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O acervo real de manuscritos revisitado pela atuação do bibliotecário Luís Joaquim dos Santos Marrocos no século xix

Resumo:

Para o estabelecimento da corte portuguesa no Brasil, no início do século XIX, muitos aparatos atravessaram o Atlântico, dentre eles papéis impressos e manuscritos. Neste texto problematizaremos o acervo real de manuscritos a partir da atuação do bibliotecário Luís Joaquim dos Santos Marrocos. As principais matérias examinadas serão: a) a experiência do súdito ilustrado, ajudante de bibliotecário da Real Biblioteca do Rio de Janeiro no universo das letras, analisando sua dimensão de mediador cultural; e b) seu trabalho cotidiano na Sala de Manuscritos, incluindo a produção de um mapa sistemático sobre o acervo real de manuscritos. As proposições estão situadas a partir de sua prática de escrita de cartas e a produção do referido mapa. Trata-se de uma pesquisa em andamento que se debruçou sobre uma documentação privilegiada para tecer considerações sobre o universo da cultura escrita do período e seus desdobramentos na contemporaneidade.

Palavras-chave:
Manuscritos; Cartas, Período Joanino.

Abstract:

During the establishment of the Portuguese court in Brazil, at the beginning of the nineteenth century, much crossed the Atlantic, including printed papers and manuscripts. In this text, we discuss the royal manuscript collection through the work of the librarian Luís Joaquim dos Santos Marrocos. The main subjects examined are: a) the experience of the enlightened subject, assistant to a librarian at the Royal Library of Rio de Janeiro in the universe of letters, analyzing his dimension as a cultural mediator; and b) his daily work in the Manuscript Room, including the production of a systematic map of the manuscript collection. These propositions are situated on the basis of his letter writing practice and the production of map in question. This is ongoing research focused on privileged documentation to make considerations about the universe of written culture of the period and its developments in contemporary times.

Keywords:
Manuscripts; Letters, Johannine Period

A chegada da monarquia portuguesa ao Rio de Janeiro em 1808 gerou muitas preocupações, sendo a preservação do patrimônio cultural aspecto que teve atenção especial. “Espaço emblemático da Corte”, na expressão de Ana Cristina Araújo; a livraria era um lugar de grande respeitabilidade como signo da monarquia e da nobreza (Araújo, 2008ARAÚJO, Ana Cristina. Uma longa despedida: cartas familiares de Luís Joaquim dos Santos Marrocos. In: MARROCOS, Luís Joaquim dos Santos. Cartas do Rio de Janeiro (1811-1821). Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2008. p. 13-39., p. 25), sendo concebida como um importante instrumento de configurações de poder. Nessa perspectiva, o historiador Roger Chartier reitera que as “coleções de manuscritos e impressos [das bibliotecas reais] podem ser mobilizadas a serviço do saber, da história da monarquia, da política ou da propaganda do Estado” (Chartier, 2006CHARTIER, Roger. O príncipe, a biblioteca e a dedicatória. In: BARATIN, Marc; JACOB, Christian. O poder das bibliotecas: a memória dos livros no Ocidente. Trad. Marcela Mortara. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006., p. 185).

O translado dos livros e dos papéis manuscritos da Real Biblioteca d’Ajuda para o Brasil, a partir de 1810, foi feito em três momentos. Era a história de conquistas, vitórias e conflitos que atravessava o oceano e que simbolicamente sustentava uma ideia de superioridade política da monarquia portuguesa. Entre as etapas do translado, a segunda chegou ao Rio de Janeiro em março, com Luís Joaquim dos Santos Marrocos. Em setembro, este mesmo bibliotecário informou ao pai sobre a entrada dos “últimos 87 caixotes de livros”1 1 No desenvolvimento do projeto estamos pesquisando a correspondência de Luís Joaquim dos Santos Marrocos por meio dos originais, custodiados na Biblioteca da Ajuda (Cota: 54-VI-12), em Lisboa, da qual temos cópia digitalizada, após pesquisa material. No entanto, no decorrer do texto faremos as citações indicando a edição das cartas realizada em 2008 pela Biblioteca Nacional de Portugal. Como não abordaremos questões de ordem linguística e/ou filológica, decidimos citar a partir da referida edição. Nesse sentido, ainda registramos nosso agradecimento à Fundação Nacional de Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pelo apoio para digitalização das cartas manuscritas de Luís Joaquim, assim como do Índice Geral - documento que analisaremos à frente. no Rio de Janeiro, que vinham sob a responsabilidade de José Lopes Saraiva, servente da Real Biblioteca.2 2 Luís Joaquim dos Santos Marrocos, Cartas do Rio de Janeiro (1811-1821). Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal, 2008. Carta n. 10, p. 96. A partir daqui, ao citarmos a correspondência de Luís Joaquim indicaremos o número da carta e a página. Se, por um lado, a transladação das preciosidades reais, enfim, estava a salvo; por outro, os funcionários régios da nova instituição tinham um trabalho hercúleo para realizar.

A direção da Real Biblioteca no Brasil estava nas mãos do padre Joaquim Dâmaso, pertencente à Congregação do Oratório de Lisboa, e do frei Gregório José Viegas, da terceira ordem de São Francisco. De acordo com Ana Cristina Araújo, “com graduações, ordenados e funções diferentes, todos estes indivíduos eram remunerados como funcionários do Paço e nele serviam com exclusiva assistência à livraria”3 3 Destacamos que, na primeira metade do século XIX, seguindo definições do XVIII, não existia uma distinção específica entre livraria e biblioteca. No dicionário de Antonio Moraes e Silva encontramos para os verbetes biblioteca e livraria, respectivamente, as seguintes definições: “Collecção de Livros posta em estantes, ou armarios” e “Bibliotheca, casa, ou estantes onde estão os livros. Collecção de Livros” (Silva, 1789, p. 280 e 232, respectivamente). (Araújo, 2008ARAÚJO, Ana Cristina. Uma longa despedida: cartas familiares de Luís Joaquim dos Santos Marrocos. In: MARROCOS, Luís Joaquim dos Santos. Cartas do Rio de Janeiro (1811-1821). Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2008. p. 13-39., p. 21). Com a chegada da corte e a vasta papelada impressa e manuscrita que veio junto, uma nova realidade no mundo da escrita, da leitura, da circulação e preservação de papéis começava a se reconfigurar junto à elite letrada e junto ao universo da cultura escrita no Brasil (Meirelles, 2017MEIRELLES, Juliana Gesuelli. Política e cultura no governo de D. João VI: imprensa, teatros, academias e bibliotecas (1792-1821). São Bernardo do Campo: EdUFABC, 2017., p. 378-430). A partir dessas condições, apresentamos as principais matérias examinadas neste texto envolvendo Luís Joaquim dos Santos Marrocos: a) a experiência do súdito ilustrado, ajudante de bibliotecário da Real Biblioteca do Rio de Janeiro, também compreendido como um intelectual mediador no universo da cultura escrita; b) seu trabalho cotidiano dentro da Sala de Manuscritos, incluindo a elaboração de um mapa sistemático para dar a conhecer e ordenar os manuscritos reais. Ambas as proposições estão situadas a partir de práticas de escrita que envolvem produção, circulação e conservação de documentos, uma documentação privilegiada para se tecer considerações sobre o universo da cultura escrita no século XIX e seus desdobramentos na contemporaneidade.4 4 Nossa pesquisa sobre o bibliotecário Luís Joaquim dos Santos Marrocos, em especial o “Índice geral dos Manuscriptos da Bibliotheca da Coroa disposto alfabeticamente”, incluindo a análise das cartas manuscritas que enviou ao pai, faz parte de uma pesquisa em andamento. Tratando-se da especificidade do “Índice Geral” já fizemos duas apresentações orais em eventos acadêmicos e publicamos um texto no periódico acadêmico Labor Histórico (Conceição, Meirelles, 2016), além de um capítulo de livro (Conceição, Meirelles, 2017).

Cultura escrita e mediações culturais: as práticas do bibliotecário Luís Joaquim dos Santos Marrocos

Luís Joaquim dos Santos Marrocos desembarcou no Rio de Janeiro em 1811. Aos 30 anos de idade, solteiro, deixava a família na Europa em nome de uma importante missão: acompanhar o transporte da segunda travessia de livros que compunha a coleção da Coroa portuguesa, preservada na Biblioteca d’Ajuda. A experiência de dez anos em Lisboa como praticante da Real Biblioteca, que lhe permitiu o acesso e registro de livros impressos e manuscritos, além de documentos régios de grande consideração para a monarquia, foi um precedente importante para que fosse escolhido dentre outros súditos de confiança da monarquia.

Em Lisboa, a família Marrocos contou com a proteção do 3º marquês de Angeja e do 1º visconde de Santarém. No Rio de Janeiro, a proximidade dos primeiros anos esteve circunscrita a Francisco José Rufino de Sousa Lobato, visconde de Vila Nova da Rainha desde 1810, um dos homens de maior confiança do monarca que, juntamente com o influente Tomás Antonio Vilanova Portugal, era responsável por gerenciar a casa real. Dentre muitas de suas funções na nova Corte, muitíssimo bem remuneradas, aliás, destacam-se a de escrivão da Câmara e expediente da Mesa de Consciência e Ordens (Malerba, 2000MALERBA, Jurandir. A corte no exílio: civilização e poder no Brasil às vésperas da Independência (1808-1821). São Paulo: Companhia das Letras, 2000., p. 269). Com poucos meses no Brasil, Luís Joaquim informou ao pai sobre sua moradia, paga pela Fazenda Real. Tal privilégio estava diretamente vinculado ao exercício da nova função “que vai aqui a estabelecer-se de grandes honras e que tem causado grande expectação”. Apesar de exaltar as benesses do futuro, declarava ser “obrigado a guardar segredo” (Carta n. 5, p. 82).

Dividido entre as funções na biblioteca e nos manuscritos, Marrocos conversava com o pai sobre seus projetos. Três meses mais tarde, noticiava à família sobre o que seria uma de suas mais nobres funções: ser o responsável “por tomar conta e cuidar no arranjamento e conservação dos Manuscritos da Biblioteca da Coroa (que Sua Alteza Real quis que permanecessem junto da Sua Pessoa) e dos mais Papéis, que sua Alteza Real ordenasse para o futuro” (Carta n. 6, p.84). A conquista de um cargo de tamanha “importância e responsabilidade” (Carta n. 6, p.84) necessitava da ajuda e experiência paterna para que seu projeto fosse melhor arquitetado: “Tinha em grande gosto em que Vossa Mercê me remetesse em Carta pelo correio uma Cópia do Sistema de Classificação Bibliográfica” (Carta n. 9, p. 92), referindo-se ao catálogo concretizado por António Ribeiro dos Santos para a Biblioteca Pública de Lisboa.5 5 Sobre a trajetória de Antônio Ribeiro dos Santos, ver Pereira (1983). Além disso, sua ascensão à nova e nobre função contou com o intermédio decisivo do visconde de Vila nova da Rainha, a quem Marrocos pouco mais de um ano depois chamaria “decididamente [de] meu Protetor e Amigo”, que lhe dava prova pública de amizade, saindo em sua defesa contra alguns de seus detratores “que me atiram fortemente; fazendo-me triunfar deles” (Carta n. 33, p. 161).

Para além de o visconde de Vila nova da Rainha ser o principal afeto de Luís Joaquim no universo da sociabilidade política e cultural nos primeiros anos de sua estada no Rio de Janeiro,6 6 Precisamente sete anos depois, em janeiro de 1818, quando já ocupava o cargo de oficial da Secretaria dos Negócios do Reino do Brasil, Marrocos contava ao pai que sofria os problemas vividos com o antigo amigo e protetor. Diz ele: “Visconde Vila Nova da Rainha é o meu maior inimigo, deliberou-se a não me pagar mais, e no meio de horrorosa intriga, com que pretende fazer-me desgraçado, não tem pejo de dizer a todos, que me conhecem, que há de crucificar-me [sic]” (Carta n. 120, p. 388). Ainda é necessário um aprofundamento dos estudos sobre as referidas intrigas envolvendo Luís Joaquim e as figuras influentes da Corte Joanina no Brasil, o que contribuirá para a discussão das mediações culturais do período. era também o responsável pelo gerenciamento da Sala de Manuscritos assim como pela entrega das encomendas pertencentes ao mundo da arte e da cultura escrita, às mãos de d. João. Em janeiro de 1812, Marrocos contava ao pai sobre o início da sua nova atividade.

Se não fosse a ligação de silêncio e reserva, que eu aqui tenho pelo meu novo exercício, poderia com facilidade ajudar Vossa Mercê na sua Obra, que novamente trabalha; pois tenho aqui com abundância grande material para ela se enriquecer. Não julguei nunca achar neste Arquivo coisas tão preciosas, mas tenho a maior pena de se lhes não dar competente valor: e como pela minha entrada se me determinou não consentisse extracção [sic] da mínima cópia, eis o que me embaraça. Aqui, Deus louvado, há uma ignorância sôfrega, ou uma sofreguidão material (Carta n. 12, p. 102).

Não sabemos precisamente a qual obra do pai Luís Joaquim se refere. Apesar disso, Inocêncio Francisco da Silva nos informa que em 1811 Francisco José publicava o Mapa alphabetico das povoações de Portugal pela Impressão Régia de Lisboa. Mesmo sem indicação de autoria, o pesquisador garante “pertencer-lhe indubitavelmente este trabalho, segundo me afirma o Sr. A. J. Moreira, que tem razão de o saber” (Silva, 1858SILVA, Innocencio Francisco da. Dicionário bibliográfico português. v. 2. Lisboa: Imprensa Nacional, 1858., v. 2, p. 413). Atentemos que Luís Joaquim faz alusão à riqueza dos manuscritos da Coroa e ao fato de não ter autorização para fazer deles mínima cópia. Este comentário talvez nos indique que, provavelmente, se ao bibliotecário fosse permitido transcrever a bico de pena os documentos reais, ele escolheria aqueles considerados por ele como “de grande valia” na produção da obra de seu progenitor, não tendo maiores pudores em enviar as cópias pelo correio para serem cuidadosamente acessadas, lidas, copiadas, interpretadas como fonte inspiradora.

Em relação à atuação do arquivista sob o patrimônio documental com o qual trabalha, Luciana Heymann, pesquisando o arquivo pessoal de Filinto Muller, nos chama a atenção para a necessidade de lê-lo dentro de suas responsabilidades, as quais são intrínsecas à sua atividade, a saber: organização e arranjo da coleção de manuscritos. Mesmo seguindo normas desse campo de conhecimento, o profissional imprime a sua subjetividade na “configuração do arquivo, já então transformado em patrimônio documental” (Heymann, 1997HEYMANN, Luciana. Indivíduo, memória e resíduo histórico: uma reflexão sobre arquivos pessoais e o caso Filinto Müller. Estudos Históricos, n. 19, p. 41-66, 1997., p. 45-46). Nesse sentido, destacamos que Marrocos também atuou como bibliotecário da Real Biblioteca Pública do Rio de Janeiro e neste locus de cultura foi um personagem capital (Conceição, Meirelles, 2016CONCEIÇÃO, Adriana Angelita da; MEIRELLES, Juliana Gesuelli. Papéis em travessia: o bibliotecário Luís Joaquim dos Santos Marrocos e os Manuscritos da Coroa - século XIX. Labor Histórico, v. 2, p. 44-55, 2016.). Como nos apontam Marc Baratin e Christian Jacob, a história das bibliotecas (e acrescentamos, a dos arquivos), considerando as intrínsecas relações de constituição que marcam tais instituições ao longo do período moderno, também deve ser concebida “como espaço dialético no qual, a cada etapa da história, se negociam os limites e as funções da tradição, as fronteiras do dizível, do legível, e do pensável, a continuidade das genealogias e das escolas, a natureza cumulativa dos campos do saber ou suas fraturas internas e suas reconstruções” (Baratin, Jacob, 2000BARATIN, Marc; JACOB, Christian. O poder das bibliotecas: a memória dos livros no Ocidente. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000., p. 11).

O gesto de guarda/conservação documental, impressa e manuscrita, tem uma historicidade antes de passar por um ordenamento arquivístico (de sistematização), ou seja, existe um regime de práticas que constitui as práticas de arquivamento. O arquivo pode emergir de duas ordens: uma histórica e outra arquivística - questão problematizada pelo pesquisador Adi Ophir, ao propor um diálogo entre história, arquivo e discurso (Ophir, 2011OPHIR, Adi. Das ordens no arquivo. In: SALOMON, Marlon(org.) Saber dos arquivos. Goiânia: Ricochete, 2011., p. 74). Para o autor, o historiador deve questionar a ordem do arquivo antes de produzir o conhecimento histórico, devendo considerar a ordem histórica ali presente (Ophir, 2011, p. 91). Portanto, na elaboração do discurso histórico é imprescindível que ponderações sejam formuladas quanto à constituição dos arquivos/acervos como um problema. Nesse caso, nos interessa analisar como Marrocos vai buscando deixar sua marca na constituição do acervo manuscrito da Coroa, considerando sua posição como bibliotecário real, leitor privilegiado de uma documentação que tem em mãos e procura dominar. O conhecimento da documentação, pelo ímpeto de ordenar, sistematizar e nomear, o coloca como figura distinta diante do monarca, negociando espaços e critérios, definindo ordens históricas e arquivísticas, as quais, impreterivelmente, devem ser consideradas na análise de tal documentação, por uma perspectiva da história da cultura escrita.

Voltando a considerar a relação de Luís Joaquim com o pai, no que se refere às trocas de informações sobre os acervos, entre o que agora residia no Brasil e o que permaneceu em Portugal, Marrocos se colocava na posição de intelectual mediador do conhecimento que poderia, a posteriori, ser produzido pelo seu interlocutor. A categoria dos sujeitos denominados intelectuais mediadores ou mediadores culturais, defendida pelas historiadoras Ângela de Castro Gomes e Patrícia Hansen (2016GOMES, Ângela de Castro; HANSEN, Patrícia (orgs). Intelectuais. mediadores: práticas culturais e ação política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.), pode ser definida em sentido amplo como

homens de produção de conhecimentos e comunicação de ideias, direta ou indiretamente vinculados à intervenção político-social. Sendo assim, tais sujeitos podem e devem ser tratados como atores estratégicos nas áreas da cultura e da política que se entrelaçam, sem tensões, mas com distinções, ainda que historicamente ocupem posição de reconhecimento variável na vida social (Gomes; Hansen, 2016GOMES, Ângela de Castro; HANSEN, Patrícia (orgs). Intelectuais. mediadores: práticas culturais e ação política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016., p. 10).

Nessa perspectiva, as autoras destacam a centralidade das condições de produção político-social de ideias, o que permite o diálogo com as tradições intelectuais dos paradigmas vigentes no contexto cultural no qual a trajetória dos investigados está inserida. Ademais, reiteram a valorização da construção das linguagens, vocabulários e sensibilidades compartilhadas entre os indivíduos e grupos de intelectuais para que possamos, enquanto pesquisadores, ter uma maior dimensão das especificidades do universo desses sujeitos “cada vez mais pensados em articulação com seus pares e com a sociedade mais ampla. Ou seja, como sujeitos conectados entre si, com genealogias e passados imaginados” (Gomes, Hansen, 2016GOMES, Ângela de Castro; HANSEN, Patrícia (orgs). Intelectuais. mediadores: práticas culturais e ação política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016., p. 12).

Ao dialogarmos com a categoria defendida por Gomes e Hansen, compreendemos que a experiência de Marrocos enquanto leitor privilegiado de uma documentação considerada “estratégica” pela Coroa era decisiva. Se conquistar um lugar ao sol dentro do espectro real já era uma disputa cotidiana entre os cortesãos, o acesso à informação estava ao alcance de poucos. Como manipulava os manuscritos do rei, junto ao Gabinete Real, é bem possível que sua atividade tenha despertado muitos conflitos. Portanto, em nenhuma hipótese Luís Joaquim gostaria de ser afastado do local. Duas situações por ele descritas na missiva de 28 de setembro de 1813 - enviada ao pai - nos revelam detalhes importantes acerca de seu trabalho como homem de letras vinculado oficialmente à monarquia lusitana. A primeira delas refere-se à preocupação na seleção dos manuscritos que deveriam compor a coleção real.

Tenho insinuação muito eficaz para pedir a Vossa Mercê um favor, de indagar com a possível a averiguação se na Livraria do Bispo Inquisidor7 7 Conforme a edição, supõe-se que se trata do bispo do Rio de Janeiro, dom José Caetano da Silva Coutinho. existe um livro manuscrito com Fol. com esse título = Festas e Funções públicas da Corte = encadernado em marroquim vermelho, e muito asseado, e isto com toda a reserva e segredo, por ser de grande e superior empenho. Em qualquer parte onde Vossa Mercê o puder descobrir, fique-lhe debaixo do olho, e se digne de me avisar imediatamente na 1ª ocasião, para se darem outras providencias necessárias (Carta n. 54, p. 223; destaque nosso).

A solicitação que Marrocos faz ao pai parece ser de grande relevância para o seu trabalho dentro da sala de manuscritos. Mais do que pedir urgência e total discrição a Francisco José nessa diligência, Luís Joaquim descreve em detalhes a composição material do manuscrito, demonstrando conhecer, inclusive, a qualidade da produção - no que tange ao conteúdo - mas também no que diz respeito à materialidade e respectiva conservação. Tamanho conhecimento e cuidado na averiguação de onde poderia estar localizado o manuscrito indica-nos que, muito provavelmente, este tenha sido uma súplica especial vinda diretamente do Príncipe Regente, que possivelmente conhecia o teor do documento e como poderia inspirar-lhe na condução dos festejos públicos na nova Corte do Rio de Janeiro. A temática das festas e das funções públicas da Corte foi de capital importância para o fortalecimento das monarquias absolutistas na Idade Moderna, uma vez que reiteravam as suas representações políticas e reafirmavam a sociabilidade que desejavam construir no diálogo com seus súditos no espaço público.

Tal como na Europa, aqui na América o calendário das festividades públicas da Coroa joanina fez parte do cotidiano da realeza. As diferentes celebrações e comemorações das monarquias “significaram a reapropriação política e simbólica dos traçados e da ambiência urbanos [sendo] eventos privilegiados para o mapeamento e estudo das representações que mediatizaram as relações e contradições entre o Estado, o poder real e a sociedade”, demonstra Emílio C. Rodrigues Lopes (2004LOPES, Emilio Carlos Rodrigues. Festas públicas, memória e representação: um estudo sobre manifestações políticas na Corte do Rio de Janeiro, 1808-1822. São Paulo: Humanitas, 2004., p. 28). Este pedido especial ao pai evidencia-nos ainda quão forte eram os laços intelectuais e de confiança entre pai e filho, os quais, além de desempenharem a mesma atividade - a de bibliotecários reais em instituições congêneres - tinham um objetivo em comum que os ligava ainda mais: o fortalecimento da família Marrocos diante da realeza, o que, na prática, apareceria em reconhecimento público através da conquista das tradicionais mercês.8 8 Nesse sentido, em missiva de novembro de 1811 informava a Francisco José sua estratégia. “Faço tenção de mostrar a Sua Alteza Real todas as Cartas que de Vossa Mercê for recebendo; portanto julgo deverem ser escritas com toda a circunspeção” (Carta 9, p. 94). Ao fim desta primeira e tão sigilosa solicitação, prossegue:

Outra igual recomendação me adianto a propor-lhe, pedindo a Vossa Mercê o obséquio de me remeter, quando lhe for possível, um exemplar de um folheto, que vem a ser a tradução em verso feita pelo Padre José Agostinho [de Macedo], de um Poema Francês, e que se intitula = Contemplação da Natureza = e o seu objeto é de História Natural. Faz-se célebre esta Obra; porque o tradutor, julgando que não havia notícia da Obra Francesa, publicou-a como original, e tão abortiva que não se estendeu além do 2º Canto. Tem uma dedicatória ao grande Padre Veloso, e tem um prólogo muito extenso em que pragueja contra os Poetas (Carta 54, p. 223; destaque nosso).

Luís Joaquim aparecia bem diferente neste pedido. Para além de o objeto de seu interesse ser um folheto impresso, isto é, ter ampla circulação na sociedade lusitana (e por isso mesmo estar muito mais vinculado ao universo público do que o manuscrito ao qual acabara de se referir), aqui particularmente o foco da sua preocupação soa-nos muito mais modesto: provavelmente, os comentários sobre o teor e a tradução do folheto nos círculos letrados da Corte despertaram-lhe a curiosidade da leitura por dois motivos. Primeiramente, a questão de um impresso francês ser traduzido com atribuição de autoria em português, como se a circulação de impressos não acontecesse de modo até certo ponto efetivo nos circuitos culturais da Europa - questão à qual Luís Joaquim até atribui um ar de ironia: “Faz-se célebre esta Obra; porque o tradutor, julgando que não havia notícia da Obra Francesa, publicou-a como original, e tão abortiva que não se estendeu além do 2º Canto”. Em segundo lugar, seu interesse, certamente, ficou aguçado ao saber da dedicatória ao padre José Mariano da Conceição Veloso, a quem considerava um “botânico sem par” - cujo espólio literário tinha sido doado para a Real Biblioteca havia dois anos e contava com cerca de 2.500 livros, além das estampas e os desenhos originais da Flora Fluminensis. Na época da doação do acervo, Marrocos conta ao pai que d. João em pessoa “veio recolher-se à sua miserável Biblioteca e Manuscritos, e tive eu então o dissabor de ver a grande Flora Fluminensis, 3 volumes, em folio, que tem importado para cima de 400 mil cruzados”. Para além de sabermos que a visita do príncipe regente ao acervo real era prática cotidiana, Marrocos ainda reflete sobre a importância de Flora Fluminensis, caso tivesse sido finalizada: segundo o bibliotecário “obra tão magnífica, depois de completa valeria um bom milhão!” Sobre outros manuscritos de frei Veloso também parecia conhecê-los com afinco: “A minha Inoculação do Entendimento caiu no inferno, pois não aparece entre os seus Manuscritos; e creio agora que ele, ao partir para esta, deixaria este Papel aí na Impressão Régia” (Carta 9, p. 93; destaque no original). Comentário tão pontual demonstra quão circunscritas eram as relações de Marrocos com os homens de letras e ciências, os quais, como Veloso, trabalhavam em prol do conhecimento e da divulgação do saber através da imprensa. Nesta missiva para o pai, é evidente o desejo de Luís Joaquim em impressioná-lo com a demonstração de seu conhecimento intelectual do acervo que tinha sob suas mãos, como também pelo manejo em constituir relações sociopolíticas de relevância na Corte. Seja nesta carta em particular, seja no caso de termos em mãos a coleção de correspondência ativa de Luís Joaquim ao progenitor, é necessário que tenhamos a dimensão da importância do ato de elaboração e escrita da própria trajetória. Em relação ao conjunto de correspondência, a historiadora Giselle Venâncio nos chama a atenção para o fato de que é possível apreendermos “as estratégias e práticas de relacionamento pessoal e profissional” desses sujeitos, compreendendo, assim, “de que forma a escrita epistolar constituiu uma prática que visava estabelecer e manter uma rede de relações sociais, profissionais e intelectuais” (Venâncio, 2005VENÂNCIO, Giselle Martins. Memória guardada em papéis e livros. Trajetos: Revista de História, v. 3, n. 6, p. 67-84, 2005., p. 79). No caso de Luís Joaquim dos Santos Marrocos, estas relações eram reiteradas e, muitas vezes, problematizadas, no diálogo interatlântico constituído entre pai e filho, mediado pela escrita a bico de pena.

Com frequência, quando a correspondência de Luís Joaquim é analisada, é deslocada de um importante aspecto de sua historicidade: a prática de arquivamento que a caracteriza. Ao acessarmos as missivas do bibliotecário, não lemos minutas tampouco um livro de copiador que poderia ter usado para preservação do conteúdo. A correspondência de Luís Joaquim foi atravessada por uma importante prática de arquivamento, o assíduo trabalho realizado pelo pai ao longo dos dez anos que caracterizam a troca epistolar mantida por ambos - protagonismo que não pode ser ignorado para que se possa compreender a ordem histórica e arquivística que constitui a troca epistolar e as concepções de conservação/sistematização intercambiadas entre eles e que se expressam na constituição do Índice, o qual foi pensado também a partir do diálogo com o pai, considerado por Luís Joaquim seu orientador político e intelectual (Meirelles, 2017MEIRELLES, Juliana Gesuelli. Política e cultura no governo de D. João VI (1792-1821). Tese (Doutorado), Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2013., p. 407).

Para a pesquisadora Luciana Heymann é importante que se entenda os documentos pessoais não como o resultado natural de trajetórias individuais, mas “como produto de investimentos pessoais e coletivos” (Heymann, 2013HEYMANN, Luciana. Indivíduo, memória e resíduo histórico: uma reflexão sobre arquivos pessoais e o caso Filinto Müller. Estudos Históricos, n. 19, p. 41-66, 1997., p. 75) - o que enriquece as perspectivas exploratórias de tais acervos. Para a autora, “Investimentos pessoais, imagem pública e visões de mundo se objetivam nos arquivos pessoais e nos usos que seus titulares ou seus herdeiros lhes conferem, e fornecem chaves para compreender o arquivo que vão além das tradicionais associações entre trajetória e documentos” (Heymann, 2013HEYMANN, Luciana. Arquivos pessoais em perspectiva etnográfica. In: TRAVANCAS, Isabel; ROUCHOU, Joelle e HEYMANN, Luciana. Arquivos Pessoais: reflexões disciplinares e experiências de pesquisa. Rio de Janeiro: FAPERJ /Ed. FGV, 2013., p. 75). No olhar pós-moderno de Terry Cook, a concepção de “arquivos totais” redimensiona a compreensão da natureza dos arquivos pessoais e institucionais, reforçando as perspectivas inter-relacionais em que há “uma visão mais ampla dos arquivos, sancionada pela sociedade como um todo e reflexo dela, em vez de uma visão conformada a priori” (Cook, 1998COOK, Terry. Arquivos pessoais e arquivos institucionais: para um entendimento arquivístico comum da formação da memória em um mundo pós-moderno. Estudos Históricos, v. 11, n. 21, p. 129-150, 1998., p. 142).

Nesse sentido, problematizamos o principal patrimônio cultural de Marrocos a que hoje temos acesso - suas cartas - pensando-o a partir de sua complexa trajetória, ou seja, considerando que o conjunto de missivas viajou o Atlântico e passou cuidadosamente pelos critérios de ordenação do pai, que guardou, organizou, comentou nos originais e, possivelmente, descartou as que traziam comprometimentos para ambas as imagens de bons funcionários reais. Além disso, o pai reuniu as missivas que foram enviadas aos demais familiares em um único lugar, caracterizando um possível arquivo familiar, com as cartas do único Marrocos que naquele momento residia na Corte, ou seja, no Rio de Janeiro. Como o pai se manteve como funcionário real, cuidando da pequena parte do acervo da biblioteca que permaneceu em Lisboa, os imbricamentos entre público e privado permitiram que um acervo familiar se mantivesse naquele espaço público, o que provavelmente garantiu a preservação das missivas até os dias atuais. Tais possibilidades de análise estão em fase inicial e têm contribuído com os estudos que estamos desenvolvendo, considerando a perspectiva teórica da cultura escrita que coloca em diálogo a produção, circulação, conservação e usos dos documentos.

Retomando a discussão acerca do alcance das escolhas editoriais de Luís Joaquim, salientamos que ele vai construindo uma percepção das obras em circulação no Atlântico, apesar de depender dos seus ofícios de bibliotecário desempenhados dentro das instituições régias. Estas escolhas estendiam-se para além das portas e janelas dos edifícios oficiais - corriam as ruas, as casas, os encontros públicos e privados, enfim, as redes de sociabilidade, molas mestras do gosto, e pairavam na tristeza de não encontrar entre os seus tesouros a Inoculação do Entendimento, de autoria do padre Veloso, que se perdia no tempo da memória de sua leitura e da crítica que fazia acerca da falta de organização de coleção tão distinta. E como leitor qualificado e responsável pela seleção dos materiais que poderiam fazer parte do acervo da Real Biblioteca, o bibliotecário não parecia ter pressa na recepção de tal demanda, antes, circunscrevia um assunto que considerava relevante entre as suas escolhas de leitura.

Meses depois, em janeiro de 1814, Marrocos relatava ao pai sobre um trabalho exigido pelo monarca dentro da Sala de Manuscritos.

Por este mesmo Navio remeto ao Senhor Alexandre Antonio das Neves uma cópia do Tratado manuscrito de Francisco de Holanda = Da Fábrica do que falece à cidade de Lisboa = feita da minha mão por Ordem da Sua Alteza Real, cuja cópia não enviarei diretamente a Vossa Mercê para a ver, em razão de ser volumosa e pesada [...] Tive o gosto de que o Senhor Marquês de Aguiar a elogiasse tendo-a visto desde o princípio até o fim, no que gastou a uma grande parte da tarde de Domingo, 27 do passado (Carta n. 65, p. 251).

Como podemos notar, havia uma relação de grande reverência e confiança do cargo que ocupava, para além do pedido do monarca na feitura de uma cópia manuscrita que deveria chegar às mãos do bibliotecário régio Alexandre Antonio das Neves, questão que nos permite identificar a necessidade da circulação de papéis manuscritos com interesses específicos e de sua preservação neste tipo de suporte, além de indicar a constante circulação de impressos, manuscritos e de cópias manuscritas de impressos, constituindo os acervos reais em ambos os lados do Atlântico. Por outro lado, essa situação ainda nos indica que temos a leitura e análise atenta do trabalho de Luís Joaquim por um dos ministros reais de maior proeminência no universo político da nova Corte, o marquês de Aguiar que, nessa época, respondia interinamente pelo Ministério dos Negócios e Estrangeiros e da Guerra. Segundo Lúcia Bastos, sua “escolha na composição do ministério se mostrava estratégica, pois de todos os fidalgos que acompanharam o regente era o mais familiarizado com o Brasil” (Neves, Vainfas, 2008NEVES, Lúcia Bastos Pereira das; VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil joanino. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008., p. 163). De qualquer forma, diferentemente do que enunciava ao pai no início de 1812, dois anos depois Marrocos parece ter conquistado a autorização real para compor cópias manuscritas, indicando, até mesmo, que tinha sob suas mãos a liberdade de decidir a quem enviá-las, caso assim o desejasse. Não sabemos, entretanto, se a licença real para a cópia manuscrita ocorria em situações pontuais ou se, de fato, tornara-se uma condição conquistada por Marrocos junto ao monarca. Independentemente disso, reiteramos a importância do cargo ocupado por ambos - pai e filho - dentro da lógica da sociedade de corte: eram homens considerados leais à Coroa que manejavam muito bem um conhecimento técnico e estratégico voltado especificamente para o mundo da escolha, circulação, uso e preservação de papéis fundamentais para a construção da memória da monarquia portuguesa - o que fortalecia a posição de Luís Joaquim como mediador cultural. Sem dispensar, como já destacamos acima, a construção de memórias familiares e pessoais, como no caso das missivas de Marrocos.

Ao pensarmos as práticas da cultura escrita em um universo em que “as estreitas ligações entre escritos manuscritos e textos impressos não se limitam aos objetos que se organizam explicitamente” (Chartier, 2014CHARTIER, Roger. A mão do autor e a mente do editor. São Paulo: Ed. Unesp, 2014., p. 106), aventamos a hipótese de o pai estar focado no aperfeiçoamento dessa obra impressa (“Da fábrica do que falece à cidade de Lisboa”) a partir do acesso e leitura de outras obras impressas e/ou manuscritas. Sobre a padronização do impresso, Roger Chartier pondera:

[esta] não implica que devamos ignorar os muitos processos que limitavam seus efeitos: correção feita no decorrer da impressão que, por causa da pluralidade de associações possíveis entre folhas corrigidas e não corrigidas em cópias da mesma edição, multiplicam os estados de um “mesmo” texto; notas marginais manuscritas que tornam única a cópia usada por um leitor individual, ou uma variedade de textos, impressos ou manuscritos reunidos à maneira individual do leitor e encadernados em um único volume (Chartier, 2014CHARTIER, Roger. A mão do autor e a mente do editor. São Paulo: Ed. Unesp, 2014., p. 106-107).

Os estudos sobre a história da cultura escrita no período moderno avançaram consideravelmente nas últimas décadas. As investigações sobre os livros integraram-se às ligadas às práticas de leitura, avançando o debate na relação entre a produção e os diferentes usos da escrita e sobre as possibilidades de conservação. Neste debate, o historiador Roger Chartier nos alerta: precisamos “examinar mais de perto o manuscrito na era da impressão”, uma vez que, por razões variadas, “pelo menos nos quatro primeiros séculos de existência [a impressão] não causou o desaparecimento nem da comunicação manuscrita nem da publicação manuscrita”, sendo sua permanência também um convite “a novos usos de escrever à mão” (Chartier, 2014CHARTIER, Roger. A mão do autor e a mente do editor. São Paulo: Ed. Unesp, 2014., p. 104-105). Especificamente sobre esses novos usos da escrita manuscrita, Fernando Bouza ressalta a sua inserção em outras demandas socioculturais, as quais atuaram, sobretudo, em duas frentes: a ideia de solenidade e de privacidade, assim como a necessidade de manter a escrita aberta e não fixada - já que a fixação da escrita foi uma característica fundamental da imprensa. Os circuitos da comunicação manuscrita tornaram-se mais específicos e restritos, pois se a impressão cabia à difusão, por outro lado, “o manuscrito assenhoreava-se do segredo e da deferência” (Bouza, 2002BOUZA, Fernando. Comunicação, conhecimento e memória na Espanha dos séculos XVI e XVII. Cultura: Revista de História e Teoria das Ideias, v. 19, segunda série, p. 105-171, 2002., p. 135-136). Passaremos a tratar a seguir das especificidades da produção de um manuscrito considerado de grade relevância para a historicidade da cultura escrita, que nos permite discutir sobre temas que guardavam interesse para os circuitos culturais da corte.

O Mapa Sistemático de Classificação de Luís Joaquim: algumas questões

Em 27 de fevereiro de 1812, com muito entusiasmo Luís Joaquim comunicou ao pai: “é o primeiro dia do meu trabalho nos Manuscritos, em cuja Sala faço esta [carta]”, concretizando o que tinha compartilhado em carta de outubro de 1811 (n. 6), quando anunciou que tinha recebido a confiança do rei para ordenar e cuidar dos Manuscritos da Coroa. Ao assumir tal função, vendo a situação de desordem dos papéis, tratou logo de pensar sobre uma forma de “dar a Sua Alteza Real uma ideia do Tesouro” que os manuscritos representavam. A força do valor simbólico de tais papéis costumeiramente foi indicada por Luís Joaquim: “Não julguei nunca achar neste Arquivo coisas tão preciosas; mas tenho a maior pena de se lhes não dar o seu competente valor”, conforme registrou em janeiro de 1812 (carta n. 12, p. 102). Luís Joaquim se preocupava com possíveis desmerecimentos aos papéis, questão que destacou ao pai em carta de 3 de julho de 1812, quando informou que o músico Marcos Antonio Portugal,9 9 Sobre a vida e importância de Marcos Portugal no cenário da música europeia e luso-brasileira, ver Sarraute (1979). com autorização real, tinha passado na Sala dos Manuscritos e de modo insolente disse “que todos eles juntos nada valiam, e que Sua Alteza Real não fez bem em os mandar vir, antes deveriam ser recolhidos na Torre do Tombo!” (carta n. 26, p. 139-141), postura que deixou o bibliotecário de certo modo indignado. Tal situação fez com que Luís Joaquim reforçasse seu desejo de imprimir a sua marca na organização e apresentação do acervo real de manuscritos, não somente a partir de suas concepções intelectuais construídas ao longo da sua experiência de dez anos na Biblioteca d’Ajuda, mas também na concepção de um olhar sobre si próprio, a partir do lugar que ocupava, a direção da Sala de Manuscritos.

Ao pensar e compartilhar com o pai como pretendia organizar os papéis manuscritos da Coroa, afirmou que tinha a intenção de produzir uma “Memória literária e crítica deste mesmo Corpo de Manuscritos, pois que até aqui ainda se não sabe o que há principalmente no que pertence ao Governo Político” - indicando que os papéis saíram de Lisboa sem nenhum tipo de ordenação e classificação. Junto à Memória, Marrocos almejava compor um plano ou planta, um sistema de classificação, conforme elaborou para os impressos - “para o arranjo dos Mesmos Livros, e julgo que não me arredei do trilho dos melhores Bibliógrafos, ainda que foi sem socorro algum mais que mental” (Carta n. 14, p. 107). Se sua intenção era dar a conhecer os manuscritos, intencionava, por outro lado em agradar ao pai e ao monarca: “Se eu concluir em bem esta minha surpresa, me julgarei feliz neste sentido, e darei a Vossa Mercê cópia de tudo, como tenha ocasião” (Carta n. 14, p. 107-109), reiterava Luís Joaquim.

Dentro desse circuito de mediadores, em 29 de agosto de 1812, Marrocos comunicava ao pai os avanços de seu projeto na Sala de Manucritos:

Eu por ora vou continuando no meu trabalho: concluí um Mapa Sistemático de Classificação, como já anunciei a Vossa Mercê em outra [carta]; esse Mapa hei de mostrá-lo a primeiramente a Frei António de Arrábida, que me pediu esta preferência, e ao depois hei de entregá-lo ao Visconde de Vila Nova da Rainha para este o apresentar a Sua Alteza Real (Carta n. 28, p. 143).

Ao indicar os sujeitos que teriam o privilégio de acessar o seu Mapa Sistemático, intitulado Índice geral dos Manuscriptos da Bibliotheca da Coroa disposto alfabeticamente, em 1813, Marrocos circunscreve questões hierárquicas entre os homens que circulavam pelos papéis da monarquia, evidenciando, ainda, a preocupação e cuidado destinado pela Coroa ao patrimônio intelectual. Nesse sentido, questionamos: o que para Luís Joaquim seria uma “Memoria literária e crítica”? Seria a sistematização dos manuscritos? Ou, ainda, uma resenha minuciosa de cada conjunto documental? A partir da análise do Mapa, identificamos que cada documento recebeu uma breve apresentação, com informações sobre o conteúdo e a materialidade, o que nos indica já, de antemão, que Luís Joaquim iniciou o intento da memória literária, só não podemos precisar se crítica. No entanto, a composição da Memória literária foi acompanhada por um sistema de classificação, já que, ao final do Mapa, encontramos um esquema de ordenação que se refere à intenção inacabada de Luís Joaquim de fazer uma planta da disposição do acervo na biblioteca. Inacabada considerando as intervenções que o documento apresenta em diferentes temporalidades, conforme brevemente destacamos.

Segundo Peter Burke, é o processo de análise que converte a informação relativamente crua em conhecimento efetivo. Termo muito usado na Modernidade, sobretudo depois de 1750, a “análise” de um conjunto de dados, informações ou documentos alcançou um sentido interdisciplinar ao mesmo tempo em que manteve a especificidade de sentidos para áreas particulares. Além disso, ao definir o século XVIII como “a grande era da classificação” - não só como ferramenta, mas como modelo para todo o conhecimento, coloca em evidência a importância da análise dos arquivos a priori classificados - ou da organização arquivística - de determinada instituição. Nesse sentido, enfatiza também a preeminência de valores em disputas pelos sujeitos envolvidos com a sua concepção e/organização. Assim, reitera que os arquivos são outro domínio com disputas entre classificações que começavam a se diferenciar e que disputavam espaços entre as instituições.10 10 Questão que podemos ver a partir dos exemplos apresentados por Burke: “Pierre Camille Le Moine, arquivista na Catedral de Toul e depois em Lyon, propôs, em sua Diplomatique pratique (1765), uma nova modalidade do que chamava de l’arrangement des archives, defendendo a classificação dos documentos por temas, e não por ordem cronológica. Em seu Nouvel archiviste (1775), Jean Guillaume de Chevrières, arquivista do príncipe de Mônaco, criticou a “nouvelle manière” de Le Moine e defendeu a organização tradicional por datas. Nos anos 1850, Francesco Bonaini, superintendente dos arquivos da Toscana, adotou um terceiro critério, o “princípio da proveniência”, classificando os documentos de acordo com a instituição que os produzira” (Burke, 2012, p. 72).

Nesse universo, “era inevitável que esse grande movimento de reclassificação viesse a incluir, mais cedo ou mais tarde, os ramos do próprio conhecimento” (Burke, 2012BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento II - da Enciclopédia à Wikipédia. Trad. Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Zahar, 2012., p. 72). De fato, foi o que ocorreu na segunda metade do século XVIII, quando os editores Denis Diderot e Jean d’Alembert utilizaram a imagem tradicional da “árvore do conhecimento” para pensar os sistemas de classificação na Encyclopédie. Assim, esses sujeitos “não tomaram nenhuma ramificação da árvore como uma divisão natural ou dada. Pelo contrário, ela “poderia se formar de diversas maneiras”, de modo mais ou menos arbitrário.11 11 Sobre a questão, eis o que apresenta Burke (2012, p. 73): “Os editores decidiram retornar ao sistema de Francis Bacon - modificando-o aqui e ali - e dividiram o conhecimento de acordo com as três faculdades do intelecto humano: a memória (abrangendo a história e a história natural), a razão (filosofia, matemática e direito) e a imaginação (as artes)”. Ao analisar o impacto desse processo, Peter Burke demonstra como, por outro lado, a reclassificação dos livros (e poderíamos acrescentar, dos manuscritos) teve consequências práticas, que impactaram a imagem mental da árvore do conhecimento na contemporaneidade - tanto por parte dos estudiosos quanto do público em geral. Em outras palavras, a sociedade ocidental “tem uma grande dívida para com a organização das bibliotecas [e dos arquivos], mais do que com qualquer outra coisa” (Burke, 2012BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento II - da Enciclopédia à Wikipédia. Trad. Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Zahar, 2012., p. 73). Burke, ainda, nos coloca diante do alcance histórico dessas transformações. Segundo o autor, “até os anos 1870, cada biblioteca tinha seu próprio sistema de classificação, baseado em mapas do conhecimento ao estilo dos apresentados na Enciclopédia, e às vezes continuava a usá-los muito depois de serem considerados obsoletos” (Burke, 2012BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento II - da Enciclopédia à Wikipédia. Trad. Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Zahar, 2012., p. 74).

Não identificamos registros sobre o envio de uma cópia do Mapa Sistemático para Francisco José, o que não significa que não o tenha feito. Nos giros entre o Atlântico era comum o extravio de cartas. Além disso, ainda sustentamos como hipóteses que Luís Joaquim pode ter enviado como apenso de alguma carta, sem mencionar no corpo textual, como forma de manter o sigilo, assim como, a carta com tal menção pode não ter sido preservada pelo pai (intencionalmente ou não). Nesse sentido, não é possível afirmar que a versão presente na atualidade na Biblioteca d’Ajuda teria sido essa possível cópia. Porém, acreditamos ter sido a versão que seguiu com os manuscritos reais quando retornaram à Lisboa, em nova saga marítima, em 1821.

A partir dessas ponderações iniciais, passaremos a apresentar o Mapa Sistemático de Classificação. O documento que ora passamos a tratar é formado por 35 in-fólios ou bifólios - que são folhas dobradas uma única vez, gerando, portanto, quatro páginas, sendo que as paginações foram marcadas apenas no retro e nunca no verso - com algumas exceções, como nos três últimos fólios. Os fólios estão em formato de caderno, no qual aparecem um dentro do outro, encadernados de modo frágil com linha e sem capa. Apresenta marcas de fitas adesivas colocadas contemporaneamente e que deixaram e agravaram manchas no papel.12 12 As informações codicológicas foram baseadas em estudos da área. Consultar, por exemplo, Costa (2014).

O Mapa, nomeado no primeiro fólio como Índice geral dos Manuscriptos da Bibliotheca da Coroa, apresenta nove sessões: Política, Teologia, Direito Canônico, Direito Civil, História Eclesiástica, História Civil, História Literária, Ciências e Artes e, por fim, Belas Letras. Tal classificação reforça o que Luís Joaquim informou ao pai em fevereiro de 1812, quando indicou que se tratava de um rico acervo sobre governo político. A escala de apresentação provavelmente foi organizada por critério de relevância estabelecido por Luís Joaquim13 13 Para o historiador Rodrigo Bentes Monteiro (s.d.), ao estudar as inventariações de Diogo Barbosa Machado, os catálogos e índices partiam de critérios de relevância dos autores que os produziam. e em acordo com os interesses do período, seguindo ordens particulares e em diálogo com as práticas sociais das redes culturais envolvidas.14 14 Para mais informações sobre catálogos luso-brasileiros no período, ver Meirelles (2013). Portanto, o bibliotecário Marrocos estava inserido em um grupo de privilégio que o permitiu estabelecer critérios próprios para classificar e ordenar os importantes manuscritos reais. O Mapa iniciar com a sessão Política também dialoga com o que o historiador espanhol Fernando Bouza destacou, indicando que durante o período moderno existiu uma profícua difusão manuscrita de tratados políticos envolvendo distintas temáticas que iam ao e de encontro às monarquias estabelecidas (Bouza, 2001BOUZA, Fernando. Comunicação, conhecimento e memória na Espanha dos séculos XVI e XVII. Cultura: Revista de História e Teoria das Ideias, v. 19, segunda série, p. 105-171, 2002., p. 65).

Ao estudar a composição de bibliotecas no século XVIII, Chartier (1999CHARTIER, Roger.A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Ed. Unb, 1999) destaca a importância da feitura, propriedade e usos dos catálogos, já enunciada por Gabriel Naudé, destacado bibliotecário francês no século XVII. Para Naudé, “não se pode em absoluto omitir ou negligenciar a transcrição de todos os catálogos”, em especial, “dos Estados e gabinetes, que, por não serem conhecidos nem frequentados, continuam enterrados num perpétuo silencio” (Naudé, 1999, p. 74.) Nesse sentido, podemos ver o quanto o Mapa Sistemático de Marrocos se configura como a composição de um índice geral que dialoga com a tradição dos catálogos modernos de um espaço de restrita circulação, mas de importância simbólica para a corte e seus frequentadores.

A lista dos documentos apresenta, de modo geral, título, datação, observações que sinalizam a quantidade de fólios, o material usado (com frequência pergaminho), assim como o estado de conservação, além de informações na margem esquerda que indicam a atual localização na Biblioteca da Ajuda, dado registrado posteriormente a Luís Joaquim e que brevemente iremos comentar. Na margem direita, nos fólios que constam listagens de documentos, dentro de cada seção, consta referência sobre os formatos quarto e octavo, ou seja, indicando os formatos in-quarto e in-octavo, respectivamente, folha dobrada duas vezes e três vezes.

O Mapa Sistemático é composto por intervenções de diferentes tempos, considerando a presença de três principais tipos de letras. A letra basilar é sem dúvida a de Luís Joaquim dos Santos Marrocos, considerando análise comparativa com as missivas enviadas ao pai. Em ordem de frequência de registro, a segunda letra denominamos como do bibliotecário A e que foi registrada, provavelmente, por quem manejou os manuscritos depois de retornarem a Lisboa. A terceira letra, bibliotecário B, consta pontualmente nos fólios: 24 verso e 70 retro. Nessa classificação, não consideramos as intervenções contemporâneas da folha de rosto e que fazem referência à localização do documento na Biblioteca d’Ajuda. Os aspectos materiais e codicológicos do Índice geral ainda merecem um estudo pormenorizado, ponderando as intervenções e composição do documento, completado em Lisboa a partir de bilhetes que acompanharam a versão. Estamos denominando de bilhetes, pequenos pedaços de papéis avulsos que foram preservados junto ao documento, indicando etapas da construção de um documento que ficou incompleto, tendo sido pensando e iniciado no Rio de Janeiro e completado em Lisboa, a partir desses vestígios em papel. Portanto, não sabemos se, embora Luís Joaquim tenha dito que completou o Mapa, o mesmo foi realmente finalizado ou se a versão preservada é uma versão inacabada.

Como breve exercício de análise, trazemos ao texto um pontual estudo, ainda em andamento, da seção História Civil. A indicação do título consta com a letra de Luís Joaquim, no entanto, a listagem dos documentos parece não ter sido feita pela sua pena, diante das variações da grafia. Nesse sentido, identificamos que as seções História Civil, História Literária e Ciências e Artes foram grafadas pelo bibliotecário A, a partir de bilhetes que acompanharam o Índice até Lisboa. Informação que comprovamos com o registro feito a partir do fólio que o bibliotecário A passa a intervir, “que se segue, deixou Luiz Joaquim dos Santos Marrócos em bilhetes, dos quaes o passei para aqui” (BA-PT, 49-IX-44, f 64).15 15 As referências ao Índice estão estruturadas do seguinte modo: Biblioteca d’Ajuda - Portugal, cota 49-IX-44, fólio 64. A partir deste ponto: BA-PT, 49-IX-44, f 64v. As transcrições seguem o original.

Na seção de História Civil os documentos não estão dispostos em ordem alfabética e somam 35 registros, com datação entre 1570 e 1791. Muitos apresentam a indicação de ser pergaminho e o comentário “he o original”, atribuindo, portanto, maior valor simbólico e material aos documentos. O terceiro documento descrito como “Origen de los Godos, que señorearon en Espanha. Fol. 143, em pergaminho” consta com o comentário “m.to arruinado, e coruido [sic] da tinta” o que indica a importância que o catálogo atribui ao estado de conservação, já que registros semelhantes aparecem ao longo do Mapa Sistemático. Muitos documentos desta seção fazem relação com o período da União Ibérica, além de se compor de coleções de notícias variadas, envolvendo Portugal e Espanha.

A obra mais antiga da seção aparece com a seguinte descrição “Resumo de Historia Universal. Pergaminho. Essa obra parece ter na lombada este tit. = El Apoles Gracioso = que pouco se conhece. 1570”, indicando a referência 51-II-47 na margem esquerda, demonstrando que, no início do século XX, estava localizada na Biblioteca d’Ajuda, considerando a análise das intervenções que constam registradas no Índice geral. Pode-se constatar que a classificação não apenas registra a obra manuscrita, mas insere dados e informações que valorizam e indicam o estado de conservação, destacando sobre a materialidade e, ainda, reforçam seu valor simbólico, como os comentários: “pouco se conhece” e “he o original”. Tais anotações expressam a experiência de Luís Joaquim no manejo com a cultura escrita de seu período e com as mediações culturais em que estava envolvido. Além disso, é possível analisar a historicidade que vai sendo registrada no acervo, imprimindo outros sentidos aos papéis que excedem seu conteúdo, ao destacar aspectos singulares da materialidade e da origem dos manuscritos.

Dentre as obras elencadas ainda destacamos: “Faria (Manoel Severim de) = Discursos vários políticos, com as vidas de João de Barros, Luiz de Camões, e Diego do Couto. Em pergaminho. / He o original” um in-quarto com a referência 51-IV-48. Manoel Severim de Faria, conhecido também como o chantre da Sé de Évora, foi um destacado personagem no período da União Ibérica, sobretudo, no que se refere aos circuitos de trocas de informações e conhecimentos sobre os impérios ultramarinos.16 16 Para mais informações sobre Manuel Severim de Faria, consultar, por exemplo, Megiani (2005, 2007). Dentro da seção de História Civil, destacamos a “Relação de todos os sucessos, que houve no tempo do Governo do Ex.mo S.r Vasco Fernandes Cezar de Menezes, Vice-Rei, e Capitão General da India. Pergaminho = 1712 =”, um documento em formato in-quarto com o registro 52-VIII-43 na margem direita e na esquerda 51-IV-?4, o que pode sinalizar uma variação de localização quando retornou à Lisboa ou ainda mais de uma versão. Trata-se de um documento relevante para os estudos da administração portuguesa ultramarina, considerando o importante papel político de Menezes na Índia e no Brasil, onde atuou como vice-rei no período de 1720 a 1735.17 17 “Vasco Fernandes César de Meneses nasceu em 16 de outubro de 1673. Tal qual seu pai, foi alferes-mor do Reino, antes de, em 1712, assumir o posto de vice-rei da Índia, onde se encontrou até o ano de 1717. Três anos mais tarde, em 1720, é nomeado quarto vice-rei do Estado do Brasil, posto ocupado até 1735. É, portanto, durante o seu vice-reinado, que por carta régia de 19 de setembro de 1729, torna-se o primeiro Conde de Sabugosa” (p. 112). Conferir Santos; Gouvea; Frazão (2004).

Ainda sobre a seção de História Civil, destacamos a primeira obra: “Rizio (Juan Pablo Martir) = Historia Tragica de la vida del Duque de Biron. Impresso en Barcelona por Sebastian de Cormellos. 1629. Em 4° e de 110 folhas, em pergaminho”. Trata-se de proeminente obra do pensamento político espanhol seiscentista, reconhecida entre os espelhos de privanza, dos gêneros literários “que serviram de veículo para a construção de um sofisticado produto intelectual, isto é, a ideia de perfeito privado cristão - modelo de conduta para o exercício da privanza no pensamento político espanhol da época” (Oliveira, 2009OLIVEIRA, Ricardo de. O melhor amigo do rei: a imagem da “perfeita privanza” na Monarquia Hispânica do século XVII. História, v. 28, n. 1, p. 653-696, 2009., p. 657). A obra teve importante circulação no período e Juan Pablo Mártir Rizo (1592-1642) fazia parte do circuito letrado espanhol, especialmente, nas discussões sobre valimento.18 18 Para saber mais, consultar Oliveira (2009). Voltando à análise do Mapa Sistemático, identificamos o registro desse manuscrito a partir de um impresso. Quais os sentidos de se manter cópias manuscritas de materiais já impressos? Com quais objetivos tais cópias eram feitas? Qual valor as versões manuscritas de obras impressas passam a atribuir ao conteúdo impresso e às relações que mantêm com a circulação de manuscritos que não deixou de acontecer, com o advento das máquinas de imprimir? A continuidade da pesquisa pormenorizada no Mapa Sistemático, certamente, contribuirá para o aprimoramento de reflexões sobre tais problematizações. Contudo, nesta breve análise da seção História Civil, podemos visualizar o empenho dos mediadores culturais em reunir e preservar documentos de circulação manuscrita/impressa, com particular reverência para a materialidade manuscrita no que se refere ao período da União Ibérica, envolvendo, em especial, os diferentes sujeitos de destaque na hierarquia social portuguesa, incluindo o império ultramarino.

Considerações finais

Compreender a sociabilidade política no mundo luso-brasileiro em finais do século XVIII e início do XIX através do estudo da historicidade e do conteúdo do Índice geral dos Manuscriptos da Bibliotheca da Coroa a partir do diálogo com as cartas de Luís Joaquim dos Santos Marrocos - concebido aqui como súdito ilustrado, leitor privilegiado da Coroa e intelectual mediador -, nos permite melhor circunscrever vieses fundamentais da cultura escrita da monarquia portuguesa no raiar do século XIX, que definia seus diversos locus de cultura e saber também pela perspectiva de sustentação da política imperial a partir deste lado do Atlântico.

Pensar os personagens envolvidos e suas práticas intelectuais para a constituição e funcionamento das ordens arquivísticas e históricas das reais bibliotecas e arquivos régios, a exemplo da sala de manuscritos, nos permite perceber as relações entre as instituições e os sujeitos que as compunham e as mantinham através de um complexo circuito de comunicação atlântica. Tal perspectiva aparece como um objeto de investigação com forte potencial de diálogo interdisciplinar. Os personagens aqui investigados podem nos trazer importantes indícios acerca das conexões locais e atlânticas desse momento histórico particular, além de nos ajudar a circunscrever com maior precisão questões da cultura escrita do século XIX e seus desdobramentos atuais. Dentro disso, indagamos: será que o Índice geral dos Manuscriptos da Bibliotheca da Coroa pode ser pensado dentro do “regime de práticas” como um arquivo de um arquivo - uma sobreposição de ordens históricas e arquivísticas que o interrelacionam às correspondências, pois somente em conjunto podem ser compreendidos? Tal possibilidade de investigação e problematização se desenhou a partir do que está exposto neste artigo. No entanto, somente a continuação da pesquisa, por meio do debate interdisciplinar aqui proposto, em especial entre história e arquivologia, poderá aprofundar como a escrita de Luís Joaquim e a conservação de Francisco José constituem-se como um regime de práticas que compõe marcas da cultura escrita oitocentista.

Conforme indicou o francês Eric Ketelaar (2006KETELAAR, Eric. (Dé)Construire l’archive. Matériaux pour l’histoire de notre temps, v. 82, n. 2, p. 65-70, 2006., p. 68), o gesto de arquivar é um regime de práticas que se modifica de acordo com o tempo e o lugar. Ao se considerar essa chave de análise, a prática de escrita de cartas entre pai e filho marca definitivamente a formação dos acervos de livros e de papéis manuscritos da Coroa na primeira metade do século XIX. No entanto, esse regime de práticas foi ganhando outros envolvimentos que foram redefinindo o Índice, quando consideramos as diferentes letras - camadas - que o compõem - o que acarreta outras possibilidades analíticas. Portanto, a cultura escrita entre produção, circulação, preservação e usos é marcada por uma rica vivacidade à qual a historiografia vai atribuindo sentidos, na incessante busca por respostas. A historicidade desses documentos segue não obedecendo apenas a uma ordem arquivística, mas, sobretudo, a uma ordem histórica que conecta o gesto de arquivar a um regime de práticas sociais e culturais que se situam em um determinado tempo e espaço. Francisco José dos Santos Marrocos e seu filho Luís Joaquim são pontes profícuas entre as margens do Atlântico, cujas trajetórias profissionais e relações familiares - entre sentir, escrever, compartilhar e arquivar - nos colocam diante da reescrita da história do Império luso-brasileiro.

Referências

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  • SILVA, Innocencio Francisco da. Dicionário bibliográfico português v. 2. Lisboa: Imprensa Nacional, 1858.
  • VENÂNCIO, Giselle Martins. Memória guardada em papéis e livros. Trajetos: Revista de História, v. 3, n. 6, p. 67-84, 2005.
  • 1
    No desenvolvimento do projeto estamos pesquisando a correspondência de Luís Joaquim dos Santos Marrocos por meio dos originais, custodiados na Biblioteca da Ajuda (Cota: 54-VI-12), em Lisboa, da qual temos cópia digitalizada, após pesquisa material. No entanto, no decorrer do texto faremos as citações indicando a edição das cartas realizada em 2008 pela Biblioteca Nacional de Portugal. Como não abordaremos questões de ordem linguística e/ou filológica, decidimos citar a partir da referida edição. Nesse sentido, ainda registramos nosso agradecimento à Fundação Nacional de Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pelo apoio para digitalização das cartas manuscritas de Luís Joaquim, assim como do Índice Geral - documento que analisaremos à frente.
  • 2
    Luís Joaquim dos Santos Marrocos, Cartas do Rio de Janeiro (1811-1821). Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal, 2008. Carta n. 10, p. 96. A partir daqui, ao citarmos a correspondência de Luís Joaquim indicaremos o número da carta e a página.
  • 3
    Destacamos que, na primeira metade do século XIX, seguindo definições do XVIII, não existia uma distinção específica entre livraria e biblioteca. No dicionário de Antonio Moraes e Silva encontramos para os verbetes biblioteca e livraria, respectivamente, as seguintes definições: “Collecção de Livros posta em estantes, ou armarios” e “Bibliotheca, casa, ou estantes onde estão os livros. Collecção de Livros” (Silva, 1789, p. 280 e 232, respectivamente).
  • 4
    Nossa pesquisa sobre o bibliotecário Luís Joaquim dos Santos Marrocos, em especial o “Índice geral dos Manuscriptos da Bibliotheca da Coroa disposto alfabeticamente”, incluindo a análise das cartas manuscritas que enviou ao pai, faz parte de uma pesquisa em andamento. Tratando-se da especificidade do “Índice Geral” já fizemos duas apresentações orais em eventos acadêmicos e publicamos um texto no periódico acadêmico Labor Histórico (Conceição, Meirelles, 2016), além de um capítulo de livro (Conceição, Meirelles, 2017).
  • 5
    Sobre a trajetória de Antônio Ribeiro dos Santos, ver Pereira (1983).
  • 6
    Precisamente sete anos depois, em janeiro de 1818, quando já ocupava o cargo de oficial da Secretaria dos Negócios do Reino do Brasil, Marrocos contava ao pai que sofria os problemas vividos com o antigo amigo e protetor. Diz ele: “Visconde Vila Nova da Rainha é o meu maior inimigo, deliberou-se a não me pagar mais, e no meio de horrorosa intriga, com que pretende fazer-me desgraçado, não tem pejo de dizer a todos, que me conhecem, que há de crucificar-me [sic]” (Carta n. 120, p. 388). Ainda é necessário um aprofundamento dos estudos sobre as referidas intrigas envolvendo Luís Joaquim e as figuras influentes da Corte Joanina no Brasil, o que contribuirá para a discussão das mediações culturais do período.
  • 7
    Conforme a edição, supõe-se que se trata do bispo do Rio de Janeiro, dom José Caetano da Silva Coutinho.
  • 8
    Nesse sentido, em missiva de novembro de 1811 informava a Francisco José sua estratégia. “Faço tenção de mostrar a Sua Alteza Real todas as Cartas que de Vossa Mercê for recebendo; portanto julgo deverem ser escritas com toda a circunspeção” (Carta 9, p. 94).
  • 9
    Sobre a vida e importância de Marcos Portugal no cenário da música europeia e luso-brasileira, ver Sarraute (1979).
  • 10
    Questão que podemos ver a partir dos exemplos apresentados por Burke: “Pierre Camille Le Moine, arquivista na Catedral de Toul e depois em Lyon, propôs, em sua Diplomatique pratique (1765), uma nova modalidade do que chamava de l’arrangement des archives, defendendo a classificação dos documentos por temas, e não por ordem cronológica. Em seu Nouvel archiviste (1775), Jean Guillaume de Chevrières, arquivista do príncipe de Mônaco, criticou a “nouvelle manière” de Le Moine e defendeu a organização tradicional por datas. Nos anos 1850, Francesco Bonaini, superintendente dos arquivos da Toscana, adotou um terceiro critério, o “princípio da proveniência”, classificando os documentos de acordo com a instituição que os produzira” (Burke, 2012, p. 72).
  • 11
    Sobre a questão, eis o que apresenta Burke (2012, p. 73): “Os editores decidiram retornar ao sistema de Francis Bacon - modificando-o aqui e ali - e dividiram o conhecimento de acordo com as três faculdades do intelecto humano: a memória (abrangendo a história e a história natural), a razão (filosofia, matemática e direito) e a imaginação (as artes)”.
  • 12
    As informações codicológicas foram baseadas em estudos da área. Consultar, por exemplo, Costa (2014).
  • 13
    Para o historiador Rodrigo Bentes Monteiro (s.d.), ao estudar as inventariações de Diogo Barbosa Machado, os catálogos e índices partiam de critérios de relevância dos autores que os produziam.
  • 14
    Para mais informações sobre catálogos luso-brasileiros no período, ver Meirelles (2013).
  • 15
    As referências ao Índice estão estruturadas do seguinte modo: Biblioteca d’Ajuda - Portugal, cota 49-IX-44, fólio 64. A partir deste ponto: BA-PT, 49-IX-44, f 64v. As transcrições seguem o original.
  • 16
    Para mais informações sobre Manuel Severim de Faria, consultar, por exemplo, Megiani (2005, 2007).
  • 17
    “Vasco Fernandes César de Meneses nasceu em 16 de outubro de 1673. Tal qual seu pai, foi alferes-mor do Reino, antes de, em 1712, assumir o posto de vice-rei da Índia, onde se encontrou até o ano de 1717. Três anos mais tarde, em 1720, é nomeado quarto vice-rei do Estado do Brasil, posto ocupado até 1735. É, portanto, durante o seu vice-reinado, que por carta régia de 19 de setembro de 1729, torna-se o primeiro Conde de Sabugosa” (p. 112). Conferir Santos; Gouvea; Frazão (2004).
  • 18
    Para saber mais, consultar Oliveira (2009).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    19 Set 2022
  • Aceito
    16 Fev 2023
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