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Para “livrar-se solto do crime”: as cartas de seguro na América portuguesa (meados do século XVIII a inícios do XIX)

To “get rid in freedom of the crime”: the cartas de seguro in the Portuguese America (mid-eighteenth to early nineteenth century)

Resumo:

O tema do artigo são as cartas de seguros, provisões concedidas em nome do rei para que uma ou mais pessoas pudessem se livrar da prisão antes da decisão final acerca do crime supostamente cometido. Tomamos aqui o conjunto daquelas concedidas pelo Tribunal da Relação do Rio de Janeiro entre os anos de 1753 e 1808, em número de 1.603 provisões. Primeiramente, apresentamos como as cartas de seguro eram concebidas a partir da doutrina jurídica e, em seguida, como tramitavam pelo Tribunal da Relação. Nossa hipótese é que elas eram muito difundidas na cultura jurídica da época, também por vários setores sociais, bem como que estavam muitas vezes associadas a formas mais expeditas de resolução de litígios; o que nos permite questionar um certo silenciamento sobre a história das mesmas no Brasil.

Palavras-chave:
Petições; Direitos; Prisões

Abstract:

The subject of the article is the “cartas de seguro” (insurance letters), writs granted on behalf of the king so that one or more people could get out of prison before the final decision on the crime allegedly committed. Here we take all those granted by the Court of Appeal of Rio de Janeiro, between the years 1753 and 1808, in number of 1,603 writs. First, we present how insurance letters were conceived from legal doctrine and then how they proceeded by the Court of Appeal. Our hypothesis is that insurance letters were widespread in the legal culture of the time, also by various social sectors, as well as that they were often associated with more expeditious juridical forms of litigious solving; which allows us to question a certain silence about their history in Brazil.

Keywords:
Petitions; Rights; Arrests

No ano de 1779, a “crioula forra” Maria da Conceição encaminhava uma petição para o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro solicitando a prorrogação de sua carta de seguro.1 1 Arquivo Nacional do Rio de Janeiro (doravante ANRJ), Tribunal do Desembargo do Paço - Registro de Provisões, Cartas e Alvarás da Relação do Rio de Janeiro, 1752-1808. Códice 24, Livro 6, fl.184-184v. Tratava-se de uma provisão que dava o direito a estar fora da prisão àquelas pessoas que respondiam por uma acusação criminal que não recebera ainda decisão ou sentença final. Na solicitação, Maria não negava o crime de adultério que lhe havia sido denunciado pelo marido Pedro Rodrigues da Costa, mas pedia que se aguardasse o julgamento da apelação que já havia encaminhado por meios ordinários. Em Minas Gerais, onde residia, ela já havia alcançado uma primeira carta como essa, pois os ouvidores, como representantes do rei, as poderiam conceder na forma de provisões régias. No entanto, a prorrogação das mesmas cartas deveria ser solicitada ao Tribunal da Relação e era isso que ela fazia agora. Maria pagou os direitos devidos (960 réis, mais 640 réis de registro), e obteve a prorrogação solicitada.

A ação chama muito a atenção já que Maria, além de ser mulher e de confessar seu crime, solicitava poder esperar a decisão final do julgamento fora da prisão. É verdade que não temos como saber os termos de sua confissão, já que se trata da provisão que lhe fora concedida, e apenas parte copiada da petição que a motivara. Se ela mentira para ganhar tempo ou mesmo para manter seu ato impune são questões que nunca poderemos responder, e que talvez nem sejam as melhores, desde logo, a serem perseguidas. A existência de instrumentos como as cartas de seguro que a respaldavam e que remontavam a uma larga tradição portuguesa no que dizia respeito à proteção dos supostamente criminosos é que nos parece sumamente mais significativa. Apesar da grande eloquência que o tema tem em si mesmo, e dos indícios de que eram essas cartas amplamente utilizadas, inclusive na América, ele tem merecido pouquíssima atenção da historiografia.

Esforços pontuais merecem ser destacados, mesmo que incorram no caminho de entendê-las como fonte de privilégios, no sentido da graça real, ou em uma certa exaltação, a partir dos seus aspectos doutrinais, dos direitos individuais em uma linha das origens do habeas corpus (Teixeira, 2011TEIXEIRA, Maria Lúcia R. As cartas de seguro: de Portugal para o Brasil Colônia: o perdão e a punição nos processos-crime das Minas do Ouro (1769-1831). Tese (Doutorado em História), Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011.; Andreucci, 2007ANDREUCCI, Álvaro. Origens do “habeas-corpus”: as cartas de seguro portuguesas. Revista de Direito do Cesusc, n. 2, p. 25-45, jan.-jun. 2007.). Os parcos estudos sobre as raízes medievais das cartas de seguro apontam em uma direção sugestiva de sua inserção em um complexo quadro de manifestações consuetudinárias, aproximando-as da doutrina jurídica antiga enquanto garantista de direitos como esses (Domingues, 2015DOMINGUES, José. O “habeas corpus” português na Idade Média: “ius et praxis”. Initium, n. 20, p. 205-242, 2015., p. 205-242). Estando ou não diretamente relacionada com o habeas corpus, é digno de nota que os que se dedicam a estudá-lo no Brasil não façam nenhuma referência às cartas de seguro, remetendo sua história à Inglaterra, e tendendo a enxergá-lo no Império como um transplante dos tempos constitucionais (Koerner, 1999KOERNER, Andrei. “Habeas-corpus”, prática judicial e controle social no Brasil (1841-1920). São Paulo: IBCCrim, 1999.; Massaú, 2008MASSAÚ, Guilherme. A história do “habeas corpus” no direito brasileiro e português. Revista Ágora, n. 7, p. 1-33, 2008.). O mesmo silêncio em relação a elas se observa nos juristas do século XIX, como bem observa Maria Lúcia Teixeira (2011TEIXEIRA, Maria Lúcia R. As cartas de seguro: de Portugal para o Brasil Colônia: o perdão e a punição nos processos-crime das Minas do Ouro (1769-1831). Tese (Doutorado em História), Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011., p. 132).

Parte da lacuna em relação a elas pode ser explicada a partir daí. As cartas de seguro foram extintas no Brasil em 1832 quando da promulgação do Código do Processo Criminal de Primeira Instância. No seu artigo 113, dizia-se expressamente que ficavam abolidas as cartas de seguro “e qualquer outro meio, que não seja a fiança, para que algum réu se livre solto”. Instituía, por seu modo, o habeas corpus (Título VI do Código do Processo), o qual poderia ser recebido por qualquer juiz de direito ou tribunal de justiça. O silêncio que se seguiria sobre elas certamente estava relacionado com sua associação às formas antigas e tradicionais de justiça. Como se sabe, dois anos antes fora aprovado o Código Criminal, e ambos textos codificadores seriam aclamados como elementos de ruptura com o passado jurídico português, associados com a vitória de um projeto “liberal” que tendeu a ser sinônimo de constitucional (Mattos, 1999MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema: a formação do Estado imperial. Rio de Janeiro: Access, 1999.; Lopes, 2010LOPES, José Reinaldo de Lima. O oráculo de Delfos: o Conselho de Estado no Brasil Império. São Paulo: Saraiva; Editora da FGV, 2010.).

Nesse sentido, é digno de nota como José Antônio Pimenta Bueno, o marquês de São Vicente, escreveria anos depois da promulgação dos Códigos, nos seus Apontamentos sobre o processo criminal brasileiro, que no Brasil já não imperariam as “ideias bárbaras”, o “arbítrio da tirania” e as “sensações repulsivas” causadas pelos antigos ordenamentos portugueses (Slemian, 2022SLEMIAN, Andréa; FERNANDES, Renata. “Na forma que com tanta justiça se requer”: o direito de petição no contexto da Independência do Brasil. Antíteses, v. 15, p. 146-181, nov. 2022., p. 65-66). O discurso legitimava o projeto do novo Império, do qual o marquês foi um dos próceres, relegando ao passado as suas mazelas, as injustiças, o atraso. Igualmente digno de mencionar é o próprio Cândido Mendes de Almeida que, na seminal edição que faz das Ordenações Filipinas em 1870, insere uma significativa nota explicativa sobre as cartas de seguro: teriam elas sua origem nos “tempos das vinganças particulares”, em que os que temiam qualquer perigo, solicitavam tais cartas como “proteção do Senhor Feudal ou do Rei” (Almeida, 1985ALMEIDA, Cândido Mendes de. Ordenações Filipinas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, [1870] 1985., L. 5o., T. CXXIX, p. 1302, nota 1). Segue dizendo que posteriormente elas passariam a ser dadas pelas autoridades públicas e sua prática era “somente fautora de impunidade” (L.2, t.3, c. 6, § 2, 307). De cara, apareceriam como desinteressantes em um momento que se pretendia fortemente constitucional.

Discurso que acabaria reverberando na historiografia e que contribuiu para uma certa desvalorização do passado colonial como um universo marcado por injustiças, mandonismos e despotismos locais, que tenderia a olhar os dispositivos institucionais como absolutamente ineficazes. No entanto, há décadas os estudos sobre a justiça no Antigo Regime têm colocado a necessidade de se repensar seu modo de funcionamento, bem como a cultura jurídica que lhe dava corpo. Por um lado, há que se destacar as pesquisas que vêm demonstrando o alto nível de litigiosidade presente na Época Moderna, perceptível no uso dos tribunais, pela ação e variedade dos juízes e autoridades intermédias envolvidas, bem como pela amplitude social e estratégias utilizadas pelos grupos sociais que buscavam seus caminhos.2 2 Há que se destacar a obra seminal de Richard Kagan (1981) para valorização de seu estudo; mais recentemente Gainôt (2009); Fortea, Gelabert, Mantecón (2002); Vermeesch; Heijden; Zuijderduin (2019). Nos domínios americanos, a renovação dos estudos sobre justiça tem sido igualmente digna de nota, comprovando a tese de uma intensa capilaridade dos seus espaços com a vida social, cujas atividades empregavam, ou seja, davam de “comer a muita gente”.3 3 Conforme sugere Paz Alonso (2008). Ver, para América Portuguesa, ao menos, Wehling & Wehling (2004); Lara, Mendonça (2006); Atallah (2010); Souza (2012); Melo (2018). Por outro lado, não há como negar que a seara da história crítica do direito teve um impacto profundo, desde as últimas décadas do século XX, nas formas de se conceber o mundo antes dos Estados nacionais.4 4 A bibliografia é amplíssima. Cabe destacar Costa (2002); Clavero (1991); para o mundo português, Hespanha (1994). No que toca especialmente à justiça, hoje sabemos da centralidade que lhe cabia na concepção de administração das monarquias tradicionais, padrão que se reproduziria na América desde o início da colonização. Governar era, mais que nada, “administrar a justiça”, função que cabia primordialmente ao rei, e era por ele delegada aos seus agentes para atuarem em seu nome, desde os órgãos mais centrais até os mais periféricos.

Exatamente em função disso, as cartas de seguro são especialmente emblemáticas. Eram elas uma forma de proteção contra prisões injustas para que o suposto acusado pudesse “livrar-se solto” do crime, ou seja, pudesse esperar fora da prisão uma decisão sobre a investigação do caso, ou mesmo seu julgamento final. As cartas eram dadas em provisões somente por tribunais ou agentes régios - corregedores no Reino, ouvidores na colônia - e valiam apenas para matérias de crimes e não para cíveis. Cabia ao Tribunal da Relação prorrogar seu prazo, conforme solicitou Maria da Conceição. Tudo indica que, após a instalação desse Tribunal no Rio de Janeiro, as solicitações sob sua jurisdição foram para ele encaminhados: entre os anos de 1753 e 1808 encontramos, no livro de despachos referente a esse Tribunal, um total de 1.630 provisões de prorrogação de cartas de seguro. A partir da sua análise, cruzada com a leitura da doutrina jurídica que remonta à tradição que lhe é subjacente, pudemos construir a hipótese de que não apenas eram formas rotineiras e ordinárias, como devem ser entendidas como um verdadeiro direito na forma de um instrumento que amparava os súditos por meio de proteção real.

É o que apresentamos a seguir, discutindo primeiramente como as cartas estavam previstas e, em seguida, o papel do Tribunal da Relação na sua concessão, bem como o universo de petições que as moviam. Mesmo diante das limitações das informações que encontramos nos registros das fontes, pudemos descortinar relações em disputa presentes na sociedade, seus agentes, bem como problematizar o significado desse instrumento de proteção jurídica. Diante do fato que as mesmas cartas seguiram existindo com muita pujança até sua extinção com o Código do Processo, sua história pode ajudar a refletir sobre a transição para momento constitucional e as novas garantias então criadas em relação à justiça.

O que são as cartas de seguro, quando e como se pediam?

Nas seminais Primeiras linhas do Processo Criminal, Pereira e Souza descrevia que havia dois caminhos para os réus não permanecerem na prisão: as cartas de seguro que “cessariam” a prisão, e a fiança e a homenagem que a “relaxariam” (1820, p. 72) Como é sabido, a obra teve primeira edição no final do século XVIII, e seguiu sendo editada e revista no Brasil ao longo do XIX. Mais precisamente, o “seguro” era a “promessa judicial pela qual o réu debaixo de certas condições se exime da prisão até a conclusão da causa” (Cap. IX, título LXVII, p. 73); a homenagem apenas poderia ser utilizada no caso de qualidade pessoal de nobreza, e a fiança era a “graça do imperante concedida ao réu para se livrar debaixo de certa caução” (Cap. XI, título LXXXII, p. 91)). Para o jurista, as cartas de seguro seriam “um remédio particular do nosso Reino”, desconhecidas desde entre os romanos, diferindo das fianças - geralmente concedidas aos que estão presos - e dos “salvos condutos” que usariam outras nações, e igualmente do que as Ordenações Filipinas definiam como “seguranças reais”(Cap. IX, título LXVII, p.73-74, nota 151). Nos “tempos antigos”, elas se oporiam à vendeta (“vindicta”, ou vingança), e com o passar dos anos concediam aos réus se “livrarem soltos” da prisão no tempo prescrito pelas mesmas.

Tanto as cartas de seguro como as fianças eram caracterizadas como meios ordinários da justiça, sendo as segundas consideradas como uma alternativa para quando não se obtivesse as primeiras. O mesmo Pereira e Souza diferenciava ambas de um meio especialmente “extraordinário de sair da prisão” em que o príncipe “por justos motivos concede ao Réu a Graça de ser solto dando a ele fiadores idôneos que ficam obrigados a apresentá-lo em Juízo” - a qual somente poderia ser concedida por especial decreto (Pereira e Sousa, 1820SOUSA, Joaquim José Caetano Pereira e. Primeiras linhas sobre o processo criminal. 3ª ed.Lisboa: Rollandina, [1785] 1820., p. 89-90) As fianças e as cartas de seguro, por seu lado, há séculos estavam reconhecidas como meios formalizados de solicitações que obtinham uma proteção ou benefício régio, apenas concedidas por magistrados ou tribunais superiores. Assim que não cabe enquadrá-las como um dispositivo de graça real, entendido como um poder discricionário do monarca (Hespanha, 1993HESPANHA, António M. La gracia del derecho: Economía de la cultura en la Edad Moderna. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993.).

Segundo as Ordenações, as cartas de seguros deveriam ser passadas pelos corregedores locais, podendo igualmente ser solicitadas aos corregedores da Corte do Crime, aos quais cabia o conhecimento de “todos os malefícios cometidos no lugar”, bem como aos desembargadores da Casa do Porto, como Tribunal da Relação (Livro 1, título VII). Na América portuguesa, seriam os ouvidores os principais responsáveis pela sua emissão, já que eles acabariam assumindo as funções dos corregedores, e os Tribunais da Relação as poderiam prorrogar. A grosso modo, eram elas de dois tipos: as “confessativas” em que o acusado assumia a culpa, ou parte dela, explicando seus motivos; e as “negativas”, em que se negavam os delitos.5 5 Ver exemplos fornecidos por Cabral (1730, p. 109-110). No Livro 5º, título CXXIX, estava previsto que as negativas, por um lado, não poder-se-iam passar “maliciosamente” ao acusado se, em caso de morte, este claramente pudesse ser incriminado pelas devassas e/ou inquirições; por outro lado, no caso em que nas mesmas devassas não tivessem provas claras, as cartas deveriam ser concebidas para defesa aos acusados. Era sob o mesmo raciocínio que Gregório Martins Caminha já escrevera no século anterior - no seu Tratado da forma dos libelos, das allegações judiciais, publicado originalmente em 1549 e em que constavam formulários para o foro secular e o eclesiástico - dois modelos de petição utilizados para as cartas de seguro (Caminha, 1764CAMINHA, Gregorio Martins. Tratado da forma dos libelos das allegações judiciaes [...] com addições e annotaoens copiosas [...] compostas pelo doutor João Martins da Costa. Coimbra: Officina dos Irmãos, e Sobrinho Ginioux, Impressores do Santo Officio, 1764., p. 131 seg.). No caso das negativas, o réu só poderia ser encarcerado após alguma averiguação ou prova, conforme consta da prima additio ao modelo de carta que apresenta:

O que tudo nega. Nota que, se há querela contra o réu que fez petição, ainda que por meio de testemunhas de forma sumária seja provado contra este, e a carta seja negativa, dado que ninguém pode ser encarcerado sem que as testemunhas sejam apresentadas novamente por via ordinária, ou ele mesmo as tenha por apresentadas [válidas]; de outro modo está a inquisitione [devassa]. Porque se nessa se provar, no local pode ser preso, e isso assim é praticado neste reino; e assim se julga pela sentença do príncipe, a qual tem força de lei.6 6 Gregório Martins Caminha, “Prima Additio. Ibi: O que tudo nega. Nota, quod si contra istum impetrantem est querela, quod licet per testes summarii sit probatum contra ipsum, & charta sit negatixa, quod nihilominus non potest carcerari uique quod testes sint reproducti via ordinaria, vel ipse eos habeat pro productis, secus est in inquisitione. Quia si in ea probetur, illico potest capi & hoc sic practicatur in isto Regno; & sic est judicatum per sententiam Principis, quae habet vim legis in L. final. Cod. De legibus. (tradução nossa).

Junto a esse modelo, estava o das “confessativas com defesa”: o exemplo é de um caso eloquente em que um acusado de agressão justifica sua ação em legítima defesa, alegando ser seu inimigo o verdadeiro agressor (Caminha, 1764CAMINHA, Gregorio Martins. Tratado da forma dos libelos das allegações judiciaes [...] com addições e annotaoens copiosas [...] compostas pelo doutor João Martins da Costa. Coimbra: Officina dos Irmãos, e Sobrinho Ginioux, Impressores do Santo Officio, 1764., p. 132). Em ambas modalidades, é relevante a direção para que se evitassem prisões em que não se tivessem provas claras.

Foi Mateus Homem Leitão, desembargador da Cúria de Braga e posteriormente inquisidor, que no século XVII dedicou uma parte inteira de seu tratado de direito português ­sobre o tema das cartas de seguro.7 7 A obra De Jure Lusitano in três Tractatus. Primus de Gravaminibus. Secundus de Securitatibus. Tertius de Inquisitionibus, foi escrita originalmente em latim e publicada em Coimbra em 1645. Utilizamos a versão “revista e corrigida” publicada em 1745 (publicada com prefácio de António Manuel Hespanha em 2009). Tratando-as como uma verdadeira especificidade portuguesa não conhecida no “Direito Comum”, afirma que teriam sido “inventadas” anteriormente às Ordenações do Reino, o que faz com que nessas apenas se decidam dúvidas específicas e não a “natureza primordial da matéria” (Leitão, 2009LEITÃO, Mateus Homem. Do direito lusitano. Dividido em três tratados. Agravos. Cartas de Seguro. Inquirições. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian , [1745] 2009., p. 215). Não poupa esforços para dizer o quanto elas se constituíam e teriam sido criadas como um verdadeiro “remédio” contra injustiças feitas aos súditos:

Mas, se se procurar saber por que razão teria sido adotado este remédio, responderemos que foi um uso inventado de uma maneira justíssima e prudente e aprovado pelas nossas Leis; pois, anteriormente, aqueles que suspeitavam de que contra si estava decretado, ou de que deveria ser decidido, um mandato de captura, ao fugirem com medo do cárcere, e ao deixarem, assim, a sua casa, e, em virtude disso, ao caírem muitas vezes na pobreza, resvalavam para crimes maiores e mais graves.8 8 Idem, p. 215-216.

Diante do fato de que, segundo ele, para encarcerar alguém bastaria uma prova menor do que para castigar, as cartas deveriam ser como um instrumento de amparo aos súditos.

Ao enumerar três espécies de cartas de seguro que estariam presentes no Direito Pátrio português, Leitão tangencia uma larga tradição garantista de justiça existente nas monarquias tradicionais muito além de Portugal. Segundo ele, a primeira seria a vulgarmente chamada “Carta Régia de seguro” que os magistrados concederiam “a quem teme, com razão, que o inimigo lhe irá fazer uma ofensa [...] com fatos ou com palavras” (Leitão, 2009LEITÃO, Mateus Homem. Do direito lusitano. Dividido em três tratados. Agravos. Cartas de Seguro. Inquirições. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian , [1745] 2009., p. 219 seg.). A segunda seria aquela carta concedida pelo Juiz do Couto ou do Asilo, para que aquelas pessoas que aí morassem pudessem andar pelo Reino durante um tempo determinado (Almeida, 1985, livro 5, tit. CXXIII). A terceira seria a carta de seguro aqui discutida, encaminhada pelas pessoas aos juízes para não serem encarceradas “por Direito”. Ainda que nosso autor esteja mais preocupado em tratar da especificidade portuguesa, vale dizer que existia no direito castelhano, sob a mesma alcunha de “cartas de seguro”, um instrumento público em que se fornecia a alguém o direito de estar livre de qualquer perigo, dano ou risco (Álvarez Bezos, 2015ÁLVAREZ BEZOS, María Sabina. La carta de seguro: un instrumento de defensa de la mujer maltratada durante el reinado de los Reyes Católicos. Clio & Crimen, n. 12, p. 65-90, 2015.). Também que era usual que tribunais ou magistrados fornecessem, em nome do rei, cédulas ou provisões para amparo de direitos de seus súditos nas monarquias europeias, sob os mais diversos nomes e modos. Os casos mais conhecidos e estudados são as tradicionais writs inglesas, como ordens reais dirigidas a um tribunal local para que as petições encaminhadas pudessem ser rapidamente satisfeitas no reparo de algum ato injusto ou de proteção ao demandante contra falsas acusações (origem da emblemática do habeas corpus).9 9 A bibliografia sobre a questão é amplíssima. Ver, ao menos: Duker (1980); Mian (1984); Halliday (2010). Nas palavras de Van Caenegem (1973), as writs se converteram em verdadeiros “instrumentos de governo justo”, medidas “executivas” que muitas vezes eram preferidas pelos súditos ao invés dos caminhos judiciais dos tribunais (ver capítulo “Royal writs and writ procedure”). Sua legitimação estava na ideia de que os direitos deveriam estar preservados pela tradição histórica, entendidos como prévios e inerentes à condição de cada qual, sendo função do rei garanti-los. E assim estavam dispersas por todos os lados, inclusive nas monarquias ibéricas (Garriga, 2021GARRIGA, Carlos. Gobierno y justicia: el gobierno de la justicia. Historiapolitica.com: Programa Interuniversitario de Historia Política, n. 125, jul. 2021 (Dossier Justicia y administración entre antiguo régimen y orden liberal: lecturas ius-históricas).). Obviamente que essa história não foi recuperada no início do Império, conforme demonstramos acima, por razões claramente políticas.

Ao longo do tempo, as mesmas cartas foram alvo de diversas reformulações no tocante ao seu uso, como a própria doutrina deixa entrever. Leitão já mencionava que, para além das confessativas e negativas, haveria as negativas “coartadas”, usadas quando os acusados negavam o delito justificando sua escusa com um álibi - porque estava em lugar distante do crime no seu momento, por exemplo; também a existência de algumas mistas, em que o réu, ao mesmo tempo, confessava um crime, mas negava todos os outros (Leitão, 2009LEITÃO, Mateus Homem. Do direito lusitano. Dividido em três tratados. Agravos. Cartas de Seguro. Inquirições. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian , [1745] 2009., p. 221-222). Nesse sentido, ele apresenta novos modelos de petições para as cartas, alegando que os estabelecidos por Gregório Caminha se encontravam “antiquados ou insuficientes” (p. 356 seg.). Mas o centro da sua discussão está sobre a ocasião em que elas poderiam ser requeridas, concedidas, e as causas em que se poderiam denegá-las ou “quebrá-las” (ou seja, anulá-las). Tendo em vista que, para Leitão, enquanto o delito não se encontrasse provado haveria o direito de solicitá-las, os fatos, as possíveis testemunhas, e o processamento das devassas e das inquirições tinham um forte peso para sua concessão. Nesse sentido, vale dizer que as negativas não apenas eram distintas, como levantavam mais inconvenientes do que as confessativas com defesa, as quais possuíam uma eficácia particular e poderiam ser concedidas imediatamente após o delito. Para os que fossem negar o crime, o magistrado do lugar deveria levar em conta, sobretudo em caso de homicídio, se havia provas evidentes trazidas por investigação, ou mesmo esperar um lapso de tempo para concedê-las com o intuito de se evitar alguma forma de impunidade.

Evitar os abusos de quem as fornecia também era uma das preocupações nas normativas que tratavam de sua concessão. Nesse sentido, António Vanguerve Cabral, na sua Prática judicial publicada em 1730CABRAL, António Vanguerve. Practica judicial, muyto util, e necessária para os que principião os officios de julgar, e advogar e para todos os que solicitaõ causas nos Auditorios de hum, e outro foro. Novamente impressa, correcta, emendada e acrescentado hum novo índice geral alfabético. Coimbra: Na Officina de Antonio Simoens Ferreira, 1730., evocava uma pragmática de 6 de dezembro de 1612, que já estabelecia uma hierarquia mais clara no tocante ao papel de inspeção que os corregedores do Reino deveriam exercer sobre aqueles que estavam nas comarcas (Cabral, 1730, p. 107 seg.). Caberia aos primeiros seguir as devassas que no Tribunal da Relação se fizerem das ditas cartas concedidas: no caso das confessativas que não tratassem de homicídio, poderiam negá-las obrigando os julgadores a prender o acusado dentro do termo; no caso das negativas, o mandariam logo prender se virem que havia prova suficiente para “castigar o delinquente”. Também fixava que as cartas que haviam sido concedidas como confessativas não poderiam passar para negativas posteriormente, com acréscimo de documentos, como cita que se realizaria na Relação do Porto. Todas as cartas deveriam passar pela Chancelaria, e ao Tribunal da Relação previa-se um papel de inspeção de seus atos.

Para a América, preocupação semelhante esteve presente. O mesmo Vanguerve Cabral que, sendo nascido em Portugal, havia sido juiz do bispado de Mariana e ouvidor da Capitania de Itamaracá em finais do século XVII, relata uma experiência por ele vivida para demonstrar que não se podia passá-las tão livremente. Diz que entrando como ouvidor da dita Capitania, intuiu que poderia passar cartas de seguro diante do fato de não existir ali nenhum julgador que tivesse “jurisdição regular” para concedê-las - o que fazia o ouvidor da Capitania de Paraíba, como provedor da Comarca. Logo receberia a notícia da inspeção de seu ato: de que o rei, por carta de maio de 1705, determinava que as cartas que ele passara fossem consideradas regulares - pelo motivo dos “criminosos estarem em boa fé” de que ele seria “legítimo Julgador” -, mas que as próximas fossem remetidas ao provedor da Comarca que estava no direito de concedê-las. Destaca que elas apenas poderiam ser prorrogadas pelo Desembargo, ou pelos magistrados da Relação que cumpriam essa função no Brasil, e que teriam que estar baseadas em “justa causa” (Cabral, 1730CABRAL, António Vanguerve. Practica judicial, muyto util, e necessária para os que principião os officios de julgar, e advogar e para todos os que solicitaõ causas nos Auditorios de hum, e outro foro. Novamente impressa, correcta, emendada e acrescentado hum novo índice geral alfabético. Coimbra: Na Officina de Antonio Simoens Ferreira, 1730., p. 270).

Mais do que controle, a carta régia permite entrever que havia preocupação na marcação das hierarquias jurisdicionais, preservando sua emissão apenas para aqueles que haviam sido designados para tal. Que ficasse bem claro que os ouvidores as passavam em seu nome, mas que não poderiam falar pelo monarca, foi o motivo de uma outra carta dada por D. João, em 1722, como reprimenda aos ouvidores-gerais de Minas Gerais (apudTeixeira, 2011TEIXEIRA, Maria Lúcia R. As cartas de seguro: de Portugal para o Brasil Colônia: o perdão e a punição nos processos-crime das Minas do Ouro (1769-1831). Tese (Doutorado em História), Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011., p. 107). A carta criticava-os por instruírem que as petições para fiança e cartas “para que soltos tratassem de seus livramentos” fossem feitas com o “tratamento de Majestade”, sendo que eram endereçadas a eles. Valer-se de tal tratamento seria, ademais de um “abuso”, contrário às “leis e reais ordens”, devendo-se seguir o estilo correto para sua concessão. Diante do que hoje pode parecer um mero jogo de palavras, estava a atribuição que caberia aos tribunais régios e aos magistrados que falavam mais diretamente em nome do monarca de zelar pelo seu bom uso.

Em alvará datado de 1692, tomavam-se medidas ainda mais restritivas em relação aos seguros, o que nos leva a supor que não apenas sua emissão fosse recorrente como de difícil controle sob as formas de impunidade.10 10 Cabral (1730, p. 268 seg.), “Ley Novíssima” de 10 de janeiro de 1692. Sob o argumento das “repetidas queixas de meus vassalos, sobre os vários e extraordinários crimes”, não bastando para os coibir a severidade das penas diante da “ousadia dos delinquentes” em tomarem as cartas de seguro como se fossem sentenças de absolvição, ordenava-se que, nos casos de morte, só pudessem ser negativas e expedidas pela Relação (conforme já previsto em resolução de 24 de setembro de 1678); além disso, estabelecia-se que não se admitiriam segundas petições para cartas de seguro, sendo uma vez denegadas nas Relações (ver decreto de 13 de setembro de 1691, e Assento de 22 de dezembro de 1695). Que em qualquer caso, nenhuma carta poderia durar mais do que um ano, a não ser que, com justas causas, se recorressem ao Desembargo para prorrogá-la. Por seu lado, a doutrina da época previa que, nos casos graves, “se mandão prender os delinquentes para a segurança da pena, o que se observa por estilo praticado, ainda que não haja Lei que tal disponha”, em nome da “parte ofendida prejudicada, & da Republica” (Cabral, 1730CABRAL, António Vanguerve. Practica judicial, muyto util, e necessária para os que principião os officios de julgar, e advogar e para todos os que solicitaõ causas nos Auditorios de hum, e outro foro. Novamente impressa, correcta, emendada e acrescentado hum novo índice geral alfabético. Coimbra: Na Officina de Antonio Simoens Ferreira, 1730., p. 264-265). Novas restrições sobre os crimes para os quais não poderiam ser emitidas cartas de seguros foram paulatinamente sendo criadas entre os séculos XVII e XVIII, sobretudo no que dizia respeito ao contrabando.

Alexandre Caetano Gomes, em seu manual prático para uso no foro, dedica poucas, mas importantes linhas, às cartas de seguro (Gomes, 1748GOMES, Alexandre Caetano. Manual practico judicial, cível, e criminal. Lisboa: Officina de Miguel Manescal da Costa, 1748.). Em geral, ele trata exatamente da centralidade do papel do juiz em “guardar e fazer observar as cartas de seguro” (p. 222). Advertia que, no caso de uma devassa pronunciada por juiz letrado, a carta negativa não deveria ser “guardada” (mantida); mas ao mesmo tempo dizia que não se pode prender logo o réu “porque como as testemunhas da devassa, ou querela foram tiradas sem citação do mesmo réu não fazem contra ele inteira prova, enquanto se não fazem judiciais” (p. 223). E que somente após o recebimento de uma “contrariedade”, em que não há defesa para o crime, é que se poderia anular “a Carta de seguro pela cláusula de defesa” (p. 223). Aqui ele parece tocar em uma questão central, já anunciada pelos demais doutrinadores: a importância de circunscrever bem as cartas a quem caberia concedê-las, tribunais e autoridades superiores, como forma de combater impunidades; ao mesmo tempo, a necessidade de assegurá-las até que houvesse provas efetivamente judiciais. Essas parecem ser duas faces de uma mesma moeda em que a história das cartas de seguro deve ser feita. Tendo isso em mente, vejamos o que se pode auferir a partir das provisões encontradas.

As cartas de seguro no Tribunal da Relação do Rio de Janeiro

Na América portuguesa, como apontamos acima, seriam os ouvidores os principais responsáveis pela emissão das cartas de seguro, já que acabariam assumindo as funções dos corregedores do Reino, mantendo uma ampla gama de funções (Mello, 2015MELLO, Isabele Matos P. de. Magistrados a serviço do rei: os ouvidores-gerais e a administração da justiça na comarca do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2015.). Com a instituição do Tribunal da Relação da Bahia (em 1609, e sua reinstalação em 1652), caberia a este a função de “reformar” as cartas de seguro, ou seja, prorrogar seu prazo. Quando da instalação do Tribunal do Rio de Janeiro, em 1752, seu regimento seguia praticamente a mesma estrutura daquele existente na Bahia.11 11 Regimento de 13 de outubro de 1751, Colleção da Legislação Portugueza. Lisboa, Typografia Maigrense, 1830, p. 484-502. Wehling & Wehling (2004). Entre os magistrados previstos para atuarem no seu âmbito, havia um chanceler que tinha como papel fundamental referendar todas as decisões por meio do ato de colocação do selo real, fornecendo-lhes o estatuto de “supremas”, ou seja, emitidas em nome do rei. Em território americano, o chanceler usava das mesmas providências dadas ao juiz da chancelaria da Casa da Suplicação (instância máxima de justiça no Reino), além da atribuição de despachar os negócios pertencentes ao Desembargo do Paço, onde tramitavam todos os alvarás e provisões concedidos em nome do rei. Era responsável por verificar todas as cartas e sentenças emitidas pelos desembargadores, passar todas as “cartas e provisões assim de graça, como de justiça e fazenda, assinadas pelo governador”, bem como “todas as cartas de execuções das dízimas das sentenças” (Regimento do Tribunal, artigo 32).

Em função disso, o chanceler presidia, no espaço do Tribunal, a chamada “Mesa grande” onde, conjuntamente com o governador e o desembargador de agravos mais antigo, despachavam as petições recebidas da população na forma de provisões. Tratavam-se de pedidos de confirmação ou solicitação de reconhecimento de direitos que não tramitavam por via judicial (ainda que pudessem estar envolvidos com algum processo em curso), tomados sem apreciação dos fatos, mas a partir das razões apontadas nas mesmas petições. Além dos pedidos de fianças e de comutação de penas, a Mesa tinha “igualmente jurisdição para mandar passar provisões para se citarem os presos [...] provisões de suplemento de idade, cartas de emancipação, e reformas de cartas de seguro” (Regimento do Tribunal, artigo 55). Em contabilidade por nós realizada nos seus despachos entre os anos de 1753 e 1808, contabilizamos um total de 8.798 provisões, conforme aparece no Gráfico 1:


Provisões emitidas pelo Tribunal da Relação do Rio de Janeiro (1753-1808)

Chama a atenção que os pedidos de seguros, que eram todos de prorrogação de cartas já concedidas, sejam os segundos mais solicitados para o período, proporcionalmente mais recorrentes que as fianças. Apenas perdiam para os casos de emancipação ou suplemento de idade, solicitações para que as pessoas fossem consideradas “maiores” de idade e pudessem responder por si próprias. Se retiramos esses casos de emancipação da contabilidade - por se tratar de solicitações que não envolviam uma parte agraviada, ou seja, eram casos de “jurisdição voluntária” - as cartas de seguro lideravam as solicitações para o período, como se vê no Gráfico 2:

Total de
provisões emitidas pelo Tribunal da Relação do Rio de Janeiro (1753-1808) sem jurisdição voluntária

Tanto os pedidos de “citar e demandar”, como para se poder “apelar da causa” - que diziam respeito a denúncias ou a autorizações e licenças para processar alguém -, quanto ao conjunto que intitulamos “outros” - em que encontramos majoritariamente queixas, bem como solicitações de “provas de direito comum”, por exemplo - tratavam-se de situações que envolviam um terceiro, contra quem se movia a ação.

Segundo António Manuel Hespanha, essas provisões devem ser entendidas como parte de uma larga tradição de “cartas de privilégio” e/ou “cartas de benefícios”, e em uma categoria especial que classifica como de “petições de graça em matéria de justiça”.12 12 Hespanha (1982, p.361-3) cita na nota que esta distinção existe desde as Ord. Manoelinas; que se veja também Regimento dos desembargadores do Paço, 15 abr. 1523) em que sob a terminologia de “cartas de privilégio” e “cartas de benefícios” congregariam uma série de que iam desde concessão de recursos, livramento de prisões e fianças, dispensa ou prorrogação de prazos, concessão para não se executar alguma provisão régia, emancipação, autorização para se darem ou se fazerem marcação de sesmarias, mandados para residências de autoridades, confirmação de juízes, licença para advogar, entre várias outras previstas de forma dispersa pelas Ordenações Filipinas e regulamentos citados pela doutrina. Graça aqui dizia respeito à forma como tramitavam: por expedientes jurisdicionais que poderiam obter seu direito reconhecido por decisão direta dos magistrados envolvidos na “Mesa grande”, sem que houvesse um processo judicial propriamente. Era em função disso que caberiam apenas aos altos magistrados e, no Tribunal, ao chanceler. Nestes termos, podemos igualmente caracterizá-las como um “remédio extrajudicial” que tratava de matérias de justiça ou de direitos alegados pelos suplicantes (Slemian, 2023SLEMIAN, Andréa. Entre graça e direitos: apontamentos sobre como entender as petições na América portuguesa (século XVIII). Almanack, n. 34, p. 1-38, 2023., p. 18).

As cartas de seguro são um exemplo preciso para demonstração dessa via, já que faziam parte desse universo. Para o período apontado, contabilizamos um total de 1.630 solicitações de prorrogações de carta de seguro passadas pela Mesa Grande do Tribunal da Relação (que contemplava as localidades da jurisdição do Tribunal, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Goiás). Na sua grande maioria, a alegação era a necessidade de maior tempo de espera para as decisões, sob o argumento de que estavam a “findar seus livramentos” da prisão. Ainda que tenhamos lido as provisões, e que em muitos casos não seja possível verificar o conteúdo original das petições (também pelo péssimo estado de conservação de parte de alguns livros), uma série de informações significativas puderam ser analisadas.

Primeiramente, sua contabilidade. Distribuídos pelos anos dos 16 livros de registros de provisão, temos os seguintes números de cartas de seguro:


Provisões de prorrogação de cartas de seguro, 1753-1808

Diante do gráfico, há que se notar que, embora haja um grande crescimento entre os anos de 1802-1807, este livro é o único que se refere a mais de oito anos de provisões. Seus números o que indicam, na verdade, é uma certa constância nos pedidos de prorrogações das cartas de seguro durante praticamente todo o período.

Do que se pode imaginar que seu número fosse ainda maior nas localidades, dado que para o Tribunal se encaminhavam apenas os pedidos de prorrogação. É o que se pode deduzir para o caso das Minas Gerais, a partir dos números bastante significativos de solicitações feitas aos ouvidores locais estudados por Maria Resende Teixeira (2011TEIXEIRA, Maria Lúcia R. As cartas de seguro: de Portugal para o Brasil Colônia: o perdão e a punição nos processos-crime das Minas do Ouro (1769-1831). Tese (Doutorado em História), Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011., p. 274 seg.). Um dado muito significativo trazido pela autora é que muitos dos pedidos de seguros se referiam a defesas em relação a devassas abertas na localidade para investigação de crime, e um número expressivamente maior para defesa em relação a querelas - queixas encaminhadas por pessoas que se sentiam agraviadas a autoridades, que não apenas juízes. Segundo Teixeira, no contexto das Minas Gerais, os querelados se referiam, em geral, a pessoas com alguma posse para que se pudesse arcar com os gastos necessários; no entanto, há que se notar que as querelas envolviam custos menores em relação a um pleito ordinário, o que nos faz pensar que as cartas de seguro teriam realmente grande abrangência. Ela igualmente cita vários casos envolvendo mulheres e escravos que teriam alcançado cartas de seguros, reconhecendo que elas terminavam por amparar do ônus da prisão, mesmo que pudessem servir na impunidade de crimes, como a mesma autora dá também a entender.

Em nossos dados, também nos chama a atenção o significativo número de casos derivados originalmente de querelas e de devassas. De um total de 1.630 solicitações recolhidas, ao menos 627 eram provenientes de querelas e 375 de devassas, contabilizando 1.002 pedidos.13 13 A contabilidade foi feita a partir dos citados 16 livros de despacho de provisões: Livro 1, 1753-1755 (40 querelas, 21 devassas); Livro 2, 1755-1759 (19 devassas, 39 querelas); Livro 3 (24 devassas, 69 querelas); Livro 4 (34 querelas, 30 devassas); Livro 5 (35 querelas, 16 devassas); Livro 6 (55 querelas, 32 devassas); Livro 7 (49 querelas, 15 devassas); Livro 8 (19 querelas, 11 devassas); Livro 9 (18 querelas, 22 devassas); Livro 10 (43 querelas, 27 devassas); Livro 11 (30 querelas, 16 devassas); Livro 12 (47 querelas, 23 devassas); Livro 13 (29 querelas, 11 devassas); Livro 14 (31 querelas, 11 devassas); Livro 15 (130 querelas, 25 devassas); Livro 16 Seguro (24 querelas, 7 devassas). Total: 627 querelas, 375 devassas (1.002 petições). Dizemos ao menos, pois contabilizamos apenas as provisões que citaram expressamente uma das duas vias; o que já indica mais de 60% das solicitações de seguros. Como citado, as querelas eram queixas encaminhadas às autoridades que davam ensejo a procedimentos mais expedidos para averiguação das culpas, sem entrar nas vias ordinárias (Slemian, 2022SLEMIAN, Andréa; FERNANDES, Renata. “Na forma que com tanta justiça se requer”: o direito de petição no contexto da Independência do Brasil. Antíteses, v. 15, p. 146-181, nov. 2022.; Fernandes, 2022FERNANDES, Renata S. O Conselho Ultramarino e as queixas e agravos do Ultramar português (Minas Gerais, 1750-1808). Revista de História, n. 181, p. 1-34, 2022.). Como procedimento antiquíssimo, a partir de queixa iniciada por alguém, o acusado já poderia solicitar sua carta de seguro para evitar que fosse colocado na prisão antes mesmo de qualquer averiguação. O mesmo caberia em relação às devassas que, como processos ex-officio abertos a partir de alguma denúncia (“inquirições”), e tinham por intenção serem igualmente rápidas para averiguação dos culpados (Hespanha, 2015HESPANHA, António M. Como os juristas viam o mundo. 1550-1750: direitos, estados, coisas, contratos, ações e crimes. Lisboa: Create Space, 2015.; Leitão, 2009LEITÃO, Mateus Homem. Do direito lusitano. Dividido em três tratados. Agravos. Cartas de Seguro. Inquirições. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian , [1745] 2009., p. 369 seg.). Da mesma forma, o indivíduo demandava sua carta enquanto a investigação não tivesse sido terminada. É sabido que estas formas teriam sido incentivadas no século XVIII, conforme apontado por Rui Marcos, para responder mais rapidamente a uma ânsia por uma maior eficácia de justiça em todo o Império (2006, p. 104 seg.).

Mas o que nos interessa destacar aqui é como querelas e devassas representavam bem mais que metade do universo dos casos de pessoas que recorriam em nome do direito de estarem fora da prisão. Acreditamos que este é um forte argumento para tratarmos da capilaridade das formas de justiça para além das vias ordinárias, sempre imaginadas como muito custosas e de difícil acesso. Outra questão que nos leva a ressaltar este aspecto está vinculada à abrangência social que podemos auferir a partir da análise das petições de seguro. Um primeiro está vinculado aos tipos de causas.

Muitas delas tratam de acusações de ferimentos, “bofetadas”, ou agressões, em menor número mortes, mas também “assuadas” (desordens, algumas mesmo com poucos envolvidos), injúrias, adultérios e, mesmo, defloramentos. Ações criminais as mais variadas, incluindo de menor e maior gravidade, se podemos dizer assim. No tocante às posses envolvidas, é significativo como as acusações para as quais se solicitava livrar-se da prisão se referiam a médios ou pequenos bens, dando a perceber como disputas corriqueiras eram denunciadas e envolviam normalmente a prisão de alguém. Estas iam desde o furto ou auxílio na fuga de escravos, extravio de madeiras, roubo de cavalo, demolição de casas, conflito por venda de terras, queima de propriedade, galinhas, entre outros. Casos de fraude também poderiam ser denunciados, como fez Domingos Antônio Gomes acusando José de Mendonça Dormundi no Juízo da Provedoria Real, de ter “cortado e fabricado tabuas de tapinhoã para venderem”.14 14 ANRJ, Livro 9, fl. 236, 1791. Ou mesmo outra em que se diz em que “João Teixeira de Carvalho e outros seus feitores” se defendem de uma devassa de assuada por terem ocupado “uns matos para plantar de milho”, conforme requereu o capitão Paulo Mendy Capelo no Juízo ordinário na Comarca do Sabará, em Minas Geais.15 15 ANRJ, Livro 4, 1766, fl.34-34v. Por mais que se possa dizer que os primeiros fossem pessoas que serviam a interesses de outros com posses, o fato é que uma devassa fora aberta contra e solicitavam eles a prorrogação do seu seguro.

A abrangência social também pode ser medida pelos que aparecem como suplicantes das cartas ou mesmo querelantes/denunciantes do caso. Neste sentido, é muito significativo que apareça uma diversidade de agentes, entre eles muitos escravizados, “pretos” e pardos forros. Mas há que se distinguir as posições em que estes aparecem para que faça sentido pensar o quanto provisões estariam disponíveis para muitos ou apenas para a manutenção do status quo de alguns. No caso especial dos escravizados, são diferentes as situações em que estes aparecem. Uma primeira delas, eram as solicitações para que se livrassem da prisão de crimes de ferimentos e mesmo de mortes de outros escravos e defloramento de escravas. Embora se saiba do papel da violência doméstica neste sentido, podemos afirmar que estes não são os mais recorrentes quando tratamos das solicitações das cartas de seguro. Em número um pouco maior estavam os vários casos em que seus senhores solicitavam uma carta de seguro para si conjuntamente com seus escravos. Este foi o teor da petição abaixo, enviada em 1783, por Antonio Carvalho Galvão, para livrar-se de uma querela em que lhe acusavam de ferimentos:

Diz Antonio Podersozo de Carvalho Galvão, por si e como cabeça de seu escravo Joaquim mulato, e tão bem como administrador dos escravos do Capitam Jeronimo da Silva Pereira, Francisco e Pedro Benguelas, e Matheus Angola, moradores no distrito da Vila de Sam Jose do Rio das Mortes, que contra eles suplicantes deu uma querela Manoel Gonçalves de Araújo perante as justiças da dita vila, com o falso fundamento de que lhe havido feito huns ferimentos em seus escravos.16 16 ANRJ, Livro 8, 1783, fl. 112.

Mais eloquente acerca das possibilidades de uso da violência contra outrem por meio da arregimentação de escravizados são os casos em que havia denúncia de desordem: este foi o caso do coronel Joaquim Silvério dos Reis, que solicitava uma carta de seguro para si, para outro coronel, para sua mulher e escravos, acusados de uma “assuada”.17 17 ANRJ, Livro 11, 1792, fl.47. Não à toa, estes casos geralmente ocorriam quando se tratava de violência física, ferimentos e espancamentos, além de desordens, que demonstram as formas de uso da violência a partir do poder doméstico dos senhores, os quais envolviam seus escravos, mas também mulher e filhos. Mas esses casos atestam igualmente a capacidade de querelar-se contra essa prática por parte de outrem, abrindo um campo de contestação que as cartas de seguro também permitem pensar, ainda que às avessas.

No entanto, há muitos casos de escravizados que conseguem provisões de cartas de seguro em situações distintas. Alguns em petições feitas em nome de seu senhor “por cabeça de seu escravo”, podendo-se ou não apreciar seus nomes, sem se tratar de crimes que os mesmos senhores estavam envolvidos.18 18 Veja-se este caso que o suplicante falava em nome de seus filhos e escravos, “Copia= Dizem Francisco Pereira de Sá, e Manoel Pereira de Sá, filhos de João Pereira de Sá, e este por cabeça de seus escravos José Angola, e outro José Angola, Joaquim Angola, Domingos Angola, Pedro Angola, Manoel Crioulo, Antonio Angola, outro Domingos Angola, Custodio Crioulo, Jose Crioulo e Angelo Crioulo que no juízo da ouvidoria geral do crime se estão os suplicantes livrando com carta de seguro da querela que deles deu João de Souza Coelho[...]” (1790, fl. 270, livro 10). Mas há outros casos, não poucos e são eloquentes, em que a petição de seguro é feita em nome do cativo, citando ser escrava ou escravo de fulano ou ciclano. Embora se pudesse dizer que agiriam os senhores para terem seus escravizados soltos, chama a atenção que os escravos apareceram também por seus nomes próprios, alegando o direito que também teriam de estarem soltos antes da decisão do caso. Tais petições geralmente aparecem como nos termos seguintes: “Sebastião escravo de Jose Francisco, que perante as justiças ordinárias de Cabo Frio, está o suplicante livrando-se com a justiça, da culpa que lhe resultou da devassa a que se procedeu pelo ferimento de Ignacio Jose Fernandez; Crioulo forro, e como está findo”.19 19 ANJR, Livro 13, RJ, fl. 17, livro 13. Do que se deduz a intensa participação de escravizados no espaço de justiça representado pelas provisões de cartas de seguro. A quantidade de “pretos” e forros presentes nos pedidos de prorrogação das mesmas cartas também está longe de ser pequena. Vários eram os casos em que estes estavam ou na posição de querelantes, movendo uma queixa ou ação contra alguém, ou como suplicantes das cartas para estarem livres da prisão, defendendo-se da acusação. Este foi o caso da “parda forra” Veronica Antonio da Conceição que, moradora em Minas de Goiás, “está a suplicante cuidando em livrar-se da culpa que lhe arguiu Maria Baptista, de Lima e sem embargo de toda a diligência não tem sido possível”.20 20 ANJR, Livro 11, 1794, fl. 205v. O mesmo se pode dizer da “crioula forra” Maria da Conceição, cujo caso iniciou esse texto. Forros poderiam estar em ambas as posições, e mesmo obter livramento da prisão em relação à acusação feita por outro forro; o que inviabiliza a tese de que as cartas de seguro seriam primordialmente instrumentos utilizados em nome da impunidade de grupos de elites locais.

Para terminar um quadro dos seus principais casos, não se pode deixar de mencionar as solicitações por alvarás de seguro para aqueles que eram acusados por erros de ofício, ou que passassem por correição. Para todo o período aqui compreendido encontramos cinquenta casos destes em que autoridades, escrivães ou tabeliães e meirinhos escusavam-se de crimes no exercício de seus cargos. Assim solicitava sua carta o “bacharel formado”, Alberto Luis Pereira Bacharel, no exercício da função de procurador da companhia do contrato dos Diamantes, movido por acusação feita pelo Ouvidor-Geral da Comarca de Serro Frio e do Intendente dos Diamantes da mesma comarca, em 1753.21 21 ANJR, Livro 1, 1753, p.33-33v. Também o advogado Francisco da Silva Ascoly, que solicitava carta de seguro pela culpa que se imputava na “devassa Janeirinha”, por erros de ofício na Vila de Santo Antonio de Sá, em 1766. Juízes de órfãos e vereadores, entre outros, eram igualmente aqui suplicantes para se livrarem da prisão. Que todos eles se defendiam em função de sua posição política é difícil de saber, mas sua defesa expressa, como as outras, que a dinâmica de acusações formais poderia ser muito mais do que por vezes se imagina.

Em função do apontado, e com todas as limitações impostas pela falta de mais informações nas fontes que aqui utilizamos, parece-nos que descortinamos um campo para se pensar a esfera criminal, seus dispositivos de defesa e de direitos, ainda pouco estudado entre nós na passagem da América portuguesa para o Império do Brasil. Obviamente que carecemos de mais estudos e dados que nos permitam ampliar as hipóteses, bem como construir uma reflexão mais sólida sobre o tema.

Considerações finais

Os números aqui evocados indicam que as cartas de seguro seguiram incólumes por todo o período reformista até inícios do século XIX, mesmo diante dos projetos modernizadores que se referiam à esfera criminal. Assim, o silenciamento que a historiografia impôs a elas não parece coadunar com sua história. A expressividade das suas provisões e a amplitude social que conseguimos demonstrar nas provisões do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro fazem jus à riqueza de questões apontadas pela doutrina desde muito antes da periodização aqui circunscrita. Com isso, se vislumbra o alto nível de litigiosidade que existia na colônia, marcada pela valorização de dispositivos jurídicos como esse para se pensar a vitalidade da cultura jurídica entre os agentes sociais.

Em pleno uso no período, podemos defender que as cartas de seguro tinham um caráter de “remédio ordinário” para amparar os súditos nos casos de prisões arbitrárias e/ou injustas. Por mais que isso não implique ignorar que essas cartas pudessem servir como instrumentos de impunidade de muitos, o que sua regulamentação tentava claramente evitar, seria equivocado tomar essa característica para a totalidade daqueles que tinham direito de manter seus “livramentos”. Suas provisões inseriam-se, isso sim, em um universo de respostas por parte da Coroa para manutenção do status quo colonial, e reconhecimento dos vínculos com seus súditos, em seus vários níveis sociais. Elas parecem igualmente atestar o temor de uma prisão injusta que, ao que tudo indica, poderia ser recorrente. Não à toa, quando da eclosão do constitucionalismo na segunda metade do século XIX, uma das questões centrais que estava em muitas das petições encaminhadas às Cortes de Lisboa, e depois à Assembleia Constituinte do Rio de Janeiro, dizia respeito especialmente a queixas contra prisões injustas (Slemian; Fernandes, 2022SLEMIAN, Andréa; FERNANDES, Renata. “Na forma que com tanta justiça se requer”: o direito de petição no contexto da Independência do Brasil. Antíteses, v. 15, p. 146-181, nov. 2022.). Mas nesse ambiente poucos mencionam os que passam a ser tratados como “velhos” dispositivos; como as cartas de seguro.

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  • WEHLING, Arno; WEHLING, Maria J. Direito e justiça no Brasil colonial: o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, 1751-1808 Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
  • 1
    Arquivo Nacional do Rio de Janeiro (doravante ANRJ), Tribunal do Desembargo do Paço - Registro de Provisões, Cartas e Alvarás da Relação do Rio de Janeiro, 1752-1808. Códice 24, Livro 6, fl.184-184v.
  • 2
    Há que se destacar a obra seminal de Richard Kagan (1981) para valorização de seu estudo; mais recentemente Gainôt (2009); Fortea, Gelabert, Mantecón (2002); Vermeesch; Heijden; Zuijderduin (2019).
  • 3
    Conforme sugere Paz Alonso (2008). Ver, para América Portuguesa, ao menos, Wehling & Wehling (2004); Lara, Mendonça (2006); Atallah (2010); Souza (2012); Melo (2018).
  • 4
    A bibliografia é amplíssima. Cabe destacar Costa (2002); Clavero (1991); para o mundo português, Hespanha (1994).
  • 5
    Ver exemplos fornecidos por Cabral (1730, p. 109-110).
  • 6
    Gregório Martins Caminha, “Prima Additio. Ibi: O que tudo nega. Nota, quod si contra istum impetrantem est querela, quod licet per testes summarii sit probatum contra ipsum, & charta sit negatixa, quod nihilominus non potest carcerari uique quod testes sint reproducti via ordinaria, vel ipse eos habeat pro productis, secus est in inquisitione. Quia si in ea probetur, illico potest capi & hoc sic practicatur in isto Regno; & sic est judicatum per sententiam Principis, quae habet vim legis in L. final. Cod. De legibus. (tradução nossa).
  • 7
    A obra De Jure Lusitano in três Tractatus. Primus de Gravaminibus. Secundus de Securitatibus. Tertius de Inquisitionibus, foi escrita originalmente em latim e publicada em Coimbra em 1645. Utilizamos a versão “revista e corrigida” publicada em 1745 (publicada com prefácio de António Manuel Hespanha em 2009).
  • 8
    Idem, p. 215-216.
  • 9
    A bibliografia sobre a questão é amplíssima. Ver, ao menos: Duker (1980); Mian (1984); Halliday (2010). Nas palavras de Van Caenegem (1973), as writs se converteram em verdadeiros “instrumentos de governo justo”, medidas “executivas” que muitas vezes eram preferidas pelos súditos ao invés dos caminhos judiciais dos tribunais (ver capítulo “Royal writs and writ procedure”).
  • 10
    Cabral (1730, p. 268 seg.), “Ley Novíssima” de 10 de janeiro de 1692.
  • 11
    Regimento de 13 de outubro de 1751, Colleção da Legislação Portugueza. Lisboa, Typografia Maigrense, 1830, p. 484-502. Wehling & Wehling (2004).
  • 12
    Hespanha (1982, p.361-3) cita na nota que esta distinção existe desde as Ord. Manoelinas; que se veja também Regimento dos desembargadores do Paço, 15 abr. 1523) em que sob a terminologia de “cartas de privilégio” e “cartas de benefícios” congregariam uma série de que iam desde concessão de recursos, livramento de prisões e fianças, dispensa ou prorrogação de prazos, concessão para não se executar alguma provisão régia, emancipação, autorização para se darem ou se fazerem marcação de sesmarias, mandados para residências de autoridades, confirmação de juízes, licença para advogar, entre várias outras previstas de forma dispersa pelas Ordenações Filipinas e regulamentos citados pela doutrina.
  • 13
    A contabilidade foi feita a partir dos citados 16 livros de despacho de provisões: Livro 1, 1753-1755 (40 querelas, 21 devassas); Livro 2, 1755-1759 (19 devassas, 39 querelas); Livro 3 (24 devassas, 69 querelas); Livro 4 (34 querelas, 30 devassas); Livro 5 (35 querelas, 16 devassas); Livro 6 (55 querelas, 32 devassas); Livro 7 (49 querelas, 15 devassas); Livro 8 (19 querelas, 11 devassas); Livro 9 (18 querelas, 22 devassas); Livro 10 (43 querelas, 27 devassas); Livro 11 (30 querelas, 16 devassas); Livro 12 (47 querelas, 23 devassas); Livro 13 (29 querelas, 11 devassas); Livro 14 (31 querelas, 11 devassas); Livro 15 (130 querelas, 25 devassas); Livro 16 Seguro (24 querelas, 7 devassas). Total: 627 querelas, 375 devassas (1.002 petições).
  • 14
    ANRJ, Livro 9, fl. 236, 1791.
  • 15
    ANRJ, Livro 4, 1766, fl.34-34v.
  • 16
    ANRJ, Livro 8, 1783, fl. 112.
  • 17
    ANRJ, Livro 11, 1792, fl.47.
  • 18
    Veja-se este caso que o suplicante falava em nome de seus filhos e escravos, “Copia= Dizem Francisco Pereira de Sá, e Manoel Pereira de Sá, filhos de João Pereira de Sá, e este por cabeça de seus escravos José Angola, e outro José Angola, Joaquim Angola, Domingos Angola, Pedro Angola, Manoel Crioulo, Antonio Angola, outro Domingos Angola, Custodio Crioulo, Jose Crioulo e Angelo Crioulo que no juízo da ouvidoria geral do crime se estão os suplicantes livrando com carta de seguro da querela que deles deu João de Souza Coelho[...]” (1790, fl. 270, livro 10).
  • 19
    ANJR, Livro 13, RJ, fl. 17, livro 13.
  • 20
    ANJR, Livro 11, 1794, fl. 205v.
  • 21
    ANJR, Livro 1, 1753, p.33-33v.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    18 Jan 2023
  • Aceito
    12 Jul 2023
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