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Reconstrução do ligamento cruzado anterior com ligamento patelar análise comparativa do ligamento autólogo versus homólogo

ARTIGO ORIGINAL

Reconstrução do ligamento cruzado anterior com ligamento patelar análise comparativa do ligamento autólogo versus homólogo

Cleber Antonio Jansen PaccolaI; Mauricio Kfuri JuniorII; Paulo Sergio Arre CunhaIII; Fabricio FogagnoloIV

IProfessor Titular do Deptº de Cirurgia, Ortopedia e Traumatologia, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP

IIDoutor em Ortopedia e Traumatologia

IIIMédico Assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP

IVPós-graduando em Ortopedia e Traumatologia

INTRODUÇÃO

O ligamento cruzado anterior é um elemento importante na estabilização do joelho.1 À ruptura do ligamento cruzado anterior correlacionam-se lesões meniscais e condrais, com possíveis implicações funcionais para a articulação. 2,3

O tratamento da lesão do ligamento cruzado anterior tem como objetivo principal a estabilização funcional do joelho, podendo ser conservador ou cirúrgico.4 Idade fisiológica do paciente, nível de prática esportiva e lesões articulares associadas são elementos críticos na escolha da abordagem terapêutica.

O tratamento conservador é fundamentado na mudança de atividades físicas, na prevenção de esportes de contato e no fortalecimento muscular.5 Para os indivíduos que desejam retornar ao seu nível normal de práticas esportivas o tratamento cirúrgico constitui o consenso.6

A técnica cirúrgica mais difundida para o tratamento das lesões do ligamento cruzado anterior consiste na sua substituição pelo terço central do ligamento patelar.7,8 Esta popularidade se deve às características biomecânicas e de fixação deste enxerto.9

Embora os resultados funcionais dos enxertos autólogos sejam bastante satisfatórios, discute-se a agressão à área doadora do enxerto. Complicações como tendinite patelar, fratura da patela, enfraquecimento do aparelho extensor do joelho e patela baixa podem ser resultado da retirada de enxerto do tendão patelar.10

O substituto ideal para o ligamento cruzado anterior seria aquele que restituísse a estabilidade articular sem danos adicionais ao paciente pela retirada de enxertos. O uso de ligamentos prostéticos foi idealizado com este intuito. Porém, complicações como falência mecânica e sinovite desestimularam a sua utilização.11

Os enxertos homólogos constituem uma alternativa atraente na cirurgia ligamentar do joelho. As principais vantagens desta técnica cirúrgica são a menor morbidade ao paciente, menor tempo cirúrgico, melhor cosmese e menor índice de dor pós-operatório. Esta técnica tem como aspectos polêmicos o risco de reações imunológicas e o potencial de transmissão de doenças infecciosas .12,13

O objetivo do nosso trabalho foi o de comparar o uso de ligamentos patelares homólogos e autólogos da reconstrução do ligamento cruzado anterior.

Casuística e Métodos

No período de março de 1993 a agosto de 1998, um grupo de 40 pacientes submetidos à reconstrução cirúrgica do ligamento cruzado anterior foi avaliado segundo o protocolo do International Knee Documentation Committe 14 . Os pacientes foram divididos em dois grupos de 20 pacientes cada qual, bastante comparáveis entre si, e diferenciados apenas quanto ao tipo de enxerto de tendão patelar utilizado em autólogo ou homólogo. A tabela 01 ilustra o perfil dos dois grupos estudados.

Inicialmente os pacientes eram questionados quanto ao seu nível de prática esportiva em três momentos distintos: antes da lesão, após a lesão, porém, antes da cirurgia e, finalmente, após a cirurgia. As atividades esportivas foram classificadas em quatro categorias: vigorosa, envolvendo o giro, corte e saltos sobre o joelho, moderada, relacionada a práticas envolvendo corridas, leve, atividades de baixo impacto, como caminhadas e ausente, nos indivíduos sedentários. Quando documentada uma mudança do nível de prática esportiva procurava-se investigar a relação da mesma com o joelho operado ou com outros fatores, tais como, atividades profissionais e familiares. Cirurgias prévias, estado dos meniscos no ato cirúrgico e alinhamento articular foram dados que completaram o perfil dos pacientes.

A avaliação protocolar propriamente dita constou de oito variáveis classificadas, cada qual, em quatro índices: normal (A), quase normal(B), anormal(C) e muito anormal(D). A primeira variável envolveu a avaliação subjetiva do paciente quanto à função do seu joelho nas práticas da vida cotidiana. A segunda variável julgou a ocorrência dos sintomas dor, inchaço, falseio parcial e falseio total em diferentes níveis de atividade. O paciente sempre era questionado em relação ao maior nível de atividade que conseguia desempenhar sem o sintoma avaliado. A terceira variável avaliou a amplitude de movimentos documentando-se perda da extensão e perda da flexão. A avaliação ligamentar por exame clínico e por quantificação instrumental (KT 1000 MEDmetric, San Diego, CA) do deslocamento antero-posterior da tíbia em relação ao fêmur constituiu-se na quarta variável. A percepção manual ao exame de crepitações articulares caracterizou a quinta variável definida como achados compartimentais. A sexta variável foi relacionada a problemas no local de retirada do enxerto. A pesquisa de reduções dos espaços articulares por achados radiográficos constituiu a sétima variável. A oitava variável envolveu a realização de testes funcionais onde o indivíduo era estimulado a saltar sobre o membro operado e a amplitude deste movimento era comparado com a do membro contralateral. Uma vez que cada uma das variáveis recebia o seu próprio índice, o resultado final do paciente era equivalente ao menor índice obtido em qualquer uma das variáveis analisadas.

Resultados

Os resultados obtidos por cada paciente em cada uma das categorias avaliadas pelo protocolo IKDC está expresso pelas tabelas 02 e 03, respectivamente, para os grupos de tendão patelar autólogo e homólogo.

As variáveis avaliação subjetiva, sintomas, exame ligamentar, achados radiográficos revelaram que 80% estavam nos índices normais ou quase normais. Nas variáveis amplitude de movimento e teste funcional 80% dos pacientes apresentava índice normal. Nas variáveis achados radiográficos e exame ligamentar 10% dos pacientes foram considerados anormais. O resultado final, levando-se em conta o pior índice para cada paciente foi de 70% quase normais, 20% anormais e 10% normais.

Na avaliação subjetiva 65% dos pacientes deste grupo foram considerados normais. Houve um índice de pelo menos 85% de resultados considerados normais ou quase normais em todas as variáveis estudadas pelo nosso protocolo. Tivemos um paciente neste grupo com insucesso na cirurgia ligamentar, com testes funcionais considerados muito anormais. O resultado final deste grupo foi 80% de resultados quase normais, 15% de resultados anormais e 5% de resultados muito anormais.

O gráfico 01 compara os resultados funcionais finais nos dois grupos de pacientes estudados, revelando que a grande maioria dos casos foi classificada como quase normal nos dois grupos.


O exame ligamentar por quantificação instrumental (KT1000) foi analisado do ponto de vista estatístico comparando-se o joelho operado com o joelho normal e, por fim, comparando-se os joelhos operados com tendão patelar autólogo e aqueles que receberam o tendão patelar homólogo.

As análises mostraram que não há diferença estatística entre o joelho operado com tendão patelar autólogo e o lado normal nas medidas com 15 libras ( p=0,6609), 20 libras (p=0,3945)) e 30 libras (p=0,2824).

A comparação entre o joelho operado com tendão patelar homólogo e o lado normal também não revelou diferenças estatísticas às 15 libras (p=0,5604), às 20 libras (p=0,4091) e às 30 libras (p=1734).

Quando comparados os joelhos operados com tendão patelar autólogo e tendão patelar homólogo mais uma vez não houve diferenças estatísticas às 15 libras (p=0,8938), às 20 libras (p=0,8938) e às 30 libras ( p=0,6141).

DISCUSSÃO

Embora o tratamento cirúrgico das instabilidades anteriores do joelho tenha evoluido significativamente com o advento da artroscopia, aspectos polêmicos persistem.

A escolha do enxerto ideal para a substituição do ligamento cruzado anterior é objeto de discussões relacionadas a sua capacidade de integração e à morbidade da área doadora. 15

Os enxertos autólogos utilizados na reconstrução do ligamento cruzado anterior são enxertos livres, que sofrerão revascularização após semanas de implantação articular.16 Esta realidade abriu perspectivas para o uso de enxertos livres homólogos cuja principal vantagem é a menor morbidade ao paciente, visto que não há agressões adicionais ao joelho pela retirada de enxertos.

A utilização de enxertos homólogos na cirurgia ligamentar do joelho implica em menor tempo cirúrgico, menor tempo de torniquete, menor índice de dor peroperatória e melhor cosmese. 17

Em nossa série de pacientes tratados com enxertos homólogos verificamos que o comportamento pós-operatório imediato, no que se refere a dor e à capacidade de restituição da amplitude de movimentos articulares, foi superior ao verificado nos pacientes tratados com enxertos autólogos. A preservação de áreas potenciais doadoras de enxerto, como o aparelho extensor e os tendões flexores do joelho, foi responsável por melhor cosmese. No pós-operatório tardio, não foram encontradas diferenças significativas de morbidade entre os dois grupos estudados.

Um dos aspectos discutíveis do emprego de enxertos homólogos é a possível ocorrência de reações imunológicas, assim como, a transmissão de doenças infecciosas.18 Entretanto, a técnica de preservação dos enxertos , mediante congelamento a –80ºC, utilizada em nosso trabalho, parece reduzir a antigenicidade do enxerto sem alterar significativamente as suas propriedades mecânicas.19

Em nossos pacientes tratados com enxertos homólogos não foram constatadas reações imunológicas, caracterizadas por sinovite reacional do joelho. O estudo da estabilidade articular mostrou que os enxertos autólogos e homólogos tiveram o mesmo comportamento mecânico.

Estudos experimentais em cães revelaram que, após um ano de implantação, enxertos homólogos de ligamento patelar sofreram maturação macroscópica e histológica, assumindo aspecto similar ao do ligamento cruzado anterior original. 20,21

Estudos clínicos comparando a reconstrução ligamentar realizada com enxertos homólogos e autólogos, com seguimento clínico médio de 3 a 5 anos, apontam resultados funcionais similares entre os dois grupos, o que também pudemos observar em nosso estudo.17,22

O uso de enxertos homólogos é particularmente interessante nos casos de revisão cirúrgica, reduzindo a morbidade cirúrgica em um joelho que já sofreu a retirada prévia de enxerto.

CONCLUSÃO

O estudo comparativo entre enxertos de ligamento patelar homólogo e autólogo na cirurgia de reconstrução do ligamento cruzado anterior revelou não haver diferenças significativas entre os dois grupos estudados.

O ligamento patelar homólogo constitui uma opção de enxertia para a substituição do ligamento cruzado anterior.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 2000
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