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O cristão-novo Cadornega e sua obra sobre as guerras angolanas no século XVII

Resumo:

O artigo analisa a trajetória de Antônio de Oliveira Cadornega, autor de História geral das guerras angolanas (1680). Examinamos aspectos da obra ligados às preocupações do autor - as guerras envolvendo os portugueses, os holandeses, o reino do Congo e o de Angola - destacando a sua posição lusocêntrica. Para tanto, utilizamos a edição impressa de 1972 e a bibliografia sobre a obra e seu autor. Buscamos as conexões entre a escrita do texto e a crise política portuguesa no século XVII, inclusive a inquisitorial, bem como entre a história de suas edições e o contexto português no século XX. O foco de nossa reflexão reside, porém, na condição de cristão-novo do autor, por linha materna, e na possibilidade de ter praticado o criptojudaísmo, seja na juventude, em Vila Viçosa, seja na África, assim como o grupo de cristãos-novos portugueses estudado por Horta e Mark na Senegâmbia, em The Fortgotten Diáspora (2011).

Palavras-chave:
Cadornega; Guerras angolanas; Inquisição

Abstract:

The article analyzes the trajectory of Antônio de Oli veira Cadornega, author of História Geral das Guerras Angolanas (1680). We examine aspects of the work linked to the author’s concerns - the wars involving the Portuguese, the Dutch, and the kingdoms of Congo and Angola - highlighting his Lusocentric position. The 1972 printed edition is used, as well as the bibliography about the work and its author. We seek connections between the writing of the text and the Portuguese political crisis in the seventeenth century, including the inquisitorial one, as well as between the history of its editions and the Portuguese context in the 20th century. The focus of our reflection, however, is that Cadornega was a New Christian, through his mother, and may have practiced Crypto-Judaism, whether in his youth in Vila Viçosa, or in Africa, like the group of Portuguese New Christians studied by Horta and Mark in Senegambia, in The Forgotten Diaspora (2011).

Keywords:
Cadornega; Angolan Wars; Inquisition

Do manuscrito à publicação

Este artigo trata de uma obra pouco citada na historiografia brasileira, exceto no caso dos africanistas e autores preocupados com a ligação entre a África, o Brasil e Portugal naquele tempo. Trata-se de História geral das guerras angolanas,1 1 Doravante HGGA. de Antônio de Oliveira Cadornega (1972CADORNEGA, António de Oliveira de. História geral das guerras angolanas, 1680-1681. Anotado e corrigido por José Matias Delgado. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1972. 3 tomos.). A África descrita por Cadornega é Angola, mas não só, porque inclui descrições do reino do Congo e o envolvimento dele nas guerras da África centro-ocidental do século XVII. A obra permaneceu manuscrita, circulando em várias cópias, durante séculos, e só foi publicada em 1940, no contexto do Portugal salazarista e da Segunda Guerra Mundial.

Nesta análise da obra, além de tratar da conjuntura seiscentista em Portugal e na África centro-ocidental, buscaremos discutir a pertinência do livro ao gênero historiográfico, tal como entendida no século XVII, bem como seu potencial etnográfico, não obstante seja obra eurocêntrica, quiçá lusocêntrica.

No caso da HGGA, já no início do século XX, em meio à intensificação da colonização portuguesa na África, houve uma iniciativa de publicação do segundo tomo em 1902, na Revista Portugal em África, sob a direção do padre José Maria Antunes, mas sem continuidade. Entre 1933 e 1938, a Revista Diogo Cão, sob a coordenação do padre Ruela Pombo, realizou a publicação de partes dos tomos I e III, em formato folhetinesco. A edição de 1940, anotada e corrigida por José Matias Delgado, depois reproduzida como fac-símile e publicada em 1972, apresenta finalmente os três tomos completos. No entanto, embora essa edição inclua os três volumes sob o mesmo título, a maneira como Cadornega introduz os tomos II e III apresenta clara diferença na forma como o autor pensou as obras. No tomo II, afirma que: “com este segundo tomo da história geral das guerras Angolanas, me torno segunda vez a meter em golfo tão profundo” (Cadornega, tomo II, s.p.). Já no tomo III, declara: “terceira vez me torno a meter com muito mais risco da minha pessoa em descrever particularmente todas as coisas destes Reinos de Angola, que à minha notícia vieram, por dar cumprimento ao que prometi em a minha História das Guerras Angolanas” (Cadornega, tomo III, p. 3). Isto corrobora a narrativa do tomo II, encerrada por volta de setembro de 1680, quando o autor dá por finalizado o seu trabalho, sugerindo que outro escritor deveria dar continuidade àquela história - “algum curioso haverá que daqui por diante vá escrevendo o mais que for nestes Reinos sucedendo, com que se dê notícias ao mundo dos progressos das guerras de Angola e mais coisas acontecidas, que de contar serão” (Cadornega, tomo II, p. 434-435) - e o volume termina com a indicação do fim da HGGA e não apenas do tomo II: “Fim do Segundo Tomo e da História Geral das Guerras Angolanas” (Cadornega, tomo II, p. 473).

Portanto, o próprio escritor aponta que o tomo III não é um terceiro volume da HGGA, mas um outro momento de escrita, que prometera fazer após concluída a HGGA em dois volumes. Além disso, o tomo III não trata mais dos conflitos no território, mas apresenta um caráter descritivo de cunho geoetnográfico. Por este motivo, foi chamada por Cadornega de “História de Angola (ou Angolana)” ou “História Geral de Angola (ou Angolana)”, sem referência às guerras. Seja no frontispício do manuscrito da Academia das Ciências de Lisboa ou no da Biblioteca Nacional de Paris, ambos reproduzidos lado a lado nas publicações de 1940 e 1972, é possível verificar o título “História de Angola”.

Tendo José Matias Delgado falecido em 1932,2 2 A informação sobre o falecimento de Delgado consta em nota de rodapé ao final do “Prólogo do Anotador”, assinado por Delgado, no tomo I. não viu a publicação e também não participou da composição do terceiro tomo. Teria Delgado efetivamente publicado esse tomo sob o mesmo título dos anteriores? Fato é que os três tomos vieram a público, em 1940, como volumes de uma mesma obra, no mesmo ano da Exposição do Mundo Português - comemoração da fundação do reino português (1140) e da Restauração (1640). Portanto, é inevitável não pensar na edição de HGGA como produto de propaganda salazarista. Consequentemente, o título geral para os três tomos não deixa de configurar uma ideia da história de Angola como um apêndice da história de Portugal, enquanto a publicação de um volume isolado com o título “História de Angola” poderia sugerir um caráter nacional - e indesejável - à então chamada Província Ultramarina de Angola.

Assim, a HGGA comporta aproximadamente um século, de 1575 a 1680, tendo sido Cadornega contemporâneo dos relatos por cerca de quarenta anos. O tomo I compreende os fatos organizados de forma cronológica, conforme a sequência dos governadores, de 1575 a 1648. Cadornega, portanto, não inicia a narração a partir de sua chegada em Angola, em 1639 (o que só menciona passadas mais de 190 páginas), mas recua ao início da ocupação da terra pelos portugueses, através do donatário e governador Pedro Dias de Novais.

Em 38 capítulos, divididos em cinco partes, o primeiro tomo de HGGA dá conta das sucessões governamentais, da descrição dos territórios e dos reinos locais, das tentativas neerlandesas e da própria conquista flamenga (1641); trata inúmeras vezes da atuação da rainha Njinga, tantas que acaba por apresentar não só as conquistas portuguesas, como as da “belicosa rainha”. É relevante ressaltar que, embora priorizasse a narrativa dos feitos em Angola, não deixou de dar atenção aos acontecimentos do reino português. É o que se percebe a propósito da Restauração, cuja notícia, chegada em Luanda em 1641, ele registra com algum detalhe, celebrando-a: “cumprindo-se nele (no rei português aclamado em 1640) a palavra de Deus dada no Campo de Ourique ao nosso primeiro Rei Dom Afonso Henriques” (Cadornega, tomo I, p. 225-226).

O segundo tomo dá continuidade à narrativa a partir de 1648, ano da reconquista de Angola pelos portugueses, compreendendo um período de pouco mais de trinta anos, até 1680. Passa pelo sucesso de Salvador Correa de Sá e Benevides na expulsão dos holandeses e pelas dificuldades enfrentadas no Reino de Benguela. Narra a chegada dos capuchinhos italianos, a conquista da região da Quissama, os lamentos em torno da morte de d. João IV, em 1656, os confrontos com o rei do Congo. Destaca o esforço da propagação da fé católica na região, “vencendo dificuldades no proveito do bem das almas […], acabando com os Sovas (Sobas) vassalos da Sua Alteza que Deus guarde se batizassem, casassem e confessassem e tivessem sepultura eclesiástica” (Cadornega, tomo II, p. 407). Ao longo de todo o volume, a rainha Njinga continua como protagonista, no mundo angolano, seu contato com os capuchinhos, os ritos praticados na Matamba, até noticiar o falecimento daquela “que parecia imortal” (Cadornega, tomo II, p. 219), ocorrido por volta de 1663. Nesse momento, o autor destaca a grandeza de Njinga: “muito se poderá dizer e escrever do que esta valorosa mulher e rainha obrou no decurso de tão prolongada vida, mas não há quem dê notícias de tudo se não de algumas coisas […], que não teve pouco desvelo o Autor para as poder alcançar” (Cadornega, tomo II, p. 220). Afirmou, ainda, que Njinga ultrapassou, em feitos, mulheres célebres na história universal, a exemplo de Cleópatra. Narra também as “inquietações” pelas quais passou o Reino da Matamba nos anos seguintes, especialmente após a morte de Dona Bárbara, sucessora de Njinga.

Charles Boxer, no texto “A ‘História’ de Cadornega no Museu Britânico”, de 1959BOXER, Charles. A “História” de Cadornega no Museu Britânico. Separata da Revista Portuguesa de História, tomo VIII, p. 291-298, 1959. Disponível em:Disponível em:https://digitalisdsp.uc.pt/bitstream/10316.2/46865/1/A_Historia_de_Cadornega_no_Museu_Britanico.pdf . Acesso em: 4 set. 2022.
https://digitalisdsp.uc.pt/bitstream/103...
, afirma que, ao consultar documentos na biblioteca do Museu Britânico, encontrou no catálogo de F. F. Figanière, de 1854, parte do segundo tomo da HGGA, identificando as folhas desta cópia correspondentes ao original escritas pela própria mão de Cadornega, entre outros detalhes, assegurando que “a letra de Cadornega é inconfundível” (Boxer, 1959BOXER, Charles. A “História” de Cadornega no Museu Britânico. Separata da Revista Portuguesa de História, tomo VIII, p. 291-298, 1959. Disponível em:Disponível em:https://digitalisdsp.uc.pt/bitstream/10316.2/46865/1/A_Historia_de_Cadornega_no_Museu_Britanico.pdf . Acesso em: 4 set. 2022.
https://digitalisdsp.uc.pt/bitstream/103...
, p. 291).

O homem por trás da obra

Apesar da já reconhecida importância da HGGA para os estudos sobre Angola seiscentista,3 3 Ver, por exemplo, as menções a Cadornega, sempre em nota de rodapé, na Monumenta missionária africana. é interessante observar a falta de informações biográficas mais alentadas sobre o autor. A obra HGGA se sobrepôs ao seu autor, que parecia querer esconder-se, como de fato o fez, exilando-se ainda jovem em Angola.

Em todo caso, é na obra que encontramos as primeiras indicações biográficas do autor. Ainda na parte introdutória do tomo I, lê-se: “mostra o Autor a razão que teve para a dedicatória desta história ao Príncipe Nosso Senhor que Deus guarde”, e nela Cadornega fornece parte da sua genealogia, apenas a paterna, como forma de justificativa à sua dedicatória. A passagem é ainda relevante para conhecermos sua origem fidalga:

Assim que meu bisavô Damião Peres de Cadornega foi criado da Casa Real, meu avô Cristóvão Peres de Cadornega, tomado nela por escudeiro fidalgo e acrescentando por seus serviços, depois de marco cavaleiro na guerra viva de África, a cavaleiro fidalgo, e dado-lhe em dote, em tempo do Senhor Rei Dom Sebastião e da Rainha Regente Dona Catarina, com minha avó Violante Gomes de Azevedo, o ofício da Executoria de Estremoz de propriedade, recebendo continuados favores da Real Casa de Bragança; e meu irmão e tio foi criado e capelão; - meu pai Antônio de Cadornega e Oliveira teve pão com que sustentar seus filhos; eu e meu irmão - honras e favores com dita Carta. Estas são as obrigações que me acompanham, para tomar confiança de fazer a Dedicatória desta História Geral das Guerras Angolanas ao Príncipe dos Reinos de Portugal e suas Conquistas, que muitos anos nos viva, e o guarde Deus (Cadornega, tomo I, p. 7-8).

A revista Diogo Cão publicou, como vimos, partes dos tomos I e III da obra, em 1934, mas não ofereceu quaisquer informações sobre o autor, limitando-se a chamá-lo de “Pai da História de Angola”. Padre Ruela Pombo, responsável pelo trabalho, destacou seu próprio empenho na leitura dos manuscritos e homenageou padre José Matias Delgado como um “ilustrado, mas modestíssimo, investigador da História de Angola”.

Ainda na apresentação do tomo I da HGGA, Cadornega afirma que vivia em Angola há quarenta anos, tendo chegado ao território no ano de 1639 (p. 9), informação que nada nos diz sobre a idade do escritor. Algumas leituras têm demonstrado certa ingenuidade ao considerar confiáveis as palavras do próprio Cadornega acerca de si mesmo quando, ao se comparar a Júlio César e a Camões, na conjugação entre espada e pena, declara que “em o tempo que se escreve esta história geral das guerras Angolanas, é o Autor o mais antigo que nelas há” (p. 10). Tal referência de ser Cadornega o mais antigo naquela terra, tem sido utilizada para alguns estudiosos de sua obra presumirem 1610 como o ano de seu nascimento. Assim foi na portentosa Historiografia portuguesa, de Joaquim Veríssimo Serrão (1973SERRÃO, Joaquim Veríssimo. A historiografia portuguesa, v. II. Lisboa: Verbo, 1973.), informação retomada por Beatrix Heintze (1996HEINTZE, Beatrix. António de Oliveira de Cadornega Geschichtswerk über Angola: Eine außergewöhnliche Quelle des 17. Jahrhunderts. Paideuma, n. 42, p. 85-104, 1996.). Ora, tal declaração não explicita minimamente a questão etária: ele poderia ser o mais velho na terra no sentido de residir ali havia muito tempo, nada mais.

O imbróglio começa a se esclarecer na introdução de Heitor Gomes Teixeira à edição de 1982 da Descrição de Vila Viçosa, também escrita por Cadornega, em 1683. Nela se informa que ele nasceu em 1624, com base documental sólida: seu registro de batismo, em 2 de março de 1624, comprovado na certidão disponível no Arquivo Distrital de Évora.4 4 Segundo a nota de Teixeira, a certidão de batismo está na fol. 52-v do Livro de assentos de batismo, n. 3 da freguesia matriz de Vila Viçosa (1982, p. XXXVII). Assim, Teixeira apenas aponta a considerável distância entre 1610 e o ano do batismo para descartar a data apresentada por Serrão quase uma década antes, sem tecer mais comentários. Consideramos importante enfatizar a proximidade entre o nascimento (talvez em fins de 1623) e o batismo, tendo em vista o contexto inquisitorial e a genealogia de Cadornega, de origem cristã-velha pelo lado paterno, mas de sangue cristão-novo por via materna. Diante disso, é difícil supor que a família tenha demorado cerca de 13 anos para batizar o filho no catolicismo, correndo o risco de levantar suspeitas de judaísmo.

Também na introdução de Heitor Gomes Teixeira, encontramos as primeiras referências aos processos inquisitoriais de Antônia Simões Correa e Violante de Azevedo, respectivamente mãe e irmã de Cadornega, acusadas de judaísmo. É fundamental consultá-los. Em ambos constam o nome do pai do escritor, Antônio de Cadornega; o estado de viuvez de Antônia Simões Correia; e a genealogia de Violante. Heitor Gomes Teixeira não traz qualquer aprofundamento sobre a questão, transcrevendo apenas dois pequenos trechos dos processos. Parece-nos, ainda, que referências aos processos, em trabalhos posteriores, têm sido feitas sem a efetiva leitura dos manuscritos, tendo em vista a superficialidade da abordagem, citando apenas a relação familiar entre o escritor e as processadas, com breve alusão às sentenças, em alguns casos com erros de datas e até mesmo sobre o desfecho dos processos.

Na sessão de genealogia do processo de Antônia Correia, ela declara que, dos quatro filhos, só Violante, também processada, estava viva, e cita apenas o nome da outra filha, omitindo o nome dos filhos homens: “que é viúva de Antônio de Cadornega, cristão-velho, de quem teve filhos que morreram meninos, e Violante de Azevedo, solteira, de idade de mais de vinte e cinco anos, e Francisca de Azevedo, que faleceu há quatro anos, sendo solteira”.5 5 Processo de Antónia Simões Correia. Disponível em: ANTT, PT/TT/TSO-IL/028/02056, fls. 33-34. Já Violante, além da menção nominal aos irmãos, declara que eles não vivem no Reino: “E que ela declarante teve dois irmãos e uma irmã, a saber: Manoel Correa de Cadornega e Antonio de Oliveira de Cadornega, e ambos há anos que se ausentaram para fora do Reino, sendo solteiros, e Francisca de Azevedo, que faleceu há uns anos, sendo solteira”.6 6 Processo de Violante Azevedo. Disponível em: ANTT, PT/TT/TSO-IL/028/09939, fl. 38.

Seja como for, é possível presumir, à vista dos episódios acima narrados, que Cadornega possa ter sido judaizante, ao menos na infância, ou mesmo depois, na África. Não por ser meio cristão-novo, pois a maioria deles tendeu a assimilar o catolicismo, com o passar do tempo, se confinados no mundo português. Em todo caso, nem todo cristão-novo era judaizante. A hipótese do Cadornega judaizante se fortalece exatamente em função dos citados processos movidos contra a mãe e a irmã de nosso escritor por crime de judaísmo. É provável que, na infância passada em Vila Viçosa, ele tenha vivenciado os tabus alimentares do judaísmo, quem sabe os ritos funerários de algum parente do lado materno, talvez o shabat tradicional celebrado pelos cristãos-novos. Essa hipótese é verossímil se lembrarmos que, nas famílias de origem judaica, o papel das mulheres, que sempre foi decisivo na casa, cresceu muito após a conversão forçada de 1497. O fechamento das sinagogas e escolas judaicas, bem como o confisco dos livros em hebraico, rompeu o judaísmo sinagogal, eminentemente masculino. A resistência identitária, nessa situação de cerco, dependeu da iniciativa das mulheres, em especial as mais velhas da família - que passavam às filhas, daí às netas - as normas da halachá, que poderíamos caracterizar como costumes judaicos ligados à vida cotidiana, sempre relacionados aos preceitos da Torá (Assis, 2012ASSIS, Angelo A. Faria. Macabeias da colônia: criptojudaísmo feminino na Bahia. São Paulo: Alameda, 2012.).

Voltando a Cadornega. Terá aprendido as primeiras letras no colégio católico em que estudou ou em casa, como o célebre Antônio Vieira, que foi instruído pela mãe, meio cristã-nova, até os 9 anos de idade, antes de estudar com os jesuítas na Bahia? É certo que Cadornega estudou no Convento dos Agostinhos (criado no século XIII), em Vila Viçosa, ensinado pelos frades (aulas de latim e português). Mas o que teria guardado dos costumes judaicos transmitidos pela mãe na infância? Por que tinha medo da Inquisição, se fosse apenas um cristão-novo fiel à Igreja, a ponto de fugir do reino em 1639 para a finisterra angolana?

Mas os processos contra a mãe e a irmã de Cadornega não oferecem sequer um indício do criptojudaísmo do filho, como temos dito. Antônia Simões Correia, na sessão de “Genealogia”7 7 Sessão do processo inquisitorial na qual o réu era perguntado sobre a sua família, quantos e quais eram seus parentes, e se algum ou alguns deles tinham já sido processados pelo Santo Ofício. do processo, declarou que seus dois filhos homens haviam falecido na infância, assim com uma de suas filhas. Era conduta usual, entre os acusados pelo Santo Ofício por crime de judaísmo, tentar proteger os parentes, sobretudo os filhos adultos, alegando que tinham morrido ou que ignoravam seu paradeiro. Em todo caso, Vila Viçosa, cidade onde nascera e crescera, estava repleta de cristãos-novos, muitos deles judaizantes. Antônio Borges Coelho, em livro clássico sobre a Inquisição eborense, contabilizou mais de oito mil processos entre 1553 e 1688, sendo que 84% foram casos de judaísmo secreto (Coelho, 1987COELHO, António Borges. Inquisição de Évora: dos primórdios a 1668. Lisboa: Caminho, 1987., p. 72) O jovem Cadornega voluntariou-se para lutar em Angola, deixando Vila Viçosa, provavelmente estimulado pela mãe, para protegê-lo de eventuais acusações, pois o pai insistia em que seguisse a carreira de letrado (Cadornega, tomo I, p. 6).

Acrescente-se que Antônia Simões Correia, quando presa, em 1662, era idosa de 70 anos, o que indica 1592 como provável ano de seu nascimento, cerca de cem anos após a conversão dos judeus em Portugal (Correia, 2008CORREIA, Arlindo. António de Oliveira Cadornega (1623-1690), 2008. Disponível em: Disponível em: https://arlindo-correia.org/200208.html . Acesso em:20 dez. 2022.
https://arlindo-correia.org/200208.html...
). Sua bisavó materna tinha parte de cristã-nova e pode bem ser que tenha sido uma das primeiras convertidas, dentre os “batizados em pé”, ou filha deles (Lipiner, 1998LIPINER, Elias. Baptizados em pé. Lisboa: Vega, 1998.). Provinha da linhagem materna, de todo modo, o “sangue judaico” do futuro escritor e, com ele, a propensão à heresia, ao menos no modus faciendi inquisitorial.

Mas avancemos nesta conjectura. Cadornega aportou na África no final da União Ibérica, região onde os cristãos-novos portugueses controlavam boa parte do tráfico, sobretudo em Cabo Verde, São Tomé e Angola. Não mais na Guiné, pois os neerlandeses haviam tomado São Jorge da Mina, em 1637. No conjunto, eram cristãos-novos que arrematavam os contratos para o tráfico no litoral africano, do que há farta documentação no Arquivo Ultramarino, em Lisboa. Na costa da Guiné e Cabo Verde, por exemplo, um dos traficantes mais destacados foi o cristão-novo João Soeiro, que arrematou contrato por cinco anos, em 1609, com direito a enviar carregamentos para o Brasil e as Antilhas. Colocou cristãos-novos de sua confiança, parentes e amigos, na administração dos negócios em Cacheu e Cabo Verde. Incentivou mesmo a apostasia dos cristãos-novos na Guiné, e há indícios de que erigiram ali uma sinagoga informal, sob a direção do rabino João Peregrino (Horta, Mark, 2011HORTA, José da Silva; MARK, Peter. The forgotten diaspora: Jewish communities in West Africa and the making of the Atlantic world. Cambridge: Cambridge University Press, 2011.). Em 1622, o ex-governador da Guiné, Francisco de Moura, escreveu que a “gente da Nação vivia ali ‘sem nenhum respeito à santíssima fé católica’” (Salvador, 1981SALVADOR, José Gonçalves. Os magnatas do tráfico negreiro, séculos XVI-XVII. São Paulo: Pioneira, 1981., p. 21-23).

Também em Angola os cristãos-novos eram traficantes de ponta e arrematantes de contratos. Pedro Rodrigues de Abreu tornou-se arrendatário do tráfico angolano, em 1636. Outro deles foi Lopo da Fonseca Henriques, um dos vários portugueses fixados a leste de Angola após a conquista de Luanda pelos neerlandeses, em 1641. Todos continuaram a atuar no tráfico, compartilhando-o com os neerlandeses, a partir de Muxima, Cambambe e Massangano. Lopo da Fonseca chegou a arrematar contrato de tráfico em 1645, já no reinado de d. João IV, apesar do controle neerlandês da região.

Esse comprometimento dos cristãos-novos com o tráfico africano tem sido aprofundado nas últimas décadas, sobretudo nos estudos sobre as redes comerciais (Curto, Molho, 2003CURTO, Diogo R.; MOLHO, Anthony. Les réseaux marchands à l’époque moderne. Annales HSS, v. 58, n. 3, p. 569-579, 2003., p. 569-579) em escala global, que envolviam diversas mercadorias em todos os continentes interligados pela expansão marítima. Cristãos-novos e judeus ibéricos foram protagonistas nessas redes mercantis de grande alcance, chegando a ser disputados por reis e príncipes, pela facilidade que traziam para os negócios europeus (Swetschinski, 2000SWETSCHINSKI, Daniel. Reluctant cosmopolitans: the Portuguese Jews of seventeenth-century Amsterdam. Oxford: Littman Library of Jewish Civilization, 2000.). Janaína Guimarães sintetiza este quadro:

Essas redes familiares e de amizade foram fundamentais para o processo de expansão comercial e marítima das nações europeias na chamada modernidade. Contudo, não podemos esquecer que estes elementos, embora móveis, aqui estiveram por um tempo, convivendo com os demais habitantes da colônia (Brasil). Eles traziam e levavam não só mercadorias como também concepções religiosas, comportamentos, modos de trabalhar e pensar (Guimarães, 2005GUIMARÃES, Janaína. Todos mercadores e cristãos-novos. Revista de Ciências Humanas, n. 5, p. 1-10, 2005. Disponível em:Disponível em:https://periodicos.ufv.br/RCH/article/view/3594/%22Todos%20Mercadores%20e%20Crist%C3%A3os-Novos%22 . Acesso em: 12 mar. 2023.
https://periodicos.ufv.br/RCH/article/vi...
, p. 10).

Este é o ponto que nos interessa em relação às redes sefarditas: a possibilidade de reconstrução identitária, ainda que fragmentada, em regiões menos vigiadas pela Inquisição. Foi o caso de Angola, embora a região tenha sido alvo de visitações do Tribunal de Lisboa no século XVI, assim como o Congo: a primeira em 1561-1562; a segunda em 1589-1591; a terceira em 1596-1598 (Graziani, 2015GRAZIANI, Erick. As visitas inquisitoriais no mundo português. In: Simpósio Nacional de História, 27., 2015, Florianópolis. Anais…, Florianópolis: Anpuh, 2015. Disponível em:Disponível em:http://www.snh2015.anpuh.org/resources/anais/39/1433963204_ARQUIVO_TextoAnpuh2015(visitasinqmundopt).pdf . Acesso em:11 jul. 2023.
http://www.snh2015.anpuh.org/resources/a...
, p. 3). Todas no século XVI, portanto, sendo que a grande maioria das denúncias, conforme afirma Horta, perpetrada por cristãos-velhos contra cristãos-novos pelo crime de judaísmo (Horta, 1988HORTA, José Augusto N. Silva. A Inquisição em Angola e Congo: o Inquérito de 1596-98 e o papel mediador das Justiças locais. Separata da revista Arqueologia do Estado: primeiras Jornadas sobre formas de organização e exercício dos poderes na Europa do sul, séculos XIII-XVIII. História & Crítica, v. 1, p. 387-415, 1988., p. 387).8 8 Referindo-se ao documento “Denunciações dos Reinos do Congo e Angola”, registrado entre 1620 e 1632, Tahinan da Cruz Santos afirmou, no entanto, que: “trata-se de denúncias que foram reunidas pelos padres do Santo Ofício, no qual aparecem relatos contra africanos como também denunciantes negros” (Santos, 2011, p. 237). No século XVII houve outra visitação em 1626, restrita a São Tomé. A montagem de uma estrutura inquisitorial de comissários e familiares foi lenta (Silva, 2020SILVA, Filipa Ribeiro. A Inquisição em África: agentes, acções, informantes e vítimas, 1536-1821. In: Mateus, Susana; Silva, Marco A. N. As Inquisições modernas: poder político, religião e sociedade entre a Europa e o Atlântico. Salvador: Edufba, 2020. p. 177-231., p. 193-194), além de complicada, após 1641, pelas guerras congo-angolanas e luso-neerlandeses.

O fato é que havia uma expressiva quantidade de cristãos-novos em Angola, sobretudo homens de várias idades envolvidos no grande comércio, muitos apóstatas judaizantes, a julgar pelo elevado índice de acusados no século anterior. Pode-se dizer que, se Cadornega pretendesse judaizar fora de Portugal, Angola oferecia condições suficientes para tal.

Um tempo de Inquisição em xeque

Em 1681 Cadornega enviou para Lisboa a sua HGGA, e também neste ano a Inquisição portuguesa viu restaurada a sua jurisdição sobre os crimes de heresia e apostasia, prerrogativa suspensa pelo papado desde 1674. Mera coincidência. O imbróglio resultou da pressão comandada por Antônio Vieira contra a Inquisição portuguesa desde os anos 1640 e, depois, na década de 1670. É desse tempo a produção do manuscrito Notícias recônditas e póstumas do procedimento das inquisições de Espanha e Portugal, por muito tempo atribuídas a Vieira ou a um ex-notário do Santo Ofício lusitano, Pedro Lupina Freire. Ao contrário do que muitos afirmaram, as Notícias não foram concluídas em 1672 ou 1674, no auge da campanha liderada por Vieira, em Roma, embora uma parte dos manuscritos tenha chegado ao conhecimento do Santo Ofício romano (Mattos, 2019MATTOS, Yllan de. As notícias recônditas e os escritos contra o Santo Ofício português na época Moderna (1670-1821). Topoi, v. 20, p. 84-110, 2019., p. 84-110).

Não resta a menor dúvida, portanto, de que as Notícias integraram a ofensiva dos cristãos-novos portugueses e seus apoiadores cristãos-velhos contra a Inquisição. Não foi o caso da HGGA, embora o autor tivesse ascendência judaica. Tanto é que o Santo Ofício autorizou a produção e circulação de cópias, ao menos do primeiro tomo, em 1683. “Qualquer livreiro pode encadernar este tomo sem escrúpulo”, escreveu o qualificador Cristóvão de Foyos, em 13 de dezembro de 1683. O Santo Ofício nada viu na obra que contrariasse a fé católica. Cópias manuscritas circularam no século XVIII, várias se perderam, outras não. Cadornega pretendia publicá-la nessa altura? Por que incumbiu alguém de sua confiança de submeter seus manuscritos à Inquisição?

Vimos que Cadornega deixou Portugal muito jovem, com idade de 15 para 16 anos. Jamais regressou a Portugal, falecendo em São Paulo de Luanda em 1690, aos 66 anos de idade. Priscila Weber afirmou, em sua tese de doutoramento:

Conjecturamos que seu embarque se deu em torno de Cadornega ser um cristão-novo e necessitar livrar-se dos jugos inquisitoriais, ao passo que a Coroa carecia de reforços em ‘Angola’ devido às ofensivas flamengas. Sua permanência carrega a soma de driblar os jugos inquisitoriais com as perseguições que sua família sofrera, desestimulando completamente seu regresso para Portugal (Weber, 2018WEBER, Priscila Maria. Angola como conceito: uma análise da obra “História geral das guerras angolanas”, de Antônio de Oliveira Cadornega (século XVII). Tese (Doutorado em História), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2018., p. 24).

É certo que Cadornega, como diz Weber, acompanhou de perto a conquista neerlandesa de Luanda, em 1641, além de Benguela, e das ilhas de São Tomé e Ano Bom, passando a controlar o tráfico de cativos embarcados na África centro-ocidental. Também é certo que ele então se refugiou em Massangano (ao norte de Luanda, à beira do rio Kwanza), junto com numeroso grupo de portugueses e luso-angolanos, onde viveu até cerca de 1680. Mas é discutível que tenha embarcado para Angola para fugir da sanha inquisitorial porque, aos 15 anos, Cadornega era inimputável por crime de heresia e apostasia. Em todo caso, Weber tem razão ao afirmar que os processos contra a família podem explicar a decisão de Cadornega de não mais regressar ao reino. Sua mãe e uma de suas irmãs foram processadas na década de 1660, pelo Tribunal de Évora, que tinha jurisdição sobre Vila Viçosa. A mãe do autor, Antônia Simões Correia, morreu no cárcere, em 1662, e seus ossos foram desenterrados, em 1668, para arder na fogueira inquisitorial. Violante de Azevedo, a irmã processada, foi condenada ao desterro para fora de Vila Viçosa, de onde era natural e residente.

O ambiente político português estava conturbadíssimo desde os anos 1660. Antes de tudo, o triunfo do grupo palaciano favorável a d. Afonso VI, ainda em 1656, liderado pelo conde de Castelo Melhor. Também foi tempo do processo inquisitorial contra Antônio Vieira, que o respondeu em liberdade, até 1665, quando foi preso. Em 1667 desistiu da causa e admitiu seus erros, recebendo pena branda. Neste mesmo ano, um golpe palaciano derrubou d. Afonso VI e o conde de Castelo Melhor. Com a ascensão do futuro d. Pedro II como regente, ascenderam ao poder o conde de Cadaval e o conde de Ericeira, nobres próximos de Vieira, que recuperou seus direitos na Companhia de Jesus e foi autorizado a residir em Lisboa, sendo nomeado confessor do regente, em 1668. Mas seu espaço político na corte já não era o mesmo de vinte anos antes. Obteve, então, autorização de d. Pedro para viajar para Roma com vistas a tentar anular a sentença que lhe havia imposto o Santo Ofício conimbricense. Seguia, porém, com a missão secreta de combater a Inquisição junto ao papado que, desde 1669, com a vitória lusa contra a Espanha, reconheceu a dinastia de Bragança como legítima governante do reino.

Foi então que se renovou o combate ao Santo Ofício iniciado nos anos da Restauração. Um combate em parte exitoso, pois Vieira conseguiu, em 1674, por intervenção do papa Clemente X, a suspensão da Inquisição portuguesa para que seus processos fossem examinados pela Congregação do Santo Ofício romano. Obteve sucesso, em 1675, também na sua causa pessoal: a anulação da sentença que lhe havia imposto o Santo Ofício lusitano, além da imunidade de sua pessoa em face do tribunal (Marcocci, Paiva, 2013MARCOCCI, Giuseppe; PAIVA, José Pedro. História da Inquisição portuguesa, 1536-1821. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2013., p. 181-209). As forças conservadoras do reino, porém, se uniram para enfrentar o quadro desfavorável. Em 1671 - antes da suspensão - um roubo de objetos sacros do Mosteiro de Odivelas foi atribuído aos cristãos-novos pelos grandes da nobreza e do clero, o que gerou infinidade de tumultos em várias cidades. A alta nobreza temia uma ascensão irrefreável dos mercadores de origem judaica, caso a Inquisição fosse debilitada ou abolida. A trama dos conservadores da velha ordem tomou corpo numa proposta comum submetida às Cortes do reino, em 1668. O leque de proponentes se compunha de facções da nobreza alijadas no pós-restauração, setores do alto clero descontentes com a nova dinastia, comerciantes cristãos-velhos que disputavam espaço com os cristãos-novos, além dos inimigos pessoais de Vieira. O objetivo principal era o de criar uma barreira intransponível para a ascensão dos cristãos-novos e, quem sabe, extinguir de vez o judaísmo (secreto) em Portugal. A proposta se resumia a três pontos: 1) interditar aos cristãos-novos os cargos de Justiça e a obtenção de honras e dignidades reservadas aos “limpos de sangue”; 2) proibir as uniões matrimoniais entre cristãos-novos e cristãos-velhos; 3) expulsar do reino os cristãos-novos que tivessem passado pelo Santo Ofício, incluindo suas famílias (Vainfas, 2011VAINFAS, Ronaldo. Antônio Vieira, jesuíta do rei. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., p. 246-249).

O decreto de 1671, porém, jamais foi oficializado, sobretudo depois que o verdadeiro ladrão de Odivelas foi descoberto, um jovem de 19 anos, Antônio Ferreira, preso por voltar ao local do crime para roubar mais. Acabou confessando e foi exemplarmente executado pela Justiça secular do reino. O Santo Ofício português prosseguiu, porém, na sua posição defensiva. Nesses anos de suspensão, foi duramente castigado pela Coroa e pelo papado.

Foi no pontificado de Inocêncio XI que Roma cedeu em face da Inquisição, sobretudo na gestão de d. Veríssimo de Lencastre, inquisidor-geral desde 1676. Marcocci e Paiva afirmam que “tudo se extremou a partir de 24 de dezembro de 1678”, quando o pontífice publicou breve dando um prazo de escassos dez dias para que o inquisidor-geral mandasse remeter à congregação do Santo Ofício romano cinco processos originais de réus relaxados (isto é, queimados na fogueira) por serem negativos (negando suas culpas com pertinácia), “sob pena de excomunhão e de perder seus empregos” (Marcocci, Paiva, 2013MARCOCCI, Giuseppe; PAIVA, José Pedro. História da Inquisição portuguesa, 1536-1821. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2013., p. 206-207). Depois de vários percalços, a cizânia terminou em negociação. O procurador dos cristãos-novos em Roma foi demitido, por pressões; o papa abrandou as ameaças contra o Santo Ofício português; finalmente, este enviou os processos exigidos pelo pontífice, em 1680.

Foi o prelúdio da reabilitação da Inquisição portuguesa. Em agosto de 1681, Inocêncio XI restaurou as prerrogativas do tribunal, que voltaria com toda a força. Antônio Vieira, que nesta altura deixara Roma para ocupar vaga no Conselho de Estado, acompanhou de perto os capítulos finais do imbróglio. Ao saber que os autos de fé voltaram a ser autorizados, decidiu-se pelo exílio na Bahia, aos 73 anos, onde viria a falecer, em 1697. João Lúcio de Azevedo (2008AZEVEDO, João Lúcio de. História de António Vieira. São Paulo: Alameda, 2008., p. 251), seu maior biógrafo, qualificou o Vieira da época como “o vencido”.

A grande nobreza do reino se aproveitou da nova conjuntura para carregar contra os cristãos-novos. Em 1683, os nobres retomaram os termos do natimorto decreto real de 1671, de forma um pouco mais branda: os cristãos-novos que tivessem saído em autos de fé deveriam abandonar o reino, deixando ali os filhos. A medida ficou conhecida, na época, como “Lei do Extermínio”, que não deve ser tomada ao pé da letra, em comparação ao Holocausto dos judeus pelo nazismo (Ribeiro, 2020RIBEIRO, Eneida. Inquisição ibérica e nazismo: paralelos entre a legislação racial, linguagem e perseguição. Revista Letras e Letras, v. 36, n. 2, p. 20-42, 2020. Disponível em: Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/letraseletras/article/download/52496/30895 . Acesso em:13 jun. 2023.
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, p. 24). Não se tratou de lei, senão de um parecer, incluso em um códice de pareceres depositados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Tampouco se referiu ao extermínio físico dos judeus, mas do judaísmo como heresia, por meio do exílio de seus praticantes.9 9 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). “Pareceres sobre o modo de atalhar o judaísmo no Reino, remédio para os judeus que ficarem no Reino, concessão de honras e mercês aos cristãos novos, lei do extermínio, remissões de culpados entre Portugal e Castela, nomeação de conselheiros, breve do Quinquénio, freiras reconciliadas.” Lisboa. Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=2318853. Acesso em: 14 jun. 2023.

Foi nesse contexto que Cadornega enviou seus manuscritos sobre Angola para Lisboa. Ele não poderia, em tese, ter escolhido ano tão desfavorável, sendo cristão-novo - apesar das perseguições de 1668 e 1671. Se acaso cogitou de regressar a Portugal nos anos 1660, a condenação da mãe e da irmã, em 1662, fizeram-no desistir. Nos anos 1680, então, a conjuntura era impeditiva. Preferiu o exílio perpétuo em Angola.

As guerras congo-angolanas

Passemos à região estudada por Cadornega. O eixo Congo-Angola foi o palco das guerras narradas pelo autor. É lícito designar assim a região, não só pela dinâmica do tráfico atlântico de cativos, como pelo perfil sociocultural dos grupos nativos. Etnólogos brasileiros da primeira metade do século XX alcançaram a dimensão etnográfica da relação congo-angolana tradicional. Para citar um só exemplo, Nina Rodrigues, em Os africanos no Brasil (1932) foi talvez pioneiro em identificar as diferenças entre os troncos linguísticos banto e nagô, identificando, entre os bantos, a sua composição etnolinguística como a do grupo congo-angola (Rodrigues, 1977RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil. 5ª. edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1977.)

Tais generalizações, porém, caíram em desuso após a segunda metade do século passado, e sobretudo no atual século, em consequência do avanço das pesquisas históricas e antropológicas sobre as culturas africanas em longa duração. Baseados em pesquisa de campo cruzadas com relatos de viajantes, a bibliografia distingue várias línguas, pensadas como base de culturas étnicas diferentes, a exemplo do quimbundo, umbundo, bakongo e outros idiomas.

Não é, porém, o momento de discutir essa questão. Por ora, basta realçar que tanto em Ngola, como no Kongo, bem como em reinos e confederações menores no entorno, a catequese católica foi considerável (Marcussi, 2012MARCUSSI, Alexandre A. A formação do clero africano nativo no Império Português nos séculos XVI e XVII. Temporalidades, v. 4, n. 2, p. 38-61, 2012. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/temporalidades/article/view/5448/3379 . Acesso em: 13 jun. 2023.
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), ainda que não homogênea, seja pelas diversidades culturais no seio dos povos africanos, seja pelos estilos diferentes das ordens religiosas ali atuantes (Souza, 2006SOUZA, Marina de Mello e. Catolicismo e comércio na região do Congo e de Angola, séculos XVI e XVII. In: Fragoso, João et al. (orgs). Nas rotas do império: eixos mercantis, tráfico e relações sociais no mundo português. Vitória: Edufes, 2006. p. 257-274.). Em todo caso, a marca do que John Thornton chamou de catolicismo africano, focado no caso congolês, foi a mescla do cristianismo na versão romana com as religiosidades nativas (Thornton, 2004THORNTON, John Kelly. A África e os africanos na formação do mundo Atlântico, 1400-1800. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.). A conversão do manicongo ao catolicismo, que assumiu o título de d. Afonso I, em 1506, foi um marco nesse processo, porque também promoveu um aportuguesamento das instituições políticas do reino, atendendo a d. Manuel, rei de Portugal. Assim, a Justiça passou a se guiar pelas normas portuguesas, desde a embaixada de Simão da Silva, portador do Regimento de 1512, que também facultou aos antigos chefes das províncias o direito de usar títulos de condes, duques e marqueses. O Estado congolês foi perdendo as características de chefatura pluricomunitária para assumir, no plano das instituições e da etiqueta política, aspectos de uma monarquia cristã-ocidental.

No reinado de Afonso I, a parceria luso-congolesa se consolidou, mas logo deu sinais de debilidade que o tempo haveria de aprofundar. O elo começou a esgarçar-se ao tempo de Álvaro II, entre 1597 a 1614. Pertencente à linhagem de d. Afonso I, ele foi o primeiro soberano congolês a questionar o protagonismo lusitano nessa aliança. Tudo se mostrava cada vez mais confuso para o Congo, porque era tempo de União Ibérica, e o rei de Portugal, tal como o entendiam os congoleses, passou a ser o rei de Castela, algo inconcebível para eles, que tinham Portugal como reino soberano e não vassalo. No entanto, Idílio do Amaral aponta a vasta correspondência de d. Álvaro II com a monarquia hispano-lusa, entre 1597 e 1613, sem contar as embaixadas permanentes do Congo em terras lusas e no Vaticano (Amaral, 1997AMARAL, Ilídio do. Relações externas congolesas na primeira década do século XVII, em tempos de d. Álvaro II: a Embaixada de d. Garcia Baptista e d. António Manuel. Finisterra, v. 32, n. 63, p. 115-131, 1997., p. 115-131). Na verdade, os anos da União Ibérica foram o prelúdio de uma guerra incontornável, no Congo, porque havia facções políticas opositoras do catolicismo e da realeza centralizada em São Salvador (antiga Mbanza Kongo). Com a morte de d. Álvaro II, em 1614, sucederam-se oito reis, cujo maior reinado durou sete anos e a maioria entre um e dois anos. Vários foram assassinados por rivais (Silva, 2002SILVA, Alberto da Costa e. A manilha e o libambo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002., p. 434).

Após a Restauração portuguesa de 1640, não obstante a Coroa reiterar que o rei do Congo não era vassalo de Portugal, senão um “irmão em armas de seus reis”, o fato é que Portugal sempre viu no Congo um instrumento para expandir a fé católica e garantir o tráfico escravista na região. Portugal pouco atendeu às reivindicações dos reis do Congo, desde o início do século XVI, como se percebe na correspondência entre as duas Coroas, e deslocou seus interesses no tráfico para Angola na passagem do século XVI ao XVII.

Figura 1
Mapa da África centro-ocidental com localização dos principais reinos

O quadro se complicou em 1641, quando a Companhia das Índias Ocidentais neerlandesa conquistou Luanda, Benguela e ilhas estratégicas para o tráfico. Os neerlandeses então tentaram se aproximar do Congo, governado por d. Garcia II, com a ideia de substituir Portugal na conexão Congo-Europa. O que pôs abaixo a tratativa foi o calvinismo professado pelos holandeses - uma prova de quão enraizado estava o catolicismo no Congo nas esferas do poder. D. Garcia II deu algum apoio aos neerlandeses, mas recusou unir-se com os que considerava hereges.

Este “jogo dos reis”, como denominado por Frederico Antônio Ferreira, mudou no meado do século (Ferreira, 2014FERREIRA, Frederico A. Jogo dos reis: política internacional do reino do Congo no Atlântico entre os séculos XVI e XVIII. Revista Mosaico, v. 7, n. 2, p. 157-164, 2014.). Primeiramente, com a saída dos neerlandeses, expulsos de Luanda e de outras conquistas, em 1648, comandados os portugueses e os luso-brasileiros por Salvador Correia de Sá e Benevides (Boxer, 1973BOXER, Charles. Salvador Correia de Sá e a luta pelo Brasil e Angola (1602-1986). São Paulo: Nacional, 1973.). Segundo, com a crescente rivalidade entre nobres congoleses e a monarquia acerca da autonomia das províncias versus centralização do poder. Foram muitas contendas, mas vale destacar a luta do conde do Songo ou Soyo, que os portugueses chamavam de Sonho, região costeira vital para o tráfico atlântico. Diversos condes de Soyo desafiaram os reis do Congo no século XVII. Desde os anos 1640, enviaram embaixadas para o governo neerlandês em Pernambuco (1643), sendo recebidos pelo conde Maurício de Nassau, do mesmo modo como fizeram os reis do Congo. Os primeiros para construir uma aliança militar contra os portugueses e seus aliados angolanos; os segundos para garantir a neutralidade flamenga na África, garantindo, da parte deles, a continuidade do tráfico africano de cativos.

Foi neste clima político deletério que d. Antônio I ascendeu ao trono, em 1660, disposto a enfrentar os portugueses. Além de restringir a administração religiosa do reino a contatos com Roma, proibiu a exploração de ouro e prata nas montanhas congolesas e recusou-se a pagar impostos a Portugal. O Congo estava sozinho e marginalizado. Mas foi Portugal, no reinado de d. Afonso VI, que atacou o Congo, confiando o comando do exército a André Vidal de Negreiros, um dos heróis da Insurreição Pernambucana.

O desfecho da guerra ocorreu na batalha de Mbwila, em 29 de outubro de 1665. Narrada por Cadornega, d. Antônio I confiou o comando da defesa do reino ao duque de Mbamba, à frente de 10 mil. Os portugueses atacaram com cerca de 300 soldados, além dos guerreiros jaga ou imbangalas, armados de mosquetes e canhões. Tomaram São Salvador com baixas de apenas 12 portugueses e cerca de 250 a 300 jagas, entre mortos e feridos. Os congoleses foram massacrados com 5 mil mortos, infinidade de feridos e saques monumentais de peças do palácio real. D. Antônio caiu ferido e logo foi decapitado, colocando-se a sua cabeça em uma estaca, para exibição na capital.

Instalou-se uma tremenda crise sucessória no Congo, agravada pelo fato de os principais candidatos ao trono terem morrido na batalha de 1665. São Salvador ficou em ruínas, abandonada em 1678. Isso fortaleceu, em princípio, as pretensões do conde de Soyo, mas o que prevaleceu foi a descentralização completa, por décadas, com vários postulantes se autoproclamando reis do Congo.

Os percalços da história congolesa no século XVII se entrelaçaram com os de Angola. Alberto da Costa e Silva, principal africanista brasileiro, afirma que “aquilo a que os portugueses chamavam Estado ou Reino de Angola passara a ser o maior perigo à integridade e à estabilidade do Congo” (Silva, 2002, p. 435). E a história angolana oferece o protagonismo feminino na figura da rainha Njinga, também grafada Nzinga, Jinga e Njinga. Natural do Dongo ou Ngola, nasceu em 1582 de uma união do rei ngola Kiluanje (morto em 1617) com uma de suas escravas, a concubina kenguela Cacombe. Desde cedo recebeu treinamento militar, além de rivalizar com o irmão e rei ngola Mbandi (Ambandi), que assassinou seu sobrinho (filho de Njinga) para herdar o trono.

Angola passava por várias dificuldades desde o século XVI, a começar pela expedição de Paulo Dias Novais, em 1575, abrindo caminho para uma ocupação mais efetiva da região. Os portugueses contaram com apoio militar dos jagas, e a ocupação ali foi mais direta do que a do Congo. Mas foi territorialmente superficial, como era a praxe da expansão marítima lusitana. O próprio reino de Angola era, ao mesmo tempo, vassalo e rival do reino do Congo, ambos enfronhados no tráfico de cativos. A expansão portuguesa cresceu no tempo da União Ibérica, com sucessivos ataques, sobretudo em 1617 e 1621. Foi nessa fase que o rei do Dongo-Ngola, em um esforço de conciliação, nomeou sua irmã Njinga, em 1622, para negociar a paz com os portugueses. Em seu encontro em Luanda com o governador João Correia de Sousa, conseguiu garantir a retirada das tropas portuguesas de Luanda e o reconhecimento da soberania do Dongo. A trégua se estendia aos imbangalas, rivais dos angolas e aliados dos lusitanos. Em compensação, o Dongo abriria seu comércio com os portugueses (sobretudo de cativos) e prometera a conversão de seus soberanos ao catolicismo. Njinga deu o exemplo, fazendo-se batizar em Luanda com o nome de Ana de Sousa.

Pode-se dizer que tal acordo foi parecido ao firmado com d. Afonso I, no Congo do século XVI. Mas este durou menos do que o luso-congolês e só favoreceu os portugueses. O tráfico escravista cresceu, com apoio da monarquia de Ngola, bem como a expansão territorial lusitana. O reconhecimento da soberania do reino angolano também foi precário; os portugueses não queriam repetir, ao que tudo indica, a fórmula luso-congolesa, então em processo de erosão.

Além dos conflitos com os portugueses, o reino do Dongo enfrentou graves problemas internos. O rei Ambandi faleceu, em 1624, talvez assassinado a mando de Njinga, que substituiu o irmão. Não sem oposições internas, por ser mulher e filha de uma concubina, segundo vários historiadores (Miller, 1975MILLER, Joseph C. Nzinga of Matamba in a new perspective. The Journal of African History, v. 16, n. 2, p. 201-216, 1975., p. 210-216). Também assumiu uma posição de combate aos portugueses, entre 1624 e 1626, mas a grande oposição veio do próprio reino quando um rival palaciano, Hari, inconformado com o poder feminino instalado no reino, prestou vassalagem aos portugueses e se converteu ao catolicismo, assumido o título de d. João I. Com apoio português, investiu contra o exército de Njinga. Percebendo a iminência da derrota, Njinga deixou Luanda e conduziu seu exército para Matamba, onde tomou o poder. Foi rainha de Matamba, oficialmente, de 1631 a 1663, ano de sua morte. Njinga jamais foi reconhecida pelos maiorais de Angola como sua rainha. A questão de gênero foi decisiva neste caso.

Percebe-se, assim, que o acordo de paz de 1622 longe esteve de trazer alguma estabilidade política para a região. Os portugueses continuaram a atacar as tropas de Njinga e a sustentar as ofensivas de d. João I, bem como a dos imbangalas, que romperam a trégua selada naquele acordo. Njinga voltou a ser Njinga, rainha de Matamba, com o título de Ngola Njinga, deixando para trás o nome Ana de Sousa. Seu reino manteve uma posição relativamente marginal por dez anos até que os neerlandeses conquistaram Luanda. Os angolanos de Matamba logo firmaram uma aliança que ainda contou, inicialmente, com o apoio de um hesitante Garcia II, rei do Congo.

Seguiram-se várias batalhas ao longo da década, todas narradas por Cadornega, base da historiografia contemporânea nesse aspecto. Alberto da Costa e Silva avalia os resultados deste pacto do ponto de vista angolano. Afirma que, “de sua aliança com os flamengos, apesar de alguns sérios reveses militares, restara um saldo mais que positivo: (Njinga) expandiu o seu poder sobre novas populações e novos territórios e tornara-se, em troca sobretudo de armas de fogo, a grande fornecedora de escravos para os holandeses” (Silva, 2002SILVA, Alberto da Costa e. A manilha e o libambo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002., p. 480).

De fato, por alguns anos Matamba se tornou uma potência militar na região. Mas a rainha ainda acalentava a ideia de reinar em Ngola. Transferiu a capital de Matamba para Cavanga, ao norte de Angola, e dali fustigava os portugueses em Massangano. Colheu grande vitória em 1644, mas não avançou mais. Seu exército perdeu em Cavanga, em 1646. Duas irmãs da rainha foram capturadas e executadas pelos portugueses. Os neerlandeses de Luanda enviaram reforços e armas para Njinga, em 1647. Tudo em vão. Njinga não viu saída senão regressar a Matamba. Em 1648, como se sabe, os portugueses expulsaram os neerlandeses de Luanda e demais conquistas na região. Haveriam de derrotar também os congoleses, como vimos, em 1665. Dois anos antes, a rainha guerreira tinha falecido, com mais de 80 anos. Não sem antes reconverter-se ao catolicismo, voltando a ser Ana de Sousa, depois de encontrar-se com os capuchinhos italianos.

Escrita e legado da História geral das guerras angolanas

Comentando as crônicas francesas sobre os nativos do Brasil no século XVI, Michel de Certeau viu nessa literatura o esboço de um saber etnológico, os primeiros passos de uma disciplina que só floresceria no século XIX (Certeau, 1991CERTEAU, Michel de. Travel narratives of the French to Brazil, sixteenth to eightheen centuries. Representations, n. 3, p. 221-226, 1991., p. 221-226) Um saber dedicado a pesquisar o outro cultural na lógica da diferença e não na de hierarquia civilizacional. Certeau chamou-o de heterologia, consciente, porém, de que tais cronistas eram homens de seu tempo e, portanto, embebidos, em graus variáveis, de preconceitos eurocêntricos. Laura de Mello e Souza, referindo-se à visão europeia de nativos e africanos na época, afirma que a própria demonologia europeia “deve ser compreendida nos quadros do que Certeau nomeou de heterologia, e em conexão com os textos de viagem quinhentistas que fundaram o olhar antropológico” (Souza, 1993SOUZA, Laura de Mello e. Inferno atlântico: demonologia e colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1993., p. 125), certamente replicados nos dois séculos seguintes.

A obra de Cadornega seria um exemplo da heterologia acima definida? Sim, em diversos aspectos. Em especial no tomo III, Cadornega trata de costumes, família, parentesco, religião, sexualidade e, o mais importante, procura definir tudo o que vê a partir do vocabulário das línguas dos povos descritos, dando-lhes o significado em português. Uma etnolinguística exemplar. Uma etnografia também conectada com a geografia - embora, nesse ponto, não tivesse grande expertise, pois nem sequer utilizava os pontos cardeais em suas descrições.

Um exemplo das valiosas informações etnográficas e, ao mesmo tempo, da fragilidade do vocabulário geográfico,10 10 Manuel Alves da Cunha, que revisou e anotou esse tomo, complementa as informações de Cadornega em notas preciosas, na edição de 1942, tanto geográficas quanto etnográficas. encontra-se, entre outros exemplos, na “descrição das nações do gentio o reino do Congo de diferente língua e costumes”. Menciona os Mexicongos, “que é a fidalguia e gente da Corte”; os Mexilongos, “que são os vassalos do conde de Sonho”; os Anzicos,”pela terra do Congo dentro”; os Monjolos, “pelo sertão dentro do Congo”; os Majacas, “como são os Jagas, gente feroz e de valor”; os Sundis, “vassalos do marquês de Sonso”; os Mulambos, “outra nação daquele reino”, os Mulazas, “de Congo de Amulaca, pelo sertão dentro” (Cadornega, tomo III, p.192). Também encontramos, em Cadornega, informações preciosas sobre a configuração política do mesmo reino, mencionando duques, marqueses e condes do reino, um a um. O duque do Bamba, capitão general, o de Sundi e o de Bata, de linhagem real, o conde de Sonho, “de mais mando e poder que cada um dos duques”, e 22 marqueses, identificando a qual duque ou conde estavam ligados por vassalagem (Cadornega, tomo III, p. 194-195).

A etnolinguística e a etnopolítica são os pontos altos desse volume, embora, assim como Rui de Pina no século anterior (Radulet, 1992RADULET, Carmen M. O cronista Rui de Pina e a “Relação do Reino do Congo”. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1992.), Cadornega assimilava o “outro cultural” à cultura europeia, sobretudo a portuguesa. Comparava, ou melhor, “traduzia” a alteridade dos povos africanos para os valores culturais e linguísticos portugueses. Uma tradução mais lusocêntrica do que eurocêntrica. A dimensão eurocêntrica (não só lusocêntrica) do relato reside no entusiasmo do autor ao citar as edificações católicas que havia em cada povoado por ele visitado ao longo do rio Cuanza. Na descrição dos espaços pontifica o ardor pela expansão católica. Em matéria de religião, Cadornega demoniza os povos que descreve, afirmando que adoravam o diabo e cultuavam ídolos. Nada que o diferencie de outros cronistas da época que Certeau chamou de heterólogos ou protoetnógrafos. Por esse motivo é difícil identificar, na escrita de Cadornega, marcas do que Thornton chama de “catolicismo africano”. Para ele, os gentios (no plural) daquelas partes ou eram católicos batizados ou eram devotos do demônio, sem maiores reflexões sobre as mesclas religiosas. Quando as práticas locais aparecem, estão mais em relação de oposição à cultura portuguesa, ou anteriores e posteriores ao contato com o catolicismo, quando, por motivos vários, se afastavam da fé cristã e retomavam suas tradições.

Exceção evidente é o tratamento que Cadornega dá às descrições de práticas e costumes dos Jagas, talvez porque dotados de um efetivo militar que se aliou aos portugueses:

têm em grande veneração e respeitam muito o que chamam seus quicullos, que vem a ser os ossos dos seus antepassados, […] e lhe fazem muitos sacrifícios de gentio e animais, derramando-lhe muito vinho, assim de Portugal, como de palma. […] Todas as coisas destes Jagas, e negócios mais importantes, assim de guerra como de paz, consultam com seus senhores defuntos e cadáveres, a que lhe dá suas soluções (Cadornega, tomo III, p. 223-224).

Católico na escrita (embora talvez fosse judaizante em segredo), Cadornega assumiu sem hesitação o discurso moralista cristão, a exemplo de:

Há entre o gentio de Angola muita sodomia, tendo uns com os outros suas imundícies e sujidades, vestindo como mulheres. Eles chamam pelo nome da terra: quimbandas, os quais, no distrito ou terras onde os há, têm comunicação uns com os outros. E alguns deles são finos feiticeiros para terem tudo mau e todo o mais gentio os respeita e os não ofendem em coisa alguma e se sucede morrer algum daquela quadrilha, se congregam os mais a lhe vir dar sepultura, e outro nenhum lhe bole, nem chega a ele, salvo os daquela negra e suja profissão. E quando o tiram de casa, para o enterrarem, não é pela porta principal, senão abrem porta por detrás da casa, por onde saem com ele fora, que como se serviu pela do quintal, querem que morto saia também por ela. Esta casta de gente é quem os amortalha e lhe dá sepultura. E não chega outro nenhum a ele como dissemos, que não seja de sua ralé. Andam sempre de barba raspada, que parecem capões, vestindo como mulheres (Cadornega, tomo III, p. 259).

Informação valiosa sobre as práticas homoeróticas em Angola (vale também para o Congo) e uma prova da ausência de preconceitos contra elas naquelas culturas. Por meio dela pode se compreender o caso de Francisco Manicongo, acusado de sodomia na Bahia na visitação inquisitorial do século XVI, que se vestia como um autêntico quimbanda. Até seu próprio senhor - um sapateiro - tinha medo dele. Quanto à Cadornega, há uma profusão de juízos detratores (imundícies, sujidades etc.) relacionados ao homoerotismo, que não possuem, porém, conotação racista. Eram comuns na tratadística homofóbica cristã da época - católica ou protestante (Vainfas, 1997VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados. Rio de Janeiro: Campus, 1997., p. 211).11 11 Autor pioneiro na identificação deste caso foi Luiz Mott (1986, p. 27).

Beatrix Heintze não teve dúvida em afirmar que Cadornega foi, não só etnógrafo, como historiador (Heintze, 1995HEINTZE, Beatrix. António de Oliveira de Cadornega e a sua “História geral das guerras angolanas”: um historiador e etnógrafo do século XVII, natural de Vila Viçosa. Callipole, n. 3-4, p. 75-86, 1995-1996.-1996, p. 75-86). Mas de que história se trata? Trata-se de uma história que retomava concepções e estilos da Antiguidade greco-romana e, nisso, o tema da guerra foi essencial. Se pensarmos em Heródoto, Tucídides, Políbio e tantos outros que escreveram na Antiguidade ocidental, não seria exagero dizer que, para os historiadores antigos, a guerra era um autêntico “motor da história” derivada de uma natureza humana universal e quase imutável. François Hartog considera que a invasão da Grécia pelos persas, do que resultaram Guerras Médicas (século V a. C), contadas por Heródoto, foi o fator decisivo para o surgimento de uma consciência histórica laica, e, por conseguinte, do relato histórico. Não por outra razão, Heródoto é considerado o “pai da historiografia”. O conceito de história mal se distinguia, então, do conceito de memória, e há consenso, entre os estudiosos da Antiguidade, de que a narrativa histórica surgida na Grécia foi sempre fiel ao étimo histôr (testemunha): voltada para a ordenação dos fatos humanos, não divinos; valorizadora dos autores que haviam participado dos fatos narrados, mesmo que tomassem partido de um dos lados nas contendas. De modo que nosso Cadornega seguiu, em sua ­não dividir, os pressupostos do fazer história à moda clássica, além de concentrar-se em uma temática central na consciência histórica original: a guerra. Estamos de acordo com Heintze, portanto, quando afirma que Cadornega foi também historiador.

Mas há mais: Cadornega praticou uma escrita da história que passou a prevalecer na época moderna, aquela que retomou a concepção clássica da “história como mestra da vida”. Uma concepção de história que buscou, senão combater, ao menos oferecer uma alternativa à história providencialista, consolidada na Idade Média, segundo a qual as ações humanas decorriam da vontade de Deus. Por absoluta falta de espaço, não temos como aprofundar essa questão, mas vale aduzir que, como mestra da vida, a história de um reinado, de uma guerra ou mesmo de um período funciona como exemplo para orientar o devir. Predominava o culto à exemplaridade que a história poderia oferecer, nem tanto como conhecimento do passado, senão como guia para o futuro. Uma história empenhada em celebrar grandes feitos com claro propósito moralizante (Catroga, 2006CATROGA, Fernando. Ainda será a história mestra da vida? Estudos ibero-Americanos, PUCRS, Edição Especial: 7-34, 2016., p. 13-15). Tudo isto está presente na HGGA.

Também presente na HGGA está a celebração do reino de Portugal, a começar pela dedicatória endereçada ao regente d. Pedro, pouco antes de ser aclamado rei, bem como da monarquia Restaurada. O certo é que a HGGA - que no futuro seria apropriada de várias formas - foi, no seu tempo, uma narrativa testemunhal, próxima da crônica ou da memorialística - narrativas que podem conter uma dimensão historiográfica. Nesse caso, a obra comprova, em detalhes, o sentido das “guerras angolanas” (válido para outras guerras africanas): disputa de poder e de territórios entre lideranças tribais nobilitadas; engajamento profundo delas no tráfico de cativos para o Atlântico. A imagem da “mãe África” violentada pelos portugueses não passa de ilusão. Basta ler Cadornega.

A partir das publicações realizadas no século XX, mesmo de forma fragmentada nas revistas ou nas edições de 1940 e 1972, percebe-se um certo redimensionamento da escrita de Cadornega, reinserida em um novo contexto e baseada em outros suportes. A apropriação da obra seiscentista atendendo a outros anseios, entre 1930 e 1940, inscrita em novo momento da colonização portuguesa na África e nos anos iniciais do Estado Novo, e em 1972 reinserida no tempo da Guerra Colonial, iniciada em 1961, confere outras possíveis leituras para o texto.

As palavras de Cadornega ganhariam ainda outra sobrevida, não mais atreladas às necessidades coloniais do século XX, mas aos desejos libertários angolanos. A HGGA tem sido fonte relevante para uma escrita literária angolana que se volta para um passado mais distante (Franco, 2011FRANCO, Roberta Guimarães. O não lugar de António Oliveira de Cadornega na literatura angolana e a sua recriação no romance de Pepetela. In: FRANCO, Roberta Guimarães; MELONI, Otavio Henrique; KANO, Ivan Takashi. (Org.).A mesma palavra outra: ensaios sobre literatura portuguesa e literaturas africanas de língua portuguesa. Niterói: Vício de Leitura, 2011. p. 189-206., 2019FRANCO, Roberta Guimarães. Njinga Mbandi: do silêncio histórico às recriações ficcionais contemporâneas. Matraga, v. 26, n. 48, p. 688-704, 2019., 2022), em busca de episódios e personagens. É o caso das obras sobre a rainha Njinga, como o romance Nzinga Mbandi (1975PACAVIRA, Manuel Pedro. Nzinga Mbandi. Luanda: União dos Escritores Angolanos, 1975.), de Manuel Pedro Pacavira, e A rainha Ginga. E de como os africanos inventaram o mundo (2014AGUALUSA. A rainha Ginga: e de como os africanos inventaram o mundo. Lisboa: Quetzal, 2014.), de José Eduardo Agualusa. Mas é, sem dúvida, nos romances de Pepetela - A gloriosa família: o tempo dos flamengos (1999PEPETELA. A gloriosa família: o tempo dos flamengos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.) e A sul. O sombreiro (2011PEPETELA. A sul. O sombreiro. Alfragide: Dom Quixote, 2011.) - que Cadornega é recuperado, inclusive como personagem. E sua obra magna do século XVII reapropriada historicamente, quer pela historiografia de viés colonialista, típica do salazarismo, quer pela literatura engajada nas lutas pela emancipação e construção da identidade angolan (Carvalho, 2022CARVALHO, Erick C. Cadornega em três tempos: a “História geral das guerras angolanas” e suas releituras na “Revista Diogo Cão” e em Pepetela. Dissertação (Mestrado em Letras), Universidade Federal de Lavras. Lavras, 2022.).

Referências

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  • 1
    Doravante HGGA.
  • 2
    A informação sobre o falecimento de Delgado consta em nota de rodapé ao final do “Prólogo do Anotador”, assinado por Delgado, no tomo I.
  • 3
    Ver, por exemplo, as menções a Cadornega, sempre em nota de rodapé, na Monumenta missionária africana.
  • 4
    Segundo a nota de Teixeira, a certidão de batismo está na fol. 52-v do Livro de assentos de batismo, n. 3 da freguesia matriz de Vila Viçosa (1982, p. XXXVII).
  • 5
    Processo de Antónia Simões Correia. Disponível em: ANTT, PT/TT/TSO-IL/028/02056, fls. 33-34.
  • 6
    Processo de Violante Azevedo. Disponível em: ANTT, PT/TT/TSO-IL/028/09939, fl. 38.
  • 7
    Sessão do processo inquisitorial na qual o réu era perguntado sobre a sua família, quantos e quais eram seus parentes, e se algum ou alguns deles tinham já sido processados pelo Santo Ofício.
  • 8
    Referindo-se ao documento “Denunciações dos Reinos do Congo e Angola”, registrado entre 1620 e 1632, Tahinan da Cruz Santos afirmou, no entanto, que: “trata-se de denúncias que foram reunidas pelos padres do Santo Ofício, no qual aparecem relatos contra africanos como também denunciantes negros” (Santos, 2011SANTOS, Tahinan da Cruz. Inquisição portuguesa na África: denunciações do reino do Congo e Angola no século XVII. Cadernos de Clio, n. 2, p. 229-245, 2011., p. 237).
  • 9
    Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). “Pareceres sobre o modo de atalhar o judaísmo no Reino, remédio para os judeus que ficarem no Reino, concessão de honras e mercês aos cristãos novos, lei do extermínio, remissões de culpados entre Portugal e Castela, nomeação de conselheiros, breve do Quinquénio, freiras reconciliadas.” Lisboa. Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=2318853. Acesso em: 14 jun. 2023.
  • 10
    Manuel Alves da Cunha, que revisou e anotou esse tomo, complementa as informações de Cadornega em notas preciosas, na edição de 1942, tanto geográficas quanto etnográficas.
  • 11
    Autor pioneiro na identificação deste caso foi Luiz Mott (1986MOTT, Luiz. Escravidão e homossexualidade. In: Vainfas, Ronaldo(org.) História e sexualidade no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1986. p.19-40., p. 27).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    18 Ago 2022
  • Aceito
    31 Jan 2023
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