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Alinhamentos políticos e mobilização popular: as estratégias de ascensão da Irmandade Muçulmana no Egito (1936-1949)

Political alignments and popular mobilization: the ascension strategies of the Muslim Brotherhood in Egypt (1936-1949)

Resumo

Este estudo investiga as dinâmicas externas da Irmandade Muçulmana, que contribuíram para o aumento de sua popularidade no Egito. A partir da análise de documentos secretos redigidos por autoridades diplomáticas britânicas, disponibilizadas em The National Archives, em Londres, foram reunidas informações sobre como a organização islâmica operava nos bastidores políticos entre 1936, quando surgem os primeiros relatos sobre o grupo, e 1949, ano em que seu fundador e líder foi assassinado. Alianças com atores poderosos, cisões e aproximações entre forças dominantes na política egípcia e a ingerência britânica em assuntos locais foram alguns dos elementos explorados pela liderança do grupo para aumentar sua influência e ascender como importante força política. Observou-se que, em geral, a Irmandade Muçulmana utilizou sua popularidade como moeda de troca com a classe política e se tornou um pilar de apoio ao status quo.

Palavras-chave:
Islã; Império Britânico; Movimentos sociais

Abstract

This study investigates the external dynamics of the Muslim Brotherhood Society, better known as the Muslim Brotherhood, which contributed to the increase in its popularity in Egypt between 1936 when the first reports about them were found, and 1949, the year of the group’s founder and leader assassination. From the analysis of secret documents written by British diplomatic authorities, available in The National Archives in London, the information gathered shows how the Islamic organization operated in the political backroom. Alliances with powerful actors, approximations and rives between dominant forces in Egyptian politics, and the British interference in local affairs were some elements explored by the group’s leadership to increase its influence and rise as an influential political force. The research has shown that, generally, the Muslim Brotherhood used its popularity as a bargaining tool to deal with the political class, and it became a support pillar for thestatus quo.

Keywords:
Islam; British Empire; Social movements

A Sociedade dos Irmãos Muçulmanos (Jama‘at Al Ikhwan Al Muslimin), mais conhecida como Irmandade Muçulmana (IM), é considerada o primeiro movimento social islâmico de massa moderno (Lia, 2006LIA, Brynjar. The Society of Muslim Brothers in Egypt: The rise of an Islamic mass movement, 1928-1942. Reading: Ithaca Press, [1998] 2006., p. 1) e matriz de inspiração para grupos ativistas islâmicos posteriores (Roy, 1999ROY, Olivier. The failure of political Islam. London: I. B. Tauris, 1999., p. 1-3). Fundada em 1928, contrapôs-se à presença britânica no Egito nos anos 1930 e 1940; participou da guerra de 1948 contra Israel; apoiou o golpe militar de 1952, mas logo opôs-se aos governos que se seguiram, de Gamal ‘Abd Al Nassir a Hosni Mubarak (Wickham, 2002WICKHAM, Carrie Rosefsky. Mobilizing Islam: religion, activism and political change in Egypt. New York: Columbia University Press, 2002.).1 1 A IM aderiu, ainda que tardiamente, aos protestos da chamada Primavera Árabe (Filiu, 2011, p. 98) e, posteriormente, fundou seu próprio partido, o Liberdade e Justiça, para concorrer à presidência do Egito. Elegeu o seu candidato, Muhammad Morsi, na primeira eleição livre da história do país. Com o golpe de 2013, Morsi e outros líderes do grupo foram presos e, mais uma vez, a IM foi levada à ilegalidade. Para compreender as bases da atuação da IM, faz-se necessário retroceder os marcos cronológicos, observando como suas diretrizes ativistas se formaram e se solidificaram após 1936, ano em que o então movimento social empenhou-se na campanha para a arrecadação de fundos em prol da Revolta Palestina (1936-1939) contra o Mandato Britânico e passou a ser citada em documentos do Foreign Office (FO), departamento do governo da Grã-Bretanha que trata de assuntos relativos às relações com outros países. A partir de então, a vocação para a mobilização política da IM se mostrou flagrante, com especial ênfase durante a década de 1940. Em 1949, o grupo sofreu um abalo abrupto, porém contingente e transitório, com o assassinato de seu fundador e guia-geral, Hasan Al Banna.

Este estudo tem como objetivo analisar os aspectos que influenciaram a popularidade e a reputação obtidas entre 1936 a 1949, que antecede, abrange e sucede o turbulento período da Segunda Guerra Mundial. A polícia egípcia estimava que, em meados do final da década de 1940, a IM contava com quinhentos mil2 2 The National Archives (TNA), “Islamic Societies: reports on by British Intelligence and Egyptian police. The Ikhwan al Muslimin reconsidered”. Cairo, 14 dez. 1942, FO 141/838, 305/37/42, Anexo C, Doc. 1. a cerca de um milhão de membros, entre ativos e simpatizantes, espalhados em quase dois mil diretórios por todo o Egito (Kepel, 1994KEPEL, Gilles. The Revenge of God: The resurgence of Islam, Christianity and Judaism in the Modern World. Cambridge: Polity Press, 1994., p. 10; Zollner, 2009ZOLLNER, Barbara. The Muslim Brotherhood: Hasan al-Hudaybi and ideology. Abingdon: Routledge, 2009., p. 36). A análise foi realizada com base em documentos diplomáticos, entre telegramas, relatórios, cartas e informes produzidos por membros do FO.

Apesar de ter obtido a independência em 1922, o Egito ainda permaneceu sob a esfera de influência britânica nas três décadas seguintes. Os documentos do período foram liberados para consulta pública somente no final dos anos 1990 nos The National Archives (TNA), em Londres. Os estudos considerados clássicos sobre o período, por sua vez, foram publicados até 1998. A partir de uma nova perspectiva possível devido às fontes mais recentes, procurei identificar como se deu a expansão da IM de 1936 a 1949. Os relatos sobre o cenário político de um território vital para os britânicos se mostraram extremamente sensíveis. Não somente por terem sido excluídos do escrutínio público por meio século - duas décadas a mais do que os documentos comuns do FO -, mas também por demonstrar o grau de inserção dos funcionários britânicos no círculo de poder e o alcance da rede de informantes instalada desde o período de atuação de lorde Cromer no país, entre 1883 e 1907. Obviamente, tal fato não isenta os documentos de crítica e contextualização.

A IM passou de uma sociedade de caridade fundada em 1928 em Isma‘iliyya, no Canal de Suez, para um grupo consolidado com mais de uma centena de diretórios em várias regiões do Egito, segundo balanço realizado pela organização em 1936 (Mitchell, 1993MITCHELL, Richard P. The Society of the Muslim Brothers. New York: Oxford University Press, [1969] 1993., p. 328). O rápido crescimento se deveu à combinação de vários elementos. Grande parte dos estudiosos da trajetória do grupo elenca fatores endógenos como sendo cruciais para sua expansão, como o empenho de suas lideranças na construção de uma instituição e no cultivo de lealdades verticais e horizontais (Krämer, 2010KRÄMER, Gudrun. Hasan Al-Banna. Oxford: Oneworld, 2010., p. 36). Tais resultados teriam sido obtidos com a busca por novos associados, na eficiência dos princípios organizacionais, que incluíam a promoção de membros baseada em mérito, e a independência financeira, fomentada pela contribuição de sua base (Lia, 2006LIA, Brynjar. The Society of Muslim Brothers in Egypt: The rise of an Islamic mass movement, 1928-1942. Reading: Ithaca Press, [1998] 2006., p. 54). É consenso que o sucesso da recepção da ideologia propagada alavancou novas adesões e a própria consolidação da organização.

O primeiro documento encontrado na coleção de informes do FO que trata da Irmandade Muçulmana data de maio de 1936. Nesse despacho do então alto-comissário britânico, Miles Lampson,3 3 Em dezembro de 1936, como resultado do Tratado da Aliança Anglo-Egípcia, o cargo de Lampson passaria a ser de embaixador. é relatado que o grupo tinha 800 membros, sendo que a maior parte deles era de estudantes universitários, em especial oriundos da Universidade de Al Azhar,4 4 TNA, telegrama de sir Miles Lampson para Foreign Office, Cairo, 28 maio 1936, FO 371/19980, E 3153. tradicional instituição de estudos islâmicos. O interesse britânico em relação à IM surgiu após a realização de campanhas para a arrecadação de fundos destinados aos palestinos, que no dia 19 abril de 1936 iniciaram uma revolta contra o Mandato Britânico.

Através de manifestações, discursos inflamados, publicações e panfletagem em favor da luta dos palestinos, a IM se envolveu pela primeira vez ativamente com “assuntos políticos” (Mitchell, 1993MITCHELL, Richard P. The Society of the Muslim Brothers. New York: Oxford University Press, [1969] 1993., p. 16-17) em âmbito nacional. Um comitê de arrecadação foi estabelecido, presidido por Al Banna, o guia-geral da organização islâmica - o que demonstra a importância dada ao tema. Tais ações teriam produzido “resultados extraordinários, não apenas na esfera de ajuda para a Palestina, mas, principalmente, no crescimento e força internos”, enfatiza Israel Gershoni (1986GERSHONI, Israel. The Muslim Brothers and the Arab Revolt in Palestine, 1936-39. Middle Eastern Studies, London, v. 22, n. 3, p. 367-397, 1986. Disponível em: Disponível em: http://www.jstor.org/discover/10.2307/4283128 . Acesso em: 27 jul. 2011.
http://www.jstor.org/discover/10.2307/42...
, p. 372). A campanha tornou a IM mais conhecida nacionalmente e, consequentemente, ajudou a ampliar a sua capilaridade: em 1932, o grupo detinha 34 diretórios; em 1938, depois da ação, o número passou para 300, distribuídos em várias partes do Egito (Mitchell, 1993, p. 328).

Além da contribuição dos fatores endógenos para o êxito em agregar novos membros e para obter protagonismo na esfera política, devem-se atribuir outros elementos externos para a rápida ascensão da organização islâmica. A ideologia, pertencente ao primeiro campo, foi se adequando às demandas conjunturais, como a guerra na Palestina e, principalmente, como quando passou a dar ênfase ao nacionalismo, promovendo um antagonismo aberto com os britânicos. Ao mesmo tempo, a mensagem pode ser maciçamente difundida por conta das oportunidades políticas que foram surgindo em meados dos anos 1930 e na década de 1940. Entre os elementos que proporcionaram maior liberdade para a atuação da IM estão a abertura do acesso ao poder para novos grupos, proporcionada por alguns períodos de liberalização política, a associação com aliados poderosos e a divisão - e, portanto, o enfraquecimento - da elite (Tarrow, 2007TARROW, Sidney. Power in movement: Social movements and contentious politics. Cambridge: Cambridge University Press, [1998], 2007. , p. 19-20).

Além dessa introdução e das considerações finais, este estudo se divide em outras quatro seções. A primeira aborda a ascensão da IM como força política após a campanha palestina. Em seguida, tratamos do período em que os líderes e integrantes sofreram forte repressão governamental, incluindo prisões e banimentos. A terceira parte abrange um período em que o grupo promoveu agitação popular e obteve adesão crescente de novos membros. Na quarta e última seção antes das considerações finais, apresentamos a série de revezes sofridos pela IM, que culminaria no assassinato de seu líder, Hasan Al Banna.

Ascensão

Mudanças no cenário político colaboraram para a consolidação da IM, como a abertura no centro do poder após a independência em 1922 por meio da ampliação do acesso ao voto na Constituição de 1923 e da divisão na elite egípcia. Rupturas importantes ocorreram na classe política e se aprofundaram na década de 1930. Uma delas foi a cisão entre o rei Fu’ad e o partido nacionalista, o Wafd.5 5 O partido foi fundado em 1922 na esteira da revolta de 1919 e dos acontecimentos que a provocaram. Em 1918, após o término da Primeira Guerra Mundial, um grupo de intelectuais tentou defender a independência egípcia na Conferência de Paz realizada em Paris, formando uma delegação (wafd, em árabe). Contudo, o grupo foi impedido pelos britânicos, que os exilaram em Malta. A situação gerou revolta na população e, para conter a fúria popular, os britânicos cederam às pressões e a independência ocorreu em 1922, mas sob condições, chamadas de Reserved Points (Marsot, 1977, p. 180). O monarca e, mais tarde, seu filho Faruk travaram embates com o Wafd e se empenharam em afastar o partido - que frequentemente contava com ampla maioria de votos nas eleições - do poder.

A principal causa do conflito é o poder concedido pela Constituição de 1923 ao rei de formar e destituir gabinetes, cláusula imposta pelos britânicos com o claro objetivo de controlar o avanço nacionalista no Parlamento. O antagonismo entre o Wafd e o palácio agravou-se devido ao desprezo mútuo que havia entre o líder da agremiação, Mustafa Nahas Paxá, e Faruk. Outra divisão ocorreu no próprio Wafd, que resultou em um novo partido, o Saadista, em 1938. A agremiação, fundada por Ahmed Maher Paxá e Mahmud Fahmi Nuqrashi, dois desafetos expulsos do Wafd por Nahas Paxá, se tornou o principal grupo de oposição ao partido nacionalista. Tais episódios foram fundamentais para o crescimento da importância política da IM, pois criaram oportunidades para novas alianças.

O principal articulador do confronto entre o monarca e o então primeiro-ministro, Nahas Paxá, foi Ali Mahir, que ocupou durante anos o cargo de chefe de gabinete do palácio. Ele era irmão de Ahmed Mahir, um dos expulsos do Wafd e fundador do Partido Saadista. Ali Mahir se aproximou de movimentos islâmicos, como a IM e a Associação de Moços Muçulmanos, que se tornariam importantes pilares para garantir o apoio da opinião pública. Ambos os grupos islâmicos participaram das agitações de outubro de 1937, instadas por Faruk, que havia atingido a maioridade e assumido o trono três meses antes. O monarca pretendia derrubar o governo liderado pelo Wafd, e a agitação popular foi o pretexto para a convocação de novas eleições em 1938. O partido nacionalista, que havia obtido 80% dos assentos do Parlamento em 1936, levou somente 12 cadeiras dois anos depois, equivalente a menos de 5% das vagas disputadas (Vatikiotis, 1985VATIKIOTIS, P. J. The history of Egypt: From Muhammad Ali to Mubarak. Londres: Weidenfeld and Nicolson, 1985., p. 293 e 294), uma demonstração da falta de lisura do pleito.6 6 TNA, “Swan Song” (Lorde Killearn), de James Bowker para Ernest Bevin, Cairo, 6 mar. 1946, FO 403/469, J 1135/39/16. No entanto, as desavenças entre saadistas, liberais e independentes acabaram por derrubar a coalizão, e o monarca convocou o chefe de seu Gabinete Real para formar um novo governo.

A ascensão de Ali Mahir como primeiro-ministro em agosto de 1939 coincidiu com o início da Segunda Guerra Mundial. Apesar de nutrir pouca simpatia pelos britânicos, Ali Mahir cumpriu o que era esperado de seu papel como dirigente de uma das partes do Tratado da Aliança Anglo-Egípcia,7 7 Em relação aos Reserved Points, o tratado tocou em apenas um dos quatro pontos - as Capitulações, que seriam gradualmente abolidas (Marsot, 1977, p. 188). firmado em 1936. O governo egípcio cortou relações diplomáticas e comerciais com a Alemanha, tomou os bens de cidadãos daquele país e internou-os em campos, mesmo os que não tinham ligações com os nazistas. Além disso, instituiu estado de sítio, que estabelecia o primeiro-ministro como “governador militar”. O controle dos portos passou para a esquadra britânica, e os correios, telégrafos, telefones e imprensa foram colocados sob censura, medidas que deram a Londres amplo domínio do país (Kirk, 1952KIRK, George E. The Middle East in the war. Survey of International Affairs, 1939-1946. Oxford: Oxford University Press, 1952., p. 34). Ali Mahir expressou sua lealdade aos Aliados, mas não declarou guerra contra a Alemanha.

A IM apoiou as decisões - apesar da contradição entre seu discurso nacionalista, que implicava antagonismo em relação aos britânicos. Al Banna escreveu uma carta aberta ao primeiro-ministro declarando concordância com a não beligerância e convocando o governo a cumprir somente os termos previstos do acordo. A organização islâmica era contrária ao tratado e defendia sua revisão. Além disso, insistiu, de forma protocolar, que o governo tirasse vantagem das circunstâncias para obter o fim da presença estrangeira no país (Lia, 2006LIA, Brynjar. The Society of Muslim Brothers in Egypt: The rise of an Islamic mass movement, 1928-1942. Reading: Ithaca Press, [1998] 2006., p. 258; Mitchell, 1993MITCHELL, Richard P. The Society of the Muslim Brothers. New York: Oxford University Press, [1969] 1993., p. 22). A contradição, na verdade, era somente aparente: a agitação nacionalista se mostrou mais ativa do que antes (Mitchell, 1993, p. 22). Na administração de Ali Mahir, o grupo obteve sinal verde para manter os protestos contra os britânicos, desde que se mantivesse fiel ao governo.

Com a entrada da Itália na guerra, em junho de 1940, a permanência de Mahir e seu gabinete pró-Eixo mostrou-se arriscada para os britânicos. A Itália mantinha tropas na vizinha Cirenaica, e a extensa comunidade italiana no Egito, com cerca de sessenta mil pessoas, era vista como uma ameaça. Para piorar a situação dos Aliados, o rei tinha em seu entorno muitos cidadãos italianos e laços afetivos com o país. Por isso, o embaixador britânico Miles Lampson8 8 No início de 1943, Lampson recebeu o título de barão e passou a ser chamado de lorde Killearn. encontrou-se com Faruk e exigiu a saída do primeiro-ministro.9 9 TNA, telegrama de sir Miles Lampson para o visconde de Halifax, Cairo, 17 jun. 1940, FO 407/224, J 1588/G. O monarca, pressionado, acabou por aceitar as condições impostas.

A demissão de Ali Mahir foi o fim de um curto período em que a IM obteve total liberdade para agir e pôde desfrutar da benemerência de aliados importantes nas instâncias mais altas do poder. O indicativo dessa boa fase foi o incremento do número de diretórios do grupo: saltou dos cerca de trezentos registrados em 1938 para quinhentos em meados da década de 1940 (Mitchell, 1993MITCHELL, Richard P. The Society of the Muslim Brothers. New York: Oxford University Press, [1969] 1993., p. 328). A associação entre a IM e Ali Mahir, além de outros integrantes de sua administração, fez com que o custo de ser desafiante - em relação aos britânicos - fosse menor, pois havia garantias de não repressão. Com a dissolução do gabinete de Mahir, o panorama favorável ao grupo mudaria.

O governo que o sucedeu, de Hasan Sabri Paxá, duraria somente até novembro de 1940, quando o parlamentar morreu de um provável ataque cardíaco. Em seu lugar, assumiu Hussein Sirri Paxá, que tinha um perfil parecido com o do antecessor. Ele havia se formado em engenharia em Londres (Goldschmidt, 2000GOLDSCHMIDT, Arthur. Biographical dictionary of Modern Egypt. Boulder: Lynne Rynner, 2000., p. 200), o que garantia a simpatia do embaixador. O novo primeiro-ministro demonstrou seu alinhamento ao investir contra os opositores dos britânicos, como a IM, especialmente durante o período mais crítico dos combates no front do Deserto Oriental, quando as tropas italianas chegaram a Sidi Barrani, cidade egípcia próxima à fronteira com a Cirenaica.10 10 TNA, “Political review of the Year 1940”, de sir Miles Lampson para Anthony Eden. Cairo, 28 jan. 1941, FO 407/224, J 349/349/16.

Os primeiros meses de governo de Sirri Paxá também foram marcados por desavenças com o Wafd e com os saadistas, que se negavam a participar de sua coalizão,11 11 TNA, telegrama de sir Miles Lampson para Anthony Eden, Cairo, 29 abr. 1941, FO 407/225, J 1509/18/16. levando o primeiro-ministro a governar com uma minoria parlamentar, e, portanto, sendo sustentado somente pelo Palácio. O rei, que tinha Mahir como seu conselheiro informal, manteve sua política de confrontar - ou pelo menos não colaborar com - o embaixador. Essas ações aproximaram os dois principais antagonistas do palácio: os britânicos e o partido nacionalista Wafd, apesar do fato de também serem opositores entre si. As organizações islâmicas, principalmente a IM, foram os principais instrumentos usados pelo monarca nesse enfrentamento.12 12 TNA, “Review of Political Developments in Egypt of the Year of 1941”, de Sir Miles Lampson para Anthony Eden, Cairo, 10 de março de 1942, FO 371/31569; J 1111/38/16.

Repressão

Em janeiro de 1941, um golpe de Estado promovido no Iraque, com apoio alemão, elevou o sinal de alerta para os britânicos (Cleveland, Bunton, 2013CLEVELAND, William L.; BUNTON, Martin. A history of the Modern Middle East. Boulder: Westview Press, 2013., p. 197). Para evitar o mesmo risco no Egito, a embaixada pressionou o governo a exilar os aliados de Ali Mahir que eram favoráveis ao Eixo e a mantê-lo em prisão domiciliar até o final da guerra (Goldschmidt, 2000GOLDSCHMIDT, Arthur. Biographical dictionary of Modern Egypt. Boulder: Lynne Rynner, 2000., p. 117-118). Al Banna, que era visto como um elemento perturbador, também foi punido. O guia-geral, que era professor primário de uma escola pública no Cairo, foi transferido pelo Ministério da Educação para um estabelecimento de ensino em Qena, no Alto Egito, a cerca de 500 quilômetros da capital. O número dois da organização, Ahmed Al Sukkari, foi enviado para o Baixo Egito. A reação foi ampla e incluiu os wafdistas, que interpelaram Sirri Paxá. Como resultado de toda a pressão, os dois líderes foram liberados para voltar ao Cairo em junho do mesmo ano.13 13 TNA, “Islamic Societies: reports on by British Intelligence and Egyptian police. The Ikhwan al Muslimin reconsidered”, Cairo, 14 dez.1942, FO 141/838, 305/37/42, Anexo C; e LIA, 2006, p. 263. Em Mitchell (1993, p. 22), a data indicada é setembro.

A transferência forçada teve um efeito direto sobre a IM: o movimento passou a adotar uma postura mais discreta. Ainda em Qena, Al Banna ordenou que todos os membros da organização se mantivessem “completamente quietos”. Disse ainda que não iria tolerar “uma única petição ou protesto contra o governo” e ameaçou os que não o obedecessem com a expulsão (Al Banna, apudLia, 2006LIA, Brynjar. The Society of Muslim Brothers in Egypt: The rise of an Islamic mass movement, 1928-1942. Reading: Ithaca Press, [1998] 2006., p. 263). Depois da volta do guia-geral ao Cairo, a embaixada britânica apurou que os “relatos da polícia sobre a Ikhwan [Irmandade] diminuíram de forma significativa”,14 14 TNA, “Islamic Societies: reports on by British Intelligence and Egyptian police. The Ikhwan al Muslimin reconsidered”, Cairo, 14 dez. 1942, FO 141/838, 305/37/42, Anexo C. o que demonstraria que o comedimento da organização era real.

Em outubro de 1941, Al Banna abandonou a contenção em relação aos britânicos ao promover um protesto em Damanhur. A reação contra o ato foi vigorosa, e os principais líderes do movimento foram presos. O motivo que os levou ao cárcere foi a desconfiança de que preparavam uma onda de sabotagens nas linhas de comunicação - em especial no sistema ferroviário - do país.15 15 TNA, “Islamic Societies: reports on by British Intelligence and Egyptian police. The Ikhwan al Muslimin reconsidered”, Cairo, 14 dez. 1942, FO 141/838, 305/37/42, Anexo C. A suspeita levou a polícia, instruída pelo governo e sob pressão britânica, a reprimir a IM. Além das prisões, a repressão incluiu a proibição de reuniões e a circulação dos três jornais da organização. Al Banna referiu-se aos episódios como sendo a primeira grande mihna (Mitchell, 1993MITCHELL, Richard P. The Society of the Muslim Brothers. New York: Oxford University Press, [1969] 1993., p. 23), que significa “teste” ou “provação” e é uma alusão a um período de perseguição da história árabe-islâmica (Bearman et al., 1991BEARMAN, P.; BIANQUIS, T.; BOSWORTH, C. E.; VAN DONZEL, E.; HEINRICHS, W. P. (eds.). The Encyclopaedia of Islam. Leiden: E. J. Brill, 1991.).

Mais uma vez, houve pressão em favor de Al Banna. Petições promovidas pela IM chegaram a reunir 11 mil assinaturas, e solicitavam a libertação dos membros presos (Kirk, 1963KIRK, George E. A short history of the Middle East: From the rise of Islam to Modern Times. Northampton: John Dickens, 1963., p. 200).16 16 TNA, “Islamic Societies: reports on by British Intelligence and Egyptian police. The Ikhwan al Muslimin reconsidered”, Cairo, 14 dez. 1942, FO 141/838, 305/37/42, Anexo C. Centenas de estudantes ligados à IM organizaram um protesto no dia 11 de novembro de 1941, no Cairo, que acabou em confronto com as forças de segurança e cerca de trezentas prisões. A ameaça de instabilidade foi tamanha que, antes do final do mês de novembro, Al Banna e Al Sukkari foram liberados. No relato da embaixada, o monarca estaria por trás da agitação contra o governo de Sirri, promovida pelos irmãos muçulmanos.17 17 TNA, “Political Situation in Egypt”, telegrama de sir Miles Lampson para Anthony Eden, Cairo, 12 mar. 1942, FO 403/466, J 1656/38/16.

A tensão entre o palácio e o governo chegou ao auge em janeiro de 1942 e Sirri Paxá pediu demissão. O embaixador, que acreditava ser imprescindível ter um primeiro-ministro anti-Eixo, cercou o palácio com tanques para pressionar o monarca a finalmente aceitar um governo do Wafd, liderado por Nahas Paxá. Apesar de parecer contraditório, os nacionalistas se mostravam mais confiáveis para os Aliados do que qualquer outro grupo. Faruk aquiesceu. Nahas Paxá assumiu como novo primeiro-ministro e convocou novas eleições.

Pela primeira vez, Al Banna se candidataria a um cargo público na Câmara Baixa, juntamente com outros 17 membros da IM.18 18 TNA, “Islamic Societies: reports on by British Intelligence and Egyptian police. The Ikhwan al Muslimin reconsidered”, Cairo, 14 dez. 1942, FO 141/838, 305/37/42, Anexo C. Wafdistas e britânicos suspeitavam que Ali Mahir estaria financiando, com o consentimento do rei, as campanhas eleitorais de seus adversários, principalmente dos candidatos ligados ao grupo islâmico, que concorriam como independentes.19 19 TNA, Rascunho de carta de sir Miles Lampson para Amin Othman, Cairo, 12 fev. 1942, FO 141/842, J 458/3/42. A crescente popularidade da organização a colocava como principal oponente do Wafd (Little, 1967LITTLE, Tom. Modern Egypt. London: Ernst Denn, 1967., p. 89). Por esse motivo, o primeiro-ministro convidou Al Banna para um encontro em que usou uma linguagem “intimidadora” (Heyworth-Dunne, 1950HEYWORTH-DUNNE, James. Religious and political trends in Modern Egypt. Washington: Edição do autor, 1950., p. 40) a fim de fazê-lo desistir. “Nahas Paxá dissuadiu os líderes da Irmandade Muçulmana de se candidatarem a Câmara, e aparentemente deseja controlá-los e não os prender”,20 20 TNA, telegrama de sir Miles Lampson para Foreign Office, Cairo, 22 mar. 1942, FO 341/31569, J 1343/38/16. Tradução livre de “Nahas Pasha has induced the heads of the Moslem brethren [sic] to withdraw their candidatures for the Chamber, and apparently wishes to control rather than intern them”. relatou o embaixador. Em outro documento, ele sugere que houve chantagem: “Nahas ameaçou publicar alegações de que ele malversava fundos da Ikhwan ou julgá-lo por espionagem por uma corte militar”.21 21 TNA, “Islamic Societies: reports on by British Intelligence and Egyptian police. The Ikhwan al Muslimin reconsidered”, Cairo, 14 dez. 1942, FO 141/838, 305/37/42, Anexo C. Tradução livre de: “...it was suggested that Nahas had threatened to publish allegations concerning his handling of the Ikhwan’s funds, or to try him for espionage before a military court”.

De fato, Al Banna abandonou sua candidatura e publicou uma carta aberta, num jornal de grande circulação, apoiando o tratado de 1936 e, em termos gerais, o governo do Wafd.22 22 TNA, “Islamic Societies: reports on by British Intelligence and Egyptian police. The Ikhwan al Muslimin reconsidered”, Cairo, 14 dez. 1942, FO 141/838, 305/37/42, Anexo C. A declaração foi uma importante inflexão da posição da IM, pois a liderança já havia criticado inúmeras vezes o acordo (Krämer, 2010KRÄMER, Gudrun. Hasan Al-Banna. Oxford: Oneworld, 2010., p. 64). Em troca do silêncio, o guia-geral obteve dois compromissos de Nahas Paxá. O primeiro foi o fim da perseguição à organização e o segundo foi o estabelecimento de medidas restritivas contra a venda e o consumo de bebidas alcoólicas e a prática de prostituição, bandeiras de cunho moral do grupo (Heyworth-Dunne, 1950HEYWORTH-DUNNE, James. Religious and political trends in Modern Egypt. Washington: Edição do autor, 1950., p. 40).

A IM não entrou em choque nem com os wafdistas nem com os britânicos até o fim do governo Nahas. Mas a desconfiança mútua permaneceu: o partido nacionalista manteve uma “vigilância cuidadosa sobre as atividades da associação”.23 23 TNA “Egyptian situation: weekly appreciation”, telegrama de sir Miles Lampson para Anthony Eden, Cairo, 15 fev. 1943, FO 403/467, J 744/2/16. Ali Mahir, o maior patrocinador de Al Banna, foi mantido em prisão domiciliar até o fim da guerra. O rei Faruk, por sua vez, foi contido pelos britânicos sob ameaça de deposição. Essas restrições contra seus aliados, juntamente com a união do Wafd com os britânicos, criaram um obstáculo para as atividades da IM, o que demonstra a suscetibilidade do grupo às dinâmicas externas a ele.

Não faltaram oportunidades para embates. Durante o ano de 1943, o Wafd foi alvo de uma série de denúncias de corrupção. Apesar disso, a oposição não explorou o escândalo, o que chegou a surpreender o embaixador.24 24 TNA, “Political Situation in Egypt”, telegrama de lorde Killearn para Anthony Eden, Cairo, 25 fev. 1944, FO 403/468, J 828/31/16. Com a vitória aliada já garantida na guerra, os britânicos aproveitaram a situação favorável e permitiram que o rei demitisse seu desafeto. Com a queda do gabinete de Nahas Paxá em 8 de outubro de 1944, Faruk indicou para o cargo Ahmad Mahir Paxá, líder do Partido Saadista e irmão de Ali Mahir. Ahmad convocou novas eleições parlamentares, que seriam realizadas no ano seguinte.

As eleições foram uma nova oportunidade para Al Banna e outros membros da IM se candidatarem ao Parlamento. Eles obtiveram o importante apoio do Wafd, que boicotou o pleito em protesto à dissolução de seu governo. Contudo, o resultado causou comoção. Nenhum dos irmãos muçulmanos, incluindo Al Banna, foi eleito, apesar de desfrutarem de grande popularidade, recursos, além do endosso do partido nacionalista. A principal explicação aventada, pelo menos em relação ao guia-geral, é a falta de lisura do pleito (Krämer, 2010KRÄMER, Gudrun. Hasan Al-Banna. Oxford: Oneworld, 2010., p. 65).

Os saadistas, que eram próximos ao Palácio e antagonistas do Wafd, foram os grandes vencedores. A prática de fraudar eleições era comum no país. Um exemplo ocorreu em 1938, quando o governo interino também produziu resultados favoráveis aos seus interesses. O que surpreendeu foi a ausência de reação da IM. O silêncio, por outro lado, pode ter sido estratégico. Sob essa perspectiva, o objetivo seria oferecer ao novo governo apoio popular em troca de proteção, assim como ocorreu em administrações anteriores. Ahmad Mahir, que tinha uma agenda própria, diferente da seguida por seu irmão, foi confirmado como primeiro-ministro. Contudo, em 24 de fevereiro de 1945, ele foi assassinado (Woodward, 1998WOODWARD, Peter. Introduction. In: WOODWARD, Peter (ed.); PRESTON, Paul; PARTRIDGE, Michael (general eds.). British documents on Foreign Affairs: Reports and papers from the Foreign Office Confidential Print. Part III, from 1940 through 1945. Series G. Africa. v. 5. Africa, 1945. Bethesda: University Publications of America, 1998. p. vii-xx., p. xiii).

Auge

Nuqrashi Paxá, vice-líder do Partido Saadista, assumiu o posto e iniciou uma campanha de repressão contra os principais suspeitos do crime, entre eles a IM.25 25 TNA, “General Political Review 1945”, telegrama de James Bowker para Ernest Bevin, Cairo, 15 mar. 1946, FO 403/469, J 1330/39/16 - Enclosure. Dessa vez, a organização islâmica não se conteve, pois o plano de se associar ao novo governo era inexequível. No final de 1945, os irmãos convocaram manifestações para desestabilizar o novo gabinete. A embaixada britânica reconhecia que a IM era a principal força mobilizadora dos protestos.26 26 TNA, “Weekly Appreciation”, telegrama de James Bowker para Ernest Bevin, Cairo, 16 fev.1946, FO 403/469, J 670/57/16. Qualquer governo que a ameaçasse sofreria pressão popular. Além disso, a organização cresceu entre os universitários, que dispunham de grande capacidade de mobilização e de influenciar a opinião pública.27 27 TNA, “General Political Review 1945”, telegrama de James Bowker para Ernest Bevin, Cairo, 15 de mar.1946, FO 403/469, J 1330/39/16 - Enclosure. Portanto, naquele momento, seria mais difícil conter as atividades da IM.

Os protestos eram inflados pela insatisfação geral com o status quo. Após o fim da guerra, os egípcios viram seus anseios de independência total se frustrarem. No âmbito interno, uma série de governos sem legitimidade assumiu o poder, todos escolhidos pelo rei e sem uma maioria parlamentar. A crise econômica se acentuou: o custo de vida, refletido em altos índices de inflação, aumentaria mais de duas vezes até 1952 (Beinin, 1998BEININ, Joel. Egypt: society and economy, 1924-1952. In: DALY, M. W. The Cambridge history of Egypt. Modern Egypt, from 1517 to the end of the twentieth century. v. 2. Cambridge: Cambridge University Press, 1998. p. 309-333., p. 321). Esse panorama colaborou para o recrudescimento da violência, alimentada pelo fácil acesso a armas abandonadas no front do Deserto Ocidental ou furtadas de depósitos britânicos.28 28 TNA, telegrama de lorde Killearn para Eden, Cairo, 25 fev. 1944, FO 403/468, J 828/31/16. Seguiram-se atentados a bomba e uma série de assassinatos, incluindo dois primeiros-ministros, Ahmed Maher, em 1945, e Nuqrashi, em 1948, ambos do Partido Saadista, além de um juiz e um assessor do líder do Wafd.

A IM aumentou seu número de afiliados provavelmente ao canalizar a insatisfação por meio da agitação social (Mitchell, 1993MITCHELL, Richard P. The Society of the Muslim Brothers. New York: Oxford University Press, [1969] 1993., p. 25). Estima-se que, no final da década de 1940, a organização dispunha, segundo estimativa da polícia,29 29 TNA, “Islamic Societies: reports on by British Intelligence and Egyptian police. The Ikhwan al Muslimin reconsidered”, Cairo, 14 de. 1942, FO 141/838, 305/37/42, documento 1 do Anexo C. de quinhentos mil a um milhão de membros ativos e simpatizantes, em cerca de dois mil diretórios espalhados por todo o país (Kepel, 1994KEPEL, Gilles. The Revenge of God: The resurgence of Islam, Christianity and Judaism in the Modern World. Cambridge: Polity Press, 1994., p. 10; Zollner, 2009ZOLLNER, Barbara. The Muslim Brotherhood: Hasan al-Hudaybi and ideology. Abingdon: Routledge, 2009.). Houve um aumento de menções à IM nos relatórios da embaixada de 1946, o que pode ser explicado pela intensa atuação do grupo nas ruas e no cenário político. A incapacidade de Nuqrashi de manter a ordem fez com que seu governo ficasse insustentável.

Ismail Sidqi Paxá assumiu o posto de primeiro-ministro em fevereiro de 1946. O caminho para a associação da IM com o novo governante e o monarca foi aberto pela suposta ameaça oferecida por agentes comunistas e pelo Wafd, que atuava como um forte opositor ao gabinete recém-empossado. Com o fim da guerra, o “perigo comunista” se tornou uma preocupação não apenas para os britânicos, mas para a elite política egípcia. Sidqi Paxá, que havia instaurado um regime autoritário no início da década de 1930, era visto pelo Wafd como “um símbolo da tirania, selvageria e de métodos anticonstitucionais”.30 30 TNA, “Weekly Appreciation”, telegrama de James Bowker para Ernest Bevin, Cairo, 23 fev. 1946, FO 403/469, J 802/57/16. Tradução livre de: “symbol of tyranny, savagery, unconstitutional methods”. O primeiro-ministro percebeu que a IM seria útil para conter os grupos de esquerda, ao mesmo tempo em que era a única organização capaz de rivalizar com o Wafd. Em troca, há fortes indícios de que ofereceu garantias de não incomodar as atividades da IM.

Após a ascensão do novo gabinete, os irmãos muçulmanos logo se alinharam a Sidqi Paxá, mas se mostraram mais atuantes contra os britânicos e o Wafd. Enquanto o governo se preocupava com os comunistas, wafdistas e irmãos muçulmanos agiam sem grandes constrangimentos, em especial promovendo confrontos uns contra os outros. A IM não obteve apenas liberdade, mas incentivo para atuar. No mês seguinte à posse do novo gabinete, a organização abandonou um bloco de união nacional formado por um amplo leque de setores. Esse bloco havia sido formado no governo anterior com o objetivo de pressionar pela revisão do Tratado da Aliança. Após deixar o bloco, a IM obteve permissão de retomar a publicação de um de seus jornais e o direito de comprar papel-jornal a preços mais baixos. O grupo ainda seria favorecido por descontos na compra de uniformes para os seus escoteiros e autorização para utilizar campos de treinamento do governo (Krämer, 2010KRÄMER, Gudrun. Hasan Al-Banna. Oxford: Oneworld, 2010., p. 68). Segundo os britânicos, eles também recebiam uma ajuda financeira do primeiro-ministro.31 31 TNA, “Weekly Appreciation”, telegrama de James Bowker para Ernest Bevin, Cairo, 23 fev. 1946, FO 403/469, J 802/57/16.

A IM contou com o discreto apoio do rei Faruk,32 32 TNA, “Swan Song”, de lorde Killearn, telegrama de James Bowker para Ernest Bevin, Cairo, 6 mar. 1946, FO 403/469, J 1135/39/16. que necessitava de algum apoio popular para manter o Wafd fora do Executivo e manter sua prática de formar gabinetes minoritários. Além de temer os comunistas e de combater o Wafd, Faruk passou a ver a IM como uma aliada a fim de retomar sua popularidade. As fontes disponíveis são insuficientes para detalhar a natureza desse relacionamento. Sabe-se apenas que Al Banna foi convidado pela primeira vez para um banquete real somente em 1947 e que a relação entre os ambos foi abalada após o fiasco da guerra na Palestina (El Sadat, 1957EL SADAT, Anwar. Revolt on the Nile. London: Allan Wingate, 1957., p. 99-102; Mitchell, 1993MITCHELL, Richard P. The Society of the Muslim Brothers. New York: Oxford University Press, [1969] 1993., p. 42), em 1948. É provável que Faruk tenha se aproximado da IM em 1946 por influência de Sidqi Paxá.

No final de 1946, a vida política egípcia vivia uma clara radicalização. Isso pode ser observado nos veículos impressos da IM e em suas campanhas. A IM pregava abertamente a desobediência civil contra os britânicos, e a embaixada pediu providências ao primeiro-ministro.33 33 TNA, telegrama de James Bowker para Ernest Bevin, Cairo, 24 out. 1946, FO 403/469, J 4420/39/16. A situação, que parecia estar fora de controle, levou à queda de Sidqi, em dezembro de 1946. E mais uma vez seguiu-se um governo sem a participação do Wafd. Mahmud al Nuqrashi voltou ao posto de primeiro-ministro, sob os auspícios do rei, com a mesma tarefa na qual já havia fracassado antes: colocar um fim nos distúrbios. A recondução fazia com que uma forte reação da IM fosse aguardada, considerando o antagonismo entre ambos durante seu último governo. Mas o grupo parecia estar ocupado com o embate contra o Wafd e em campanha pela anulação do Tratado da Aliança e não protestou.

Nuqrashi se mostrou impopular e foi inábil em trazer estabilidade. Ao contrário, teria colaborado para o aumento da tensão e dos atos de violência. É plausível que o primeiro-ministro e a IM tenham se unido para fomentar a insatisfação popular contra a ocupação a fim de pressionar o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) a apoiar a retirada total das tropas britânicas no pós-guerra. Como as negociações bilaterais não prosperaram, o governo egípcio enviou uma carta em 8 de julho de 1947 e uma delegação a Nova York a fim de apresentar a questão ao conselho. A IM e o Wafd também mandaram emissários e publicaram em seus jornais cópias das cartas remetidas aos países-membros.34 34 TNA, “Egypt: weekly appreciation”, telegrama de sir Ronald Campbell para Ernest Bevin, Cairo, 25 jul. 1947, FO 407/226, J 3550/79/16. Em setembro, contudo, a solicitação foi finalmente desconsiderada por falta de consenso entre os integrantes da organização.35 35 A solicitação foi oficialmente embargada: “A Questão Egípcia foi retirada da lista de assuntos dos quais o Conselho de Segurança está impedido”. Tradução livre para: “The Egyptian Question was retained on the list of matters of which the Security Council is seized”. United Nations, Repertoire of the Practice of the Security Council, The Egyptian question (s/d). Disponível em: http://www.un.org/en/sc/repertoire/46-51/Chapter%208/46-51_08-13-The%20Egyptian%20question.pdf; Acesso em: 12 jan. 2022.

Com a revisão do tratado ainda sem acordo, a moral do país sofreria novo abalo com o anúncio da Partilha da Palestina, em 29 de novembro de 1947. O Reino Unido informou o encerramento de seu mandato sobre o território palestino à meia-noite do dia 14 de maio de 1948. O Wafd aproveitou para atacar o imperialismo ocidental na região e exigiu uma ação do governo. Grupos de voluntários foram enviados para lutar pelos palestinos. A IM, que já havia colaborado na revolta de 1936, enviou ao menos dois mil combatentes (Woodward, 2002WOODWARD, Peter. Introduction. In: PRESTON, P.; PARTRIDGE, M. (general eds.) British documents on Foreign Affairs: Reports and papers from the Foreign Office Confidential Print. Part IV, from 1946 through 1950. Series G. Africa, 1948-1949. v. 4. Africa, January 1948-December 1949 . Bethesda: University Publications of America, 2002. p. vii-ixx., p. xvii). Mas foi somente em 25 de abril de 1948, semanas antes do início oficial do confronto, que partiu o primeiro batalhão inteiramente organizado pela IM (Mitchell, 1993MITCHELL, Richard P. The Society of the Muslim Brothers. New York: Oxford University Press, [1969] 1993., p. 57). “Entre os mais entusiasmados estavam os Irmãos Muçulmanos”, afirmou El Sadat (1957EL SADAT, Anwar. Revolt on the Nile. London: Allan Wingate, 1957., p. 89),36 36 Tradução livre de: “Among the most enthusiastic were the Muslim Brothers.” Segundo Sadat, nesta reunião, muitos dos oficiais presentes também eram associados à Irmandade. um dos líderes dos Oficiais Livres que participou dos combates.

O rei, contrariando o primeiro-ministro, decidiu entrar no conflito. O Exército egípcio partiu para o front, mas a missão estava fadada ao fracasso. A Grã-Bretanha cedeu à pressão da ONU e não cumpriu o acordo que tinha com o Egito, o Iraque e a Transjordânia de fornecer mais armas. A falta de equipamentos, a descoordenação no front e os desentendimentos entre os países árabes foram alguns dos problemas que levaram o Egito a ser o primeiro a assinar um armistício com Israel, em fevereiro de 1949. Para Sadat, a falta de suprimentos e de apoio às Forças Armadas foram os principais responsáveis pelo fracasso (El Sadat, 1957EL SADAT, Anwar. Revolt on the Nile. London: Allan Wingate, 1957., p. 91). A culpa pela derrota recaiu sobre Faruk, que pouco fez para o esforço de guerra. As armas que haviam sido fornecidas aos militares egípcios antes do embargo eram refugo do próprio exército britânico, que o monarca, ele mesmo um grande colecionador de armas, deixou de denunciar. Foi visto como conivente, o que provocou um profundo ressentimento entre os oficiais do Exército, que mais tarde seriam os responsáveis pela ruptura institucional de 1952.

O fracasso externo se somou a outros problemas internos. As greves e manifestações nos centros urbanos se prolongavam desde o fim do conflito mundial. Uma epidemia de cólera em 1947 provocou mortes, prejuízos na lavoura e descontentamento no campo. Além disso, houve uma série de atentados, sobretudo contra alvos estrangeiros e judaicos, logo no início da guerra na Palestina.37 37 TNA, telegrama de R. L. Speaight para Foreign Office, Cairo, 2 ago. 1948, FO 371/69260, J 5222/2410/16. Os ataques aéreos israelenses ao Cairo, entre 15 e 22 de julho de 1948, acirraram ainda mais os ânimos - especialmente por ser o mês do Ramadan.38 38 TNA, telegrama de G. L. McDermott, Foreign Office, para A.G. Brotman, do Board of Deputies of British Jews, Londres, 26 ago. 1948, FO 371/69260, J 5272/2410/16. Seguiram-se, no final de julho e em agosto, novos atentados na capital egípcia em represália aos bombardeios.39 39 TNA, telegrama de sir Ronald Campbell para senhor McNeil, “Activities of the Moslem Brotherhood - Outrages in Cairo”, Cairo, 3 dez. 1948, FO 407/227, J 7886/68/16 e Vatikiotis (1985, p. 364).

Queda

Nesse contexto, a IM era vista como um dos maiores atores de desestabilização. Em 20 de fevereiro de 1948, uma explosão destruiu um dos diretórios da organização no Cairo. Al Banna justificou a existência de estoques de armamento no local pela participação de membros do grupo no conflito na Palestina.40 40 TNA, telegrama de sir Ronald Campbell para senhor McNeil, “Activities of the Moslem Brotherhood - Outrages in Cairo”, Cairo, 3 dez. 1948, FO 407/227, J 7886/68/16, Anexo C. Segundo a embaixada britânica, parte da munição encontrada - dinamite - era do mesmo tipo utilizado em ataques contra Nahas Paxá e prédios de entidades estrangeiras. Novos estoques, dessa vez em diretórios de Isma‘iliyya e Port Said, localizadas na região do Canal e próximas, portanto, da fronteira com a Palestina, também foram descobertos. Uma investigação levou ao fechamento de ambos por ordem do Exército egípcio,41 41 TNA, telegrama de sir Ronald Campbell para senhor McNeil, “Activities of the Moslem Brotherhood - Outrages in Cairo”, Cairo, 3 dez. 1948, FO 407/227, J 7886/68/16, Anexo C. que provavelmente agiu sob ordens do primeiro-ministro.

A polícia, ainda de acordo com a embaixada, suspeitava que a IM estaria preparando novos atentados com o objetivo de gerar instabilidade em todo o país e abrir caminho para um golpe de Estado. Com todas essas evidências, a pressão pela supressão da IM recaiu sobre Nuqrashi. O primeiro-ministro acumulava o cargo de “governador militar”, desde que a lei marcial foi reeditada em 13 de maio de 1948, dois dias antes da retirada britânica da Palestina, o que lhe concedia poderes excepcionais. Em 8 de dezembro de 1948, Nuqrashi cedeu às pressões e decretou a dissolução da IM, o banimento de suas atividades e o confisco de todos os seus fundos e propriedades. Pelo menos 25 membros foram presos, menos Al Banna, pois temia-se que seu encarceramento gerasse uma reação violenta dos seus “mais de 600 mil membros”.42 42 TNA, telegrama de sir Ronald Campbell para senhor McNeil, “Activities of the Moslem Brotherhood - Outrages in Cairo”, Cairo, 3 dez. 1948, FO 407/227, J 7886/68/16, Anexo C.

A supressão da IM, segundo a embaixada, deveria ter sido editada três semanas antes, mas o primeiro-ministro relutou em tomar uma medida tão drástica. “Provavelmente, a determinação expressa do rei Faruk para colocar um fim às atividades da Ikhwan foi o que finalmente o induziu a decidir-se”, afirmou o embaixador Campbell.43 43 TNA, “Supression of the Moslem Brotherhood in Egypt”, telegrama de sir Ronald Campbell para Ernest Bevin, Cairo, 26 jan. 1949, FO 407/227, J 58/1015/16, Anexo C. Tradução livre de: “It was probably the express determination of king Farouk to put an end to the activities of the Ikhwan that finally induced him to take the plunge”. Na verdade, ainda de acordo com o diplomata, Nuqrashi via a IM, assim como seus antecessores, como um precioso aliado “para combater o poder do Wafd”, uma evidência de que a IM estava ligada ao governo para ajudar a manter o status quo. Mas, como a organização islâmica saiu do controle, sua defesa tornou-se insustentável.

Al Banna, por sua vez, amenizou o episódio em uma entrevista para a imprensa. Enfatizou que não reconhecia a dissolução do movimento, pois considerava que o governo havia apenas dado a ele um intervalo para “trabalhar arduamente e proteger-se”. O Serviço Secreto britânico contradiz o depoimento: Al Banna teria enviado uma carta para Nuqrashi e para o rei, responsabilizando-os pelo fechamento da IM e pelas consequências de futuros protestos.44 44 TNA, “Supression of the Moslem Brotherhood in Egypt”, telegrama de Sir Ronald Campbell para Ernest Bevin, Cairo, 26 jan. 1949, FO 407/227, J 58/1015/16, Anexo C. As manifestações ocorreram, mas tanto o rei como o primeiro-ministro endureceram ainda mais o tratamento conferido à IM. Vinte dias após a declaração de extinção da IM, um membro da organização assassinou Nuqrashi Paxá. O atirador, um estudante universitário de 24 anos, era associado ao grupo desde 1944. No enterro do primeiro-ministro, centenas de pessoas gritaram “morte a Al Banna” (Mitchell, 1993MITCHELL, Richard P. The Society of the Muslim Brothers. New York: Oxford University Press, [1969] 1993., p. 68).

O guia-geral procurou o novo primeiro-ministro, Ibrahim Abd Al Hadi, um amigo próximo de Nuqrashi, também do Partido Saadista. Ofereceu, como de praxe, sua cooperação para a restauração da ordem pública. Pediu em troca a retirada do banimento contra a IM, liberdade para os membros presos e o descongelamento dos bens do grupo. Para demonstrar suas boas intenções, Al Banna escreveu um artigo condenando o assassinato de Nuqrashi Paxá. Mas as boas intenções demonstradas foram minadas por um novo atentado atribuído à IM, dessa vez contra um tribunal no Cairo, em janeiro de 1949. Al Hadi encerrou as conversações com a IM, apesar da condenação pública dos ataques e assassinatos, alegando que os perpetradores não eram irmãos nem muçulmanos (Mitchell, 1993MITCHELL, Richard P. The Society of the Muslim Brothers. New York: Oxford University Press, [1969] 1993., p. 68).

O clima de tensão entre o partido governista e a popular organização islâmica atingiu seu auge no mês seguinte. No dia 12 de fevereiro de 1949, o guia-geral da IM foi convidado para participar de um encontro na Associação de Moços Muçulmanos, entidade que frequentava desde a década de 1920. Chegou de táxi e, ao sair do veículo, foi alvejado por tiros (Mitchell, 1993MITCHELL, Richard P. The Society of the Muslim Brothers. New York: Oxford University Press, [1969] 1993., p. 73). O motorista do veículo ficou gravemente ferido e Al Banna conseguiu pedir socorro para ambos, o que demonstra que os ferimentos não seriam tão graves. As duas vítimas foram levadas para um hospital, mas o fundador e guia-geral da IM faleceu dias depois, aos 43 anos. Apesar dos relatos da época apontarem para a maior gravidade do estado do motorista, este conseguiu sobreviver. O intelectual suíço Tariq Ramadan, neto do fundador da organização, defende a tese de que o avô foi abandonado sem assistência médica no hospital, e que somente o motorista foi atendido (Ramadan, 2000RAMADAN, Tariq. El reformismo musulmán: Desde sus orígenes hasta los Hermanos Musulmanes. Barcelona: Bellaterra, [1998] 2000., p. 246). Ou seja, teria sido assassinado.

A versão é corroborada pelo levantamento feito pela inteligência britânica. A ação, segundo a apuração descrita pela embaixada, foi um complô organizado pelo alto escalão do Partido Saadista, com o conhecimento do rei e a colaboração da polícia. O objetivo era vingar o assassinato de seu líder, Nuqrashi Paxá.45 45 TNA, “Arab Societies - Ikhwan el Muslimeen - Top Secret”, telegrama de G. J. Jenkins para J. G. Tomlinson, Cairo, 17 fev. 1949, FO 141/1342, 108/8/499. Entre as informações relevantes levantadas e que se encontram no relatório britânico, estão a de que policiais que faziam a segurança do clube não se encontravam em seus lugares no dia do crime e que a escolta de Al Banna, também feita pela polícia egípcia, havia sido retirada 18 dias antes do atentado. Uma testemunha ocular do atentado se apresentou à delegacia e afirmou que poderia reconhecer os assassinos. Estranhamente, a testemunha, que não é nomeada, foi intimidada e espancada pelos próprios policiais,46 46 TNA, “Arab Societies - Ikhwan el Muslimeen - Top Secret”, telegrama de G. J. Jenkins para J. G. Tomlinson, Cairo, 17 fev. 1949, FO 141/1342, 108/8/499. o que demonstra mais uma vez que o envolvimento de autoridades na morte de Al Banna é bastante provável.

O período de Al Banna à frente do grupo que fundou foi o de maior expansão e de mobilização popular da IM. As demais fases seriam marcadas, em geral, pelo fato de que a organização teve de se manter na clandestinidade. A radicalização proposta por Sayyd Qutb, que passou por encarceramento, trabalho forçado e acabou por ser condenado à morte durante o governo Nassir (1956-1970), foi valorizada por estudiosos do período, apesar de não ser representativa do líder pós-Al Banna, Hasan al-Hudaybi. Nas décadas posteriores, que abrangem os governos de Anwar El Sadat (1971-1981) e Husni Mubarak (1981-2011), houve ciclos de repressão que se alternaram com outros de distensão. Neles, o grupo demonstrou abertura para colaborar com os governantes em diversos momentos. A participação, ainda que tardia, nas revoltas durante a chamada Primavera Árabe, em 2011, a vitória nas eleições e o governo de Mohammed Morsi foi um período atípico. A repressão posterior ao golpe de 2013, que ainda se mantém de forma brutal, é um novo teste de resiliência para os irmãos muçulmanos.

Considerações finais

Esta pesquisa abordou a IM no período de 1936 a 1949, investigando as dinâmicas exógenas à organização que contribuíram para a sua expansão. A IM se revelou uma organização muito mais sensível e multifacetada ao contexto político e social egípcio do que outros autores acreditavam.

O tom dominante nas análises sobre o grupo enfatiza sua trajetória em termos ideológicos e de práticas organizacionais. Essas, de fato, não são frentes a serem desprezadas. Mas as fontes consultadas demonstraram uma relação de extrema dependência que a IM desenvolveu com o establishment político. Al Banna procurou associar-se a importantes atores, como o rei, os sucessivos primeiros-ministros, e membros dos diferentes gabinetes, do Parlamento e da esfera política em geral. A cada ascensão de um primeiro-ministro, a IM buscava estabelecer laços com o novo governo. A moeda utilizada para a atração de aliados foi o apoio popular da IM. Os vários gabinetes que ascenderam por meio da intervenção do rei Faruk, formados por coalizões de pequenos partidos que ainda assim não ultrapassavam a bancada do Wafd, careciam de meios de sustentação além do Palácio. Para fazer frente aos ataques da imprensa oposicionista e à pressão do popular partido, muitos chefes de governo apelaram por receber o apoio da IM. Em troca, eram oferecidos auxílios de várias ordens, incluindo o financeiro, e garantias de que a organização poderia atuar sem ser incomodada.

Essa troca de apoio pode ser observada em especial nos governos dos primeiros-ministros Ali Mahir Paxá, em 1939, e Isma’il Sidqi Paxá, em 1946. Foram obtidas evidências documentais de que as relações entre ambos e a IM foram movidas pelo interesse dos primeiros de se contrapor à popularidade do Wafd, que registrava votações expressivas, o que lhe conferia invariavelmente maioria na Câmara Baixa do Parlamento. Em outras palavras, a organização islâmica dirigida por Hasan Al Banna não se mostrou uma ameaça ao status quo; ao contrário, se utilizou do sistema vigente para colher benefícios em prol de fortalecimento próprio.

A IM posicionou-se sempre que possível contra a ocupação britânica e demais agressões contra comunidades árabes e muçulmanas em outros territórios. A ingerência europeia era vista pelo grupo como uma influência nefasta não apenas aos costumes e à fé de seus compatriotas, mas também uma ameaça aos seus aliados e ao próprio sistema político vigente. Ou seja, pode-se interpretar que o movimento, no recorte cronológico analisado, combateu a ocupação estrangeira vendo-a como um obstáculo para o pleno funcionamento da ordem política existente devido as suas interferências diretas e indiretas. O discurso nacionalista da IM era, portanto, um instrumento para manter as coisas como estavam no cenário político.

A IM atendeu as necessidades de seus aliados poderosos, mas isso não significa que fosse “muito suscetível à manipulação de reis, primeiros-ministros ou quem quer que estivesse no comando”, como definiu um sociólogo egípcio (Kandil, 2012KANDIL, Hazem. Soldiers, spies and statesmen: Egypt’s road to revolt. London: Verso, 2012., p. 40).47 Na verdade, a organização atuou como extensão de seus aliados a fim de se favorecer e vice-versa. Se, por um lado, a organização atendeu às necessidades de seus associados políticos, por outro, obteve colaboração essencial para se estabelecer como uma força atuante no cenário político egípcio. É, portanto, possível afirmar que as dinâmicas externas à organização islâmica desempenharam papel relevante, se não principal, em sua expansão entre a última metade da década de 1930 e a primeira da década de 1940.

Referências

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  • ZOLLNER, Barbara. The Muslim Brotherhood: Hasan al-Hudaybi and ideology Abingdon: Routledge, 2009.
  • 1
    A IM aderiu, ainda que tardiamente, aos protestos da chamada Primavera Árabe (Filiu, 2011FILIU, Jean-Pierre The Arab Revolution: ten lessons from the Democratic Uprisings. London: C. Hust, 2011., p. 98) e, posteriormente, fundou seu próprio partido, o Liberdade e Justiça, para concorrer à presidência do Egito. Elegeu o seu candidato, Muhammad Morsi, na primeira eleição livre da história do país. Com o golpe de 2013, Morsi e outros líderes do grupo foram presos e, mais uma vez, a IM foi levada à ilegalidade.
  • 2
    The National Archives (TNA), “Islamic Societies: reports on by British Intelligence and Egyptian police. The Ikhwan al Muslimin reconsidered”. Cairo, 14 dez. 1942, FO 141/838, 305/37/42, Anexo C, Doc. 1.
  • 3
    Em dezembro de 1936, como resultado do Tratado da Aliança Anglo-Egípcia, o cargo de Lampson passaria a ser de embaixador.
  • 4
    TNA, telegrama de sir Miles Lampson para Foreign Office, Cairo, 28 maio 1936, FO 371/19980, E 3153.
  • 5
    O partido foi fundado em 1922 na esteira da revolta de 1919 e dos acontecimentos que a provocaram. Em 1918, após o término da Primeira Guerra Mundial, um grupo de intelectuais tentou defender a independência egípcia na Conferência de Paz realizada em Paris, formando uma delegação (wafd, em árabe). Contudo, o grupo foi impedido pelos britânicos, que os exilaram em Malta. A situação gerou revolta na população e, para conter a fúria popular, os britânicos cederam às pressões e a independência ocorreu em 1922, mas sob condições, chamadas de Reserved Points (Marsot, 1977MARSOT, Afaf Lufti Al Sayyid. Egypt’s Liberal Experiment: 1922-1936. Berkeley: University of California Press, 1977., p. 180).
  • 6
    TNA, “Swan Song” (Lorde Killearn), de James Bowker para Ernest Bevin, Cairo, 6 mar. 1946, FO 403/469, J 1135/39/16.
  • 7
    Em relação aos Reserved Points, o tratado tocou em apenas um dos quatro pontos - as Capitulações, que seriam gradualmente abolidas (Marsot, 1977, p. 188).
  • 8
    No início de 1943, Lampson recebeu o título de barão e passou a ser chamado de lorde Killearn.
  • 9
    TNA, telegrama de sir Miles Lampson para o visconde de Halifax, Cairo, 17 jun. 1940, FO 407/224, J 1588/G.
  • 10
    TNA, “Political review of the Year 1940”, de sir Miles Lampson para Anthony Eden. Cairo, 28 jan. 1941, FO 407/224, J 349/349/16.
  • 11
    TNA, telegrama de sir Miles Lampson para Anthony Eden, Cairo, 29 abr. 1941, FO 407/225, J 1509/18/16.
  • 12
    TNA, “Review of Political Developments in Egypt of the Year of 1941”, de Sir Miles Lampson para Anthony Eden, Cairo, 10 de março de 1942, FO 371/31569; J 1111/38/16.
  • 13
    TNA, “Islamic Societies: reports on by British Intelligence and Egyptian police. The Ikhwan al Muslimin reconsidered”, Cairo, 14 dez.1942, FO 141/838, 305/37/42, Anexo C; e LIA, 2006, p. 263. Em Mitchell (1993, p. 22), a data indicada é setembro.
  • 14
    TNA, “Islamic Societies: reports on by British Intelligence and Egyptian police. The Ikhwan al Muslimin reconsidered”, Cairo, 14 dez. 1942, FO 141/838, 305/37/42, Anexo C.
  • 15
    TNA, “Islamic Societies: reports on by British Intelligence and Egyptian police. The Ikhwan al Muslimin reconsidered”, Cairo, 14 dez. 1942, FO 141/838, 305/37/42, Anexo C.
  • 16
    TNA, “Islamic Societies: reports on by British Intelligence and Egyptian police. The Ikhwan al Muslimin reconsidered”, Cairo, 14 dez. 1942, FO 141/838, 305/37/42, Anexo C.
  • 17
    TNA, “Political Situation in Egypt”, telegrama de sir Miles Lampson para Anthony Eden, Cairo, 12 mar. 1942, FO 403/466, J 1656/38/16.
  • 18
    TNA, “Islamic Societies: reports on by British Intelligence and Egyptian police. The Ikhwan al Muslimin reconsidered”, Cairo, 14 dez. 1942, FO 141/838, 305/37/42, Anexo C.
  • 19
    TNA, Rascunho de carta de sir Miles Lampson para Amin Othman, Cairo, 12 fev. 1942, FO 141/842, J 458/3/42.
  • 20
    TNA, telegrama de sir Miles Lampson para Foreign Office, Cairo, 22 mar. 1942, FO 341/31569, J 1343/38/16. Tradução livre de “Nahas Pasha has induced the heads of the Moslem brethren [sic] to withdraw their candidatures for the Chamber, and apparently wishes to control rather than intern them”.
  • 21
    TNA, “Islamic Societies: reports on by British Intelligence and Egyptian police. The Ikhwan al Muslimin reconsidered”, Cairo, 14 dez. 1942, FO 141/838, 305/37/42, Anexo C. Tradução livre de: “...it was suggested that Nahas had threatened to publish allegations concerning his handling of the Ikhwan’s funds, or to try him for espionage before a military court”.
  • 22
    TNA, “Islamic Societies: reports on by British Intelligence and Egyptian police. The Ikhwan al Muslimin reconsidered”, Cairo, 14 dez. 1942, FO 141/838, 305/37/42, Anexo C.
  • 23
    TNA “Egyptian situation: weekly appreciation”, telegrama de sir Miles Lampson para Anthony Eden, Cairo, 15 fev. 1943, FO 403/467, J 744/2/16.
  • 24
    TNA, “Political Situation in Egypt”, telegrama de lorde Killearn para Anthony Eden, Cairo, 25 fev. 1944, FO 403/468, J 828/31/16.
  • 25
    TNA, “General Political Review 1945”, telegrama de James Bowker para Ernest Bevin, Cairo, 15 mar. 1946, FO 403/469, J 1330/39/16 - Enclosure.
  • 26
    TNA, “Weekly Appreciation”, telegrama de James Bowker para Ernest Bevin, Cairo, 16 fev.1946, FO 403/469, J 670/57/16.
  • 27
    TNA, “General Political Review 1945”, telegrama de James Bowker para Ernest Bevin, Cairo, 15 de mar.1946, FO 403/469, J 1330/39/16 - Enclosure.
  • 28
    TNA, telegrama de lorde Killearn para Eden, Cairo, 25 fev. 1944, FO 403/468, J 828/31/16.
  • 29
    TNA, “Islamic Societies: reports on by British Intelligence and Egyptian police. The Ikhwan al Muslimin reconsidered”, Cairo, 14 de. 1942, FO 141/838, 305/37/42, documento 1 do Anexo C.
  • 30
    TNA, “Weekly Appreciation”, telegrama de James Bowker para Ernest Bevin, Cairo, 23 fev. 1946, FO 403/469, J 802/57/16. Tradução livre de: “symbol of tyranny, savagery, unconstitutional methods”.
  • 31
    TNA, “Weekly Appreciation”, telegrama de James Bowker para Ernest Bevin, Cairo, 23 fev. 1946, FO 403/469, J 802/57/16.
  • 32
    TNA, “Swan Song”, de lorde Killearn, telegrama de James Bowker para Ernest Bevin, Cairo, 6 mar. 1946, FO 403/469, J 1135/39/16.
  • 33
    TNA, telegrama de James Bowker para Ernest Bevin, Cairo, 24 out. 1946, FO 403/469, J 4420/39/16.
  • 34
    TNA, “Egypt: weekly appreciation”, telegrama de sir Ronald Campbell para Ernest Bevin, Cairo, 25 jul. 1947, FO 407/226, J 3550/79/16.
  • 35
    A solicitação foi oficialmente embargada: “A Questão Egípcia foi retirada da lista de assuntos dos quais o Conselho de Segurança está impedido”. Tradução livre para: “The Egyptian Question was retained on the list of matters of which the Security Council is seized”. United Nations, Repertoire of the Practice of the Security Council, The Egyptian question (s/d). Disponível em: http://www.un.org/en/sc/repertoire/46-51/Chapter%208/46-51_08-13-The%20Egyptian%20question.pdf; Acesso em: 12 jan. 2022.
  • 36
    Tradução livre de: “Among the most enthusiastic were the Muslim Brothers.” Segundo Sadat, nesta reunião, muitos dos oficiais presentes também eram associados à Irmandade.
  • 37
    TNA, telegrama de R. L. Speaight para Foreign Office, Cairo, 2 ago. 1948, FO 371/69260, J 5222/2410/16.
  • 38
    TNA, telegrama de G. L. McDermott, Foreign Office, para A.G. Brotman, do Board of Deputies of British Jews, Londres, 26 ago. 1948, FO 371/69260, J 5272/2410/16.
  • 39
    TNA, telegrama de sir Ronald Campbell para senhor McNeil, “Activities of the Moslem Brotherhood - Outrages in Cairo”, Cairo, 3 dez. 1948, FO 407/227, J 7886/68/16 e Vatikiotis (1985, p. 364).
  • 40
    TNA, telegrama de sir Ronald Campbell para senhor McNeil, “Activities of the Moslem Brotherhood - Outrages in Cairo”, Cairo, 3 dez. 1948, FO 407/227, J 7886/68/16, Anexo C.
  • 41
    TNA, telegrama de sir Ronald Campbell para senhor McNeil, “Activities of the Moslem Brotherhood - Outrages in Cairo”, Cairo, 3 dez. 1948, FO 407/227, J 7886/68/16, Anexo C.
  • 42
    TNA, telegrama de sir Ronald Campbell para senhor McNeil, “Activities of the Moslem Brotherhood - Outrages in Cairo”, Cairo, 3 dez. 1948, FO 407/227, J 7886/68/16, Anexo C.
  • 43
    TNA, “Supression of the Moslem Brotherhood in Egypt”, telegrama de sir Ronald Campbell para Ernest Bevin, Cairo, 26 jan. 1949, FO 407/227, J 58/1015/16, Anexo C. Tradução livre de: “It was probably the express determination of king Farouk to put an end to the activities of the Ikhwan that finally induced him to take the plunge”.
  • 44
    TNA, “Supression of the Moslem Brotherhood in Egypt”, telegrama de Sir Ronald Campbell para Ernest Bevin, Cairo, 26 jan. 1949, FO 407/227, J 58/1015/16, Anexo C.
  • 45
    TNA, “Arab Societies - Ikhwan el Muslimeen - Top Secret”, telegrama de G. J. Jenkins para J. G. Tomlinson, Cairo, 17 fev. 1949, FO 141/1342, 108/8/499.
  • 46
    TNA, “Arab Societies - Ikhwan el Muslimeen - Top Secret”, telegrama de G. J. Jenkins para J. G. Tomlinson, Cairo, 17 fev. 1949, FO 141/1342, 108/8/499.
  • **
    Esta pesquisa foi financiada com bolsas de doutorado CNPq e PDSE-Capes.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    01 Abr 2022
  • Aceito
    03 Dez 2022
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