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Ensaios mecânicos de um sistema de fixação pedicular com barra transversal

Resumos

Foi realizado estudo biomecânico de um protótipo de sistema de fixação vertebral que utiliza o pedículo vertebral como ponto de ancoragem dos implantes, associado a hastes que conectam transversalmente os parafusos pediculares. De modo diferente dos sistemas convencionais, nos quais os parafusos são conectados no sentido longitudinal, no sistema desenvolvido as hastes são conectadas transversalmente aos parafusos. Foram realizados ensaios mecânicos (flexo-compressão, flexão lateral e torção) utilizando-se corpos de prova de madeira em máquina universal de testes, com a finalidade de comparar a resistência desse sistema de fixação com o sistema convencionalmente utilizado. Os testes biomecânicos mostraram que o sistema desenvolvido apresentou menor resistência nos ensaios mecânicos realizados, quando comparado com o sistema de fixação convencional.

Coluna vertebral; Fixação pedicular


A biomechanical study of a spine fixation prototype was performed. This system uses vertebral pedicle as anchor point of the implants in association with transversally connecting rods. This is different form the usual systems where longitudinally placed rods connect the pedicular screws. Mechanical assays were performed (flexo-compression, lateral flexion, torsion) using probe wood pieces in an universal testing machine, aiming to compare the resistance of this system of fixation to the conventionally used ones. Biomechanical tests showed that the system was less resistant to the mechanical assays when compared to conventional systems.

Spine; Pedicular fixation


ARTIGO ORIGINAL

Ensaios mecânicos de um sistema de fixação pedicular com barra transversal

Helton Luiz Aparecido DefinoI; Antônio Carlos ShimanoII

IProfessor Associado do Departamento de Cirurgia, Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto- USP

IIEngenheiro Mecânico do Laboratório de Bioengenharia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP - E.Mail.: hladefin@fmrp.usp.br

RESUMO

Foi realizado estudo biomecânico de um protótipo de sistema de fixação vertebral que utiliza o pedículo vertebral como ponto de ancoragem dos implantes, associado a hastes que conectam transversalmente os parafusos pediculares. De modo diferente dos sistemas convencionais, nos quais os parafusos são conectados no sentido longitudinal, no sistema desenvolvido as hastes são conectadas transversalmente aos parafusos.

Foram realizados ensaios mecânicos (flexo-compressão, flexão lateral e torção) utilizando-se corpos de prova de madeira em máquina universal de testes, com a finalidade de comparar a resistência desse sistema de fixação com o sistema convencionalmente utilizado.

Os testes biomecânicos mostraram que o sistema desenvolvido apresentou menor resistência nos ensaios mecânicos realizados, quando comparado com o sistema de fixação convencional.

Descritores: Coluna vertebral; Fixação pedicular

INTRODUÇÃO

Os sistemas de fixação da coluna vertebral,que utilizam o pedículo vertebral como ponto de ancoragem, por meio da implantação de parafusos no seu interior, tem sido largamente empregados no tratamento cirúrgico das patologias da coluna vertebral, e a crescente aceitação dessa modalidade de fixação tem ampliando as indicações para a sua utilização em diferentes patologias da coluna vertebral.(1,2,4)

A utilização dessa modalidade de fixação vertebral abrangendo várias vértebras, tem apresentado uma dificuldade técnica para a sua realização, no tocante ao alinhamento dos parafusos, pois não é fácil a implantação de inúmeros parafusos pediculares alinhados no sentido cranio-caudal. O desalinhamento dos parafusos dificulta o acoplamento das hastes do sistema de fixação aos parafusos, e essa dificuldade aumenta à medida que hastes de maior rigidez são utilizadas.(3,7)

Essa dificuldade tem sido observada desde os primordios do desenvolvimento dos sistemas de fixação que utilizam parafusos pediculares, e os parafusos poliaxiais foram desenvolvidos para contornar essa dificuldade.

Com o objetivo de contornar essa dificuldade durante a utilização dos sistemas de fixação pedicular, desenvolvemos um sistema de fixação, cujo acoplamento das hastes não depende do alinhamento dos parafusos pediculares (Figuras 1 e 2), e o objetivo desse trabalho é apresentar o protótipo desse sistema de fixação vertebral e o resultado dos ensaios mecânicos realizados com esse sistema.



MATERIAL E MÉTODOS

O estudo foi realizado utilizando-se corpos de prova em madeira (mogmo), com o objetivo de simular a situação de uma corporectomia, e também eliminar algumas variáveis que seriam introduzidas no estudo com a utilização de um grupo heterogêneo de vértebras.

Os corpos de prova eram constituidos de duas peças cilíndricas de madeira com 50 mm de diâmetro e 90 mm de comprimento, nos quais eram aplicados os parafusos do sistema de fixação. Os parafusos utilizados possuiam 35 mm de comprimento e 6 mm de diâmetro, tendo sido aplicados formando um ângulo de 60 graus entre si, e a uma distância de 10mm da borda do bloco de madeira. Os blocos de madeira eram fixados, mantendo uma distância de 40mm entre as suas bases.(Figura 3).


A estabilidade mecânica do sistema de fixação desenvolvido foi avaliada por meio da sua comparação com a montagem rotineiramente utilizada nos sistemas convencionais de fixação vertebral, tendo formados dois grupos experimentais:grupo I (representado pela montagem do sistema convencional) e grupo II (representado pela montagem do sistema desenvolvido) (Figura 3).

No grupo I os parafusos dos blocos eram conectados por meio de barras de 6mm, aplicadas longitudinalmente, em analogia ao que ocorre nas fixações rotineiramente utilizadas.

No grupo II os parafusos de cada bloco eram unidos transversalmente por meio de uma barra cilíndrica de 6mm de diâmetro, e essas barras eram conectadas entre si por meio de 2 barras longitudinais. No início da realização dos testes foi utilizada apenas1 barra, tendo sido abandonada esse tipo de montagem devido à sua baixa resistência mecânica.

Os ensaios mecânicos foram realizados em máquina universal de teste, e os corpos de prova submetidos a testes de flexo-compressão, flexão lateral e torção.

A velocidade da aplicação de carga foi de 1 mm/ minuto no teste de flexão lateral e torção, e de 0,08mm/ minuto no teste de flexo- compressão.

O limite estabelecido para a realização dos ensaios mecânicos foram 0,16 radianos para o teste de torção; 1 mm de deformação para a flexo-compressão e 3 mm de deformação para a flexão lateral.

Foram realizados 3 ensaios mecânicos para cada tipo de montagem, tendo sido considerado os valores médios. Os resultados dos grupos I e II foram comparados por meio de análise estatística, tendo sido utilizado o teste t de Student com nível de significância de 5 %.

Os parâmetros utilizados para a avaliação de cada ensaio mecânico foram:a carga aplicada, a rigidez e a energia absorvida. A carga era expressada pelo último valor medido para a deformação determinada para cada teste (1mm para a flexo-compressão, 3mm para a flexão lateral e 0,16 radianos para a torção).

A rigidez foi calculada por meio da tangente do ângulo da curva (carga aplicada X deformação).

A resiliência representa a energia absorvida na fase elástica, e foi calculada pela área localizada abaixo da reta (carga aplicada X deformação).

RESULTADOS

Os resultados dos diferentes ensaios mecânicos ( flexo-compressão, flexão lateral e torção) estão representados nas figuras 4, 5, 6, 7, 8 e 9, e nas tabelas I, II e III.







No ensaio de flexo-compressão foi observado que as montagens do grupo I apresentaram maior resistência mecânica. A média da carga necessária para a deformação de 1 mm foi de 207,83 N no grupo I e 78,24 N no grupo II. A média da rigidez no grupo I foi de 207 830 N/m e 78240 N/m no grupo II. A média da energia absorvida foi 0,104 J no grupo I e 0,039 J no grupo II.

Os valores do grupo I obtidos no ensaio de flexo-compressão foram em média 62% superiores aos do grupo II, tendo sido obsrvado diferença estatisticamente significante (p<0,05) entre os dois grupos.

No ensaio de flexão lateral os valores observados no grupo I foram também superiores aos do grupo II em cerca de 52%, tendo sido observado diferença estatisticamente significativa (p<0,05) entre os dois grupos. Os valores observados para o momento fletor foram de 2,69N.m no grupo I e 1,29 N.m no grupo II.A rigidez flexural foi de 897,67 J/m no grupo I e 429,675 J/m no grupo II. A energia absorvida foi de 4x10-3 J.m no grupo I 1,9xx10-3 J.m no grupo II.

Nos ensaios de torção foi observado para o momento torsor os valores de 2,17 N.m no grupo I e 1,65 N.m no grupo II. A rigidez torcional foi de 18,75 N.m/rad no grupo I e 12,50 N.m/ rad no grupo II. A energia absorvida foi de 0,132J no grupo I e 0,095 J no grupo II. Os valores dos ensaios de torção foram também superiores no grupo I, tendo sido observado diferença estatisticamente significativa (p<0,05) entre os dois grupos. Os valores do momento torsor foram 24% superiores no grupo I, os da rigidez torcional 33% e os da energia absorvida 28%, com relação aos do grupo II.

CONCLUSÃO

O sistema de fixação pedicular utilizando barras transversais apresentou menor resistência nos ensaios biomecânicos, comparado com o sistema convencional de fixação pedicular que utiliza barras longitudinais.

DISCUSSÃO

Nessa última década foram desenvolvidos algumas centenas de diferentes sistemas de fixação para a coluna vertebral, nos quais o pedículo vertebral tem sido utilizado como elemento de ancoragem dos implantes, e é interessante observarmos que em todos os sistemas, os parafusos pediculares são conectados no sentido longitudinal por hastes.(2,5) Não observamos na literatura, com excessão de um sistema desenvolvido por Kluger (1999)(5), nenhum sistema para a fixação da coluna vertebral baseado em parafusos transpediculares, que utilizasse esse conceito de conexão transversal do parafusos aplicados nas vértebras.

Até o presente momento não é conhecida a rigidez ideal do implante para ser utilizado na coluna vertebral, e as investigações clínicas e experimentais indicam que o aumento da estabilidade mecânica dos sistemas aceleram a consolidação óssea e diminuem a taxa de pseudartrose, e baseados nessas evidências os implantes vertebrais tem sido desenvolvidos.(6)

A realização de ensaios biomecânicos multidirecionais, com a finalidade de testar e comparar sistemas de fixação vertebral, apresenta inúmeras limitações, relacionadas ao material utilizado para a realização dos testes(3,8), e o modelo que utilizamos, apesar das limitações que apresenta, simula uma situação de corporectomia, e na realidade estávamos interessados apenas em comparar o sistema que utiliza hastes transversais com aquele que utiliza as hastes no sentido longitudinal.

Os resultados observados nos ensaios biomecânicos multidirecionais mostraram que o sistema que utiliza as hastes conectadas no sentido transversal apresenta menor resistência mecânica, mas não sabemos até que ponto esse fato seria relevante do ponto de vista clínico, pois ainda é desconhecida a rigidez ideal para os implantes da coluna vertebral. Essa menor resistência mecânica do sistema de haste transversal não foi observada por Egger (1999)(1), e acreditamos que o aperfeiçoamento da conexão da haste transversal com o parafuso poderia melhorar a estabilidade do sistema de fixação. Faltam dados até o momento para afirmarmos que o sistema de fixação seria inadequado do ponto de vista biomecânico, podendo apenas ser afirmado que ele é inferior do ponto de vista biomecânico ao sistema convencional.

O principal objetivo desse nosso relato foi divulgar a idéia dessa modalidade de fixação pedicular para que possa servir talvez, como ponto de partida para outros desenvolvimentos de sistema de fixação. Esse sistema não foi aplicado em pacientes, e os resultados desse estudo " in vitro " confirmam a importância da sua realização antes da aplicação clínica dos implantes, com a finalidade de detectarmos os pontos fracos do sistema e termos a oportunidade de aperfeiçoa-lo antes da sua aplicação clínica. Apesar de não termos utilizado esse sistema em pacientes, concordamos com as desvantagens dessa modalidade de fixação apontadas por Egger et al. (1999)(1), que seriam o alto perfil e a dificuldade de reaproximação da musculatura paravertebral após a sua aplicação.

Estamos ainda longe da solução cirúrgica ideal para os problemas da coluna vertebral, pois comparado com as cirúrgias reconstrutivas das grandes articulações, como o quadril e o joelho, que permitem a manutenção dos movimentos, estamos realizando ainda a artrodese vertebral e eliminando os movimentos nas situações em que instrumentamos esse segmento do aparelho locomotor. Dentro das possibilidades dos atuais sistemas de fixação vertebral, existem nítidas evidências de que os parafusos poliaxiais podem contribuir de modo importante para solucionar os problemas relacionados ao alinhamentos dos parafusos, e a sua utilização com sistemas de barras com ajustes laterais pode auxiliar ainda mais na solução desse tipo de problema. Seria muito difícil no momento, abandonarmos a utilização dos sistemas que utilizam as haste longitudinais para a conexão dos implantes, mas acreditamos que seja válido a divulgação da idéia da utilização das hastes transversais, que talvez possa ser aperfeiçoada no futuro, ou auxiliar no desenvolvimento de sistemas alternativos para a fixação vertebral.

Trabalho recebido em 25/05/2000. Aprovado em 25/09/2000

Trabalho realizado com auxílio do CNPq.

  • 1. Egger,W. ; Klugger,P. ; Claes,L. ; Wilke,H.J. Characteristics of an extended internal fixation system for polysegmental transpedicular reduction and stabilization of the thoracic, lumbar and lumbosacral spine. Eur. Spine J.,8:61-69, 1999.
  • 2. Harms, J. & Stoltze,D. The indications and principles of correction of post-traumatic deformities. Eur. Spine J.,1:142-151,1992.
  • 3. Krag, M.H. Biomechanics of thoracolumbar spinal fixation, a review. Spine16:S84-S99, 1990.
  • 4. Marchesi, D.G. ; Thalghott, J.S. ; Aebi, M. Application and results of the AO internal fixation system in nontraumatic indications. Spine, 16:S162-S169, 1991.
  • 5. McCord, D.H. ; Cunningham, B.W., Shono,Y.; Myers, J.J.; McAfee, P.C. Biomechanical analysis of lumbosacral fixation. Spine,17:S235-S242, 1992.
  • 6. Rohlmann,A. ; Bergmann, G. ; Graichen,F. Loads on internal spinal fixators measured in different body positions. Eur. Spine J.,8:354-359, 1999.
  • 7. Thalgott, J.S. & Aebi, M. Manual of internal fixation of the spine. Lippincott Raven, Philadelphia.1996.pag.305.
  • 8. Wilke,H.J. ; Krischak, S.T.; Wenger,K.H., Claes, L.E. Load displacement properties of the thoracolumbar spine: experimental results and comparison to know human data. Eur.Spine J.,6:129-137,1991.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Out 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 2001

Histórico

  • Recebido
    25 Maio 2000
  • Aceito
    25 Set 2000
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