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Estudo da correlação entre o estadiamento clínico e as alterações esqueléticas das metástases ósseas do câncer da mama

Resumos

Foram estudadas 48 pacientes com câncer da mama e que apresentavam metástases ósseas, com o objetivo de avaliar-se a correlação entre o estadiamento clínico do tumor primário, de acordo com protocolo do Comitê Americano de Estadiamento do Câncer, e as manifestações esqueléticas das metástases ósseas, tendo sido utilizados como parâmetros para essa avaliação o período de seguimento, o número de metástases, o tipo de lesão, a sua localização e a região do osso acometida. Foi observado correlação entre o estadiamento da lesão primária e o tempo de seguimento, que diminuia à medida que o grau de estadiamento aumentava, não tendo sido observado correlação entre o estadiamento clínico do câncer de mama e os demais parâmetros estudados.

Metástase óssea; Câncer de mama


Forty-eight breast cancer patients with bone metastases were studied aiming to evaluate the correlation between clinical staging of the primary tumor, according to the Cancer Staging American Committee protocol, and the skeletal manifestations of the bone metastases; the assessment parameters were the follow-up period, the number of metastases, the type of the lesions, their localization, and the affected bone region. A correlation was found between the primary lesion staging and the follow-up period, which was reduced when the staging degree increased; no correlation was observed between breast cancer clinical staging and the other parameters.

Bone metastasis; breast cancer


ARTIGO ORIGINAL

Estudo da correlação entre o estadiamento clínico e as alterações esqueléticas das metástases ósseas do câncer da mama

Helton L.A. DefinoI; Flávio L. GarciaII; Leonardo C. SimionatoIII; Ângelo C.S. MatthesIV; Sérgio BighettiV

IProfessor Associado do Departamento de Cirurgia, Ortopedia e Traumatologia da FMRP- USP

IIMédico Residente da Área de Ortopedia e Traumatologia da FMRP-USP

IIIMédico Residente da Área de Ortopedia e Traumatologia da FMRP-USP

IVMédico Assistente do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da FMRP-USP

VProf. Associado do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da FMRP-USP

RESUMO

Foram estudadas 48 pacientes com câncer da mama e que apresentavam metástases ósseas, com o objetivo de avaliar-se a correlação entre o estadiamento clínico do tumor primário, de acordo com protocolo do Comitê Americano de Estadiamento do Câncer, e as manifestações esqueléticas das metástases ósseas, tendo sido utilizados como parâmetros para essa avaliação o período de seguimento, o número de metástases, o tipo de lesão, a sua localização e a região do osso acometida.

Foi observado correlação entre o estadiamento da lesão primária e o tempo de seguimento, que diminuia à medida que o grau de estadiamento aumentava, não tendo sido observado correlação entre o estadiamento clínico do câncer de mama e os demais parâmetros estudados.

Unitermos: Metástase óssea; Câncer de mama.

INTRODUÇÃO

As neoplasias são oriundas de distúrbios da regulação do crescimento das células, que resulta na sua proliferação anormal associada a lesões locais. As células neoplásicas possuem a capacidade de invadir os tecidos vizinhos, e também de destacar-se de seu local de origem, proliferando em tecidos e locais distantes do sítio primário, que são denominadas de metástases.(16)

A susceptibilidade dos diferentes tecidos às metástases tumorais permanece ainda sem explicação, e observamos tecidos que apresentam alta porcentagem de metástases tumorais e raramente são acometidos por tumores primários, como ocorre com o tecido ósseo, contrastando com a mama e o cólon , que apresentam alta incidência de lesões tumorais primárias e raras lesões metastáticas. No pulmão observamos ainda padrão distinto, com alta incidência de lesões tumorais primárias e também de metástases.(16)

Os estudos de autópsia tem demonstrado que as metástases ósseas são particularmente frequentes nos pacientes que evoluem para o óbito devido a neoplasia da mama, brônquios, próstata, rins e tireóide(5,6) e provavelmente os tumores da mama, brônquios e próstata são responsáveis por cerca de 80% das metástases do tecido ósseo.(7)

O carcinoma da mama é o tumor de maior prevalência nas mulheres da Europa Ocidental e América do Norte, existindo no Reino Unido cerca de 24000 casos novos por ano, que são responsáveis por 15000 mortes anuais.(16) O carcinoma da mama é a neoplasia que apresenta a maior frequência de metástases ósseas, cujos relatos variam de 38,6 a 49,6% (8,12,15), e esse fato, associado ao crescente número de pacientes que tem recebido tratamento ortopédico devido às metástases de carcinoma da mama, motivou a realização desse trabalho, que teve como principal objetivo a observação da possível correlação entre as características clínicas e radiológicas das lesões ósseas metastáticas com o estadiamento da lesão primária da mama , e a influência que o estadiamento da lesão primária da mama poderia apresentar na elaboração da abordagem diagnóstica ou terapêutica das lesões ósseas.

MATERIAL E MÉTODO

Foram estudadas retrospectivamente 48 pacientes do sexo feminino com idade que variou de 36 à 72 anos (média de 53 anos), atendidas no período de março de 1990 à fevereiro de 1997 pela Área de Ginecologia e Obstetrícia , e Área de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto- USP, que apresentavam carcinoma de mama com metástase óssea.

O estadiamento clínico das pacientes foi realizado de acordo com o protocolo do Comitê Americano de Estadiamento do Câncer(Tabela I), sendo que 7(14,5%) pacientes enquadravam-se no estadio I, 14(29,1%) no estadio II, 18(37,5%) no estadio III, e 9(18,7%) no estadio IV. Tabelas II, III, IV, V e VI.

O tipo histológico do tumor primário era ductal infiltrante em 44 pacientes (91,6%), lobular infiltrante em 2 (4,2%), medular em 1 (2,1%) e papilífero em 1 (2,1%). Quinze pacientes apresentavam metástase única (31,2%) e 33 (68,8%) metástases múltiplas (Fig. 1). As metástases eram do tipo lítico em 35 pacientes (72,9%), blásticas em 2 (4,2%) e mistas em 11 pacientes (22,9%) (Fig. 2). Os ossos mais acometidos foram as costelas em 22 pacientes (45,8 %), coluna vertebral em 20 (41,6%) e fêmur em 18 (37,5%). A distribuição da localização óssea das metástases está ilustrada na Tabela II, e observou-se que nos ossos longos longos 6 lesões (20%) eram diafisárias, 20 (66,7%) metafisárias e 4 (13,3%) epifisárias.



Na coluna vertebral 9 pacientes apresentavam lesão ao nível da coluna torácica (45%), 9 ao nível da coluna lombar (45%), 1 na coluna sacral (5%) e 1 na coluna cervical (5%). O corpo vertebral estava acometido em 14 pacientes (70%), o pedículo em 5 (25%) e os elementos posteriores da vértebra em 1 paciente (5%).

A presença de lesões ósseas foi avaliada em todas as pacientes por meio de cintilografia óssea com tecnécio 99 e radiografias simples, tendo sido utilizado em 4 pacientes, estudo complementar com tomografia computadorizada para a confirmação da lesão óssea.

Os parâmetros consi-derados na avaliação das lesões ósseas metastáticas foram: o número de metástases ósseas (única ou múltipla), o tipo da lesão (lítica, blástica ou mista), a sua localização e a região do osso acometida, tendo sido esses parâmetros avaliados e comparados nos 4 grupos de pacientes, formados de acordo com o seu enquadramento no estadio clínico da lesão primária (Protocolo do Comitê Americano de Estadiamento do Câncer).

RESULTADOS

A média do período de seguimento dos pacientes estudados foi de 3 anos e 6 meses, e foi observado que no grupo de pacientes com estadio I a média foi de 6 anos e 4 meses, no estadio II 3 anos e 10 meses, no estadio III 3 anos e 2 meses, e no estadio IV 1 ano e 3 meses. (Fig. 3)


O carcinoma tipo ductal infiltrante foi o tipo histológico que predominou no grupo de pacientes estudados (91,6%), tendo sido também observado a sua predominância nos diferentes estadios clínicos ( estadio I – 85,7% ; estadio II – 92,8% ; estadio III – 94,4% e estadio IV – 88,8%).

As metástases múltiplas predominaram no grupo de pacientes estudados, tendo sido observadas em 68,8% dos pacientes. As metástase múltiplas também foram as mais frequentes nos diferentes estadios clínicos , tendo sido observada em 71,4% dos pacientes com estadio I; 57,1% dos pacientes com estadio II ; 77,7% com estadio III e 75% com estadio IV. (Fig. 1)

A costela foi o osso mais acometido pelas metástases (45,8%), seguida pela coluna vertebral (41,6%) e fêmur (37,5%). A distribuição das metástases na coluna vertebral apresentou predileção pelo seu segmento torácico e lombar. A localização das metástases está representada na Tabela III, IV, V e VI, e não foi observado diferença entre os diferentes estadios clínicos, tendo sido observado a localização mais frequente nas costelas e coluna vertebral em todos os estádios, com exceção do estadio III no qual foi observado metástase femoral com maior frequência.

A localização óssea mais frequente das metástases foi a região metafisária dos ossos longos (66,7%) e corpo vertebral (70%), não tendo sido observado diferenças entre os diferentes estadios clínicos.

O tipo de lesão (lítica ou blástica) também não apresentou correlação com os diferentes estadios clínicos do tumor primário, apresentando distribuição variável nos diferentes estadios. (Fig. 2)

A análise dos parâmetros estudados mostrou haver correlação entre o estadiamento clínico do tumor primário e o período de seguimento, que diminuia à medida que o grau de estadiamento clínico aumentava, não tendo sido observado nenhuma correlação entre os demais parâmetros estudados (tipo histológico, número de metástases, tipo de lesão, osso acometido e localização óssea) e o estadiamento clínico dos tumores da mama.

DISCUSSÃO

O desenvolvimento de metástases ósseas é um fenômeno complexo e altamente seletivo, que envolve o despreendimento das células malignas do sitio primário da lesão, sua sobrevivência enquanto circulam, aderência, invasão vascular e crescimento. (3,17), ou ainda essas células podem invadir o osso por contiguidade .

As metástases ósseas estão relacionadas ao aumento da morbidade dos pacientes, como aparecimento de dor, limitação da mobilidade, fraturas patológicas, compressão de estruturas nervosas, hipercalcemia ou supressão da função da medula óssea. A dor frequentemente é o sintoma das metástases ósseas, podendo estar relacionada a diferentes mecanismos como: reabsorção osteoclástica mediada pelas citoquinas, ativação de receptores dolorosos por prostaglandinas, compressão de estruturas nervosas ou instabilidade.3,10

O carcinoma da mama é o tipo de tumor que apresenta a maior frequencia de metástases ósseas, e existem evidências de que os tumores bem diferenciados e os com receptores de estrógeno positivos, apresentam maiores índices de metástase óssea 16. O tipo histológico de tumor observado em nossa série de pacientes está de acordo com o descrito na grande maioria dos casos de carcinoma da mama, e reconhecidamente um tumor altamente metastatizante (4).

As características do grupo de pacientes que estudamos estão de acordo com a literatura que aborda esse assunto, tendo sido observado um predomínio das lesões metastáticas múltiplas, fato que enfatiza a necessidade da realização da cintilografia óssea durante o seguimento dos pacientes (7,11).O padrão lítico de lesão predominou, refletindo o resultado final da interação das células tumorais e o tecido ósseo (2,9). Essa interação tem sido alvo de muitos estudos, tendo sido descrito vários fatores humorais secretados pelas células do tumor, que são capazes de estimular ou inibir os osteoblastos ou osteoclastos, de modo que a atividade final dessas células determina o padrão lítico ou blástico das lesões (14).

Com relação a freqüência dos ossos afetados, observamos que as costelas constituíram-se no principal sítio de crescimento de metástases, ocorrendo em 22 pacientes (45,8%) , imediatamente seguido pela coluna vertebral com 20 pacientes (41,6%) , fêmur com 18 pacientes (37,5%) e bacia com 16 pacientes (33,3%) , que não estão de acordo com os relatos de Lens e Freid (1931)(11), que descreveram 81 casos de carcinoma mamário , nos quais 63% dos pacientes apresentavam lesões na bacia, 59% na coluna vertebral , 54% no fêmur , 40% nas costelas , 36% no crânio e 27% no úmero. Miller e Whitehill (1984)(12) também observaram grande porcentagem de distribuição das lesões na coluna vertebral em 319 pacientes estudados ( 74,6%) seguida pelo fêmur (42,6%) , bacia ( 40,1% ), úmero (15,3%), tíbia ( 2,1%) e rádio (0,3%) . Possivelmente o alto índice de lesões nas costelas, observado em nossos resultado, esteja relacionado ao fato de ter sido considerada a invasão desse osso por contiguidade, tendo sido incluído nessa análise os pacientes pertencentes ao estadio III, que por definição apresentam fixação do tumor na musculatura ou na parede torácica. Apesar da variação encontrada entre estas séries, cabe ressaltar ao leitor que a coluna vertebral permanece como a sede mais frequente de metástases dos tumores malígnos em geral para o esqueleto (6), devido às características da circulação sanguínea nesse local e a existência do plexo venoso de Batson.(1)

A localização preferencialmente metafisária das metástases dos ossos longos, principalmente no fêmur e úmero, devido à presença da medula óssea vermelha, e também dos corpos vertebrais, foi também observado em nossa série de pacientes, estando em concordância com os relatos da literatura (3, 4, 13).

O tempo de seguimento de nossos pacientes apresentou média de 3anos e 6 meses, semelhante ao observado por Miller & Whitehill (1984) (12), e foi observado uma diminuição do período de seguimento com o aumento dos graus de estadiamento clínico, tendo sido essa a única correlação observada em nossa série de pacientes estudados.

Não foi possível observar correlação entre o estadiamento clínico do carcinoma mamário e as alterações esqueléticas das metástases ósseas, de modo que os tumores que apresentavam um estadio clínico mais avançado não apresentaram maior número de lesões, lesões múltiplas, ou ainda predileção por uma determina localização esquelética ou tipo específico de lesão.

Os resultados observados em nosso estudo não permitem estabelecer correlação entre o estadiamento da lesão tumoral primária e a manifestação metastática dessa patologia, e esse fato deve ser considerado na avaliação inicial dos pacientes , de modo que lesões com baixo estadiamento não estão isentas de metástases e de suas possíveis complicações devido ao envolvimento do tecido ósseo.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jun 2006
    • Data do Fascículo
      Mar 2001
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