, o Correio da Manhã noticiou que dançavam em seus salões mais de duzentos pares, e que o “baile correu animadíssimo até ao amanhecer”. Na ocasião, “além de agradecer a presença dos que compareceram, o sr. Luiz Barbosa fez em breves palavras a apologia ao mestre Juveniano (sic) de Paula, a quem muito deve o Clube Carioca pela sua constante cooperação no ensino da música”.30 30 Correio da Manhã, 13 maio 1902. Era, assim, exercendo funções de reconhecida importância e prestígio no clube, fosse comandando a banda ou ensinando a prática aos músicos do grupo, que o mestre se destacava entre seus companheiros de recreação, merecendo até mesmo que o orador oficial do clube, o sr. Luiz Barbosa, figura marcante nos eventos de lazer do bairro, prestasse homenagem a ele.31 31 O sr. Luiz Barbosa também era militante socialista e escriturário da sala de panos da fábrica Carioca. Jornal do Brasil, 28 jan. 1907; Gazeta Operária, 02 dez. 1902.

Não era apenas exercendo funções importantes na associação que Joviniano de Paula Bohemia era prestigiado por seus companheiros. A estreita relação que o mestre mantinha com o Clube Carioca e com os seus sócios se expressava através de uma nota publicada no Jornal do Brasil em 1901, quando Joviniano agradeceu aos seus companheiros e amigos por acompanharem o enterro da sua esposa Corina de Paula, e também ao Clube M. R. Carioca, que esteve representado no evento.32 32 Jornal do Brasil, 23 out. 1901. Além de lhe render homenagens nos dias festivos, o mestre de banda também recebia solidariedade de seus companheiros de trabalho e lazer num momento dramático de sua vida. E o fato de que o clube estivesse representado no enterro de sua esposa, indica mais uma vez que o mestre Joviniano desfrutava de reconhecimento e visibilidade na associação, merecendo que os seus membros se mobilizassem para prestar sua solidariedade, o que acabava também por reforçar os laços identitários entre os próprios sócios do clube (Costa, 2014COSTA, Mariana B. C. da. Entre o lazer e a luta: o associativismo recreativo entre os trabalhadores fabris do Jardim Botânico (1895-1917). Dissertação (Mestrado em História Social da Cultura), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2014.).

Fazer parte do Clube Carioca como mestre de banda e desempenhar diversas funções junto aos seus companheiros, poderia contribuir para que Joviniano desfrutasse de condições materiais melhores que muitos dos operários da localidade. Na habilitação de casamento de Joviniano com Edwirges Gomes da Silva, documentada em cartório no ano de 1903, encontrava-se a cópia do registro de óbito de sua primeira esposa, a própria Corina de Paula. A operária “parda” e carioca, de apenas 21 anos, havia falecido dois anos antes no dia 15 de outubro “(...) na Rua da Floresta, número 24, casas dependentes da fábrica Carioca, Rua D. Castorina, onde residia”.33 33 Arquivo Nacional, ano 1903, n. 1902, c. 362, Gal A, EQ 7º Pretoria (Joviniano de Paula Bohemia). Sendo assim, Joviniano e Corina moravam numa casa cedida pela companhia em que trabalhavam. Tais construções eram, em geral, mais higiênicas e tinham melhores condições de moradia que outras formas de habitação que trabalhadores de baixa renda podiam custear (Lobo, 1989LOBO, Eulalia. O movimento operário e a questão habitacional. Rio de Janeiro: UFRJ, 1989.). Além disso, a escassez de habitações se constituía em um problema de ordem prática na localidade, fazendo com que os diretores das fábricas tivessem que construir moradias para seus empregados e, assim, atrair mão de obra (Costa, 2014COSTA, Mariana B. C. da. Entre o lazer e a luta: o associativismo recreativo entre os trabalhadores fabris do Jardim Botânico (1895-1917). Dissertação (Mestrado em História Social da Cultura), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2014.). Não é exagero então afirmar que residir em casas de propriedade da companhia poderia ser um privilégio, mesmo que seus moradores tivessem que pagar o aluguel exigido pela empresa. Assim como outros músicos operários (Diniz, 2007DINIZ, André. O Rio musical de Anacleto de Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.), o fato de que Joviniano estivesse morando em uma casa como essa poderia estar relacionado às funções que ele desempenhava no próprio Clube Carioca, fazendo com que seus patrões tivessem que reconhecer a sua importância para além do chão da fábrica, onde era apenas mais um empregado da companhia.

Se Joviniano de Paula Bohemia havia exercido diferentes funções de significativa relevância na localidade, foi como mestre do grupo musical do Clube Carioca que deixou marcada a sua presença na memória do bairro - cristalizada no nome de uma das ruas no Horto, chamada Mestre Joviniano. Inclusive, era como mestre de banda que décadas depois os moradores e descendentes de operários que trabalharam em fábricas ali instaladas naquele período lembrariam de Joviniano em uma matéria sobre o bairro publicada no Jornal do Brasil, em 1987. Na mesma matéria, a sua própria filha reforçou a imagem de mestre de banda do clube ao mostrar uma foto que retratava uma ocasião festiva em que seu pai estava presente.34 34 Jornal do Brasil, 04 out. 1987.

Não eram apenas as atividades dançantes, no entanto, que despertavam o interesse do operariado local - como sugere a própria trajetória do mestre Joviniano, que depois de se destacar como músico no Clube Carioca, exerceu cargos administrativos no clube esportivo formado pelos operários da mesma empresa. Através dos investimentos patronais, os operários da fábrica Carioca conquistavam um espaço para realizar um esporte que até então tinha um acesso restrito e caro aos trabalhadores de baixa renda da Capital Federal, especialmente indivíduos negros e mestiços (Pereira, 2000PEREIRA, Leonardo A. de M. Footballmania: uma história social do futebol no Rio de Janeiro (1902-1938). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.).35 35 Tratava-se de categorias que buscavam classificar racialmente os escravizados e seus descendentes, após a abolição do sistema escravista no Brasil, cujo sentido específico era elaborado nesse período a partir de suas experiências em diálogo com diferentes atores sociais. Ao conseguirem que seus patrões investissem em tais associações, conquistavam a possibilidade de que operários de diferentes origens étnicas pudessem praticar o esporte. Era o caso do próprio Carioca F. C., formado em 1907. Através dele, os operários da fábrica Carioca, fossem negros, mestiços ou imigrantes europeus, passavam a ter acesso à prática do esporte. Não era de se estranhar, desse modo, que o próprio Carioca F. C. tivesse jogadores de diferentes aspectos, como é possível notar na foto do time de 1917.

Figura 1
“Carioca F. C.”, 4 nov. 1917.

A maior parte dos jogadores apresentava traços negros ou mestiços, que certamente bastariam para excluí-los de clubes elegantes como o Fluminense e o Botafogo (Pereira, 2000PEREIRA, Leonardo A. de M. Footballmania: uma história social do futebol no Rio de Janeiro (1902-1938). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.). O apoio dos diretores da fábrica Carioca proporcionava a abertura de espaços e a prática esportiva para indivíduos que tinham sua entrada restringida em associações esportivas formadas por sujeitos mais abastados da cidade.

Ao conseguirem que seus patrões investissem em tais associações, esses operários não conquistavam somente a possibilidade de praticar o esporte. Havia também a possibilidade de que conseguissem condições melhores de praticá-lo do que outros trabalhadores de baixa renda da cidade, que não tinham suas atividades subsidiadas. De fato, o secretário do clube reconhecia que a própria diretoria da fábrica Carioca havia cedido o terreno para que fossem construídos o campo e a sede do clube. Através do auxílio da companhia, o Carioca F. C. desfrutava de “uma praça de sports modesta, mas provida de todos os requisitos indispensáveis aos fins a que se destina”.36 36 O Paiz, 17 mar. 1920; Jornal do Brasil, 06 ago. 1911. Se o apoio dos diretores da fábrica se ligava à crença de que o investimento beneficiaria a empresa, os sócios do clube conquistavam de seus patrões as condições necessárias a sua prática, por meio da doação da área em que estava fixado o campo, obtendo assim um importante auxílio (Pereira, 2000PEREIRA, Leonardo A. de M. Footballmania: uma história social do futebol no Rio de Janeiro (1902-1938). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.).

A atuação paternalista dos diretores da companhia proporcionava a realização de tais atividades esportivas dos operários do bairro, valendo-se da influência construída com os seus patrões para garantir o funcionamento da associação. Sintomático a esse respeito, o Carioca F. C. teve sua licença anual negada, pois havia em sua diretoria um empregado do comércio acusado de ser cambista de jogo do bicho. Para conseguir novamente a licença, o primeiro secretário do clube afirmou para as autoridades policiais que assumiu “compromissos” com a diretoria da fábrica Carioca. Tratava-se, nesse sentido, de limitar os cargos de diretoria aos sócios que fossem somente “operários ou empregados da fábrica de tecidos” - regra que passou então a valer nos seus estatutos (Pereira, 2000PEREIRA, Leonardo A. de M. Footballmania: uma história social do futebol no Rio de Janeiro (1902-1938). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.). Por um lado, ao afirmar tal compromisso, o caso indica que o clube também era frequentado e dirigido por trabalhadores do bairro sem vínculo com a fábrica. Por outro lado, os trabalhadores que integravam o clube mostravam, assim, capacidade de mobilizar a influente e poderosa rede de proteção de seus patrões, com os quais negociavam as condições de funcionamento da associação.

Mais do que congregar os sócios do próprio clube, a prática futebolística no bairro passou a reunir diferentes operários locais do ramo, dando margem a interação destes companheiros de trabalho. Foi o caso de uma partida de futebol entre o Carioca F. C. e o Corcovado F. C. ocorrida em 1911.37 37 Gazeta de Notícias, 05 mar. 1911. Ao assegurar a legalidade da agremiação, por meio da obtenção de sua licença junto ao departamento de polícia, assim como algumas condições financeiras e materiais necessárias a sua continuidade, os membros desses clubes tinham a possibilidade de conseguir contemplar seus próprios interesses, organizando diferentes eventos recreativos cotidianos, que não contavam com a presença de elementos externos de controle ou fiscalização patronais. Esse padrão recreativo marcava a vigência de certa autonomia em tais espaços, transbordando as relações de controle impostas por seus patrões. Os operários associados a tais clubes faziam daquele espaço uma forma de realizar atividades que lhes interessavam, como as próprias disputas futebolísticas, transformando tais eventos em um elemento de sociabilidade entre os trabalhadores locais. Interessa destacar que os próprios operários que aderiam aos projetos das companhias têxteis conseguiam se desvencilhar do seu rígido controle e se apropriavam dos seus espaços de lazer de maneira diversa. Dessa forma, as conquistas materiais como, por exemplo, a obtenção das sedes sociais ou assistência financeira de seus patrões eram importantes para esses operários realizarem suas atividades de lazer, que tinham apenas um caráter lúdico.

Ao fazerem das associações recreativas campos de disputas de diferentes significados no seu dia a dia, ainda que a partir de relações de forças desiguais, os membros dessas associações conseguiam conquistar alguns benefícios para si mesmos de acordo com seus próprios objetivos e possibilidades que lhes pareciam mais viáveis. É possível notar, dessa forma, a ambiguidade de tais relações e como esse diálogo se dava de forma bastante conflituosa, ainda que não necessariamente ocorresse através de um enfrentamento declarado. Ao atuarem por dentro da própria lógica de controle dos diretores fabris, aqueles trabalhadores criavam mecanismos indiretos de embates sociais com seus patrões (Pereira, 2000PEREIRA, Leonardo A. de M. Footballmania: uma história social do futebol no Rio de Janeiro (1902-1938). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.). Os sócios dos clubes recreativos, formados por operários do Jardim Botânico, operavam através dessa lógica especifica de enfrentamento social ao fazerem com que seus patrões investissem nas associações de lazer criadas e frequentadas por eles, em um conflituoso diálogo com as suas visões de mundo e redes de significados.

Entretanto, não era em todas as circunstâncias que os trabalhadores locais buscavam atingir seus objetivos por meio do diálogo com as visões de mundo daqueles que buscavam submetê-los. Estes mesmos indivíduos, criticados por muitos contemporâneos que entendiam tais ações como expressão acabada de sujeição e controle, também se mobilizavam em paralisações grevistas, como a que ocorreu na fábrica Carioca em março de 1901 - portanto, apenas alguns anos após a criação do Clube M. R. Carioca, em 1895. O Jornal do Brasil noticiou que alguns operários da fábrica Carioca paralisaram os trabalhados protestando contra a diminuição de salários e os procedimentos de um mestre-geral. Em represália, a diretoria despediu seis operários e ameaçou punir aqueles que faltassem ao trabalho. Tais medidas deixaram os empregados da companhia ainda mais “exaltados”, fazendo com que “quase a totalidade” dos operários da fábrica aderissem ao movimento. Após uma tentativa de negociação de uma comissão de operários com a diretoria, que não quis recebê-los, houve uma cena de grande violência entre os grevistas e praças policiais que protegiam a fábrica. Embora não fosse o primeiro movimento grevista protagonizado por operários da indústria, o modo como se desdobraram os acontecimentos acabou fazendo com que os seus diretores declarassem que iriam “lançar mão de medidas enérgicas para que fatos dessa natureza jamais se reproduzam”.38 38 Jornal do Brasil, 05 mar. 1901.

A partir daquele momento, os operários mantiveram-se em greve reivindicando, entre outras medidas, a readmissão de seus companheiros demitidos da fábrica. Após aproximadamente sete dias de paralisação, os diretores da indústria decidiram readmitir os empregados que foram acusados de iniciar a confusão - com exceção do operário Antonio José Duarte Junior, que também havia participado da comissão que tentou negociar com os dirigentes da empresa.39 39 Jornal do Brasil, 10 mar. 1901. Como vimos de início, tratava-se justamente do primeiro presidente do Clube M. R. Carioca, fundado em 1895, que na ocasião da sua inauguração trocou amistosos brindes com os próprios diretores da companhia fabril.40 40 Jornal do Brasil, 19 mar. 1895.

Se, como diretor da associação recreativa, Antonio José Duarte Junior era tido como um operário ordeiro e passivo por seus patrões e alguns militantes do movimento operário, no contexto da greve a sua imagem era associada exatamente ao sentido oposto. Embora Duarte Junior tivesse sido demitido, representando uma derrota pessoal e coletiva, já que umas das principais reivindicações dos grevistas era a readmissão de todos os seus companheiros, o movimento capitaneado por ele renderia aos demais operários algumas conquistas. Ao fim da paralisação no dia 13 de março, segundo o Jornal do Brasil, a diretoria demitiu o mestre-geral e aumentou o valor de pagamento de alguns panos, atendendo assim algumas das reivindicações dos operários, que acabaram obtendo importantes conquistas a partir do movimento grevista protagonizado por eles.41 41 Jornal do Brasil, 10 mar. 1901.

Considerações finais

Diferente do que imaginavam os dirigentes das companhias têxteis e até mesmo alguns militantes, a experiência nos clubes recreativos não desmobilizava os operários no enfrentamento com seus patrões. A lógica de atuação política dos operários locais constituía-se, desse modo, a partir de referências próprias de organização e mobilização. Sem reproduzir em todos os momentos do seu cotidiano a lógica de enfrentamento de classe própria a diferentes correntes de militância política, aqueles trabalhadores tratavam de se pautar por suas próprias tradições de luta, tecidas por dentro do paternalismo industrial no período (Chalhoub, Silva, 2009CHALHOUB, Sidney; SILVA, Fernando Teixeira da. Sujeitos no imaginário acadêmico: escravos e trabalhadores na historiografia brasileira desde os anos 1980. Cadernos AEL, Campinas, v. 14, n. 26, 2009, pp.11-50.). Nem por isso, no entanto, deixava de ocorrer a possibilidade de enfrentamento direto dos operários com seus patrões. Mostravam, com isso, que as alternativas de lazer viabilizadas por essa lógica de proteção estavam longe de se constituir na alienação e passividade imaginada tanto por alguns militantes anarquistas quanto por seus patrões. Para além destas visões, o associativismo recreativo podia ser uma forma de conquistar direitos, abrir possibilidades melhores de vida e trabalho e articular identidades entre os trabalhadores locais. Embora tais associações se constituíssem em espaços de diálogo entre diferentes perspectivas e grupos sociais, era com seus companheiros de lazer que os operários locais afirmavam cotidianamente seus laços identitários.

Referências

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  • THOMPSON, Edward P. A formação da classe operária inglesa Rio de Janeiro: Paz e Terra, [1963] 1987.
  • THOMPSON, Edward P. Costumes em co
  • 1
    Em relação ao perfil de operários da fábrica que faziam parte do clube, embora o seu estatuto não tenha sido identificado na documentação de polícia do período, grupos congêneres com sede no bairro, como a Sociedade Pessoal da Fábrica Corcovado, não restringiam a entrada de mulheres e menores na agremiação. Alguns estudos sobre a participação feminina em associações semelhantes apontam para o fato de que as operárias integravam o quadro social de clubes como esses ao longo da Primeira República, ainda que em alguns casos pudesse haver certas restrições (Pereira, 2017PEREIRA, Juliana. Clubes dançantes e moralidade no Rio de Janeiro Primeira República. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2017.).
  • 2
    Jornal do Brasil, 19 mar. 1895.
  • 3
    Ainda que nesta pesquisa não tenha sido identificado o estatuto do Carioca F. C. no período analisado, em 1935 constava no estatuto do próprio clube que este seria “composto de sócios em número ilimitado, sem distinção de nacionalidade, política ou religiosa”. É possível notar pela descrição das categorias de sócios do estatuto citado, que o clube abria a possibilidade de indivíduos maiores de 14 anos e menores de 18 anos se tornarem membros do seu quadro social. Arquivo Nacional, 1°Ofício de Registro de Títulos e Documentos, v. 27, ano 1935.
  • 4
    Careta, 24 ago. 1912.
  • 5
    Jornal do Brasil, 26 abr. 1902; 28 nov. 1902.
  • 6
    Arquivo Nacional, GIFI 6c 50.
  • 7
    Jornal do Brasil, 02 abr. 1902.
  • 8
    Correio da Manhã, 02 maio 1909. Processo semelhante ocorria na Gávea, cuja fábrica de fiação e tecidos São Felix se instalou à rua Marquês de São Vicente, em 1891. Os dirigentes da companhia incentivavam também a formação de espaços de lazer dos seus operários. Gazeta de Notícias, 14 jun. 1911.
  • 9
    A fábrica Corcovado, por exemplo, mantinha uma creche, um montepio para os operários enfermos e uma escola, enquanto a fábrica Carioca mantinha a Cooperativa Operária Carioca.
  • 10
    Era o caso da historiografia da escravidão no Brasil, que se apropriava do conceito de agência, ressignificando o termo paternalismo senhorial. Tais perspectivas historiográficas demostraram como esses escravizados eram sujeitos ativos da relação paternalista à qual estavam submetidos, conseguindo afrontar a lógica de domínio senhorial dentro de seus próprios termos - fosse minando cotidianamente suas bases ou realizando ações que confrontavam diretamente a autoridade dos senhores (Negro, 2004).
  • 11
    Brasil Operário, 16 jul. 1903.
  • 12
    Criado em 1902, o Centro das Classes Operárias buscava tomar para si a tarefa de mobilizar os trabalhadores cariocas, por exemplo, por meio de periódicos de propaganda como a Gazeta Operária e A Nação e do estímulo de agremiações de diversas categorias.
  • 13
    Jornal do Brasil, 26 abr. 1902.
  • 14
    Gazeta de Notícias, 07 maio 1915.
  • 15
    Jornal do Brasil, 05 jan. 1914.
  • 16
    Gazeta de Notícias, 07 maio 1915.
  • 17
    Arquivo Nacional, GIFI 6c 466.
  • 18
    Guerra Social, 29 jun. 1911.
  • 19
    Guerra Social, 20 ago. 1911.
  • 20
    Guerra Social, 29 jun. 1911.
  • 21
    Jornal do Brasil, 19 mar. 1895.
  • 22
    Jornal do Brasil, 10 mar. 1895.
  • 23
    Gazeta Operária, 28 set. 1902.
  • 24
    Arquivo Nacional, GIFI 6c 466.
  • 25
    O Paiz, 20 ago. 1903.
  • 26
    Arquivo Nacional, GIFI 6c 466.
  • 27
    Correio da Manhã, 13 maio 1902.
  • 28
    Jornal do Brasil, 14 ago. 1904.
  • 29
    Jornal do Brasil, 17 mar. 1916; 19 jun. 1919.
  • 30
    Correio da Manhã, 13 maio 1902.
  • 31
    O sr. Luiz Barbosa também era militante socialista e escriturário da sala de panos da fábrica Carioca. Jornal do Brasil, 28 jan. 1907; Gazeta Operária, 02 dez. 1902BARBOSA, Marialva. Os donos do Rio: imprensa, poder e público. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 2000..
  • 32
    Jornal do Brasil, 23 out. 1901.
  • 33
    Arquivo Nacional, ano 1903, n. 1902, c. 362, Gal A, EQ 7º Pretoria (Joviniano de Paula Bohemia).
  • 34
    Jornal do Brasil, 04 out. 1987.
  • 35
    Tratava-se de categorias que buscavam classificar racialmente os escravizados e seus descendentes, após a abolição do sistema escravista no Brasil, cujo sentido específico era elaborado nesse período a partir de suas experiências em diálogo com diferentes atores sociais.
  • 36
    O Paiz, 17 mar. 1920; Jornal do Brasil, 06 ago. 1911.
  • 37
    Gazeta de Notícias, 05 mar. 1911.
  • 38
    Jornal do Brasil, 05 mar. 1901.
  • 39
    Jornal do Brasil, 10 mar. 1901.
  • 40
    Jornal do Brasil, 19 mar. 1895.
  • 41
    Jornal do Brasil, 10 mar. 1901.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    11 Nov 2021
  • Aceito
    16 Mar 2022
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