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Fratura simultânea bilateral do colo do fêmur

Resumos

Fratura simultânea bilateral do colo do fêmur é uma patologia rara e geralmente está relacionada a doenças metabólicas ou outras patologias prévias. Esse tipo de fratura pode passar despercebida, piorando o prognóstico desses pacientes. Neste relato, os autores apresentam o caso de um paciente do sexo masculino de 27 anos de idade com fratura simultânea bilateral do colo do fêmur após um episódio de convulsão. Serão discutidos aspectos sobre o mecanismo do trauma, os tipos de tratamento e a dificuldade no diagnóstico nesse tipo de fratura.

Fratura do colo do Fêmur; bilateral; simultânea; epilepsia


Simultaneous bilateral fractures of the neck of the femur is rare. Such fracture is usually associated with metabolic diseases or other previous pathologies. This fracture may pass unnoticed, a fact which would worsen its prognosis. In this report, the authors present the case of a twenty-seven year old male patient who, after having a convulsion, had a simultaneous bilateral femoral neck fracture. Aspect related to the trauma mechanism, its different treatments and the difficulty in diagnosing this fracture will be discussed.

Femoral neck fracture; bilateral; simultaneous; epilepsy


RELATO DE CASO

Fratura simultânea bilateral do colo do fêmur* * Trabalho realizado no serviço de ortopedia e traumatologia do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre

Carlos Roberto SchawartsmannI; Gustavo Kaempf de OliveiraII; Ricardo Kaempf de OliveiraIII; Douglas CarpesIII; Pablo Mariotti WerlangIV

IProfessor titular da disciplina de ortopedia e traumatologia da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre e chefe do serviço de ortopedia e traumatologia do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre

IIMédico assistente do serviço de ortopedia e traumatologia do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre

IIIResidente de ortopedia e traumatologia do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre

IVAcadêmico de medicina da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre

RESUMO

Fratura simultânea bilateral do colo do fêmur é uma patologia rara e geralmente está relacionada a doenças metabólicas ou outras patologias prévias. Esse tipo de fratura pode passar despercebida, piorando o prognóstico desses pacientes. Neste relato, os autores apresentam o caso de um paciente do sexo masculino de 27 anos de idade com fratura simultânea bilateral do colo do fêmur após um episódio de convulsão. Serão discutidos aspectos sobre o mecanismo do trauma, os tipos de tratamento e a dificuldade no diagnóstico nesse tipo de fratura.

Descritores: Fratura do colo do Fêmur; bilateral; simultânea; epilepsia

INTRODUÇÃO

A terapia farmacológica convulsivante foi introduzida por Meduna em 1935 (10). Antes de 1950 contrações musculares fortes que ocorriam durante convulsões induzidas por drogas ou eletrochoque, principalmente durante tratamento psiquiátrico, ocasionalmente resultavam em fratura bilateral simultânea do colo do fêmur (15) . Os primeiros relatos de fratura bilateral do colo do fêmur ocorreram em pacientes em tratamento psiquiátrico com convulsões induzidas por drogas ou eletrochoques (15). Em 1944, os brasileiros Silva e Barros relataram três casos desse tipo de fratura, numa revista psiquiátrica (14) . Inclusive, Powell, relata que não existe publicação mais recente desse tipo de patologia, relacionada a tratamento convulsivante, (15) . Porém a incidência desse tipo de fratura diminuiu bastante com a introdução de relaxantes musculares, que ocorreu em 1957, como terapia adjuvante (2,19) .

Posteriormente, foram publicados outros casos desse tipo de patologia em indivíduos previamente sadios (1,11,21) . Atualmente, esse tipo de fratura são vistas em pacientes que possuem doenças metabólicas; como insuficiência renal crônica, doença celíaca, hiperparatireoidismo, e outras; que causam alterações ósseas (2,9,19,23).

Na literatura ainda são citadas fraturas bilaterais do colo do fêmur posterior a convulsão causada por hipocalcemia (2,19)

RELATO DO CASO

Paciente, do sexo masculino, com 27 anos de idade, foi admitido no serviço de ortopedia e traumatologia do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre com queixa de dor em ambos os quadris e história de crise convulsiva há 15 dias.

Ao exame físico, apresentava impotência funcional dos membros inferiores e rotação externa de ambos. Apresentava ainda retardo de desenvolvimento neuro-psico-motor, distúrbio da fala e amaurose bilateral. Segundo relato de familiares, o paciente tinha diagnóstico de epilepsia há 23 anos e fazia uso de fenobarbital desde então.

Foi solicitado estudo radiológico que mostrou intensa osteopenia da pelve e fratura bilateral do colo do fêmur com deslocamento grau IV, segundo a classificação de Garden.

Como tratamento foi realizada inicialmente tração cutânea por 7 dias sendo então realizada a redução cirúrgica e fixação com parafuso tipo DHS e placa tubo.

O paciente teve boa evolução tendo alta hospitalar no sétimo dia de pós-operatório e encontra-se em acompanhamento ambulatorial sem sintomatologia.



DISCUSSÃO

Fratura simultânea bilateral do colo do fêmur são extremamente raras (1,4,9,15) . Dedichen(3), em 1946, relatou um caso de fratura bilateral do colo do fêmur em 2428 pacientes. Fang(15), em 1958, menciona dois casos deste tipo de patologia em 1100 pacientes que receberam tratamento eletroconvulsivante. Kelly(6) em 1954 relatou um caso em 2200 pacientes que receberam tratamento elétrico devido a distúrbios psíquicos. No Brasil, Silva e Barros(14) em 1944 encontraram três casos de fratura bilateral em 1843 pacientes submetidos a terapia eletroconvulsivante ou tratamento com metrazol no período de 55 meses. Numa avaliação dos pacientes de Rochester e Minnesota, no período de 1928 a 1982, ocorreram 1701 fraturas do fêmur proximal, das quais apenas uma era bilateral. Fraturas patológicas como conseqüência de um choque convulsivante ocorrem em 0,3% dos casos (16) .

Como já foi citado, as fraturas bilaterais simultâneas do colo do fêmur começaram a ocorrer devido a choques convulsivos, durante tratamento de doenças psíquicas. Posteriormente, alguns poucos relatos desse tipo de patologia foram evidenciados em pacientes previamente normais (18,21,23) . Atkinson cita quatro fraturas bilaterais do colo do fêmur secundárias a trauma esquelético violento, uma ocorrendo após acidente veicular, duas devido a queda de objeto pesado sobre o fêmur, e um caso devido a queda de altura (1) . Em 1990, Slater, relatou um caso de fratura bilateral de colo do fêmur devido a choque elétrico acidental, salientando ter encontrado apenas dez casos deste tipo de patologia como resultado de trauma, sendo um deles devido a mesma etiologia (18) . Posteriormente, outros casos deste tipo de fratura devido a choque elétrico de alta voltagem foram publicados (13,21) . Atualmente, a maioria das fraturas do colo do fêmur são associadas a doenças prévias que deterioram o metabolismo ósseo, dentre elas a osteogênese imperfeita tardia (20) , ostemalácea devido a antiácido contendo alumínio e magnésio (12) , insuficiência renal e enterectomia induzindo convulsão hipocalcêmica (4,22) , síndrome de Marfan (7) , alcoolismo crônico e cirrose hepática (5) , convulsão posterior a paratireoidectomia (2,8) , convulsão devido a contraste usado em mielografia (11) .

Na maioria dos pacientes o diagnóstico é tardio, normalmente posterior a uma semana (1,9,15) . Dessa forma, é recomendado exame físico e exame radiográfico posterior a terapia convulsiva ou choque convulsivo para descartar fraturas (9) .

O mecanismo da lesão normalmente está relacionado contração muscular descordenada (9) .

O tratamento desses pacientes depende de vários fatores, entre eles o tempo entre a fratura e o tratamento cirúrgico (1). Morrey e O´Brien (11) realizaram ostetomia valgizante subtrocantérica com fixação com placa e parafusos num paciente com três semanas de evolução. Nanda e Mohanti, trataram um paciente com uma semana de evolução com prego e placa Smith-Petersen (1) . Atkinson (1) optou por pinos de Knowles em dois pacientes com fratura bilateral do colo do fêmur. Taylor usou fixação interna com parafusos compressivos (19) , enquanto Madhok realizou artroplastia bipolar do quadril (9) em pacientes que apresentavam a mesma patologia.

Como notamos existem vários tipos de tratamento para este tipo de fratura, sendo geralmente indicado artroplastia parcial ou total, pois na maioria das vezes a chance de consolidação é pequena, a incidência de necrose avascular é maior que o normal e a sobrevida limitada. Porém, a osteossíntese é indicada em pacientes jovens e com perspectiva de sobrevida longa, sendo este o motivo que nos fez optar por essa conduta mais conservadora.

CONCLUSÃO

Fratura simultânea bilateral do colo do fêmur é extremamente rara e normalmente há um retardo no diagnóstico desta patologia. Em vista disso realizar uma história cuidadosa com referência as atividades recentes, hábitos nutricionais e farmacológicos e patologias prévias é de grande importância, assim como os sinais clínicos e radiológicos. O estudo dos fatores etiológicos dessas fraturas é essencial para guiar-nos na escolha do tratamento. O diagnóstico e tratamento precoce são muitas vezes determinantes do prognóstico do paciente. É evidente que a idade do paciente, perspectiva de sobrevida e o grau de desvio da fratura também influem tanto na decisão da conduta como na evolução.

Trabalho recebido em 10/11/2000. Aprovado em 12/06/2001

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  • *
    Trabalho realizado no serviço de ortopedia e traumatologia do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2001

    Histórico

    • Aceito
      12 Jun 2001
    • Recebido
      10 Nov 2000
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