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Uso do fixador externo no tratamento das fraturas cominutivas da extremidade distal do rádio

Resumos

Foi realizado um estudo combinado retrospectivo e de reavaliação de uma população original de 60 pacientes, somando 64 fraturas da extremidade distal do rádio submetidas ao tratamento pelo método da fixação externa, num período de dez anos (janeiro 86 a janeiro 96). Foram estudados retrospectivamente 46 pacientes com 50 punhos. Compareceram para reavaliação 32 pacientes, totalizando 35 punhos. No estudo retrospectivo, foi realizada a medida dos parâmetros ângulo radial, ângulo volar, comprimento relativo do rádio, ângulo escafo-semilunar, ângulo luno-capitato e sinal do anel no escafóide, nas radiografias finais do seguimento dos pacientes. Na reavaliação, além dos parâmetros clínicos e funcionais, a medida da diastase escafo-semilunar em incidência radiográfica especial foi adicionada aos parâmetros radiográficos previamente estudados. Os resultados mostraram que o método da fixação externa restabelece a anatomia da extremidade distal do rádio, propiciando bons resultados clínicos e funcionais na maior parte dos pacientes, com baixo índice de complicações.

Fratura cominutiva; Extremidade distal do rádio; Fixação externa


A combined retrospective and survey study of an original population of 60 patients, summing up 64 comminuted fractures of the distal radius treated by external fixation in a ten-year period (January 86 to January 96) was carried out. Forty-six patients summing up 50 wrists were retrospectively studied and 32 patients with 35 wrists were reviewed. In the retrospective study the parameters radial angle, volar angle, relative length of the radius, scapholunate angle, lunocapitate angle and scaphoid ring sign were measured in the final X-ray controls of all patients. In the survey study, apart from the clinical and functional evaluation, the measurement of the scapholunate diastasis, as observed in a special X-ray view, was added to the radiological evaluation. The results showed that the method of external fixation restores the anatomy of the distal end of the radius, so as to produce good clinical and functional results in the majority of the cases, with a low complication rate.

Comminuted fracture; distal end of radius; external fixation


ARTIGO ORIGINAL

Uso do fixador externo no tratamento das fraturas cominutivas da extremidade distal do rádio

Cláudio Henrique BarbieriI; Nilton MazzerII; Ricardo José CabelloIII; Emerson Luiz Cardia de CamposIII; Valéria Meirelles Carril EluiIV

Serviço de Cirurgia da Mão e do Membro Superior e Microcirurgia do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, Disciplina Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP - CEP 14048-900 Ribeirão Preto SP

IProfessor titular

IIProfessor associado

IIIMédico residente R4

IVTerapêuta ocupacional

RESUMO

Foi realizado um estudo combinado retrospectivo e de reavaliação de uma população original de 60 pacientes, somando 64 fraturas da extremidade distal do rádio submetidas ao tratamento pelo método da fixação externa, num período de dez anos (janeiro 86 a janeiro 96). Foram estudados retrospectivamente 46 pacientes com 50 punhos. Compareceram para reavaliação 32 pacientes, totalizando 35 punhos. No estudo retrospectivo, foi realizada a medida dos parâmetros ângulo radial, ângulo volar, comprimento relativo do rádio, ângulo escafo-semilunar, ângulo luno-capitato e sinal do anel no escafóide, nas radiografias finais do seguimento dos pacientes. Na reavaliação, além dos parâmetros clínicos e funcionais, a medida da diastase escafo-semilunar em incidência radiográfica especial foi adicionada aos parâmetros radiográficos previamente estudados. Os resultados mostraram que o método da fixação externa restabelece a anatomia da extremidade distal do rádio, propiciando bons resultados clínicos e funcionais na maior parte dos pacientes, com baixo índice de complicações.

Descritores: Fratura cominutiva; Extremidade distal do rádio; Fixação externa

INTRODUÇÃO

As fraturas da extremidade distal do rádio são de ocorrência bastante comum. A maior parte dessas fraturas se prestam ao tratamento conservador, seja com aparelho gessado ou com outros métodos de imobilização que, em geral, produzem bons resultados.(1,11,13,24,27,29,30) Entretanto, algumas dessas fraturas, principalmente as que apresentam cominuição, traços intra-articulares e grandes desvios, representam um desafio ao tratamento conservador, dada a dificuldade em obter e manter uma redução que restabeleça a congruência articular e produza resultados clínicos e funcionais satisfatórios.(1,3,5,14,16,24,27,28,30,31)

Inúmeros autores introduziram métodos alternativos, em geral mais agressivos do que a simples redução pela manipulação externa, com a finalidade de manter a redução obtida com maior eficiência. Assim, já na década de 20, Boehler(8) introduziu a técnica de tração-fixação bipolar, utilizando fios de Kirschner ou pinos de Steinmann passados percutaneamente, um no rádio, num local proximal ao da fratura, e o outro nos metacárpicos. Após a tração e redução dos fragmentos, obtidas por meio de estribos, um aparelho gessado era confeccionado, englobando os dois fios.

A técnica de Boehler foi modificada posteriormente por outros autores(16,18,25,28,30,31), sendo que a característica comum a todas as modificações é que o conjunto pino-gesso mantém uma tensão nos ligamentos rádio-cárpicos (ligamentotaxia), possibilitando uma redução mais adequada e estável de eventuais fragmentos intra-articulares, sem a necessidade de cirurgia aberta(5). Apesar dos bons resultados relatados pelos diversos autores, todos os métodos que utilizam a combinação pino-gesso apresentam alguns inconvenientes, como a infecção do trajeto do pino, que permanece encoberto pelo gesso e impossibilitado de ser higienizado, e a dificuldade de remanipulação no caso de perda da redução, que exige a remoção do gesso.(5,10,16)

Tais inconvenientes levaram ao desenvolvimento do fixador externo, no qual uma armação metálica leve desempenha o papel do aparelho gessado, mantendo os pinos sob tensão. Posteriormente ao trabalho de Anderson e O'Neil(2), outros autores estudaram o método da fixação externa, alguns propondo outros tipos de fixadores externos(3,7,12,20,23,26) , referindo bons resultados e baixos índices de complicações devidas ao aparelho. De fato, o seu emprego eliminou as desvantagens da combinação pino-gesso, pois os fios expostos podem ser facilmente higienizados e a remanipulação é relativamente fácil, qualquer que seja o modelo utilizado, características que contribuíram para dar ao método aceitação universal.

Entretanto, nem sempre a ligamentotaxia obtida com o fixador externo é suficiente para produzir e manter a redução dos múltiplos fragmentos de fraturas muito cominuídas, que costumam envolver tanto a articulação rádio-cárpica como a rádio-ulnar distal. Nesses casos, ela deve ser associada com a fixação com fios de Kirschner, introduzidos por via percutânea ou após redução cruenta dos fragmentos articulares, com ou sem o uso simultâneo de enxerto de osso esponjoso.(3,20,21,23,26)

Já em meados da década de 80, o método da fixação externa, combinada ou não com a fixação com fios de Kirschner, foi padronizado pelos autores (CHB e NM) para o tratamento das fraturas cominutivas da extremidade distal do rádio, dos tipos 7 e 8 da classificação de Frykman.(15) Os resultados imediatos da utilização do método sempre pareceram bons aos autores, conclusão baseada apenas nas observações dos seguimentos ambulatoriais dos pacientes operados. Entretanto, não eram conhecidos os resultados tardios da sua aplicação, mesmo porque os pacientes recebiam alta ambulatorial no máximo seis meses após a fratura.

Foi, então, o objetivo do presente trabalho avaliar os resultados tardios da aplicação do método em 50 punhos de 46 pacientes, tratados num período de dez anos, com ênfase na recuperação funcional em comparação ao resultado anatômico, como observado ao exame radiográfico.

MATERIAL E MÉTODOS

O trabalho desenvolveu-se em duas etapas. Na primeira, foi realizada uma análise retrospectiva de todos os casos de fraturas da extremidade distal do rádio tratadas pelo método de ligamentotaxia com o fixador externo, catalogados no período de janeiro de 1986 a janeiro de 1996. Na segunda, os pacientes selecionados foram convocados para reavaliação dos resultados tardios do tratamento.

Análise retrospectiva

Na análise retrospectiva, foram localizados 60 pacientes, totalizando 64 punhos (quatro bilaterais), dentre os quais foram excluídos 14, em virtude de óbito, perda de seguimento ou documentação incompleta, restando 46 pacientes e 50 punhos (quatro bilaterais) efetivamente avaliados. Desse contingente, 26 eram homens e 20 eram mulheres, com idade variando entre 20 e 88 anos (média: 51,9 anos). Quanto ao lado afetado, 27 fraturas ocorreram no lado dominante e 15 no lado contralateral, além de quatro fraturas bilaterais (oito punhos).

A causa predominante do trauma foi a queda da própria altura (24 casos, ou 48%), seguida por acidente motociclístico (oito casos, 16%), queda de grande altura (cinco casos, 10%), acidente automobilístico (quatro casos, 8%) e atropelamento (dois casos, 4%). Sete casos (14%) resultaram de traumatismos de outra natureza, em geral por agente direto, como agressão com porrete ou acidente com maquina industrial. Acometimento de outros sistemas ocorreu em 21 pacientes (45,5%), incluindo doze lesões em outros segmentos do aparelho locomotor, nove traumatismos crânio-encefálicos e quatro em outros órgãos.

A análise retrospectiva das radiografias incluiu: 1) classificação das fraturas segundo Frykman(15) (Tabela 1); 2) estudo dos desvios angulares (ângulos de desvio radial e dorsal) e do encurtamento radial, segundo os critérios anatômicos de Frykman modificados por Lidström(22,29); e 3) sinais de instabilidade cárpica, conforme medidos nas radiografias realizadas no dia do primeiro atendimento e no último atendimento realizado de rotina (figura 1).


Reavaliação dos pacientes

Na segunda etapa, todos os 46 pacientes cujos prontuários haviam sido analisados retrospectivamente, foram convocados, tendo comparecido 32, que foram submetidos a avaliação clínica, radiológica e funcional, totalizando 35 punhos com seguimento médio de 46,6 meses (variação: 9 - 105 meses).

Na avaliação clínica os pacientes foram inicialmente questionados quanto a possíveis queixas, como dor (em repouso, aos esforços e à mudança de temperatura), restrições das atividades e parestesias, e ao grau de satisfação com o resultado do tratamento. Em seguida, foram examinados quanto às condições locais da pele (edema, coloração e trofismo) e possíveis alterações estéticas, e à amplitude de movimentos do punho, do cotovelo e do ombro, através de goniometria dessas articulações. Além da avaliação clínica, os pacientes foram submetidos à avaliação funcional do membro superior, segundo o protocolo de Carazatto(9), complementado pelas medidas da força de preensão da mão e de pinça polegar-indicador, utilizando, respectivamente, um dinamômetro manual (Jamar) e um dinamômetro de pinça.

A avaliação radiológica dos punhos compreendeu as incidências convencionais em póstero-anterior e lateral, complementadas com uma incidência póstero-anterior com inclinação ulno-radial de 10º da ampola, para avaliação das relações entre o escafóide e o semilunar e para eventual demonstração de instabilidade nos ossos do carpo(4,17) . Na radiografias obtidas, foram analisados os seguintes parâmetros: 1) ângulo de inclinação radial; 2) ângulo de inclinação volar; 3) discrepância de comprimento rádio-ulnar; 4) diastase escáfo-semilunar; 5) ângulo escafo-semilunar; 6) ângulo luno-capitato; 7) sinal do anel no escafóide; e 8) sinais sugestivos de degeneração e artrose (figura 1).

Técnica operatória

A técnica operatória empregada foi a preconizada pelo grupo AO. Sob anestesia geral ou bloqueio do plexo braquial, o membro afetado era preparado da maneira convencional para uma operação aberta. Um garrote era instalado somente nos casos em que a redução aberta tivesse sido indicada de antemão. Tração manual era aplicada por 10 minutos, acompanhada de manobras de compressão bidigital do local da fratura e de extensão e flexão do punho, para liberar os fragmentos ósseos impactados. Em seguida, o fixador externo era aplicado. Em todos os casos, foi utilizado um fixador externo específico para punho, de fabricação nacional (Biomecânica).

Inicialmente, eram inseridos dois pinos de Shanz na face dorso-radial do rádio e dois na face dorso-radial do segundo metacárpico, orientados segundo um ângulo de 45º com os planos frontal e sagital do antebraço(23). Os fios eram passados transversalmente à superfície do osso e paralelos entre si nos dois ossos, distando um do outro cerca de 3 cm, no rádio, e 1,5 cm, no metacárpico, conforme o molde da própria plataforma de fixação. Para o rádio, eram utilizados fios de 3 mm de diâmetro, e para os metacárpicos, de 2,5 mm de diâmetro, sendo todos com o comprimento de 80 mm. A inserção dos pinos de Shanz, que eram introduzidos manualmente com um introdutor em "T", era precedida pela perfuração dos orifícios, com broca de diâmetro 0,5 mm menor do que o pino a ser utilizado (respectivamente, 2,5 mm e 2 mm), procedimento que evita o afrouxamento prematuro dos pinos.

Nos casos em que não fosse conseguida a redução adequada e estável dos vários fragmentos, era realizada a fixação com fios de Kirschner percutâneos, sob visão do intensificador de imagens, ou mesmo a redução aberta e fixação com múltiplos fios de Kirschner, que não obedeciam a um padrão fixo, variando conforme o número e a posição dos fragmentos. A redução aberta era realizada através da incisão dorsal longitudinal ou, mais recentemente, da incisão trirradiada(6). Assim, 21 pacientes (42%) necessitaram da redução aberta, sendo que num deles foi em decorrência da perda da redução inicial (Figura 2).


O tempo decorrido entre o trauma e a realização da operação variou entre 1 e 28 dias (média: 10,5 dias). Já o período de manutenção da fixação externa variou de 3 a 11 semanas (média: 7,8 semanas), durante o qual o paciente era submetido a um protocolo de reabilitação que compreendia a mobilização ativa do ombro, cotovelo, antebraço e dos dedos, acompanhado semanalmente por um fisioterapêuta. A retirada do aparelho era sempre realizada em regime ambulatorial, com início imediato de fisioterapia para o punho.

RESULTADOS

Avaliação Clínica

Dos 35 punhos reavaliados em 32 pacientes, 27 (77%) eram inteiramente assintomáticos. Dentre os oito punhos restantes, um apresentava edema crônico, um tinha a pele distrófica e seis eram dolorosos ao repouso, aos esforços ou com mudanças climáticas. Restrição das atividades diárias foi detectada em 3 punhos.

A amplitude dos movimentos foi avaliada separadamente por planos, tendo como parâmetro os valores normais descritos na literatura(13,18), uma vez que oito pacientes tinham história pregressa ou simultânea de fratura no punho contralateral, o que impedia comparações. Assim, a extensão era igual ou maior que 80% do normal em dez punhos, tendo variado de 60 a 80% em 14, de 40 a 60% em cinco e permanecido abaixo de 40% em seis.

A flexão era igual ou maior que 80% do normal em quatro punhos, tendo variado de 60 a 80% em 15, de 40 a 60% em 11 e permanecido menor que 40% em cinco.

O desvio radial era igual ou maior que 80% em 18 punhos, variando de 60 a 80% em cinco, de 40 a 60% em outros cinco e permanecendo abaixo de 40% em sete. O desvio ulnar estava igual ou maior que 80% em 18 punhos, entre 60 e 80% em 13, entre 40 e 60% em um e menor que 40% em três.

A pronação era igual ou maior que 80% em 25 punhos, entre 60 e 80% em quatro, entre 40 e 60% em três e menor que 40% em outros três, e a supinação estava igual ou maior que 80% em 20 punhos, variando entre 60 e 80% em nove, entre 40 e 60% em três e permanecendo menor que 40% em outros três .

A avaliação estética mostrou que 20 punhos tinham aspecto normal, mas 11 tinham a cabeça da ulna saliente, três tinham o aspecto em "dorso de garfo" leve, dois tinham desvio radial e dois, desvio ulnar. Segundo a opinião dos próprios pacientes, o resultado do tratamento foi excelente em 15 punhos, bom em 13, regular em seis e mau em apenas um.

Na avaliação funcional segundo os critérios de Carazatto(9), a função era maior que 95% do normal em 34 punhos, sendo igual a 85% do normal em apenas um. As forças de preensão manual e de pinça foram analisadas comparativamente com o lado contralateral, motivo pelo qual foram descartados quatro pacientes, três dos quais por apresentarem fraturas bilaterais e um por ter amputação do polegar e indicador na mão contralateral. Restaram 28 punhos efetivamente avaliados, dos quais 16 apresentaram força de preensão manual maior que 80%, oito entre 60 e 80%, e quatro menor de 60% do normal contralateral. Quanto à força da pinça polegar-indicador ponta-ponta, em 26 punhos foi maior que 80% e em apenas dois ficou entre 60 e 80% do normal contralateral.

Avaliação Radiográfica

Compreendeu a análise das radiografias finais de todos os pacientes selecionados, inclusive dos que não compareceram para reavaliação clínica e radiográfica, para os quais apenas o parâmetro da diastase escafo-semilunar não pode ser avaliado, por requerer incidência radiográfica especial obtida no comparecimento. A análise dos dados registrados mostrou que o ângulo de inclinação radial médio foi de 23º (variação: 6º - 30º), o ângulo de inclinação volar médio foi de 0,5º (variação: -16º - 20º) e a discrepância de comprimento radio-ulnar média foi de 2,75mm (variação: 0 - 26mm). O ângulo escafo-semilunar médio foi de 44º (variação: 30º - 61º) e o ângulo luno-capitato médio foi de 10º (variação: 0 a 45º).

A diastase escafo-semilunar, medida apenas nos pacientes que compareceram para reavaliação, variou de 1 a 3mm (média: 1,4mm) e o sinal do anel no escafóide estava presente em 8 punhos. Sinais sugestivos de degeneração e artrose foram observados em 11 punhos.

Ainda para todos os pacientes selecionados, independentemente de seu comparecimento ou não para a reavaliação, e segundo os critérios de Frykman modificados por Lidstrom(22,29), foram obtidos resultados excelentes em 21 punhos, bons em outros 21, regulares em cinco e maus em três . Foram encontrados, ainda, 7 punhos com sinais de VISI e 8 com sinais de DISI.

Complicações

A análise das complicações também incluiu os pacientes que não compareceram para reavaliação. Assim, elas ocorreram em 11 punhos, a mais freqüente sendo a infecção superficial no trajeto dos pinos, que acometeu cinco punhos, seguida pela perda de redução, que ocorreu em três punhos. A infecção foi bem resolvida em todos os casos por meio de curativos e antibioticoterapia, mas a perda de redução necessitou de remanipulação da fratura e do fixador externo em todos os punhos, sendo que em dois foi necessária a fixação percutânea adicional com fios de Kirschner, e no outro foi necessária a redução aberta e fixação interna adicional com fios de Kirschner. A terceira complicação mais freqüente foi o afrouxamento de um pino apenas, que ocorreu em dois punhos, todavia sem necessitar de troca ou retirada antes do tempo previsto. Por último, houve um caso de Distrofia Simpática Reflexa, que produziu o pior resultado funcional.

DISCUSSÃO

As fraturas cominutivas da extremidade distal do rádio, principalmente aquelas dos tipos 7 e 8 da classificação de Frykman(15), usualmente são de difícil tratamento pelos métodos convencionais.(1,3,4,5,13,14,15,16,24,28,30,31) Elas envolvem, geralmente, mais de três fragmentos, cuja manipulação em conjunto e redução é praticamente impossível. Além disso, são invariavelmente instáveis, de modo que a manutenção da redução eventualmente obtida torna-se difícil pelos meios convencionais. Por outro lado, a redução aberta e fixação interna dessas fraturas pelo método AO23 é de difícil execução, principalmente quando se levam em consideração as dimensões dos fragmentos, em geral muito pequenos para comportarem parafusos, e a osteoporose, comum nos pacientes idosos.

A combinação de pinos e aparelho gessado, como proposta por Boehler e vários outros autores(5,8,16,18,19,25,27,30,31), é uma solução razoável, mas esse método se acompanha de um índice relativamente elevado de complicações, principalmente a infecção no trajeto dos pinos, pela impossibilidade de inspecioná-los e higienizá-los periodicamente. Além disso, o método é pouco prático para o caso, por exemplo, de uma remanipulação por perda de redução(10). Assim, a evolução para os aparelhos de fixação externa foi praticamente um imperativo, pois eles são mais leves e cômodos para o paciente e permitem a limpeza diária da pele ao redor dos pinos, além de permitirem remanipulações periódicas. No caso do fixador externo utilizado (Biomecânica), convém salientar que a sua concepção não é a ideal, pois as barras rosqueadas rígidas conectam-se diretamente com os parafusos que fazem o ajuste e aperto das plataformas de fixação dos pinos de Shanz. Essa conexão não é móvel, de modo que, sempre que se façam necessárias as remanipulações é preciso soltar todo o sistema e, às vezes, até mesmo introduzir novos pinos de Shanz em posições mais adequadas. Problemas desse tipo são evitados com o uso de fixadores de concepção mais moderna, como o mini-fixador AO e outros, que utilizam plataformas independentes de fixação dos pinos e das barras de conexão e são muito mais versáteis.

Na fase retrospectiva deste trabalho, a análise dos prontuários e das radiografias iniciais e finais de cada paciente já demonstrou que a maioria deles havia tido uma boa evolução, com um baixo índice de complicações, as quais foram, quase sempre, pouco importantes e de fácil controle. Houve apenas um caso de Distrofia Simpática Reflexa, que pode ter sido desencadeada tanto pela distração articular, que não era excessiva, como pelo tempo de imobilização, que foi de 10 semanas. Nesse particular, convém lembrar que a redução adequada dos fragmentos só é obtida à custa de algum grau de distração articular, a qual, todavia, só deve ser mantida por cerca de duas semanas, depois do que a tração deve ser reduzida para que o contato entre as superfícies articulares do rádio e dos ossos do carpo se restabeleça, sem o perigo de perda da redução. Ainda mais, o fixador deve ser mantido por no máximo 8 semanas, devendo então ser retirado e substituído por um aparelho gessado ou uma órtese de plástico termo-moldável, se ainda for necessária a imobilização.

Os resultados funcionais tardios, observados na reavaliação dos pacientes, foram de modo geral bons, principalmente se for levada em consideração a gravidade das fraturas. Houve recuperação de 60% ou mais dos movimentos nos vários planos em mais da metade dos pacientes, sendo que o movimento mais prejudicado foi a flexão, pois somente 19 dos 35 punhos reavaliados recuperaram mais de 60% da amplitude normal. Seguiu-se o desvio radial, limitado em 60% ou mais da amplitude normal em 23 dos 35 punhos reavaliados. O movimento que mostrou a maior recuperação foi o desvio ulnar, igual ou maior que 60% do normal em 31 dos 35 punhos reavaliados. Além disso, a função global do membro superior manteve-se em nível praticamente normal (95% do desempenho máximo possível) em 34 dos punhos reavaliados, estando apenas um com menos de 90%. A força de preensão manual, medida em 28 punhos, estava abaixo de 60% do normal em somente quatro punhos e acima de 80% em 16, os restantes oito punhos estando entre esses limites. Já a força da pinça polegar-indicador ponta-a-ponta foi maior que 80% do normal em 26 dos 28 punhos avaliados.

A reavaliação radiográfica mostrou que, na média, houve razoável restituição dos parâmetros normais. Assim, o ângulo de inclinação radial ficou em torno de 23º, mas o ângulo de inclinação volar foi em média de 0,5º, e a discrepância de comprimento rádio-ulnar foi de 2,75 mm, que correspondem a uma correção insuficiente da inclinação volar e um encurtamento importante do rádio. Além dos valores médios, há que levar em consideração as variações, pois houve casos em que o ângulo de inclinação radial mal passou de 0º ou o ângulo de inclinação volar foi negativo (-16º). Embora isso tenha ocorrido em casos isolados, convém lembrar que esses números correspondem a resultados muito maus, que atestam que nem sempre a técnica da fixação externa funciona com eficiência.

À exemplo do que é mencionado na literatura (4), algumas alterações carpais foram detectadas, sendo 7 VISI e 8 DISI, mas em nenhum caso havia queixas ou alterações funcionais decorrentes dessas anomalias. Também, alterações degenerativas foram observadas em 11 punhos, mas a maioria de grau leve ou moderado, ainda não implicando em sintomas exuberantes. De qualquer modo, estas são alterações ligadas à gravidade das fraturas e não ao método de tratamento.

CONCLUSÕES

Tendo em vista a gravidade da maioria das fraturas estudadas, os resultados finais obtidos (bons resultados clínicos em 85% dos punhos, funcionais em 97% e anatômicos em 84%) e a ocorrência de apenas uma complicação grave, os autores concluem que o método da fixação externa para o tratamento das fraturas cominutivas da extremidade distal do rádio nem sempre restaura a anatomia do osso, mas propicia recuperação funcional adequada. É, portanto, uma opção a ser considerada como de escolha para esse tipo de fratura.

Trabalho recebido em 13/04/2000. Aprovado em 05/08/2000

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Out 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 2001

Histórico

  • Recebido
    13 Abr 2000
  • Aceito
    05 Ago 2000
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