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“Una dramática coyuntura ontológica”: história e dupla consciência na tradição intelectual mexicana

“A dramatic ontological circumstance”: history and double consciousness in the Mexican intellectual tradition

Resumo:

Há um longo debate na tradição intelectual mexicana acerca de como o país se relaciona com a sua própria história, em particular com o processo de entrada mexicana na modernidade e a não menos recorrente emergência de explicações que tentavam justificar o “atraso” do país. No artigo propomos pensar esse problema em dois momentos: no primeiro, com uma geração de intelectuais que em meados do século XX caracterizou essa difícil relação com a história através de noções como fuga, inautenticidade, trauma, negação, ruptura etc. Em um segundo momento, o mesmo problema é abordado, porém, a partir do ângulo do líder e ativista mixteco Francisco López Bárcenas, que propõe uma renegociação da própria noção de tempo que preside a ideia de história nacional mexicana.

Palavras-chave:
História; Dupla consciência; México

Abstract:

There is a long debate in the Mexican intellectual tradition about how the country relates to its own history, particularly with the process of Mexico’s entrance into modernity and the no less recurrent emergence of explanations that tried to justify the country’s “backwardness”. In the article, we propose to think about this problem in two moments: firstly, through a generation of intellectuals that in the mid-twentieth century characterized this hard relationship with history through notions such as escape, inauthenticity, trauma, denial, rupture, etc. In a second moment, the same problem is approached, but from the perspective of the Mixtec leader and activist Francisco López Bárcenas, who proposes a renegotiation of the very notion of time that presides Mexican national history idea.

Keywords:
History; Double consciousness; Mexico

O’Gorman acierta cuando ve a nuestro continente como la actualización del espíritu europeo, pero ¿qué ocurre con América como ser histórico autónomo al enfrentarse a la realidad europea? Esta pregunta parece ser el tema esencial de Leopoldo Zea. […] Zea ha estudiado la enajenación americana, el no ser nosotros mismos y el ser pensados por otros. Esta enajenación - más que nuestras particularidades - constituye nuestra propia manera de ser. […] Otros escritores jóvenes [Hiperión] se ocupan en desentrañar el sentido de nuestras actitudes vitales. (…) - especialmente Emilio Uranga, su principal inspirador - ha comprendido que el tema del mexicano sólo es una parte de una larga reflexión sobre algo más vasto: la enajenación histórica de los pueblos dependientes y, en general, del hombre (Octavio Paz, 2014PAZ, Octavio. El peregrino en su pátria: historia y política de México. 2. ed. México, DF: FCE, 2014., p. 162, destaque nosso).

Na epígrafe que abre este artigo, ao reunir numa só linhagem Edmundo O’Gorman, Leopoldo Zea e Emílio Uranga, além dele próprio, Octavio Paz parecia se justificar pelo compartilhamento de uma questão decisiva: a combinação particular entre modernidade e formação nacional mexicana, que deixara como resultado a dupla consciência que envolvia um caminho contemporaneamente ditado e interditado, a permanente sensação do “atraso” de uma cultura que seria “inapta” para o progresso e a visão do descompasso entre um interior insuficiente e o exterior como modelo. Tais diagnósticos, mais do que verdades perenes e de destino incontornável, seriam, para os autores, marcas de uma trajetória histórica e de uma alienação temporal traduzidas em conceitos amplamente presentes em suas obras: fuga, inautenticidade, trauma, negação, ruptura etc.

Neste texto, iremos investigar um mesmo problema, mas em dois momentos e ângulos históricos distintos. De início, dialogando com uma tradição de pensamento canônica durante o século XX mexicano, nos interessará a reconstrução do processo ao qual nos podemos referir como “entradas” da consciência histórica mexicana no longo e tortuoso percurso da dupla consciência. Tal entrada se caracterizaria, segundo a leitura que estabelecemos da referida tradição, por uma dificuldade na relação com a própria história, ocupando uma espécie de “não lugar” temporal, a partir do qual se nega o passado e, simultaneamente, se vê o futuro interditado, parecendo alargar certo presente que nada mais é que a perpetuação da dupla consciência como condição existencial. Num segundo momento, talvez através de uma tarefa terapêutica, propomos subverter essa perene tradição com possíveis “saídas” para as dinâmicas da dupla consciência, trazendo para o palco a voz de uma liderança indígena que, paradoxalmente, viu naquele passado indígena negado ou visto como signo do atraso, a chave para uma reorganização da consciência histórica mexicana, capaz de se reaver com a própria alteridade interna à nação.

É importante que fique claro ao leitor que a aproximação entre as fontes aqui estudadas é uma proposta de nossa autoria, uma vez que fazem parte de contextos intelectuais, políticos e culturais distintos. No primeiro caso, trata-se de um debate relativamente conhecido acerca da “filosofía de lo mexicano”, grande tema geracional de meados do século XX. Segundo Christopher Domínguez Michael, o que estava em questão era uma profunda autocrítica, estimulada pela crise (ou o fracasso) da Revolução Mexicana que levava intelectuais, às vezes mais próximos (Leopoldo Zea, Emílio Uranga e o grupo Hiperión), às vezes menos (Edmundo O’Gorman, Octavio Paz), a reavaliarem o devir histórico da nação mexicana (Michael, 2014PAZ, Octavio. El peregrino en su pátria: historia y política de México. 2. ed. México, DF: FCE, 2014., p. 201). Em um segundo momento, pensando o lugar ocupado pelas populações indígenas na conformação desse Estado-nação, trazemos para o debate a obra de Francisco López Bárcenas, que tem procurado nas últimas décadas discutir a relação ambivalente estabelecida pela consciência histórica nacional com essas populações, ora enfatizando sua força como esteio da nacionalidade, ora se distanciando e a localizando temporalmente no passado, negando sua contemporaneidade. Em síntese, ao estimular o diálogo supracitado, procuramos manter a mesma questão de fundo: mesmo após a independência política conquistada ao longo do século XIX, a nação mexicana se manteve estruturada em uma difícil relação com o próprio passado e em torno de uma construção identitária ambivalente, com dinâmicas de filiação e fuga em relação à Europa, aos Estados Unidos e às populações indígenas no interior do território.

Mais do que um caso restrito ao contexto mexicano, o sentido inquisidor pela questão da identidade parece ter uma particular proximidade com contextos que vivenciaram algum tipo de processo simbólico doloroso de ruptura ou violência e tiveram de, posteriormente, se debruçar em uma nova busca por uma identidade que, a partir de então, viria acompanhada de ambivalências e cisões quase insolúveis advindas da dupla consciência. É o filósofo martinicano Édouard Glissant quem identifica o tortuoso processo pelo qual os persistentes efeitos da colonização obrigavam os povos subjugados a uma incessante busca que deveria estar atenta a uma imbricada e embaralhada dinâmica de oposição e afirmação. O fato de os colonizadores afirmarem permanentemente sua identidade (“mi raíz es la más fuerte”) terminava por obrigar “a los pueblos visitados o conquistados a la larga y dolorosa búsqueda de una identidad que deberá oponerse a las desnaturalizaciones provocados por el conquistador. Variante trágica de la búsqueda de la identidad” (Glissant, 2017GLISSANT, Édouard. Poética de la relación. Bernal: Universidad Nacional de Quilmes, 2017., p. 51). Daí em diante, a construção identitária para os povos “institucionalmente” saídos da colonização será um “oposto a”. Torna-se interessante compreender, de tal modo, a conformação da autoconsciência do país, como nação e parte de um todo histórico-cultural, diferente da antiga situação colonial na qual a elite intelectual americana sofreu, na leitura de Raúl Antelo, “dilacerada por dupla aflição: a de ser consulesa da cultura metropolitana e a de ser parte da cultura subalterna. A má consciência de ser agente colonial fazia com que essa elite se tornasse ciente de repetir signos próprios de outro contexto” (Antelo, 1986ANTELO, Raúl. Na ilha de Marapatá: Mario de Andrade lê os hispano-americanos. São Paulo: Hucitec, 1986., p. 138).

João Cezar de Castro Rocha parece desdobrar essas questões e identifica que o século XIX latino-americano é marcado por um duplo vínculo em cada projeto nacional. A situação, um tanto quanto esquizofrênica, é definida pela impossibilidade de executar uma tarefa e, por sua vez, pela necessidade imperiosa de fazê-la. Para ir direto ao ponto, Castro Rocha alude aqui à situação mediadora da Europa para a América Latina nesse contexto de nascimento dos países no qual o “velho continente” se coloca como um “outro” fundamental, que dita e interdita a trajetória histórica latino-americana. A pergunta central de Castro Rocha assim se coloca: quais seriam as consequências da presença dominante desse tipo de relação no plano da interdividualidade coletiva latino-americana? Fundada à imagem de um “outro” quase absoluto, a formação social latino-americana teria, na sua raiz, a exploração sistemática e a invisibilização social daquilo que Castro Rocha opta por chamar “outro outro”, ou seja, o negro escravizado, o indígena submetido, o mestiço condenado à impureza.

A tensão fundamental presente nos projetos nacionais do século XIX latino-americano pode ser observada numa passagem do filósofo Carlos Pereda que, agudamente, sublinhou o lugar do “Outro” na própria definição desses projetos:

[...] para o colonizado só existe o Outro (é o nosso caso, sobretudo se esse Outro fala inglês, francês ou alemão). Por isso, é parte da arrogância do colonizado estar atualizado em relação às últimas notícias do Outro. Inversamente, para o colonizador não há outro: só existe Ele, e só Ele. É essa a arrogância do colonizador (apudRocha, 2017ROCHA, João Cezar de Castro. Culturas shakespearianas: teoria mimética e os desafios da mímesis em circunstâncias não hegemônicas. São Paulo: É Realizações, 2017., p. 316, destaques nossos).

A circunstância do colonizado, plasmado à sombra de um “Outro” que se travestia de modelo (quase) absoluto, trazia à cena um desejo constante de estar atualizado em relação às últimas notícias do Outro, suas instituições políticas e constitucionais, sua ciência, sua arte militar, sua economia, sua literatura etc. Essa situação e esse desejo foram diagnosticados assim pelo ensaísta mexicano Carlos Fuentes: “as imitações extralógicas da era independente acreditaram numa civilização Nescafé: podíamos ser instantaneamente modernos excluindo o passado, negando a tradição” (apudRocha, 2017ROCHA, João Cezar de Castro. Culturas shakespearianas: teoria mimética e os desafios da mímesis em circunstâncias não hegemônicas. São Paulo: É Realizações, 2017., p. 322). Algo similar à “escisión psíquica” mencionada por Octavio Paz em relação aos esquemas verbais e intelectuais que, na realidade, foram a máscara sob a qual o latifundismo mexicano fora formado, jurando por Comte e Spencer, por um lado, e, por outro, assegurando uma oligarquia dos grandes proprietários rurais. O labirinto da solidão mexicana nada mais seria que a incapacidade do estabelecimento de laços efetivos e horizontais de uma população no interior de um projeto de país que negava sua história e sua composição multiforme, mantendo os olhos afixados em um “outro” fundamental, que ditava e interditava seu trajeto histórico.

História, fuga, filiação: “entradas” mexicanas na dupla consciência

Para uma geração de intelectuais de meados do século XX, debruçar-se sobre a história mexicana pressupunha um movimento duplo: no primeiro caso, a exposição da consciência cindida que marcou gerações e gerações envolvidas na tarefa de liberar o país das permanências coloniais e de um passado indesejado; no segundo, e por consequência do primeiro, uma reavaliação teórica do que viria ser a própria história, agora entendida não em termos essenciais, mas, sim, passível de uma necessária transformação. Era assim que José Gaos, filósofo espanhol exilado no México e mentor daquela geração, entendia o seu curso na Facultad de Filosofía ministrado aos seus interlocutores, isto é: “un acontecimiento en la historia de nuestra cultura, que señala la rectificación de una equivocada actitud mental del mexicano, la de tender a fugarse de la propia realidad” (Gaos apudZea, 1974ZEA, Leopoldo. Conciencia y posibilidad del mexicano. México, DF: Porrúa, 1974., p. XI).

A remissão à Independência no século XIX como evento gerador das dinâmicas da dupla consciência parece ter sido questão apaziguada entre os vários autores. Tal processo é analisado por Leopoldo Zea como sendo algo válido também para o restante da América hispânica que, ao alcançar sua emancipação política, se defrontou com uma “gran responsabilidad a cuestas”, isto é, aquela de “situarse como nación a la altura de las naciones con las cuales iba a convivir con el mundo, concretamente Europa y los Estados Unidos” (Gaos apudZea, 1974ZEA, Leopoldo. Conciencia y posibilidad del mexicano. México, DF: Porrúa, 1974., p. 109). A modernização política, econômica e social que atingiria o México após a Independência, porém, era chamada a resolver um dilema que, também no século XX, atravessou o debate no país e fora condensado na chamada “consciência do atraso”. Tal fenômeno trazia à tona que, a despeito dos desejos modernizadores, o país tropeçava numa série de obstáculos, que tinha sua “origen en esse mundo colonial del cual creían haberse independizado. Ese mundo era nuestro pasado. La única historia que poseíamos. Un pasado y una historia que no aceptábamos como nuestra” (Gaos apud Zea, 1974ZEA, Leopoldo. Conciencia y posibilidad del mexicano. México, DF: Porrúa, 1974., p. 109).

Para outro integrante do Hiperión, Luis Villoro, a nova ordem social pós-independência era acompanhada por uma experiência de “fin de la historia”. A colônia figurava, a partir de então, como um passado que passou e que deveria ser radicalmente negado por significar “la reiteración del sufrimiento y la permanencia de un orden basado en la distinción de clases” (Villoro, 2019, p. 83). Como um lapso temporal ou um “sueño de tres siglos”, a colônia passara a ser vista, segundo Villoro, no período pós-independência, como um momento de ocultamento do verdadeiro ser mexicano que deveria, agora, ser buscado no momento pré-hispânico. Para tanto “se niega el pasado que constituye, de hecho, el ser histórico del criollo. Quiéralo o no, el presente es resultado del orden colonial edificado pacientemente por sus antepasados. Y todo entero lo niega, de un golpe, el criollo” (p. 144). Pontua Villoro, porém, que a negação em bloco do passado colonial não se caracterizava como uma negação absoluta do espírito europeu em favor da adoção de uma cosmovisão pré-hispânica. Seguem sendo descendentes de europeus, cristãos e “al volver a la época precortesiana no reivindica su concepción del mundo frente a la contemporánea” (p. 150). Trata-se, portanto, de uma adesão mais formal e útil aos seus propósitos de produção de distância histórica do que qualquer outra coisa. Mais que o passado indígena, importa aos recém-independentes, ao fazer o elogio do passado pré-hispânico diante do colonial, “llegar a una realidad virgen del europeo” (p. 150).

Na verdade, para ser mais preciso, e Edmundo O’Gorman, por exemplo, não abria mão de tal rigor, há consenso de que é o século XIX e a abertura à modernidade trazida pela independência política que leva o país mais fortemente ao drama da dupla consciência, mas há divergência sobre o estatuto da relação com o passado colonial tecido pelos dois principais grupos políticos que conformaram o debate nesse momento: conservadores e liberais. É o que aclara O’Gorman ao pontuar que, apesar de se igualarem na essência de suas propostas, como ainda veremos, havia distinções bastante claras no tratamento do devir histórico mexicano. Por um lado, vigia, entre o grupo liberal, a imagem do progresso norte-americano como modelo a ser imitado no futuro, ao que se somava um repúdio ao modo de ser trazido pelo período colonial. Por outro, resistia, entre o grupo conservador, uma imagem positiva do legado colonial, ao que se somava uma crítica à imitação do modelo dos Estados Unidos por ser incompatível com certa essência histórica mexicana.

Ambas as teses, porém, padeciam de impossibilidades e interdições, além de se refugiarem na criação de essências históricas que planejavam o controle do devir histórico mexicano. A tese conservadora encontrava seu limite na necessidade ineludível de atender às exigências do porvir e de um tempo sempre cambiante. A tese liberal, por sua vez, pagava o preço da impossível fuga de um passado, aquele colonial, que permanecia e não poderia ser simplesmente apagado ou menosprezado. Para O’Gorman, ambas são sintomáticas de um processo de fuga da realidade aberto após a Independência, de maneira que as dificuldades encontradas pelo país para aderir plenamente à modernização eram justificadas ou pela “natureza histórica” e por uma “essência cultural” perene contrária ao modelo norte-americano (tese conservadora), ou pelo “atraso” que o legado colonial imporia a qualquer projeto de modernização (tese liberal).

Em que pesem as suas diferenças, as teses liberais e conservadoras se igualavam nas essências históricas que impunham ao devir mexicano. Ao fim e ao cabo, situações como essas eram reveladoras de como o século XIX mexicano fora palco da entrada do país numa difícil encruzilhada de consequências históricas e duradouras, isto é, a cristalização de duas impossibilidades: não poder seguir sendo como já é (que temiam os conservadores) e não poder ser cabalmente como a república vizinha do norte (o que temiam os liberais). Colocada de tal forma a questão, O’Gorman observa que disso decorreria um ocultamento da verdadeira índole do problema que teria, certamente, natureza histórica e não essencialista. Os dois grupos, nas suas formulações, transformavam a história num teatro já previamente definido. Tal observação nos leva a chamar a atenção para o vínculo umbilical entre a captura/colonização da história e a dupla consciência. Esta última tinha como uma das suas principais características a evasão da história e a não consideração do acontecer mais próprio (seja ele mexicano ou ibero-americano, como prefere O’Gorman) para direcionar seu olhar para objetos de desejo que tinham seu alcance, por diferentes razões, sempre impossibilitado.

Como não interessa mais exatamente aqui, nem a O’Gorman, verificar se tal culpa era concreta ou não, resta, para os nossos objetivos, reforçar como a culpabilização de um inimigo pelo fracasso do projeto liberal de modernização e apagamento da história acaba por operar como uma retirada da própria responsabilidade, do acontecer próprio, pelo mencionado fracasso. A observada evasão da história era o que mais preocupava o historiador mexicano para uma possível saída da dupla consciência. Optaram os liberais pelo caminho mais fácil, “porque ¡claro!, para salvarse de la historia no hay mejor remedio que salirse de ella” (O’Gorman, 2011O’GORMAN, Edmundo. Conciencia de la historia: ensayos coligidos. México, DF: Lecturas Mexicanas, 2011., p. 105). O chamado de O’Gorman para a consideração do próprio acontecer mexicano era, assim, um chamado para a consideração de um devir histórico que não tivesse como pressuposto a fuga do futuro (tese conservadora) ou a fuga do passado (tese liberal), mas sim o devir na plenitude das dimensões que o compõe, sem as falsas construções que conformavam a dupla consciência de estar sempre em um “não lugar” temporal: negando o futuro (tese conservadora) ou negando o passado (tese liberal). A primeira se negava a reconhecer a mudança e o potencial criador da história. A segunda só previa a negatividade: desejava construir um futuro a partir da negação incessante do passado.

É revelador, nesse segundo caso, o movimento operado pelos liberais, com a Constituição de 1857 e as “Leis de Reforma”. O que se consumava ali, na interpretação de Octavio Paz, era o projeto cujo gérmen estava na Independência e que previa uma tripla negação do passado: “la de la herencia española, la del pasado indígena y la del catolicismo” (Paz, 2014PAZ, Octavio. El peregrino en su pátria: historia y política de México. 2. ed. México, DF: FCE, 2014., p. 129). Não era possível, segundo Paz, separar o conjunto de “formas” políticas, institucionais, sociais e morais do projeto liberal de modernização mexicana de certo estatuto ontológico que previa a negação em bloco do passado. O malogro, no sentido político, do projeto liberal oitocentista mexicano acabaria, na longa duração, e segundo o poeta e ensaísta, tendo como resultado “la Dictadura de Porfírio Díaz y la Revolución de 1910” (Paz, 2014PAZ, Octavio. El peregrino en su pátria: historia y política de México. 2. ed. México, DF: FCE, 2014., p. 59). No caso dessa última, pesava, na interpretação de Paz, os dizeres por um “regreso a las raíces” e por um “devolver la tierra a los pueblos” (p. 456). A crítica do projeto liberal desaguava na Revolução como uma “tentativa por recuperar nuestro pasado y por elaborar al fin un proyecto nacional que no fuese la negación de lo que habíamos sido” (p. 456). Além disso, a essa altura, já ficava evidente que a “Reforma es el proyecto de un grupo bastante reducido de mexicanos”, que, colonizando a história e o devir temporal sob seus próprios conceitos, quer impor “el proyecto de una minoría al resto de la población” (p. 130).

A emergência de tal consciência cindida após a Independência vem a quebrar com certa estabilidade ontológica o que o criollo conseguira criar durante os anos coloniais. Nesse período, conforme relata O’Gorman (2011O’GORMAN, Edmundo. Conciencia de la historia: ensayos coligidos. México, DF: Lecturas Mexicanas, 2011., p. 74), viver a colônia como pátria “no excluía el amor y la fidelidad a la patria metropolitana”, de modo que era possível encontrar um equilíbrio entre seu ser histórico como distinto ao metropolitano, mas ibero ao fim e ao cabo. Tudo se altera, porém, quando a Independência coloca a elite política latino-americana frente a frente com a modernidade e traz à tona o que, para O’Gorman, seria uma “dramática coyuntura ontológica”:

esta independencia, pero no autonomía histórica de ser del hombre colonial de la América ibera, permite columbrar la dramática coyuntura ontológica en que se vio cuando, de fidelísimo vasallo de una corona europea, se convirtió en ciudadano de una nación independiente. Es obvio que esa nueva instancia puso en crisis e equilibrio que había alcanzado el criollo colonial, puesto que introducía el reclamo de una patria separada de la metrópoli, circunstancia que por sí sola incluía la posibilidad - y la necesidad - de concebir de manera distinta la propia identidad en inevitable pugna con la manera tradicional de concebirla (O’Gorman, 2011O’GORMAN, Edmundo. Conciencia de la historia: ensayos coligidos. México, DF: Lecturas Mexicanas, 2011., p.74).

Uma das dinâmicas derivadas da dupla consciência criolla acaba por ser aquela da “fuga” e da “filiação” que Octavio Paz tanto enfatizou em El laberinto de la soledad: “el mexicano y la mexicanidad se definen como ruptura y negación” (Paz, 2014PAZ, Octavio. El peregrino en su pátria: historia y política de México. 2. ed. México, DF: FCE, 2014., p. 101). Sob tal compreensão, se é que há algum traço definidor do mexicano, haveria que se entender a partir de uma dimensão ontológica e não por particularismos quaisquer. Um olhar sobre a dimensão ontológica traria à cena um movimento no qual “el mexicano condena en bloque toda su tradición” (p. 100). O complexo de negações que emerge após a independência política, obrigando a consciência criolla a uma autorredefinição, revela um “mexicano que no quiere ser ni indio, ni español. Tampoco quiere descender de ellos. Los niega” (p. 100). Mais que uma definição precisa, é o transitar entre a fuga e a filiação que caracterizaria a dinâmica da consciência cindida. Ao mesmo tempo em que se buscou negar qualquer filiação precisa a um determinado passado, sempre buscando criar um “novo tempo” ex nihilo, pululavam também definições que prometiam levar o país a um reencontro com aquele que seria o seu destino histórico perdido no tempo: “la historia de México es la del hombre que busca filiación, su origen. Sucesivamente afrancesado, hispanista, indigenista, pocho” (p. 51). Por outro lado, “es [también] una orfandad, una oscura conciencia de que hemos sido arrancados del Todo y una ardiente búsqueda: una fuga y un regreso, tentativa por restablecer los lazos que nos unían a la creación” (p. 51).

Torna-se interessante, em tal ponto, observar o novo estatuto ontológico formador dessas elites políticas de modo a notar especialmente os rearranjos nas dimensões do tempo e da história. A mencionada dupla consciência que mantém os pés em território americano e a imaginação no Norte global acaba por criar uma curiosa situação de fuga e evasão do que O’Gorman chama o “próprio acontecer”, chegando à negação completa em alguns casos e que, como se depreende, terá consequências duradouras: influenciará em toda a ordenação do tempo na modernidade latino-americana, ao favorecer determinados projetos políticos e culturais em detrimento de outros e, sobretudo, uma dinâmica dupla que revela a idealização do “outro” externo e a “invisibilização” do outro interno.

Nada disso era surpreendente, pensando no caso mexicano, para o escritor Carlos Fuentes. Para o autor de Tiempo mexicano, a junção entre a hipervalorização do futuro e um contexto pós-colonial parecia ser algo bastante conveniente para as elites políticas que desejavam negar o passado indígena e colonial, e afirmar um conceito universal e incontornável de natureza. O movimento avistado era aquele de uma “filosofía de la Ilustración que, como Jano, tería dos caras”. Olhando em direção ao passado se afirmava: “todo, antes de nosotros, ha sido bárbaro, irracional y supersticioso. Mirando hacia el futuro proclamaba: de aquí en adelante, sólo habrá un progreso ilimitado. Nada convenía más a países que querían negarse totalmente el pasado indígena y colonial” (Fuentes, 2002FUENTES, Carlos. Tiempo mexicano. In: Bartra, Roger(org.). Anatomía del mexicano. México, DF: Plaza & Janés, 2002., p. 264).

O estatuto do colonial parece, a tal ponto, uma chave decisiva de compreensão para a entrada na dupla consciência. Fica evidente, por exemplo, para Leopoldo Zea, que o colonial era uma presença que transcendia a independência política, ou, ainda, que o colonial era um impasse para a constituição de uma nova relação com o tempo e a história, ao observar que os desejos de o superar eram acompanhados de uma atitude de tábula rasa com as suas permanências. Estava em jogo aqui, sobretudo, o papel ocupado pelo “negativo” e pela “negatividade” na consciência temporal que emerge após a Independência. Ao ator político oitocentista, o olhar interno ao país e ao passado colonial deixava, como marca evidente, “un mundo ajeno al espíritu, arrastrado por la violencia e inmoralidades. Un mundo ante el cual el hombre del espíritu, el intelectual no contaba en forma alguna” (Zea, 1974ZEA, Leopoldo. Conciencia y posibilidad del mexicano. México, DF: Porrúa, 1974., p. 31). Em suma, um mundo do negativo.

Como consequência evidente de tal negação, a característica que conformará o ser nacional mexicano não seria, assim, algo de natureza moral ou essencial, que permaneceria perenemente a despeito da história. Era, sim, algo localizável historicamente, mas, sobretudo, de natureza temporal. A saber: uma excisão psíquica de profundas consequências que previa um indivíduo partido em dois: “por um lado está lo que és, por el otro lo que quiere ser; por un lado un pasado, que siente com verguenza; por el otro un futuro que no sabe cómo realizar. Contradicciones entre estas dos partes de su ser: su historia y sus proyectos” (Zea, 1974ZEA, Leopoldo. Conciencia y posibilidad del mexicano. México, DF: Porrúa, 1974., p. 109).

Seria importante, de tal modo, reconhecer a relação implícita entre dupla consciência e contextos não hegemônicos na modernidade, especialmente a partir da autoconsciência temporal moderna, que teria, nas categorias de “progresso” e “atraso”, suas vias fundamentais. O caso mexicano aqui estudado (ou que o próprio O’Gorman por vezes prefere chamar de ibero-americano), a partir das dinâmicas reveladas por O’Gorman, Zea, Uranga e Paz, talvez possa ser analisado mesmo em uma escala maior, pensando a capilaridade de tal fenômeno, especialmente em contextos e grupos que, na modernidade, acabam por ser direcionados ou impelidos a estar relativamente em um “não lugar” temporal, a partir do qual se nega o passado e, simultaneamente, veem o futuro interditado, parecendo alargar certo presente que nada mais é que a perpetuação da dupla consciência como condição existencial.

Resulta oportuno, assim, abrir espaço para um entendimento das fontes aqui estudadas e a resposta oferecida para tal estatuto da dupla consciência. Observa-se que uma característica capaz de unir as obras em questão parece ser o tratamento oferecido à história. Ou seja, diante do conjunto de cisões da consciência que parecem querer endereçar o caminho da história mexicana (ou ibero-americana), a resposta que parece mais comum é: há que se abrir a história e tomar suas rédeas por certo sentido de responsabilidade que, por muito tempo, ficara delegado a explicações demasiado simplistas e mesmo teleológicas. Nas palavras de Zea, a fonte desse conjunto de “sínteses” que se consideram “nuestros males”, impossibilitando a entrada definitiva na modernidade, nada mais seria que “nuestra irresponsabilidad. Nos hemos negado a asumir la responsabilidad de un pasado al que acusábamos de la frustración de nuestros proyectos, y a partir de esta negación hemos negado también a responder de un presente al que consideramos eventual” (Zea, 1974, p. 112, destaque no original).

A reflexão filosófica sobre o mexicano tinha, portanto, no trato da história, um termômetro fundamental. A mobilização pragmática da história poderia ter dois efeitos relativamente opostos: justificando uma perspectiva temporal essencializada e próxima à dupla consciência, ao naturalizar que o olhar mexicano esteja direcionado àquele que seria o “verdadeiro progresso”, ou, mobilizando a história para entender as raízes da complexa trajetória mexicana e sua própria responsabilidade nesse processo. Para Emílio Uranga, a mobilização de primeiro tipo era um claro exemplo de como as reflexões filosóficas do mexicano “sobre su condición humana son cómplices o impuras cuando terminan justificando su situación sin hacerlo responsable de su mundo y de su historia. Se trata de una reflexión exculpante o que nos descarga de toda responsabilidad” (Uranga, 1990URANGA, Emilio. Análisis del ser mexicano. Guanajuato: Editorial Gobierno del Estado de Guanajuato, 1990., p. 104). Nesse caso, pôr a nu a dupla consciência e suas fundamentações temporais caminharia lado a lado com a compreensão do ser como acidente, revelando sempre seu horizonte de possibilidade e não essencializado.

A recorrência das tentativas de acelerar a entrada mexicana na modernidade e a não menos recorrente emergência de explicações que tentavam justificar o atraso nessa entrada parece revelar uma dinâmica permanente - e que era o objeto privilegiado dos autores aqui citados -, segundo a qual o México e os mexicanos estariam, em alguma medida, expulsos da história. A natureza histórica de tal recorrência parece derivar de uma prevalência do futuro como justificativa temporal fundamental, observável na modernização mexicana que vai desterrando - e criando uma série de “não lugares” temporais - tudo aquilo que parece “atrasar” sua chegada ao futuro prometido.

Tal dinâmica evidencia um processo intenso e recorrente de produção de uma dupla consciência que permanece presa a um descompasso irresolúvel entre passado e presente negativados e um futuro que deveria forçosamente, e sobre bases desconhecidas, chegar. Tal complexidade talvez nos convide a ler a afirmação de Paz de que “los mexicanos no hemos creado una forma que nos exprese” como um chamado a retematizar a dinâmica de uma consciência histórica marcada pelas chagas da ruptura, da fuga e da negação, assimilando que “la mexicanidad no se puede identificar com ninguna forma o tendência histórica concreta” (Paz, 2014, p. 161).

“Abrir a história”, de tal forma, possibilitaria mesmo criar explicações de cunho histórico e não essenciais para aquele que seria, na definição de O’Gorman, o trauma da história mexicana, isto é, o descompasso revelado com a república vizinha do norte no momento em que o México se torna independente e suas elites são atiradas de cara à modernidade. Da mesma maneira, se o México se negara, por muito tempo, a enfrentar sua própria historicidade, por se sentir “pobre, raquítico, y disminuído, en comparación con lo que eran nuestros proyectos” (Zea, 1974ZEA, Leopoldo. Conciencia y posibilidad del mexicano. México, DF: Porrúa, 1974., p. 113), uma abertura da história para esse relativo “sentido de responsabilidade” tornaria obsoleto o conjunto de justificativas que pulularam ao longo do tempo a partir do qual a história seria irremediavelmente associada aos limites do “medio, [del] sangre, [de la] raza [como muestras] de nuestra incapacidad para realizar tales proyectos” (Zea, 1974ZEA, Leopoldo. Conciencia y posibilidad del mexicano. México, DF: Porrúa, 1974., p. 113). Entrar e sair da dupla consciência, portanto, parecia guardar uma relação decisiva com a forma pela qual se abria e se fechava a história, mas isso é algo que abordaremos na seção seguinte.

O “outro outro” mexicano e as possíveis saídas da dupla consciência?

Se a dupla consciência, no caso mexicano, ou no caso hispano(ibero)americano, como preferem alguns autores aqui mencionados, mantinha uma relação visceral com a invisibilização interna, ou do acontecer mais próprio, favorecendo um olhar direcionado ao outro “externo”, caberia, de maneira legítima, nos perguntarmos, então, visto que o outro “externo” parece bem conhecido, quem seria o outro “interno” sacrificado por uma trajetória histórica que teve, na captura da história e da temporalidade, sua própria tentativa de legitimar o apagamento dessa alteridade. Novamente, não é possível imaginar as dinâmicas de entrada e saída da dupla consciência sem entender também as operações efetuadas no âmbito da história e da temporalidade que legitimariam as escolhas e as exclusões ao longo de uma trajetória histórica, como aquela mexicana.

Para tanto, talvez já teria passado o momento de trazer à tona uma percepção singular acerca dos processos que vimos discutindo até aqui, sobre as dinâmicas que envolvem e conectam a dupla consciência com o tempo e a história. Um evento-chave, que propicia um olhar comparativo, talvez siga sendo o movimento da Independência que, se, como visto, abre uma aporia no horizonte criollo por ter de redefinir estruturalmente a natureza da sua relação com o espelho europeu, acaba, por exemplo, por cristalizar um conjunto de continuidades em relação ao período colonial para as populações indígenas. No interior da obra de Francisco López Bárcenas, mixteco de origem campesina, nascido em 1962, advogado, jornalista, escritor, assessor agrário, líder social e autor de 14 livros sobre história, lutas agrárias e direitos indígenas, é possível encontrar uma narrativa segundo a qual o processo da Independência foi algo muito distinto para os povos mixtecos em relação àquilo vivenciado e narrado pelos criollos. Para os povos mixtecos, tal luta não alterava substancialmente o seu estatuto em relação ao período colonial, pois se tratava de “una lucha de facciones entre unos españoles que controlaban la economía y la política y otros que no lo hacían y aspiraban a hacerlo porque se sentían con derecho a ello” (López Bárcenas, 2011LÓPEZ BÁRCENAS, Francisco. El fuego y las cenizas: los pueblos mixtecos en la guerra de independencia. México, DF: Inali, 2011., p. 15).

Figura 1
Região de predominância da população mixteca

Ainda que, como afirma López Bárcenas (2011LÓPEZ BÁRCENAS, Francisco. El fuego y las cenizas: los pueblos mixtecos en la guerra de independencia. México, DF: Inali, 2011., p. 15), “los pueblos mixtecos no fueron ajenos a estos acontecimientos” e acabaram por ter um envolvimento complexo e negociado com os vários grupos em questão, a guerra de independência ficara marcada como um problema entre espanhóis peninsulares e espanhóis americanos pelo privilégio de controlar o poder econômico e político. Indo além do fato de que os espanhóis americanos obtiveram a “vitória” no conflito, interessa a López Bárcenas pontuar que “su condición de sometimiento siguió igual o peor que cuando eran colonia española: no se les devolvieron sus tierras, se les siguió explotando y no se les permitió gobernarse por ellos mismos” (p. 372). Mais que isso, e aqui entra o ponto decisivo para o nosso argumento, Bárcenas observa que “los nuevos dueños del naciente país reconocían de ellos [pueblos indígenas] sólo el pasado, pero en el presente los negaban como grupo social, con cultura e identidad propia” (p. 372, destaque nosso).

Como já foi mencionado, o controle e a ordenação daquilo que representaria o passado, o presente e o futuro podem ser lidos como chaves de entendimento da dupla consciência. Se o grupo que emerge vitorioso da guerra de independência se vê impelido a se afastar do legado colonial e afirmar a razão no futuro, ao passado só caberia o negativo e nele estaria incluso não só o legado colonial, mas também aquelas populações que, após três séculos da Conquista, permaneciam num estado pouco alterado para os parâmetros “civilizacionais”. Os modelos e espelhos a serem mirados para o futuro estavam fora do território agora independente. A esse território caberia a mais dura negação, seja do seu passado, seja do seu presente.

Sabe-se, portanto, que a produção de ruptura e descontinuidade histórica fora fundamental para a criação de uma nova identidade criolla após a Independência. O que talvez não tenha sido suficientemente desdobrado, como se depreende a partir do argumento de Bárcenas, é o processo inverso, isto é, “fundamentalmente la continuidad en la condición violenta de producción y reproducción de las identidades en esa propia historia” (Rufer, 2010RUFER, Mario. La temporalidad como política: nación, formas de pasado y perspectivas poscoloniales. Memoria Social, Bogotá, v. 14, n. 28, p. 11-31, 2010., p. 21). Foi justamente a continuidade da violência entre a passagem dos ordenamentos coloniais e nacionais que impulsionou o autor a escrever sobre uma experiência que escapava à moldura dos quadros das pedagogias nacionais. Estas, particularmente preocupadas em ocultar essas indesejadas continuidades, uma vez que, com a independência consumada, todos seriam agora filhos de uma mesma nação, ocupantes do mesmo território e sob os mesmos símbolos.

Vigia “a premissa de que o México teria uma identidade nacional única, baseada em uma memória histórica comum”. Há que se afirmar também que a dinâmica de integração e exclusão do passado indígena e colonial não era simplória, passando, por exemplo, por colocar, como marco inicial dessa história, “o glorioso passado asteca, interrompido pela Conquista e pelo período colonial, extinto pela independência que fez nascer a nação mexicana mestiça” (Fernandes, 2009FERNANDES, Luiz Estevam de Oliveira. Patria mestiza: memória e história na invenção da nação mexicana entre os séculos XVIII e XIX. Tese (Doutorado em História), Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009., p. 20). Assim, “para construir uma identidade própria no presente, os criollos tiveram que construir para si um passado diferente daquele dos espanhóis. Dessa forma, passaram a se considerar herdeiros da glória das grandes civilizações indígenas” (p. 87). O fato é que a construção do indígena no sistema identitário mexicano, objeto que, há pelo menos dois séculos, produz uma infinidade de discursos, seguiu, desde então, marcada por um conjunto de ambiguidades (Rozat, 2001ROZAT, Guy. Los orígenes de la nación: pasado indígena e historia nacional. México, DF: Iberoamericana, 2001., p. 11).

Uma das vias de interpretação da obra de López Bárcenas parece ser justamente uma tentativa de colocar em discussão as políticas temporais que teriam impacto direto em dimensões particularmente político-jurídicas para a população mixteca, constituindo uma espécie de renegociação dessas fronteiras temporais. Para tanto, disputar a ordenação de conceitos-chave, como passado, presente e futuro, é e era uma forma também de disputar política e juridicamente o lugar da população mixteca no interior do estado mexicano. Na sua definição:

podemos comenzar asumiendo que los pueblos a los que pertenecemos representan sociedades contemporáneas, que no están atrasadas frente a ninguna otra. En consecuencia el pensamiento de los intelectuales indígenas, en cada una de las etapas de nuestra historia, ha sido contemporáneo. Si no, ¿cómo se explicarían los grandes avances científicos, tecnológicos, culturales y espirituales que después de la invasión europea asombraran a los conquistadores y que en mucho eran superiores a los que ellos, que se consideraban sociedades avanzadas, desconocían?, ¿cómo se explicaría la obra poética de Nezahualcoyótl, el Chilam Balam de los mayas o los códices mixtecos? El mundo indígena además de contemporáneo concibe la historia de manera cíclica, no lineal, por eso el pasado y el futuro siempre están en juego en cada coyuntura y el futuro depende más de nuestros actos que de nuestras palabras (López Bárcenas, 2016LÓPEZ BÁRCENAS, Francisco. El pensamiento indígena contemporáneo. Tema y Variaciones de Literatura, n. 47, p. 13-19, semestre II 2016., p. 16, destaques nossos).

Assim, afirmar a “contemporaneidade” das populações indígenas é pôr em xeque certa política temporal que alimentou, segundo López Bárcenas, o próprio Estado mexicano moderno e seus projetos econômicos sociais e políticos, que se pautavam em atitudes como a da negação e da ruptura, localizando, no futuro, o extrato temporal por excelência que justificaria suas pretensões de domínio. Disputar esses extratos temporais, no caso da população mixteca representada por López Bárcenas, significaria algo com efeito direto nas próprias formas de legitimar a existência e a resistência de todo um agrupamento, haja vista que o controle das políticas temporais significa, na maioria das vezes, criação de hierarquias. Nesse sentido, a imagem mestiça da nação que louvava, por exemplo, o índio asteca como raça, delegava às populações indígenas contemporâneas um lugar ambíguo, afirmando “que os índios atuais não eram os mesmos que os antigos, fosse pela raça, fosse pela História, e se lhes tirava a historicidade. Falar de índios tornou-se construir o pitoresco, o quadro de costumes, uma cena estática de um povo fora da História” (Fernandes, 2009FERNANDES, Luiz Estevam de Oliveira. Patria mestiza: memória e história na invenção da nação mexicana entre os séculos XVIII e XIX. Tese (Doutorado em História), Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009., p. 212). A imagem da pátria mestiça idealizada, por exemplo, por Justo Sierra e depois reeditada no período pós-revolucionário, parece sinalizar que a incorporação do indígena ao projeto nacional mexicano era “lo mejor que les podía suceder” (Rozat, 2001ROZAT, Guy. Los orígenes de la nación: pasado indígena e historia nacional. México, DF: Iberoamericana, 2001., p. 457).

Figura 2
Francisco López Bárcenas, advogado, escritor e ativista mixteco

É de tal modo que, ao habitar a margem espacial e temporal do Estado e da sociedade mexicana, populações como a mixteca acabam por vivenciar permanentemente certos choques temporais: “ésta es una situación que desde el poder no se reconoce porque cuestiona la ideología de igualdad, pero tampoco lo hacen muchos movimientos emancipatorios porque choca con su idea de futuro” (López Bárcenas, 2016LÓPEZ BÁRCENAS, Francisco. El pensamiento indígena contemporáneo. Tema y Variaciones de Literatura, n. 47, p. 13-19, semestre II 2016., p. 15-16, destaques nossos). A colonização do futuro pelos projetos de modernização acaba por ter, como consequência direta e lógica, o lançar ao “passado” tudo aquilo que escape ao espelhamento das condições externas, tidas como exemplos a serem seguidos, sacrificando mesmo e principalmente boa parte daquilo que existe e resiste no interior do território mexicano. A crítica de López Bárcenas aparece, portanto, como uma tentativa de disputar a própria ideia de futuro, apresentando-a não como uma dimensão destacada do tempo, mas como algo a ser construído organicamente, a partir de um presente que não hierarquiza temporalmente aqueles que coabitam o tempo e o espaço. O seu intento de escrever a história do povo mixteco no interior da Guerra de Independência, ou mesmo em outros conflitos que marcaram tal população, não aparece apenas como uma disputa pelo passado, mas sim, e principalmente, como uma disputa pelo próprio futuro, pela própria existência dessa população. Ao fim e ao cabo, por um tempo outro.

Os efeitos da dupla consciência, porém, silenciam uma perspectiva como a de López Bárcenas. Se a independência mexicana marcaria o fim do colonialismo espanhol, inaugurando um novo período, em particular para os criollos, para as populações indígenas, afirma Bárcenas, começaria ali um período marcado por outro tipo de colonialismo, aquele interno, e com uma raiz temporal de legitimação, isto é, o controle sobre as dimensões do que representaria passado, presente e futuro. O colonialismo interno, que emerge na formação do Estado e da sociedade modernos mexicanos, acaba por complexificar, portanto, uma discussão sobre o fim da colonialidade nas primeiras décadas do século XIX. O estatuto perene da colonialidade para as populações indígenas assumiu, então, o seguinte desenho, segundo López Bárcenas:

los indios de las comunidades tradicionales se encontraron nuevamente en el papel de un pueblo colonizado: perdieron sus tierras, eran obligados a trabajar para los extranjeros, eran integrados, contra su voluntad, a una nueva economía monetaria, eran sometidos a nuevas formas de dominio político. Esta vez la sociedad colonial era la propia sociedad nacional que extendía progresivamente su control sobre su propio territorio (López Bárcenas, 2013LÓPEZ BÁRCENAS, Francisco. ¿Qué hacemos con los indios? Pueblos indígenas y desarrollo: entre las políticas gubernamentales y el “buen vivir”. Papeles de Población, n. 77, p. 177-192, jul.-sep. 2013., p. 182).

É possível interpretar o convite reflexivo de López Bárcenas como um chamado à história. Não um chamado a “fazer história”, mas sim reconhecer que, nas suas palavras, “somos producto de la historia. Una historia la mayoría de las veces violenta” (López Bárcenas, 2016, p. 15). Reconhecer tal vínculo umbilical abriria espaço para também reconhecer certos efeitos a longo prazo, como aquele do colonialismo interno que a dupla consciência, de forte raiz temporal, legou a populações como a mixteca. A disputa de López Bárcenas por tematizar a ordem do tempo é, fundamentalmente, uma disputa política, de políticas temporais que fizeram com que “todavía en el siglo XXI nuestros pueblos siguen subordinados a poderes externos que deciden su presente y su futuro” (p. 16). Pôr em cena as consequências e as raízes das políticas temporais modernas aparece, assim, como uma questão de amplo espectro, capaz mesmo de evidenciar como a história e a temporalidade podem estar na raiz de problemáticas como a dupla consciência e a invisibilização social.

Considerações finais

Ao fim, reunir escritores de diferentes matizes, momentos históricos e com preocupações específicas, pode suscitar um justo ceticismo do nosso leitor. É possível se pensar, porém, que certas questões, por seu caráter perene e interpelante, são capazes por si só de efetuarem essa reunião e se mostrarem como um tema de investigação particularmente interessante. Neste caso, retomar um debate bastante presente na tradição intelectual mexicana do século passado acerca da relação tecida pelo imaginário nacional com seu próprio passado e espelhar esse debate, décadas depois, com uma liderança indígena também preocupada com certa autoconsciência nacional, nos permite perceber continuidades e rupturas na relação tecida com a história, o tempo e a identidade. Mais que isso: aproximar inusitadamente Octavio Paz, Leopoldo Zea, Edmundo O’Gorman e Francisco López Bárcenas nos auxilia a observar tais questões como problemas perenes que atravessaram gerações e contextos, recebendo os mais diversos olhares, mas, junto a isso, um conjunto de silenciamentos, escolhas e hierarquizações que conformaram espectros de uma consciência histórica coletiva.

Esse parece ser o caso da questão que envolveria um “tempo mexicano”. Mas não um tempo mexicano que traria exclusivamente um conjunto de particularidades ou de definições que se manteriam permanentemente na extensão temporal. O “tempo mexicano”, que parece particularmente preocupar os autores que aqui trouxemos à cena, mais parece ser aquele do que foi cerceado, interditado, impossibilitado por esse próprio tempo. Isto é, o conjunto de silenciamentos e invisibilizações que uma dada trajetória histórica, como aquela mexicana, foi capaz de efetuar por meio de uma constante e efetiva operacionalização e controle de categorias temporais, em especial, como vimos, aquelas de ruptura, negação e fuga de certo acontecer próprio que estiveram na raiz da dupla consciência.

O que parece ainda mais decisivo para os propósitos deste trabalho é que, a partir dessa predisposição específica das formações nacionais latino-americanas, e também a partir de uma concepção de tempo que acentuou uma experiência particular do atraso e da busca por superação de um passado e por estar atualizado, emerge uma determinada relação de negação e/ou invisibilização de determinados grupos que se colocariam como entraves à realização desse projeto e ideal de país. A relação entre o “outro outro” e o passado é, então, determinante no caso da interdividualidade coletiva latino-americana:

o outro foi reduzido à figura melancólica do “outro outro”, imagem do passado do qual era urgente distanciar-se, ou não seria possível chegar a tempo ao encontro marcado com a modernidade; encontro esse ameaçado por um atávico eterno retorno. A consequência mais grave dessa atitude foi (e continua a ser) o desprezo vitimário para com o “outro outro” (Rocha, 2017ROCHA, João Cezar de Castro. Culturas shakespearianas: teoria mimética e os desafios da mímesis em circunstâncias não hegemônicas. São Paulo: É Realizações, 2017., p. 322).

Esse parece ser um desafio interessante a se colocar: enfrentar o pretenso continuum temporal com narrativas que o tensionem, evidenciando extratos temporais suprimidos e que tornem possível essa irrupção do rosto do “outro outro”. Afinal, a hipótese a ser considerada é aquela da íntima relação entre a concepção moderna de tempo, com implicações diretas para uma experiência moderna, e o processo de invisibilização social do “outro” em sociedades em que a violência é um fenômeno estruturante e diário.

Referências

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  • 1
    O conceito de duplo vínculo (double bind), do qual o autor se vale aqui, remete ao antropólogo inglês Gregory Bateson, que o cunhou quando discutia a complexidade da comunicação em relação à esquizofrenia. Segundo Castro Rocha, o “duplo vínculo designa um tipo de relação neurótica em que duas ordens, não apenas contraditórias, mas também excludentes, são dadas ao mesmo tempo. Nas palavras de Bateson, trata-se de ‘uma situação na qual não importa o que uma pessoa faça, ela nunca pode ser bem-sucedida’” (Rocha, 2017, p. 260). Uma segunda vertente que pode nos ajudar a pensar a noção de dupla consciência (double consciousness) está mais próxima da obra de W. E. B. Du Bois, escritor negro norte-americano que, em 1903, publica seu The souls of black folk, com uma pergunta bastante precisa: qual era o significado de ser negro no sul dos Estados Unidos no início do século XX? A constatação de Du Bois vai à raiz da mencionada dinâmica segundo a qual a dupla consciência sempre pressupõe uma ambivalência de difícil resolução que, na maioria das vezes, se concretiza na seguinte pergunta: “¿por qué Dios me hizo un paria y un extraño en mi propia casa?” (Du Bois, 2001, p. 7). Tal reflexão foi levada adiante mais recentemente por Paul Gilroy, sobre o particular significado da modernidade na experiência da população negra. Gilroy identifica uma dinâmica dupla segundo a qual “la historia recente de los negros [muestra una] población presente en el mundo occidental moderno pero no necessariamente parte de él”. Subjazia, nessa população, uma particular dificuldade em conciliar as afirmações de identidade nacional, tão características da modernidade, e outros tipos diferentes de subjetividade e identificação. Permanecia, sempre segundo Gilroy, um jogo constante de dentro e fora (Gilroy, 2014, p. 49).
  • 2
    O conceito de interdividualidade, derivado da teoria mimética de René Girard, pretende assinalar que o sujeito é sempre interdividual, isto é, somente se define através do outro. O mesmo vale para o outro que, como “outro eu”, também se encontra envolvido nessa dinâmica. O movimento que parece tautológico encontra, porém, consequências e implicações particulares em cada apropriação, como no sujeito oswaldiano: “só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago”. Cf. Rocha (2017, p. 338).
  • 3
    Na definição de Beorlegui, “el Hiperión fue un grupo de jóvenes filósofos que se juntaron por el común interés por la reflexión filosófica y la también preocupación por el problema de la filosofía mexicana e iberoamericana. Los fundadores del Hiperión fueron Ricardo Guerra, Joaquín Macgregor, Jorge Portilla, Salvador Reyes Narváez, Emilio Uranga, Fausto Vega, Luis Villoro y Leopoldo Zea. Los objetivos del grupo no se ceñían a ser un grupo interno de reflexión, sino que aspiraban a influir en el entorno cultural mexicano. […] Si en las dos primeras series de conferencias el tema predominante fue el existencialismo francés, en la tercera serie, celebrada en el otoño de 1949, el tema central fue ¿Qué es el mexicano?, pronunciadas en la misma Facultad de Filosofía y Letras. Igualmente, en las conferencias pronunciadas en 1951 también el tema central fue sobre tema americanista, El mexicano y su cultura. Y en 1952, el título general fue El mexicano y sus posibilidades” (Beorlegui, 2010, p. 606).
  • 4
    Trata-se de um conjunto de leis que, paulatinamente, foram dando corpo à Constituição de 1857, de caráter liberal, ou seja, definindo a separação entre Igreja e Estado; a perda do foro privilegiado para militares e eclesiásticos por delitos da ordem civil (Ley Juárez); a proibição de cobranças de batismos, casamentos e enterros aos pobres (Ley Iglesias); e a definitiva Constituição em que se promulgam leis, como a inviolabilidade da propriedade, da liberdade de culto e de expressão; a república representativa, dentre outras (Cf. Jan Bazant, “México”, in Bethell, 1985, p. 105-143).
  • 5
    Tal intuição fora apontada pelo próprio Leopoldo Zea, pensando a produção serial desse fenômeno que a política do tempo na modernidade é capaz de realizar. Assim, outras identidades que poderiam ser descritas como “não hegemônicas” padeceriam do mesmo dilema, isto é, a pergunta incessante pela identidade como um trauma proveniente justamente da negação da realidade mais próxima em favor do desejo de ser outro. Desejo esse, simultaneamente, ditado e interditado. Caso revelador, para Zea, era a questão da identidade negra tematizada por pensadores como Aimé Césaire, Sedar Senghor e Frantz Fanon (Zea, 1974, p. XI).
  • 6
    Além disso, o historiador Federico Navarrete (2008, p. 26) destacou que o que distinguiu a atuação de grupos indígenas durante o período da Independência foi a extrema capacidade de etnogênese, isto é, a maneira pela qual tais agrupamentos foram capazes de recriar suas culturas e identidades étnicas para se adaptar àqueles conflitos. Tal capacidade ajuda a compreender as transformações históricas desses grupos, que vai além de uma “contraposición simplista entre una resistencia, que debería ser hostil e impermeable a las influencias culturales y políticas occidentales, y un sometimiento y asimilación, que implicaría la disolución irreversible de las identidades étnicas y culturales indígenas”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    17 Fev 2022
  • Aceito
    23 Mar 2023
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