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Estudo sobre a biocompatibilidade da polisulfona sob a forma de particulas e bastões

Resumos

Foi estudada comparativamente a resposta do músculo tríceps sural e reto do abdome de ratos Wistar à implantação da polisulfona (PSU) e do polietileno de ultra alto peso molecular (UHMWPE ) sob a forma de bastões e partículas, por um período de até 52 semanas. Ao final, a PSU foi considerada como tendo a mesma biocompatibilidade do UHMWPE, segundo os critérios utilizados.


A comparative study was performed of the reaction of triceps sural and abdominal retus muscle of Wistar mice to implantation of polysulfone (PSU) and ultra high molecular weight poliethilene (UHMWPE) as particles and rods, for a period up to 52 weeks. At the end, PSU was considered as having the same biocompatibility as UHMWPE, according to the used method.


ARTIGO ORIGINAL

Estudo sobre a biocompatibilidade da polisulfona sob a forma de particulas e bastões

Sergio Luiz PavanattiI; Cecília Amélia Carvalho ZavagliaII; William Dias BelangeroIII; Yoshio KawanoIV

IDepto. de Engenharia dos Materiais - FEM/UNICAMP - R. Mendeleiev, 200 - Cid. Universitária Zeferino Vaz - Campinas(SP)

IIDepto. de Engenharia dos Materiais - FEM/UNICAMP - R. Mendeleiev, 200 - Cid. Universitária Zeferino Vaz - Campinas(SP)

IIIDepto. de Ortopedia e Traumatologia - FCM/UNICAMP

IVDepto. Química Fundamental - IQ/USP

RESUMO

Foi estudada comparativamente a resposta do músculo tríceps sural e reto do abdome de ratos Wistar à implantação da polisulfona (PSU) e do polietileno de ultra alto peso molecular (UHMWPE ) sob a forma de bastões e partículas, por um período de até 52 semanas. Ao final, a PSU foi considerada como tendo a mesma biocompatibilidade do UHMWPE, segundo os critérios utilizados.

INTRODUÇÃO

Desde a década de 40 tem-se pesquisando a aplicação dos materiais poliméricos nas áreas da saúde. Com o desenvolvimento dos polímeros de alto desempenho, como as poliétercetonas e as polisulfonas, passou a ser considerada a substituição dos materiais metálicos, como o aço 316 L e as ligas de titânio, por estes novos materiais na fabricação de implantes ortopédicos(1)

Placas para o tratamento de fraturas de tíbia, fabricadas a partir de resinas termorrígidas reforçadas com fibras de carbono, já foram utilizadas com sucesso em humanos, mas o alto custo para sua fabricação por multilaminação impediu a sua utilização em larga escala (1). Neste sentido, as resinas resinas termoplásticas com propriedades termodinâmicas elevadas, como as PSU que além de terem menor custo podem ser moldadas durante o procedimento cirúrgico como os materiais metálicos, são mais indicadas(3).

Apesar de existir interesse no emprego desta resina polimérica na prática clínica, existem poucas publicações que tratam da sua biocompatibildiade "in vivo" a longo prazo Assim sendo, foi objetivo deste estudo avaliar a tolerabilidade do tecido muscular do rato a esta resina e as modifiçações químicas e físicas ocorridas nos bastões após os períodos de implantação, comparando estes resultados com os produzidos pelo UHMWPE, que já é rotineiramente utilizado na fabricação de implantes ortopédicos.

MATERIAIS E MÉTODOS

Foram utilizados 28 ratos machos (Rattus novergicus) da variedade Wistar, divididos em seis grupos de acordo com o tempo de seguimento: 1, 2, 4, 8, 16 e 52 semanas. Cada grupo tinha quatro animais, exceto o último que continha oito.

Foram implantados nestes animais a poliétersulfona (PES), fabricada pela American Oil Company e adquirida com o nome de UDEL™ P-1800, e o polietileno de ultra alto peso molecular (UHMWPE), comercializado pela POLIALDEN Petroquímica S.A, com o nome comercial de UTEC 3440. Os materiais foram obtidos sob a forma de partículas por moagem a frio e a distribuição granulométrica das particulas de ambos materiais está apresentada no Gráfico 1.


O tamanho das partículas variou de 53m à 300m , com predomínio entre 125m e 297m , e a forma foi predominante arredondada para o UHMWPE e irregular para o PSU. Os bastões com 2,0 mm de diâmetro e 10,0 mm de comprimento foram obtidos por extrusão à quente do pSU e por torneamento a frio UHMWPE. Todos os implantes quer seja na forma de partículas como na de bastões foram esterilizados por radiação gama na dose de 3,5 Mrad. Em cada animal foram implantados bastões no músculo reto do abdome, sendo a esquerda o PSU e, a direita, o UHMWPE, enquanto que as partículas foram implantadas no músculo Triceps Sural, sendo a direita o UHMWPE e, a esquerda, o PSU. As técnicas para a implantação das partículas e dos bastões seguiram metodologias já descritas(1,2)

Após o sacrifício, o músculo tríceps sural era fixado por 24 horas em solução tamponada de formol a 10%. Em seguida, era retirada uma amostra com 5mm de espessura, cilíndrica, do 1/3 médio do músculo (local onde havia sido implantado os materiais), para inclusão em parafina. O músculo reto abdominal, após a fixação, era incisado no sentido longitudinal sobre os bastões para que fosse possível a exposição e remoção destes. Em seguida o músculo e o invólucro formado ao redor dos bastões eram seccionados no sentido transversal na sua porção média, de onde era retirado um segmento cilíndrico de 3 mm de espessura para inclusão em parafina.

Destes segmentos cilíndricos foram obtidos cortes de 5m de espessura que foram corados com Hematoxilina - Eosina (HE) e Tricrômico de Massom (TM). A avaliação histológica do músculo tríceps sural e do músculo reto abdominal foi feita seguindo-se a mesma metodologia descrita por Belangero et al (1993). Além desta análise, nos cortes do músculo reto abdominal foi medida a espessura do invólucro formada entre o tecido muscular e os bastões através de objetiva especial colocada no microscópio óptico (Ocular de Tambor com filamento deslocável, Carl Zeiss 10 x). Obtiveram-se medidas da espessura máxima e mínima dos invólucros em três cortes histológicos diferentes, considerando-se para análise estatística a média aritmética destas.

Os bastões retirados foram lavados em álcool etílico e, depois de secos, separados em tubos plásticos para análise química através da Espectrometria Fotoacústica na região infravermelha (Espectrofotômetro BOMEM, modelo DA-3 com acessório fotoacústico modelo 200-MTEC), realizado no Departamento de Química Fundamental do Instituto de Química da Universidade de São Paulo e para análise das alterações superficiais foi realizado Microscopia Eletrônica de Varredura (Cambridge Stereoscan modelo S4-10), realizada no Departamento de Engenharia Mecânica da UNICAMP.

A análise estatística foi realizada utilizando-se a prova U de Mann-Whitney com a = 0,05;

RESULTADOS

Avaliação dos corpos de prova

Na Tabela 1 são apresentados o número de animais utilizados por grupos, tempo de seguimento, número de bastões retirados e a média da espessura do invólucro formado ao redor dos bastões de PSU e UHMWEP.

A avaliação realizada pelos Espectros fotoacústicos e Raman na fase pré e pós implantação não detectou qualquer alteração química mensurável. A avaliação feita pela Microscopia eletrônica de varredura na fase pré implantação mostrou que o acabamento superficial do UHMWPE por torneamento deu origem a bastões com sulcos nítidos, enquanto que os de PES obtidos por extrusão apresentavam superfície lisa. Após o período de implantação, pôde-se observar maior quantidade de restos de tecido aderido ao redor dos bastões de UHMWPE (Figuras 1,2)



Avaliação do tecido muscular

Com relação à resposta do tecido muscular frente às partículas, de forma geral não se observou necrose celular, tampouco alterações vasculares, durante as primeiras duas semanas. Havia pequenos focos de infiltrado inflamatório não específico, com predomínio de macrófagos e algumas células gigantes, causado provavelmente pelo trauma cirúrgico e pela presença das partículas, circundados por fibras musculares em diferentes fases de degeneração e regeneração. Em nenhum caso foi constatada a presença de células inflamatórias que caracterizassem reação do tipo exsudativa. Na quarta semana foi observado diminuição da reação inflamatória e da população celular, com predomínio de fibroblastos sobre os demais tipos de células. Esta resposta tornou-se cada vez mais evidente durante as semanas seguintes, de tal forma que após 52 semanas, as partículas apresentavam-se completamente envolvidas por traves fibrosas bem definidas, formadas por finas camadas de tecido conjuntivo denso, com poucas células e sem diferença entre os dois materiais, conforme pode ser notato nas Figuras 3 e 4.



A avaliação histológica do músculo reto do abdome foi semelhante para ambos os materiais. No grupo avaliado após uma semana, foi observada a formação de um invólucro, constituído principalmente por células (fibroblastos e fibrócitos), que se dispunham concentricamente ao redor dos bastões. Não se pôde notar diferenças significativas tanto no tipo, quanto na quantidade das células presentes ao redor dos bastões de PES e de UHMWPE. A espessura deste invólucro reduziu-se à metade a partir da segunda semana, assim como a população celular. Deste período até a 16ª semana a espessura manteve-se, mas a quantidade de células reduziu-se muito e, a partir da 8ª semana, o invólucro formado era constituido por tecido fibroso e raras células. Na 52ª semana houve aumento da espessura da camada de fibrose. A evolução dos valores da espessura do invólucro ao redor dos bastões ao longo do tempo é mostrado na Tabela 1, Gráfico 2 e Figuras 5,6,7 e 8






DISCUSSÃO

A investigação sobre a biocompatibilidade de qualquer material envolve diferentes etapas de estudo e análise, tanto do tecido receptor a nível macroscópico e microscópico, como do implante. Neste estudo a espectrometria fotoacústica não revelou alterações na composição química do PSU e do UHMWPE, após o processamento para a fabricação dos bastões e após a implantação destes no músculo reto do abdome. Por outro lado a Microscopia Eletrônica de Varredura foi importante por detectar diferenças no acabamento superficial dos bastões e mostrar que estas irregularidades da superfície dos bastões de UHMWPE favoreceram a aderência do tecido conjuntivo do envólucro formado ao seu redor.

A análise macroscópica forneceu informações importantes sobre o processo de cicatrização que, apesar de envolver uma série de fenômenos inflamatórios foi isenta de complicações para ambos materiais, nas duas formas de apresentação. A constatação da boa qualidade da cicatrização e da adequada interação do implante sem a presença de hiperemia local são indícios precoces da tolerabilidade do material pelo tecido receptor.(1,5)

A avaliação microscópica, por outro lado, dimensiona não só a resposta celular, mas também a resposta do tecido receptor como um todo, de tal modo que o sistema imunológico e metabólico possam participar e expressar a sua influência frente a substancias liberadas pela dissolução ou degradação do implante. Tanto o material teste, como o controle, devem ser implantados sob a forma de partículas e bastões. A primeira tem o objetivo de aumentar a superfície de contato e facilitar a integração do implante, sensibilizando a resposta inflamatória e os efeitos tóxicos do material sobre o tecido receptor. A análise comparativa da população celular na fase aguda e na evolução tanto pelas características quantitativas como qualitativas associados a necrose celular e a neoformação de vasos podem ser importantes para caracterizar a compatibilidade do implante.(1,5,6,8) No ensaio em questão, na fase aguda a resposta inflamatória foi semelhante e discreta para ambos os materiais. Na evolução, pôde-se observar que com 52 semanas não existiam células inflamatórias e nem formação de granulomas ao redor das partículas, que estavam envolvidas por traves de tecido conjuntivo do tipo fibroso, caracterizando a sua excelente compatibilidade(3,4,6)

Com relação aos bastões, os resultados mostraram que o desempenho do UHMWPE e do PSU foram sempre semelhantes quanto ao tipo e a intensidade da reação inflamatória produzida pelo tecido muscular. A medida da cápsula de fibrose formada ao redor dos bastões foi também semelhante para cada momento analisado. Na fase aguda o maior número de células ocorreu provavelmente devido ao trauma cirúrgico e à presença do implante. A redução da população célular e o encapsulamento dos bastões indicam que houve ausência de estímulos tóxicos produzidos pelos implantes(4,9). O aumento da espessura da cápsula de fibrose, observado após 52 semanas, pode ser justificado pela interação dos implantes com o músculo, que se contrai durante a movimentação do animal, produzindo atrito e, assim, estimulando a neoformação de tecido conjuntivo denso. Esta hipótese parece ser verdadeira, já que o aumento da espessura média foi semelhante para os dois materiais.

  • 1. BELANGERO, W.D.; KÖBERLE, G. & HADLER, W.A.: Inflammatory reaction of rat striated muscle to particles of carbon fiber reinforced carbon. Brazilian J. Med. Biol. Res., 26: 819-826, 1993.
  • 2. BRADLEY, J.S. ; HASTINGS,G.W.; JOHNSON-NURSE, C.: Carbon fibre reinforced epoxi as a high strenght. low modulus material for internal fixation plates. Biomaterials , 1, 1979.
  • 3. COHEN, J: Assay of foreign-body reaction. J. Bone Jt. Surg, 41-A: 152-166, 1959.
  • 4. LAING, P.G.: Compatibility of biomaterials. Orthop.Clin. North Am, 1: 249-273 , 1973.
  • 5. MARIOLANI, J.R.L.; BELANGERO, W.D. & ARRUDA, A.C.F.: Resposta interfacial provocada pelas interações biológicas e mecânicas entre material de implante e tecido receptor. Acta Ortopédica Bras. 1(2): 48-53, 1993.
  • 6. MATLAGA, B.F.; YASENCHAK, L.P & ALTHOUSE, T.N.: Tissue response to implanted polymers. The signficance of sample shape. J. Biomed. Mat. Res., 10: 391-397, 1976.
  • 7. PEMBERTON, D.J.; McKIBBIN, B. TAYTON,K. & STUART,D.: Carbon fiber reinforced plates for fracture problem . J. Bone Jt. Surg 74-B: 88-92 , 1992.
  • 8. RAE,T. , The biologial response to titaniumand titanium-aluminium-vanadium alloy particles. Biomaterials , 7: 151-155, 1981.
  • 9. TAYLOR, S.R. & GIBBONS, M: Effect of texture on the soft tissue response to polymer Implant. J. Biomed. Mat. Res, 17: 205-227, 1983.
  • 10. UHTHOFF, H.K. & POLLAK, S.R.: The effects of metal plates on post-traumatic remodelling and bone mass. J. Bone Jt. Surg , 63-B (3): 427-434 , 1981.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Fev 2006
  • Data do Fascículo
    Set 2001
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