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A cristã-nova e o mercador de livros: fragmentos da história de Maria e Francisco Fernandes na Lisboa quinhentista

The New-Christian and the book trader: fragments of the history of Maria and Francisco Fernandes in sixteenth-century Lisbon

Resumo:

Lisboa, ao longo do século XVI, firmava-se como uma das cidades mais importantes da Europa. Era o efervescente centro onde, a par do comércio e de negócios que marcavam relações, dinâmicas e paisagens, desenrolavam-se histórias de mulheres, como a de Maria Fernandes, cristã-nova, regateira, vendedora de cebolas, alhos e laranjas na Ribeira e moradora no beco da Tinturaria. Seu processo é singular, pois mesmo tendo sido presa e acusada de judaísmo, “crime” para o qual eram imputadas severas penas, foi sentenciada em um auto da fé com determinação de soltura após o pagamento de termo de fiança por Francisco Fernandes, cristão-novo, mercador de livros. Tomando aspectos do processo inquisitorial de Maria Fernandes, este artigo entrelaça dois cristãos-novos em uma história de solidariedade, frente à tensão provocada pelas ações do Tribunal do Santo Ofício.

Palavras-chave:
Inquisição; Mercador de livros; Cristãos-novos

Abstract:

Lisbon, throughout the 16th century, established itself as one of the most important cities in Europe. It was the effervescent center where, along with trade and business that marked relationships, dynamics and landscapes, women’s stories unfolded, such as that of Maria Fernandes, a New Christian, haggler, seller of onions, garlic and oranges in Ribeira and resident of beco da Tinturaria. Her process is unique, because even though she was arrested and accused of Judaism, a “crime” for which severe penalties were imposed, she was sentenced in an auto da fé with determination of release after payment of the term of imprisonment surety by Francisco Fernandes, New Christian, book merchant. Taking aspects of the inquisitorial process of Maria Fernandes, this article intertwines two New Christians in a story of solidarity, in the face of the tension provoked by the actions of the Tribunal of the Holy Office.

Keywords:
Inquisition; Book trader; New Christians

1562. Corriam os dias do mês de julho quando Maria Fernandes caiu nas malhas do Tribunal Inquisitorial de Lisboa, acusada de judaísmo.

Legitimado em 1536, o Tribunal Inquisitorial em Portugal resultou de um longo percurso que teve como um dos marcos iniciais o decreto de D. Manuel I, que determinava a expulsão ou conversão forçada de judeus e muçulmanos em 1496 e, embora a primeira tentativa de estabelecimento do Santo Ofício não obtivesse êxito, as bases para o seu estabelecimento já estavam definidas (Tavares, 1987TAVARES, Maria José Ferro. Judaísmo e Inquisição: estudos. Lisboa: Presença, 1987., p. 149).

Após vários anos de negociação, D. João III “viu os seus intentos satisfeitos pelo papa Clemente VII que lho concedeu pela bula Cum ad nihil magis, de 17 de dezembro de 1532”. Todavia, diante de protestos dos cristãos-novos, o pontífice revogou o documento substituindo-o pelo Sempiterno Regi, de 7 de abril de 1533.

A reação de D. João III levou o então papa Paulo III, sucessor de Clemente VII, a responder com o breve Inter coetera ad nostrum, de 17 de março de 1535, no qual aconselhava o monarca a “seguir as regras da piedade e não as da vingança”.

Dom João III ainda travaria intensos embates com Roma, contudo, mesmo que estes lhe tivessem custado intrigas e subornos, o resultado foi a instituição do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, pela bula Cum ad nihil magis, publicada na Sé de Évora em 22 de outubro de 1536 em cerimônia solene, com a presença da corte. Por aquele decreto, eram nomeados D. Diogo da Silva, bispo de Ceuta e confessor do rei, como inquisidor-geral; D. Jorge de Almeida, bispo de Coimbra; D. Fernando de Meneses Coutinho e Vasconcelos, bispo de Lamego, como inquisidores; e outra pessoa eclesiástica, a ser nomeada pelo rei D. João III, para que procedessem contra os cristãos-novos e mais pessoas que incorressem em crimes de heresia, com as penas declaradas.1 1 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Inquisição de Lisboa (1536-1821), Tribunal do Santo Ofício. História Administrativa/Biográfica/Familiar. Palácio da Inquisição/Tribunal do Santo Ofício de Évora. Disponível em: http://www.monumentos.gov.pt/site/app_pagesuser/sipa.aspx?id=25984. Bula Cum ad nihil magis do papa Paulo III dirigida aos bispos de Coimbra, Lamego e Ceuta pela qual os constitui seus comissários e inquisidores no reino de Portugal como também outra pessoa eclesiástica que o rei D. João III nomeasse para procederem contra os cristãos-novos e mais pessoas que incorressem em crimes de heresia, com as penas declaradas - Arquivo Nacional da Torre do Tombo - DigitArq (arquivos.pt).

A autorização para a criação e funcionamento da Inquisição em Portugal estava oficialmente concedida e, em 1537, com a volta do monarca para Lisboa, o Tribunal era instituído (Baião, 1920BAIÃO, António. A Inquisição em Portugal e no Brasil. Elementos para a sua história. Lisboa: Edição do Arquivo Histórico Português, 1920., p. 15) naquela cidade que se firmava como uma das mais importantes da Europa, com cerca de 60 mil habitantes em 1527, 100 mil em 1551 e mais de 110 mil em 1620 (Lobo, 1904LOBO, A. de Sousa Silva Costa. História da sociedade em Portugal no século XV. Lisboa: Imprensa Nacional, 1904., p. 32).

Voltemos à nossa protagonista.

Viúva de Diogo de Castro, Maria Fernandes morava no beco da Tinturaria, situada na Judiaria Grande.2 2 De acordo com Augusto Vieira da Silva, “As duas ruas que da travessa dos Latoeiros se dirigiam paralelamente para o norte, a rua da Tinturaria e o beco dos Tintes ficavam na Judiaria, e nelas estavam instaladas as lojas de tintureiros, já desde o tempo dos judeus” (Silva, 1889-1900, p. 316). Era a área da Conceição Nova,

vizinha da Madalena, de S. Julião e S. Nicolau, espalmada ali na Baixa, toda formada de ruelas e bêcos, desnivelados e tortuosos, uma escada aqui, uma rampa acolá, um recanto deste lado, um cotovêlo daquêle, era habitada no último terço do século XVI por gentio miúdo, correeiros, lavapeixes, chapineiros, mulheres que vendiam na Ribeira e nas varandas do Paço, luveiros, alfaiates e cristaleiras, principalmente alfaiates (Sequeira, 1934SEQUEIRA, Matos. Os livros dos mortos. Anais das Bibliotecas, Museus e Arquivo Histórico Municipais, Lisboa, ano IV, n. 13, jul.-set. 1934, p. 9., p. 5).

Um efervescente espaço onde o comércio de negócios de todas as espécies marcava as relações e a paisagem (Coelho, Bastos, 1993COELHO, António Borges; BASTOS, Baptista. O nome das ruas. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa; Pelouro da Cultura; Livros Horizonte, 1993., p. 79).

Os ofícios mais vinculados à população masculina incluíam vendedores ambulantes, pasteleiros, confeiteiros, forneiros, lavapeixes, vinhateiros e fabricantes de aguardentes. Os mais vinculados à população feminina incluíam regateiras (que compravam pescados, hortaliças, frutas ou outros víveres para revender), azeiteiras ambulantes, vendedoras de frutas secas (de porta em porta), estripadoras de peixes, marisqueiras e sardinheiras (que assavam sardinhas na beira do rio). A função de aguadeiro, muito necessária em uma cidade na qual nem todas as casas dispunham de poços, era exercida indistintamente por homens e mulheres (Oliveira apudArantes, 2016ARANTES, José Tadeu. Portugal porta adentro: Lisboa no século 16. Agência Fapesp, 1º ago. 2016. Disponível em: Disponível em: https://agencia.fapesp.br/portugal-porta-adentro-lisboa-no-seculo-16/23667/ . Acesso em:10 ago. 2022.
https://agencia.fapesp.br/portugal-porta...
, s.p.).

Ali se concentravam as “tendas” dos mais variados produtos, onde muitas mulheres, a quem chamavam regateiras, vendiam hortaliças, laranjas, queijos, limões e outras mercadorias (Brandão, 1990BRITO, Gomes de. Notícia de livreiros e impressores em Lisboa na 2ª metade do século XVI. Composta em face de um códice da Câmara Municipal desta cidade. Lisboa: Imprensa Libânio da Silva, 1911. Disponível em:Disponível em:https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=118724 . Acesso em: 12 ago. 2022.
https://www.literaturabrasileira.ufsc.br...
, p. 58).

Dentre elas estava Maria Fernandes, vendedora de cebolas, alhos e laranjas. Mulher velha que pella manhã se hya a Ribeira ganhar a sua vida e tornava para casa a noyte estando lá todo o dia”, nos dizeres de Brites Mendes (Beatriz Mendes) e que marcam a abertura do processo inquisitorial contra Maria Fernandes.3 3 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Processo de Maria Fernandes, 2009. Disponível em: PT-TT-TSO-IL-28-9871_m0001.TIF - Processo de Maria Fernandes - Arquivo Nacional da Torre do Tombo - DigitArq (arquivos.pt). Acesso em: 9 ago. 2022.

Brites, viúva pobre que viveu “perto de hum ano” na mesma casa que Maria Fernandes, já se encontrava presa nos cárceres da Inquisição, quando pediu audiência com o inquisidor Jorge Gonçalves Ribeiro, para relatar que naquele ano jejuou algumas segundas e quintas-feiras, sem comer durante todo o dia, senão à noite, e que Maria Fernandes não só guardava os sábados como cria que o messias não era Cristo e que ambas já haviam jejuado no “jejum grande do Quipur”.4 4 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Processo de Beatriz Mendes, 2008. Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=2300242. Acesso em: 10 ago. 2022.

Outras pessoas constam no processo de Maria Fernandes descrevendo, perante a Mesa Inquisitorial, práticas judaicas em comum, o que permitiu conhecer parte dos integrantes que compunham sua rede de sociabilidades e os rituais praticados, dentre os quais: Diogo Fernandes e Gaspar Vaz, filhos de Maria Fernandes, Lianor Rodrigues (Leonor Rodrigues) e Brites Mendes, suas noras, Inês Dias, cristã-nova, e o mercador Francisco Fernandes, que neste estudo nos interessa particularmente.

Ao longo do seu processo destacam-se as acusações feitas por seu filho Gaspar Vaz e suas noras Leonor Rodrigues e Brites Mendes.

Gaspar Vaz, também morador na “Tintoraria”, preso nos cárceres da Inquisição portuguesa, tinha o ofício de sapateiro e, em sua declaração, pontuada de detalhes cotidianos, disse vestir camisas lavadas aos sábados, inclusive o de Ramos, e que a sua mãe Maria Fernandes lhe dava as camisas lavadas para que as vestisse, que pelos sábados não trabalhava, que por duas vezes cumpriu o jejum grande com o seu irmão Diogo Fernandes e sua cunhada Leonor Rodrigues e que, quando jejuava, sua mãe lhe dizia que era bom “e do costume”.5 5 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Processo de Gaspar Vaz, 2008. Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=2313041. Acesso em: 10 ago. 2022.

Nomeadamente, em seu processo, reafirmou que aos sábados não “obrava”, cumprindo o preceito judaico de não trabalhar nos shabbats e que sua mãe Maria Fernandes foi a primeira que falou no Messias. Em sentença proferida no Auto de Fé de 26 de maio de 1563, Gaspar Vaz foi penitenciado com abjuração em forma, o cárcere e o hábito penitencial a arbítrio.6 6 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Processo de Gaspar Vaz, 2008. Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=2313041. Acesso em: 10 ago. 2022.

Outra fala contra Maria Fernandes foi a de Leonor Rodrigues, cristã-nova e, desde 17 de setembro de 1563, presa nos cárceres inquisitoriais por culpas de judaísmo.

Filha de Catarina Fernandes,7 7 O processo inquisitorial de Leonor Rodrigues indica sua filiação materna de Catarina Fernandes, sugerindo tratar-se de um casamento endogâmico dado o mesmo sobrenome que Maria Fernandes, protagonista deste estudo e sua sogra (mãe de Gaspar Vaz, seu marido). Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=2300905 (Processo Inquisitorial de Leonor Rodrigues). Acesso em: 10 ago. 2022. casada com Gaspar Vaz e, portanto, nora de Maria Fernandes, declarou ter feito o jejum “grande” em companhia de sua sogra e de seu marido Gaspar. Leonor esteve presa ao longo de quase um ano, quando no Auto de Fé de 11 de julho de 1564 foi condenada à abjuração em forma, cárcere e hábito penitencial perpétuos, todavia, após argumentar que estava “arrependida e muito doente” e rogar que tinha uma criança muito doente que lhe dava muito trabalho, foi autorizada, pelo Tribunal Inquisitorial, que cumprisse a pena em casa e fosse dispensada do hábito penitencial.8 8 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Processo de Leonor Rodrigues, 2008. Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=2300905. Acesso em: 10 ago. 2022.

Brites Mendes (Beatriz Mendes), outra nora de Maria Fernandes, expôs em sua confissão, haver 14 anos que

guardava os Sabbados na vontade e vestia alguãs vezes nelles camisa lavada e que as sextas-feiras à noite lançava lençoes lavados na cama e acendia a candeia com azeite limpo e torcidas novas e a deixava assim acesa até que ella se apagava por sy tudo para a honrra do sabbado seguinte. E que isto fazia para honra da ley dos judeus e que em este tempo ella jejuou um jejum sem comer todo o dia se não a noyte pello tempo da Festa das Virtudes com seu marido, Diogo Fernandes, com sua sogra Maria Fernandes, com Lionor Rodrigues, e com uma Innês Dias, cristã-nova já defunta.9 9 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Processo de Maria Fernandes, 2009. Disponível em: PT-TT-TSO-IL-28-9871_m0001.TIF - Processo de Maria Fernandes - Arquivo Nacional da Torre do Tombo - DigitArq (arquivos.pt). TIFS 11 e 12. Acesso em: 9 ago. 2022.

Embora não haja registro de sua confissão no processo de Maria Fernandes, Diogo Fernandes, seu filho, igualmente se encontrava preso nos cárceres da Inquisição de Lisboa. Acusado de judaísmo, era sapateiro, morador na rua do Calçado Velho, “área da judiaria daquela cidade” e tinha 50 anos quando foi entregue ao Tribunal a 2 de dezembro de 1562 (Silva, 1889-1900TAVARES, Maria José Ferro. Judaísmo e Inquisição: estudos. Lisboa: Presença, 1987., p. 316).

No processo contra sua pessoa, afirmou que seu pai, Afonso Vaz, foi o primeiro que lhe falou “nestas cousas dos judeus” e que sua mãe Maria Fernandes lhe falara nas mesmas coisas, “que era bom guardar os sabbados e jejũar os jejũns judaicos e que era bom lançar lenções lavados na cama a sesta feyra a noyte”.10 10 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Processo de Diogo Fernandes, 2008. Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=2300069. Acesso em: 10 ago. 2022.

A confissão de Maria Fernandes aos inquisidores teve início em janeiro de 1562, quando foi chamada perante a Mesa Inquisitorial para que reconhecesse suas “culpas”. Em outubro daquele mesmo ano, em nova confissão, Maria Fernandes afirmou que estava “doente da cabeça e que a declararão como douda e que já agora andava fraca da cabeça e dormya pouco”.11 11 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Processo de Maria Fernandes, 2009. Disponível em: PT-TT-TSO-IL-28-9871_m0001.TIF - Processo de Maria Fernandes - Arquivo Nacional da Torre do Tombo - DigitArq (arquivos.pt). Acesso em: 9 ago. 2022.

Passados oito meses, ao ser novamente convocada a prestar declarações, os inquisidores foram informados que a ré Maria Fernandes estava mal disposta, “como parvoa e fora do juízo normal”. Sua sentença não tardou e é nela que encontramos o outro protagonista deste estudo: o mercador de livros Francisco Fernandes.

Proferida no Auto da Fé de 1563,12 12 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Inquisição de Lisboa. Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, liv. 6. Cópia microfilmada. Portugal, Torre do Tombo, mf. 2703, 2009. Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=2299748. Acesso em: 9 ago. 2022. No Conselho Geral existem dois livros de listas dos Autos da Fé da Inquisição de Lisboa. a sentença de Maria Fernandes, ao contrário de imputar-lhe as penas, trouxe um termo de fiança no valor de cinquenta cruzados que foi pago por Francisco Fernandes, também cristão-novo (Andrade, Carrington, 2019ANDRADE, António Manuel Lopes; CARRINGTON, Maria Cristina. Do manuscrito ao livro impresso: um projeto que se tornou livro. In: ANDRADE, António Manuel Lopes; CARRINGTON, Maria Cristina (ed.). Do manuscrito ao livro impresso I. Aveiro: UA Editora - Universidade de Aveiro; Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2019. p. 13-15., p. 77).

Aos tres dias do mes de Junho de 1563, em Lisboa na Casa do Despacho da Santa Inquisição, estando ahy os Senhores Inquisidores foraõ informados que Maria Fernandes, xpãa nova, contheúda nestes autos estava mal disposta como parvoa e fora do seu juízo natural e não estava com estado para se poder despachar, amtes tinha necessidade de se curar e remedear os Inquisidores concederam-lhe a fiança de cinquenta cruzados. E logo ahy apareçeo Fco. frz̄ Mercador morador em esta cidade na Rua de mata porcos q̄ dise q̄ fiaua a dita Maria Fernandes Nos ditos Cincoenta cruzados.13 13 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Processo de Maria Fernandes, 2009. Disponível em: PT-TT-TSO-IL-28-9871_m0001.TIF - Processo de Maria Fernandes - Arquivo Nacional da Torre do Tombo - DigitArq (arquivos.pt). Acesso em: 9 ago. 2022.

Cabe ressaltar que cada cruzado pesava 3,56 gramas de ouro, o que significa que Francisco Fernandes pagou o equivalente a 178 gramas de ouro pela soltura de Maria Fernandes (Thomaz, 2019THOMAZ. Luís Filipe F. R. O tesouro do Bom-Jesus. Lisboa: Academia de Marinha, 2019., p. 22).

A fiança estava prevista no Regimento da Santa Inquisição de 1552. Especificamente nos capítulos 53, 54 e 55, prevê-se que os inquisidores poderiam conceder fiança aos que fossem condenados por suspeitos na fé, para que fossem soltos para cumprirem as suas penitências, desde que fizessem suas “abjurações públicas e ouvissem as suas sentenças”.14 14 Regimento do Santo Ofício, 1552. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 392, p. 106, jul.-set. 1996.

Por esta mesma época, no rol dos mercadores lisboetas encontramos um Francisco Fernandes, cristão-novo (Andrade, Carrington, 2019ANDRADE, António Manuel Lopes; CARRINGTON, Maria Cristina. Do manuscrito ao livro impresso: um projeto que se tornou livro. In: ANDRADE, António Manuel Lopes; CARRINGTON, Maria Cristina (ed.). Do manuscrito ao livro impresso I. Aveiro: UA Editora - Universidade de Aveiro; Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2019. p. 13-15., p. 77) e mercador de livros, que somado aos vários dados que se seguem nos leva a crer ter sido o mesmo responsável pelo pagamento do valor correspondente à liberdade de Maria Fernandes dos cárceres da Inquisição.

A loja de Francisco Fernandes situava-se na rua Nova dos Mercadores, onde morava um grande número de criptojudeus, na “‘travessa da porta travessa da Madalena’, que se ligava á ‘rua do fim do pé da Costa’”, freguesia da Madalena, assolada dois séculos depois, quando do terremoto de 1755 (Brito, 1911BRITO, Gomes de. Notícia de livreiros e impressores em Lisboa na 2ª metade do século XVI. Composta em face de um códice da Câmara Municipal desta cidade. Lisboa: Imprensa Libânio da Silva, 1911. Disponível em:Disponível em:https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=118724 . Acesso em: 12 ago. 2022.
https://www.literaturabrasileira.ufsc.br...
, p. 11-13).

Na obra Grandeza e abastança de Lisboa em 1552, João Brandão apresenta detalhes da rua Nova dos Mercadores observando que a rua possuía “de comprido cento e trinta braças e quatro de largo e em cada face da rua quarenta e cinco moradas de casas, todas de três e quatro sobrados, de uma e outra banda” dinamizada por vinte lojas de panos, trinta lojas de sedas, nove boticas, 11 livreiros, além de 16 tendas de sapateiros, barbeiros e alfaiates (Brandão, 1990BRITO, Gomes de. Notícia de livreiros e impressores em Lisboa na 2ª metade do século XVI. Composta em face de um códice da Câmara Municipal desta cidade. Lisboa: Imprensa Libânio da Silva, 1911. Disponível em:Disponível em:https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=118724 . Acesso em: 12 ago. 2022.
https://www.literaturabrasileira.ufsc.br...
, p. 97).

A freguesia da Madalena compunha o cenário da Ribeira, que compreendia ainda as freguesias de São Julião e São Nicolau, onde se situava, até o fim do século XV, a judiaria, ou seja, palco de vivências, morada e trabalho de Maria Fernandes e, portanto, onde no vai e vem das suas lidas diárias, muito provável e frequentemente, encontrasse Francisco Fernandes.

Na praça da Ribeira, lugar comercial privilegiado da cidade que se estendia do terreiro do Pão até o chafariz D’el-Rei, se concentravam as “tendas” de venda de produtos, que iam do pão à cerâmica, organizadas através de disposições municipais e ordenadas por tipologia (Gomes, 2017GOMES, João Pedro. Comida de rua na Lisboa Moderna (sécs. XVI e XVII).In: MARTINEZ, João Carlos Senna et al. Diz-me o que comes… alimentação antes e depois da cidade. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa; Direcção Municipal de Cultura; Departamento de Património Cultural; Centro de Arqueologia de Lisboa; Sociedade de Geografia de Lisboa/Secção de Arqueologia, 2017, p. 98-109., p. 100).

Embora Francisco tivesse o mesmo sobrenome que Maria, não foram encontradas referências se era membro de sua família, ou tão somente alguém do seu círculo de amizades, mas vale ressaltar a informação acima citada que logo Francisco Fernandes teria ali aparecido e dito que a fiava nos ditos cinquenta cruzados.

Outra referência que sugere tratar-se do mesmo Francisco Fernandes a ter pago a fiança de Maria Fernandes é dada por Maria Freitas, segundo a qual, em 1562, Francisco Fernandes era tesoureiro da Irmandade de Santa Catarina do Monte Sinai da Corporação dos Livreiros,15 15 Em sua obra Peregrinação pelas igrejas de Lisboa (2020), José da Felicidade Alves faz o seguinte apontamento sobre a fundação da Irmandade de Santa Catarina do Monte Sinai da Corporação dos Livreiros: “Não sabemos bem quais as circunstâncias em que Santa Catarina foi escolhida para padroeira dos livreiros. Mas entende-se por quê. A Santa simbolizava a sabedoria, em virtude da lenda que dizia ter confundido os sábios de Alexandria, convocados para debater com ela e a vencerem; daí ser protetora dos filósofos cristãos, oradores, advogados, estudantes etc., ou seja, dos cultores da vida intelectual e seus ofícios. Os livreiros, com seu ofício e na sua corporação orgânica, andavam ligados ao livro e à finalidade cultural por ele desempenhada. Por isso, a Corporação dos Livreiros ficou ligada a Santa Catarina: daí, a Confraria da Irmandade de Santa Catarina da Corporação dos Livreiros” (Alves, 2020, p. 200). que tinha por confrades livreiros, mercadores de livros e impressores (Freitas, 1952GOMES, João Pedro. Comida de rua na Lisboa Moderna (sécs. XVI e XVII).In: MARTINEZ, João Carlos Senna et al. Diz-me o que comes… alimentação antes e depois da cidade. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa; Direcção Municipal de Cultura; Departamento de Património Cultural; Centro de Arqueologia de Lisboa; Sociedade de Geografia de Lisboa/Secção de Arqueologia, 2017, p. 98-109., p. 11).

Como as demais confrarias da época, a Irmandade de Santa Catarina do Monte Sinai tinha por finalidade a assistência material, médica e espiritual dos seus membros. Todo confrade tinha um vasto leque de obrigações, desde a assistência às missas até a ajuda de confrades doentes, endividados e carenciados (Guedes, 1993GUEDES, Fernando. Os livreiros em Portugal e as suas associações desde o século XV até aos nossos dias. Lisboa: Verbo, 1993., p. 62-63).

O pertencimento de Francisco Fernandes aos quadros administrativos da Irmandade possivelmente o colocava a par de ocorrências no âmbito das vigilâncias e punições inquisitoriais vigentes, tanto que não encontramos processo inquisitorial contra a sua pessoa, mesmo sendo cristão-novo, mas sim declarações em outros processos, como, por exemplo, no processo inquisitorial contra Fernão de Oliveira, frade e criado na Ordem de São Domingos acusado de proposições heréticas.16 16 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Processo de Fernão de Oliveira, 2009. Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=2312300. Acesso em: 10 ago. 2022.

De acordo com António Manuel Lopes Andrade (2019ANDRADE, António Manuel Lopes; CARRINGTON, Maria Cristina. Do manuscrito ao livro impresso: um projeto que se tornou livro. In: ANDRADE, António Manuel Lopes; CARRINGTON, Maria Cristina (ed.). Do manuscrito ao livro impresso I. Aveiro: UA Editora - Universidade de Aveiro; Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2019. p. 13-15.), foi precisamente na livraria de Francisco Fernandes que se deu a desavença entre o frade Fernando Oliveira e o livreiro João de Borgonha, no momento em que aquele estava à porta da livraria a folhear “huũ liuro que se chama ha esfera [Tratado da Sphera, de Pedro Nunes]”, e que lhe resultaria um processo inquisitorial (1547-1551) com sentença no Auto da Fé em setembro de 1548 e prisão por mais de dois anos.

Fernando Oliveira, acabado de regressar a Lisboa, vindo de Inglaterra, onde estivera ao serviço de Henrique VIII, dirigiu-se à livraria de Francisco Fernandes, a quem havia deixado um livro para encadernar e encomendado o referido tratado de Pedro Nunes. Assim que recebeu o livro, encaminhou-se para a porta da livraria, sob as arcadas, talvez para assim o poder folhear com mais luz. Nesta ocasião, foi reconhecido por André de Resende, de quem havia sido discípulo de gramática em Évora, o qual se encontrava nas proximidades, à porta da livraria de João de Borgonha. André de Resende logo comunica a sua descoberta a João de Borgonha, mostrando-se escandalizado pela forma indecorosa como o antigo frade de São Domingos trajava em hábito secular, segundo a descrição do livreiro, “com huũa barba gramde e com huũ vestido curto e com huũ chapeo de feltro de seda na cabeça”. De imediato, João de Borgonha vai ao encontro de Fernando Oliveira, com quem entabula conversa e a quem interpela sobre o carácter e as ações do monarca inglês, na presença de várias testemunhas, entre as quais se contavam Francisco Fernandes, “que tem carrego da casa de Joham fernandez”, Luís Lasso “castelhano que trabalha na tenda de Jº Fernandez lyureyro” e o livreiro Pero Álvares, morador na Mouraria, atraído pelo alarido da discussão. Fernando Oliveira reage impetuosamente à provocação do livreiro, defendendo, com demasiado entusiasmo, o monarca inglês que havia renunciado à autoridade papal, uma questão bastante sensível à ortodoxia católica e que constituiria o cerne da acusação. Decorridos poucos dias, Fernando Oliveira é detido e interrogado, sendo apresentadas como testemunhas da acusação João de Borgonha, Francisco Fernandes, Luís Lasso e Pero Álvares, cujos depoimentos relatam pormenorizadamente a altercação à porta da livraria e confluem para a incriminação do réu (Andrade, 2019ANDRADE, António Manuel Lopes; CARRINGTON, Maria Cristina. Do manuscrito ao livro impresso: um projeto que se tornou livro. In: ANDRADE, António Manuel Lopes; CARRINGTON, Maria Cristina (ed.). Do manuscrito ao livro impresso I. Aveiro: UA Editora - Universidade de Aveiro; Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2019. p. 13-15., p. 57-59).

Do mesmo episódio, Henrique Lopes de Mendonça (1898MENDONÇA, Henrique Lopes de. O padre Fernando de Oliveira e a sua obra náutica. Memoria, comprehendendo um estudo biográfico sobre o afamado grammatico e nautographo e a primeira reproducção typographica do seu tratado inédito Livro da Fábrica das Naos. Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, Lisboa, nova série, v. VII, parte II, p. 1-221, 1898.) traz outros detalhes da genealogia do livreiro Francisco Fernandes.

Foi a 18 de Dezembro que se deu o conflito. Fernando Oliveira, que não abandonava o estudo, dedicando-se de preferência à náutica, para a qual a própria experiência lhe dera valiosas contribuições, frequentava naturalmente as lojas dos mais conceituados livreiros que então se estadeavam pela rua Nova, a mais notável de Lisboa, e considerada pelos contemporâneos talvez a mais rica e ostentosa de toda a Europa. N’uma d’essas livrarias, a de João Fernandes, dirigida n’essa ocasião por Francisco Fernandes, provavelmente irmão ou filho do proprietário, deixara Oliveira um livro para encadernar e encomendara o Tratado da esphera de Pedro Nunes. Na tarde do dia citado, passando pela rua Nova, entrou n’essa loja, onde lhe foi apresentado por Francisco Fernandes o livro que elle requisitara. Com a soffreguidão natural do estudioso, e como porventura houvesse luz dentro do estabelecimento, encostou-se ao limiar da porta para percorrer algumas páginas. Nesta ocasião estava André de Resende à porta de outra livraria próxima (Mendonça, 1898MENDONÇA, Henrique Lopes de. O padre Fernando de Oliveira e a sua obra náutica. Memoria, comprehendendo um estudo biográfico sobre o afamado grammatico e nautographo e a primeira reproducção typographica do seu tratado inédito Livro da Fábrica das Naos. Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, Lisboa, nova série, v. VII, parte II, p. 1-221, 1898., p. 30).

Some-se a isso o registro de Francisco Fernandes na Relação de Livreiros do Tribunal Inquisitorial, entre 1550 e 1565 (Fonseca, 2020FONSECA, Jorge. Os livreiros de Lisboa nos séculos XVI e XVII: estratégias económicas, sociais e familiares. Lisboa: Colibri, 2020., p. 23) e outros sugestivos apontamentos sobre o mercador de livros presentes no estudo “Do manuscrito ao livro impresso: um projeto que se tornou livro” (Andrade, Carrington, 2019ANDRADE, António Manuel Lopes; CARRINGTON, Maria Cristina. Do manuscrito ao livro impresso: um projeto que se tornou livro. In: ANDRADE, António Manuel Lopes; CARRINGTON, Maria Cristina (ed.). Do manuscrito ao livro impresso I. Aveiro: UA Editora - Universidade de Aveiro; Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2019. p. 13-15., p. 78), que dão a saber que, em sua “tenda”, na rua Nova, estavam à venda a Copilacam de todalas obras de Gil Vicente, cujo rosto ostenta no final: Vendemse a cruzado em papel em casa de Francisco Fernandez na rua noua”; que custeou a quarta edição das Ordenações Manuelinas, vendidas exclusivamente na sua livraria por 500 reais; que patrocinou a edição veneziana do Officium Beatae Elisabeth Portugallie (Ofício à rainha santa Isabel de Portugal), impressa nas oficinas de Lucantonio Giunta, cujo colofão assinalava “Venetiis: impressum apud Iunctas: venale apud Franciscum Ferdinandum in Vico nouo Mercatorum” (se vende em casa de Francisco Fernandes, na rua Nova dos Mercadores); que, no início da década de sessenta, vendia-se “em casa de Francisco Fernandez” a “Ley sobre os vestidos de seda & feytios delles, e das pessoas que os podem trazer”.17 17 Portugal. Ley sobre os vestidos de seda, & feitios delles, e das pessoas que os podem trazer. Portugal, 25 de junho de 1560, p. 42-43. Disponível em: https://purl.pt/14914. Acesso em: 14 ago. 2022.

Passavam mais de duas décadas após a morte de Gil Vicente, quando a Copilacam de todalas obras, um volume com 262 folhas composto por escritos de devoção, comédias, tragicomédias, farsas e obras miúdas, foi preparada pelos seus filhos Paula e Luís Vicente e publicada em Lisboa por João Álvares.

Vendido “a cruzado em casa de Francisco Fernandez na rua nova”, em Lisboa, o volume que João Álvares acabara de imprimir a 12 de setembro de 1562 trazia a público praticamente ‘todalas obras de Gil Vicente’. Usando caracteres góticos nos textos dramáticos e redondos nos paratextos, a edição beneficiava de um tratamento de certo modo excepcional por parte das entidades censórias, conforme o rol de 1561 claramente deixa entrever (Osório, 2002OSÓRIO, Jorge Alves. A compilação de Gil Vicente e a “fase” manuelina de Gil Vicente. Revista da Faculdade de Letras, Porto, p. 211-234, 2002, p. 211-233., p. 211).

O fato de sua obra ter sido escrita antes do estabelecimento da Inquisição em Portugal não a impediu de sofrer sanções por parte do Tribunal Inquisitorial, muito possivelmente pelas contundentes abordagens da sociedade portuguesa do início do século XVI, nas quais as vaidades e viciosas condutas da Igreja e papado foram evidenciadas na escrita vicentina.

A ausência de sinais fortes da intervenção censória inquisitorial no corpus publicado em 1562 deve, no entanto, ser relativizada; na verdade, uma coisa era a circulação mais acessível - mas também mais difícil de controlar - de folhetos de cordel, e outra, bastante diferente, seria a circulação de um grosso volume in folio, que se dirigia a um público certamente mais letrado e, portanto, menos extenso e menos difuso. Além de que, como se vê pelo índice de 1581, a Inquisição não se esqueceu da Compilação; conforme aí se diz, o conjunto das obras vicentinas que André Lobato pretendia reeditar necessitava de ‘muita censura e reformação’ (Osório, 2004OSÓRIO, Jorge Alves. O período manuelino de Gil Vicente: reflexos na “Compilação” de 1562. In: Congresso Histórico de Guimarães, 3., 2004, Guimarães. Anais... Guimarães: Câmara Municipal de Guimarães, 2004, p. 312-330., p. 314).

Ademais, a Compilação trazia a emblemática carta de Gil Vicente enviada ao rei D. João III, em 1531, defendendo os cristãos-novos das acusações de terem sido os responsáveis pelo tremor de terra ocorrido em Santarém, em 26 de janeiro daquele ano. Especialmente na parte final, referiu-se ao ambiente de tensão em que viviam os conversos, amedrontados pela possibilidade de um massacre tal como em 1506, contestando os padres que defendiam a ideia de que a ira de Deus contra os cristãos-novos teria provocado o terremoto (Neves, 2019NEVES, Vanessa Sofia Sampaio. Os motins antijudaicos nos séculos XVI e XVII: uma análise comparativa. In: Omni Tempore: atas dos Encontros da Primavera 2018. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2019. p. 228-264., p. 248).

E, porém, saberá Vossa Alteza que este auto foi de tanto seu serviço que nunca cuidei que se oferecesse caso em que também empregasse o desejo que tenho de o servir, assi vezinho da morte como estou: porque à primeira pregação os cristãos-novos desapareceram e andavam morrendo de temor da gente e eu fiz esta diligência e logo ao sábado seguinte seguiram todolos pregadores esta minha tenção (Vicente, 1983VICENTE, Gil. Carta que Gil Vicente mandou de Santarém a El-Rei Dom João, o terceiro do nome, estando sua alteza em Palmela, sobre o tremor de terra, que foi a vinte e seis de janeiro de 1531. In: VICENTE, Gil. Compilaçam de todalas obras de Gil Vicente. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1983. v. 2, p. 642-645., p. 642-643).

Ao observar de forma mais detida a obra de Gil Vicente, constata-se que, em seus escritos, a questão judaica antecede o episódio de 1531, já que em 1506, ano da chacina levada a efeito por populares e liderada por frades dominicanos contra milhares de judeus convertidos à força, Vicente apresentara “na noite do nascimento do Illustríssimo Infante D. Luiz”, o “Sermão feito à cristianíssima Rainha D. Leonor”, cujo tom deixava evidente o seu desgosto com o partido clerical e sua condenação à intolerância e ao uso da força na conversão dos judeus (Muniz, 2000MUNIZ, Márcio Ricardo Coelho. 1531: Gil Vicente, judeus e a instauração da Inquisição em Portugal. Contexto: Revista do Programa de Pós-graduação em Letras, Vitória (ES), n. 7, 2000, p. 95-108., p. 101), como evidencia a terceira parte do Sermão: “És por demas pedir al judio que sea cristiano en su corazon es por demas buscar perfection adonde el amor de Dios está frio” (Vicente, 1978WACHTEL, Nathan. A fé da lembrança: labirintos marranos. São Paulo: Edusp, 2009., p. 195).

Desta parte, Theóphilo Braga assinala que sua importância está assentada na luta travada entre Gil Vicente e o partido clerical, que buscava banir a tolerância em relação aos mouros e judeus em Portugal (Braga, 1870,BRANDÃO, João. Grandeza e abastança de Lisboa em 1552. Lisboa: Livros Horizonte, 1990.p. 79-82).

Não deixa de ser significativo que esta obra, vigiada pela censura inquisitorial, estivesse à venda na tenda de Francisco Fernandes.

Quanto à 4ª edição das Ordenações do reino, impressa no ano de 1565, Gomes de Brito reforça a informação que a obra havia sido custeada pelo livreiro Francisco Fernandes (Brito, 1911BUESCU, Ana Isabel. Os santos na Corte de D. João III e de D. Catarina.Lusitânia Sacra, Lisboa, n. 28, p. 49-72, 1 jul. 2013. Disponível em:Disponível em:https://revistas.ucp.pt/index.php/lusitaniasacra/article/view/6640 . Acesso em: 11 ago. 2022.
https://revistas.ucp.pt/index.php/lusita...
, p. 24-25).

As Ordenações Manuelinas foram o primeiro corpus jurídico compilado com o propósito de conhecer difusão impressa em Portugal, no que foi a primeira iniciativa estatal neste país de utilizar a tipografia para fins administrativos. Este carácter normativo de impulso régio forçosamente tornou a publicação, de difusão, conhecimento e aplicação obrigatórias, num bestseller seiscentista. Teve 3 codificações (“sistemas”), cada uma com várias edições atualizadas: um 1º “sistema” com 2 edições (em 1512-13 e 1514), um 2º “sistema” editado em 1517-18, e um 3º “sistema” com 4 edições (1521, 1533, 1539 e 1565) - vigorando este último até 1603. Sabe-se que a 2ª edição do 1º “sistema” teve uma tiragem de 5000 exemplares (1000 de cada um dos 5 volumes). A cada nova edição era imposta a destruição das versões anteriores e a aquisição da mais recente (BNP, 26 jul. 2021BRAGA, Theophilo. História do theatro portuguez: vida de Gil Vicente e sua Eschola, século XVI. Porto: Imprensa Portugueza, 1870.).

O mesmo seguimento foi dado ao Officium Beatae Elisabeth Portugallie (Ofício da rainha Dona Isabel de Portugal), que, impresso nas oficinas do livreiro Lucantonio Giunta, em Veneza, obteve o patrocínio de Francisco Fernandes e era vendido em seu estabelecimento. Com o desenvolvimento do culto oficial da rainha santa Isabel no século XVI, em Coimbra, o humanista André de Resende compôs e fez imprimir um ofício divino, para substituição de outro, menos elaborado, utilizado pelas freiras do Convento de Santa Clara-a-Velha. Convém assinalar que a dedicatória que antecede o texto do referido Ofício era atribuída a então rainha D. Catarina, esposa de D. João III, mesmo nome da santa da Irmandade na qual Francisco Fernandes era tesoureiro (Toipa, 2011TOIPA, Helena Costa. O “Ofício à rainha santa Isabel”, de André de Resende. Máthesis, n. 20, p. 55-75, 2011. Disponível em: Disponível em: https://digitalis-dsp.uc.pt/bitstream/10316.2/23484/1/Mathesis20_55.pdf. Acesso em: 10 ago. 2022.
https://digitalis-dsp.uc.pt/bitstream/10...
, p. 75).

Lembra Ana Isabel Buescu que, sendo a rainha D. Catarina devota de santa Catarina,

particularmente interessante para o ponto de vista que queremos realçar é o retrato do pintor Domingos Carvalho, executado entre 1525 e 1527, por alturas do casamento da infanta com o monarca português. Numa operação mais complexa, a tela fixa, de forma dupla, a rainha e a santa numa mesma representação iconográfica. A jovem mulher que vemos é, simultaneamente, a rainha de Portugal, mas também santa Catarina de Alexandria, martirizada por ordem do imperador Maxêncio. A coroa é a da rainha, mas recorda as origens aristocráticas da santa, que é com ela frequentemente representada, e a cabeça encontra-se rodeada da auréola da santidade. Presentes, e com o destaque do primeiro plano, encontram-se os símbolos do martírio de santa Catarina: a roda com as pontas de ferro e a espada com que foi decapitada, empunhada pela santa, mas que é, em simultâneo, a rainha (Buescu, 2013BUESCU, Ana Isabel. Os santos na Corte de D. João III e de D. Catarina.Lusitânia Sacra, Lisboa, n. 28, p. 49-72, 1 jul. 2013. Disponível em:Disponível em:https://revistas.ucp.pt/index.php/lusitaniasacra/article/view/6640 . Acesso em: 11 ago. 2022.
https://revistas.ucp.pt/index.php/lusita...
, p. 55).

Tal entrelaçar devocional, quiçá, esteve na base das motivações de Francisco Fernandes, embora, a rainha D. Catarina fosse uma partidária da Inquisição e os símbolos apresentados na iconografia lembrassem os instrumentos de torturas empregados pelo Tribunal Inquisitorial português.

Por fim, a indicação de António Joaquim Anselmo, que, no início da década de 1560, vendia-se “em casa de Francisco Fernandez” a pragmática datada de 25 de junho daquele por el-rei D. Sebastião intitulada “Ley sobre os vestidos de seda & feytios delles e das pessoas que os podem trazer”, que determinava a interdição do luxo, ouro e prata nos vestidos (Anselmo, 1926ANSELMO, António Joaquim. Bibliografia das obras impressas em Portugal no século XVI. Lisboa: Biblioteca Nacional, 1926., p. 323).

Primeiramente, por se escusarem os grandes gastos e despesas que se fazem nos feitios dos vestidos e cousas contidas na dita ordenação. Mando que daqui em diante pessoa alguma de qualquer qualidade que seja (posto que tenha cavalo) não possa usar no vestido, nem em outra alguma coisa, posto que seja de pano de broslado, forros, debruns, alamares, laçaria, guarnição de serrilha, trocelado, fitas, tranças, passamanes, antretalhos, nem de pespontos [...] E os que usarem das ditas coisas contra forma desta lei, incorrerão em todas as penas da dita ordenação. [...] E assim hei por bem que as donzelas da Rainha minha senhora e avó, e da Infanta dona Maria, minha muito amada e prezada tia, e da Infanta dona Isabel, minha muito amada e prezada tia, não possam trazer pela mesma maneira em seus vestidos e cousas de que se servirem [...], os ditos broslados, forros, debruns, barras, antretalhos, guarnições de tranças e de alamares, passamanes de seda, laçaria, serrilha, trochado, atrocelado, fitas, pespontos, nem quartapisas nem rendas.18 18 Portugal. Ley sobre os vestidos de seda, & feitios delles, e das pessoas que os podem trazer. Portugal, 25 jun. 1560, p. 42-43. Disponível em: https://purl.pt/14914. Acesso em: 14 ago. 2022.

Não conhecemos outros livros que Francisco Fernandes vendia em sua “tenda” em Lisboa, mas a venda de exemplares como a Compilação de Gil Vicente acena, ainda que de forma velada, para uma confrontação religiosa, fruto, talvez, de sua condição de cristão-novo em meio às turbulências sociais derivadas do estado persecutório intensificado com a instalação e funcionamento do Tribunal Inquisitorial.

No cômputo de vivências tão distintas, porém unidas pelo pertencimento da mesma comunidade, ou, “nação” (Wachtel, 2009WACHTEL, Nathan. A fé da lembrança: labirintos marranos. São Paulo: Edusp, 2009., p. 364), resulta o pagamento de fiança por parte de um cristão-novo mercador em nome da liberdade de uma cristã-nova regateira.

Considerações finais

Os elementos que compõem o processo inquisitorial de Maria Fernandes apresentam aspectos das vivências de uma mulher pobre em tempos de vigilância e punição inquisitorial, enquanto suscitam a reflexão de práticas de solidariedade, em meio à tensão provocada pelas ações do Tribunal Inquisitorial.

Sua história reforça o fato de os principais alvos da Inquisição portuguesa terem sido judeus e cristãos novos, mas apresenta um diferencial quanto ao desfecho, já que no lugar da sentença condenatória o pagamento da fiança por um mercador de livros possibilitou a sua liberdade.

No livroA história dos judeus: pertença (1492-1900), o historiador britânico Simon Schama (2018SCHAMA, Simon. A história dos judeus: pertença, 1492-1900. Lisboa: Temas e Debates, 2018.) analisa a solidariedade entre cristãos-novos e, embora trate de modo mais detido a criação de uma rede de fuga solidária, financiada e estruturada por membros da comunidade judaica na Europa quinhentista, é possível perceber que o ato de Francisco Fernandes em relação a Maria Fernandes insere-se nesta mesma lógica.

Se contabilizarmos apenas os resultados da Inquisição portuguesa temos, além dos milhares de pessoas torturadas e mortas, os milhares que viveram os anos restantes de suas vidas em condições degradantes, de sofrimento e profunda humilhação, não esquecendo os que enlouqueceram nos cárceres. A isso soma-se um elemento não menos importante e que diz respeito à constatação do crescimento, no tempo presente, da intolerância religiosa em várias perspectivas, colocando um desafio ético-político fundamental àqueles que recusam o irracionalismo dos discursos e práticas que embasam tais posturas. A abordagem do tema assume uma definida posição, qual seja a de defender como fundamental revisitar este capítulo da história sob um prisma de solidariedade e resistência em um contexto de imperativa violência.

Nesse sentido, o ato de Francisco Fernandes em pagar a fiança para a sua soltura dos cárceres inquisitoriais sugere, além de uma prática de solidariedade, uma estratégia de enfrentamento das diversas formas de violência e opressão em um dos mais sombrios tempos vividos na história da humanidade. Em outras palavras, a estratégia oposta que constitui o ponto de resistência identitário, segundo Michel Foucault (1976FREITAS, Maria Brack-Lami Barjona de. Os livreiros de Lisboa quinhentista. Revista Municipal, Lisboa, ano XIII, n. 54, 1952, p. 5-25., p. 104).

Francisco e Maria, ambos Fernandes, ambos cristãos-novos.

Talvez nunca sejam alcançados os pormenores dos laços que os interligaram, mas o fato é que, após o pagamento da fiança feito pelo mercador Francisco Fernandes, Maria pôde, enfim, voltar para a “sua” Ribeira e sua vida de resistência e força.

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  • 1
    Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Inquisição de Lisboa (1536-1821), Tribunal do Santo Ofício. História Administrativa/Biográfica/Familiar. Palácio da Inquisição/Tribunal do Santo Ofício de Évora. Disponível em: http://www.monumentos.gov.pt/site/app_pagesuser/sipa.aspx?id=25984. Bula Cum ad nihil magis do papa Paulo III dirigida aos bispos de Coimbra, Lamego e Ceuta pela qual os constitui seus comissários e inquisidores no reino de Portugal como também outra pessoa eclesiástica que o rei D. João III nomeasse para procederem contra os cristãos-novos e mais pessoas que incorressem em crimes de heresia, com as penas declaradas - Arquivo Nacional da Torre do Tombo - DigitArq (arquivos.pt).
  • 2
    De acordo com Augusto Vieira da Silva, “As duas ruas que da travessa dos Latoeiros se dirigiam paralelamente para o norte, a rua da Tinturaria e o beco dos Tintes ficavam na Judiaria, e nelas estavam instaladas as lojas de tintureiros, já desde o tempo dos judeus” (Silva, 1889-1900, p. 316).
  • 3
    Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Processo de Maria Fernandes, 2009. Disponível em: PT-TT-TSO-IL-28-9871_m0001.TIF - Processo de Maria Fernandes - Arquivo Nacional da Torre do Tombo - DigitArq (arquivos.pt). Acesso em: 9 ago. 2022.
  • 4
    Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Processo de Beatriz Mendes, 2008. Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=2300242. Acesso em: 10 ago. 2022.
  • 5
    Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Processo de Gaspar Vaz, 2008. Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=2313041. Acesso em: 10 ago. 2022.
  • 6
    Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Processo de Gaspar Vaz, 2008. Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=2313041. Acesso em: 10 ago. 2022.
  • 7
    O processo inquisitorial de Leonor Rodrigues indica sua filiação materna de Catarina Fernandes, sugerindo tratar-se de um casamento endogâmico dado o mesmo sobrenome que Maria Fernandes, protagonista deste estudo e sua sogra (mãe de Gaspar Vaz, seu marido). Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=2300905 (Processo Inquisitorial de Leonor Rodrigues). Acesso em: 10 ago. 2022.
  • 8
    Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Processo de Leonor Rodrigues, 2008. Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=2300905. Acesso em: 10 ago. 2022.
  • 9
    Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Processo de Maria Fernandes, 2009. Disponível em: PT-TT-TSO-IL-28-9871_m0001.TIF - Processo de Maria Fernandes - Arquivo Nacional da Torre do Tombo - DigitArq (arquivos.pt). TIFS 11 e 12. Acesso em: 9 ago. 2022.
  • 10
    Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Processo de Diogo Fernandes, 2008. Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=2300069. Acesso em: 10 ago. 2022.
  • 11
    Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Processo de Maria Fernandes, 2009. Disponível em: PT-TT-TSO-IL-28-9871_m0001.TIF - Processo de Maria Fernandes - Arquivo Nacional da Torre do Tombo - DigitArq (arquivos.pt). Acesso em: 9 ago. 2022.
  • 12
    Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Inquisição de Lisboa. Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, liv. 6. Cópia microfilmada. Portugal, Torre do Tombo, mf. 2703, 2009. Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=2299748. Acesso em: 9 ago. 2022. No Conselho Geral existem dois livros de listas dos Autos da Fé da Inquisição de Lisboa.
  • 13
    Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Processo de Maria Fernandes, 2009. Disponível em: PT-TT-TSO-IL-28-9871_m0001.TIF - Processo de Maria Fernandes - Arquivo Nacional da Torre do Tombo - DigitArq (arquivos.pt). Acesso em: 9 ago. 2022.
  • 14
    Regimento do Santo Ofício, 1552. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 392, p. 106, jul.-set. 1996.
  • 15
    Em sua obra Peregrinação pelas igrejas de Lisboa (2020), José da Felicidade Alves faz o seguinte apontamento sobre a fundação da Irmandade de Santa Catarina do Monte Sinai da Corporação dos Livreiros: “Não sabemos bem quais as circunstâncias em que Santa Catarina foi escolhida para padroeira dos livreiros. Mas entende-se por quê. A Santa simbolizava a sabedoria, em virtude da lenda que dizia ter confundido os sábios de Alexandria, convocados para debater com ela e a vencerem; daí ser protetora dos filósofos cristãos, oradores, advogados, estudantes etc., ou seja, dos cultores da vida intelectual e seus ofícios. Os livreiros, com seu ofício e na sua corporação orgânica, andavam ligados ao livro e à finalidade cultural por ele desempenhada. Por isso, a Corporação dos Livreiros ficou ligada a Santa Catarina: daí, a Confraria da Irmandade de Santa Catarina da Corporação dos Livreiros” (Alves, 2020, p. 200).
  • 16
    Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Processo de Fernão de Oliveira, 2009. Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=2312300. Acesso em: 10 ago. 2022.
  • 17
    Portugal. Ley sobre os vestidos de seda, & feitios delles, e das pessoas que os podem trazer. Portugal, 25 de junho de 1560, p. 42-43. Disponível em: https://purl.pt/14914. Acesso em: 14 ago. 2022.
  • 18
    Portugal. Ley sobre os vestidos de seda, & feitios delles, e das pessoas que os podem trazer. Portugal, 25 jun. 1560, p. 42-43. Disponível em: https://purl.pt/14914. Acesso em: 14 ago. 2022.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    20 Set 2022
  • Aceito
    15 Ago 2023
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