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Estudo biomecânico em flexão da coluna cervical de cadáveres humanos submetida à corpectomia e estabilização com enxerto de fíbula

Resumos

Este estudo apresenta e discute os resultados da análise biomecânica, radiográfica e anatômica de 20 peças de coluna cervical de cadáveres humanos, submetidas à corpectomia de C5, discectomia adjacente e estabilização com enxerto de fíbula. Os ensaios em flexão foram realizados em Máquina Universal de Testes. Nenhuma fratura ou extrusão do enxerto foi observada. A falha mecânica ocorreu na interface corpo vertebral-enxerto fibular, caracterizada por fratura dos corpos vertebrais adjacentes em 11 experimentos e afundamento da esponjosa em nove. O ligamento longitudinal posterior e o complexo ligamentar posterior não foram lesados em nenhuma das peças. Concluem que, em estudo experimental, o enxerto de fíbula é resistente e proporciona estabilidade imediata à coluna cervical quando submetido a carga em flexão.

Biomecânica; coluna cervical; enxerto fibular


The authors present and discuss the results of a biomechanical, radiographic and anatomical analysis of 20 specimens, obtained from human cadaver of cervical spine submitted to C5 corpectomy, adjacent discectomy and stabilization with fibular graft. The flexion tests were carried out in the Test Universal Machine. Fracture or graft extrusion was not observed. Mechanical failure was observed in the vertebral body-fibular graft interface, characterized by fracture of the adjacent vertebral bodies in 11 experiments and depression of the cancellous bone in nine. The posterior longitudinal ligament and the posterior ligamental complex were not injured in any of the specimens. The authors concluded that, in an experimental study, the fibular graft is resistant and provides immediate stability to the cervical spine when submitted to flexion load.

Biomechanics; cervical spine; fibular graft


ARTIGO ORIGINAL

Estudo biomecânico em flexão da coluna cervical de cadáveres humanos submetida à corpectomia e estabilização com enxerto de fíbula

Adriano MarchettoI; Gilberto Luis CamanhoII; Itibagi Rocha MachadoIII; Antonio Carlos ShimanoIV; José Baptista Portugal PaulinV;Tarcísio Eloy Pessoa de Barros FilhoVI

IMestre em Ortopedia pela FMUSP

IIProfessor Livre-docente do IOT-FMUSP

IIIDoutor em Medicina; Professor Adjunto da Faculdade de Medicina de Jundiaí

IVDoutor em Engenharia Mecânica; Laboratório de Bioengenharia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP

VProfessor Doutor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto- USP

VIProfessor Associado da FMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Rua Barão Geraldo de Rezende, 282 cj 11 e 12 Bairro Guanabara CEP13020-440 - Campinas - SP E-mail: amarchetto@hotmail.com

RESUMO

Este estudo apresenta e discute os resultados da análise biomecânica, radiográfica e anatômica de 20 peças de coluna cervical de cadáveres humanos, submetidas à corpectomia de C5, discectomia adjacente e estabilização com enxerto de fíbula. Os ensaios em flexão foram realizados em Máquina Universal de Testes. Nenhuma fratura ou extrusão do enxerto foi observada. A falha mecânica ocorreu na interface corpo vertebral-enxerto fibular, caracterizada por fratura dos corpos vertebrais adjacentes em 11 experimentos e afundamento da esponjosa em nove. O ligamento longitudinal posterior e o complexo ligamentar posterior não foram lesados em nenhuma das peças. Concluem que, em estudo experimental, o enxerto de fíbula é resistente e proporciona estabilidade imediata à coluna cervical quando submetido a carga em flexão.

Descritores: Biomecânica; coluna cervical; enxerto fibular.

INTRODUÇÃO

Os traumas em flexão são os tipos mais comuns de traumas cervicais(1). Estas lesões podem resultar em fratura do corpo vertebral, associadas ou não a instabilidade ligamentar, tornando a estabilização vertebral difícil de manter ou alcançar com métodos conservadores. Além disso, os traumas em flexão podem resultar em compressão medular secundária a fratura do corpo ou herniação discal.

Processos degenerativos, inflamatórios, infecciosos e neoplásicos também podem causar significante compressão medular, deformidade e instabilidade cervical. A gravidade potencial destas situações clínicas, torna necessário a realização de procedimentos cirúrgicos para proteger a medula e raízes nervosas de danos adicionais, descomprimí-las quando necessário, restabelecer o alinhamento fisiológico e restaurar a estabilidade cervical. As falhas em estabilizar a coluna aumentam o risco de desenvolvimento de deformidades angulares e comprometimento neurólogico.

A corpectomia é amplamente utilizada nas compressões medulares e instabilidades anteriores, necessitando o defeito criado pela remoção cirúrgica do corpo vertebral, de estrutura de suporte para conferir estabilidade e restabelecer o alinhamento vertebral(12).

Nos últimos anos, diferentes técnicas de artrodese e novos sistemas de implante foram desenvolvidos, bem como diferentes tipos e formatos de enxerto foram utilizados na tentativa de aprimorar o tratamento das desordens cervicais. No entanto, ainda são poucos os estudos na área experimental, para que possamos estabelecer qual a melhor técnica e o tipo de enxerto a serem usados no tratamento de cada tipo de instabilidade.

Modelos biomecânicos são importantes para avaliar a eficácia de novas técnicas de estabilização precedendo sua utilização clínica. As informações obtidas podem servir como base para o desenvolvimento e aperfeiçoamento de diferentes estruturas e materiais de fixação utilizados na região cervical.

O objetivo deste estudo é propor um modelo biomecânico utilizando a coluna cervical de cadáveres humanos submetida à corpectomia de C5 e discectomia adjacente, verificar sua aplicabilidade prática e avaliar o comportamento imediato in vitro da sua estabilização com enxerto de fíbula, durante a simulação do mecanismo de flexão em Máquina Universal de Testes.

MATERIAL E MÉTODOS

Esse estudo foi realizado em 20 peças da região subaxial (C3 - C7) da coluna cervical de cadáveres humanos do sexo masculino.Todos os cadáveres eram adultos com óbito não acidental e não relacionados a doenças do aparelho músculo-esquelético. A idade por ocasião do óbito variou de 31 a 58 anos, com média de 46 anos. Todos os cadáveres estão registrados no Serviço de Verificação de Óbitos da Capital - SP, no período de março a outubro de 2000.

As peças foram retiradas de cadáveres frescos posicionados em decúbito ventral. O acesso à coluna foi realizado através de uma incisão póstero-mediana na linha dos processos espinhosos, abrangendo a pele e o tecido celular subcutâneo, expondo a região do occipício até o terço superior da coluna torácica. Com o cuidado necessário, as peças da coluna vertebral de C1-T1 foram removidas, mantendo-se intactas as estruturas ósseas, musculares e ligamentares. Os enxertos fibulares foram obtidos por acesso póstero-lateral à perna de sete cadáveres com dissecação entre os músculos fibular longo e solear, ressecando-se 20 cm da diáfase fibular.

As peças foram acondicionadas em sacos plásticos e mantidas sob congelamento à temperatura de -20º C. Este procedimento visa não alterar as propriedades físicas do osso, do ânulo fibroso e dos ligamentos.

Para confecção do modelo biomecânico, cada coluna foi retirada do congelador e colocada à temperatura e umidade ambientes por 12 horas, sendo a seguir dissecada, retirando-se as parte moles do corpo vertebral da primeira vértebra cervical e do corpo vertebral da primeira vértebra torácica, exceto a cápsula articular e ligamentos.

Realizou-se a seguir a corpectomia de C5 com serra oscilatória marca e modelo Dyonics/Smith-Nephew com lâmina curta e estreita de 2 mm de espessura e 1 cm de largura, referência nº 3704, mantendo-se intactas as articulações intervertebrais e o ligamento longitudinal posterior. Todo o material discal dos segmentos C4 - C5 e C5 - C6 foi removido com saca-bocado e cureta, deixando as placas terminais devidamente limpas e planas para a realização das cavidades de acoplamento do enxerto. Todas as demais estruturas capsulares, ligamentares e musculares foram deixadas intactas.

Para a preparação da cavidade inferior da placa terminal de C4 e superior da placa terminal de C6, foi utilizado um mini-perfurador a bateria, com broca de abrasão 5.5 x 10 mm da marca e modelo Linvatec. De maneira padronizada, cavidades de 2-3 mm de profundidade, com largura em torno de um terço da largura do corpo vertebral e localizadas na junção do terço anterior com o médio (sentido ântero-posterior do corpo) foram criadas para receber o enxerto de fíbula.

O enxerto de fíbula foi preparado por meio de cortes em suas extremidades superior e inferior com serra oscilatória modelo Dyonics /Smith-Nephew. Os entalhes criados mediam em geral 2-3 mm de comprimento e ocupavam um terço do diâmetro da fíbula, tendo a finalidade de adaptar melhor o enxerto ao leito receptor, permitindo melhor travamento. A medida do enxerto foi calculada a partir da medida do espaço criado após a retirada do corpo vertebral e discos adjacentes de cada peça anatômica individualmente. O enxerto era introduzido no leito receptor sob pressão, sendo, para isso, confeccionado com comprimento 1 mm superior ao espaço criado pela corpectomia e discectomia adjacente. O aspecto final do enxerto de fíbula no leito criado pela corpectomia de C5 é demonstrado (Figura 1). Os enxertos eram retirados da porção cortical da diáfise fibular e cada fíbula fornecia aproximadamente de quatro a cinco enxertos.


As colunas foram fixadas cefálica e caudalmente por dois fios de aço inoxidável de 1,5 mm de espessura cruzados perpendicularmente e englobados a um molde de polimetilmetacrilato conforme a técnica de Machado(15).

Todas as peças com suas bases acrílicas foram radiografadas nas posições ântero-posterior e perfil para identificar e excluir peças contendo alterações ósseas indicativas de neoplasia, metástase ou fratura.

Todas as peças foram novamente acondicionadas em sacos plásticos e conservadas a temperatura de -20º C.

Para realização do ensaio as peças foram descongeladas à temperatura ambiente por 12 horas, e a seguir acopladas a um aparelho que permite a realização de testes em flexão(15) (Figura 2).


O aparelho de testes com a peça fixada foi adaptado à Maquina Universal de ensaios mecânicos com célula de carga Kratos de 20 kN do Laboratório de Bioengenharia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP (24). À Máquina Universal, acoplou-se uma ponte de extensometria Série 200 Sodmex dotada do módulo de leitura das forças aplicadas à célula de carga, numa escala de 10 unidades para 1 Kgf. Esta ponte dispunha de um dispositivo de controle de velocidade de 5 mm/min.

Uma peça (nº 01) foi preparada para uso exclusivo como teste piloto, no qual foi verificado que o curso do eixo da Máquina Universal era suficiente para produzir falha mecânica na peça, no mecanismo de flexão. Para acomodação do sistema, foi estabelecida uma pré-carga de 2 Kgf, que produzia uma flexão inicial na peça. Foi padronizado que todos os experimentos teriam início a partir desta pré-carga. A flexão provocada na coluna durante o ensaio, foi medida em ângulos por um módulo de leitura analógico acoplado à Maquina de Testes.

Registrou-se, a cada grau angular de flexão do ensaio, a carga aplicada e o grau de deformação resultante. A relação entre a carga aplicada (célula de carga multiplicada pelo comprimento da peça, que representa o Momento Fletor - MF exercido na peça de ensaio) e a deformação angular registrada pelo medidor de ângulos foi expressa por meio de uma equação matemática(15,16,27).

Os ensaios foram interrompidos no ponto de falha mecânica do experimento, representado pela queda abrupta do registro de carga no módulo de leitura.

Após o ensaio, um novo estudo radiográfico foi realizado em ântero-posterior e perfil, para observar as alterações ósseas sofridas pelo corpo de prova ou pelo enxerto. Foram observados e registrados os seguintes parâmetros: migração do enxerto e fratura do enxerto, corpo vertebral, processo espinhoso, lâmina e faceta.

Para investigação das lesões internas, as peças congeladas foram retiradas de seus moldes e seccionadas no plano sagital, utilizando-se uma serra elétrica com lâmina de aço inoxidável de 1 mm de espessura, para evitar danos às partes moles e ósseas.

A seguir, realizou-se dissecação onde foram analisadas de forma padronizada as seguintes estruturas: corpo vertebral, enxerto, disco intervertebral, canal e medula vertebral, ligamento longitudinal posterior, articulações zigoapofisárias, cápsulas articulares, ligamentos amarelo, interespinhoso e supra-espinhoso.

RESULTADOS

Na análise radiográfica pós-ensaio realizada em ântero-posterior e perfil, observamos fratura do corpo vertebral em 11 peças (Tabela 1). Nas peças números 04, 05, 06, 11, 16, 19, e 23 a fratura ocorreu somente no corpo vertebral de C6. Nas peças 08, 10, 17 e 21 a fratura ocorreu nos corpos de C4 e C6 conjuntamente. Não foram observadas fraturas do processo espinhoso, lâmina, faceta ou do enxerto fibular em nenhuma das peças. Nenhum caso de deslocamento anterior ou posterior do enxerto foi evidenciado.

A análise biomecânica demonstrou nas 20 peças estudadas, que o Momento Fletor Máximo foi em média 17,73 ± 1,74 Nm (Newton x metro). Com relação ao grau de deformação, verificou-se que a média foi 30,87º ± 5,73º. A (Tabela 2) apresenta o MF Mínimo de cada peça no início do ensaio e o MF Máximo de cada peça antes da falha do sistema, correlacionando-os com a fratura dos corpos vertebrais adjacentes ao enxerto.

Após corte sagital de cada peça ao final dos ensaios, confirmamos fratura da cortical anterior do corpo vertebral em 11 peças, já visualizadas no estudo radiográfico anterior. As 9 peças restantes apresentaram afundamento na porção esponjosa dos corpos vertebrais adjacentes, intimamente em contato com os entalhes criados no enxerto fibular. Não houve lesão do ligamento longitudinal posterior, amarelo, supraespinhoso e interespinhoso em nenhuma das peças. Lesão do disco intervertebral foi observado nas peças nºs 07, 10, 14 e 15 (Tabela 3).

DISCUSSÃO

A corpectomia é amplamente aceita como método de tratamento das lesões vertebrais que apresentam instabilidade anterior ou que necessitam de descompressão da medula(10,12). No entanto, as técnicas cirúrgicas para restaurar a estabilidade biomecânica, após a remoção do corpo vertebral, são controversas.

Enxertos de suporte são utilizados para reconstruir o segmento submetido à corpectomia, restabelecer o alinhamento anatômico e proporcionar estabilidade à coluna até que ocorra a fusão óssea .

Vários locais podem servir como fonte doadora de enxerto, sendo a fíbula, a crista ilíaca e a costela os mais utilizados. Em algumas situações a estabilização cervical pode ser complementada com implantes metálicos(8,11), metilmetacrilato(28) ou hidroxiapatita(30).

O enxerto de ilíaco é o mais utilizado na coluna cervical anterior. Confeccionado de diferentes formas(3,7,21,26), tem sido utilizado desde a década de 50 com bons resultados clínicos. No entanto, não é tão eficiente em fornecer suporte mecânico após corpectomia. Complicações como fratura e extrusão do enxerto, e a perda do alinhamento vertebral com desenvolvimento de deformidades cifóticas tardias também são freqüentemente observadas(23).

Por estas razões optamos pelo enxerto de fíbula para estabilizar o modelo proposto. Acreditamos que o suporte mecânico fornecido à região submetida a corpectomia é melhor em relação aos outros tipos de enxerto disponíveis, e suas características anatômicas de forma e tamanho facilitam a confecção cirúrgica e encaixe no leito receptor.

Alguns autores, avaliando em laboratório a resistência mecânica imediata de vários tipos de enxerto, concluem que a fíbula é aproximadamente quatro vezes mais resistente que o enxerto de crista ilíaca anterior e posterior, e que o enxerto de costela é o mais fraco de todos(25,30). Outros, ao contrário, não observam diferença estatisticamente significativa entre a resistência da fíbula, costela e ilíaco após submetê-los a testes de compressão axial(4).

No presente estudo, utilizamos um modelo de cadáver humano com uma condição controlada de instabilidade anterior criada por meio da corpectomia de C5 e discectomia adjacente, com o objetivo de avaliar sua aplicabilidade biomecânica para que possa ser utilizado em novos estudos na análise de diferentes tipos de estabilização.

Para testar o modelo proposto utilizamos enxerto cortical de fíbula preenchendo o defeito criado pela remoção do corpo vertebral. Avaliamos seu comportamento funcional, a resistência mecânica do sistema, a estabilização imediata alcançada, bem como a capacidade do enxerto em resistir a fratura e extrusão.

Na primeira fase de nossas investigações notamos que durante a realização do ensaio biomecânico, nenhum enxerto de fíbula sofreu fratura macroscópica, o que comprovamos na segunda fase por estudo radiográfico e anatômico. Atribuímos este fato à fíbula ser composta basicamente por osso cortical, com capacidade de fornecer suporte estrutural imediato e alta resistência às forças deformantes(13,14,17).

Durante os ensaios, percebemos que o enxerto fibular comportou-se de forma estável e nenhum caso de deslocamento ou extrusão foi observado. Acreditamos que o entalhe criado na porção superior e inferior do enxerto permite seu travamento nos corpos adjacentes, impedindo o deslocamento durante o mecanismo de flexão quando as estruturas anteriores são comprimidas, forçando o enxerto para fora .

As placas terminais das vértebras superior e inferior devem ser removidas com cuidado, preservando ao máximo a porção anterior do corpo vertebral, que servirá de barreira mecânica à extrusão do enxerto. A remoção de quantidade excesiva de osso subcondral pode favorecer o afundamento do enxerto fibular nos corpos vertebrais adjacentes devendo, sempre, ser evitada(5, 9).

Salientamos que a ressecção óssea do leito receptor deve ser a mais econômica possível, visando apenas criar o espaço mínimo necessário para a adaptação dos entalhes e acreditamos que o limite de 2-3 mm de profundidade no osso subcondral fornece uma boa base anatômica para o travamento do enxerto, sem aumentar o risco de extrusão.

A literatura relata complicações relacionadas ao deslocamento e extrusão do enxerto fibular que contribuem para o aumento da morbidade pós-operatória(29). Destacamos, contudo, que as técnicas de confecção e fixação do enxerto são diferentes uma das outras e, portanto, difíceis de terem seus resultados comparados.

Acreditamos que a técnica de confecção dos entalhes no enxerto e a colocação do mesmo sob pressão, preservando ao máximo a cortical anterior e esponjosa dos corpos vertebrais adjacentes, pode contribuir de forma significativa para a diminuição desta complicação.

Os testes foram realizados em flexão por acreditarmos que este movimento é o mais próximo do mecanismo de trauma e, portanto, capaz e avaliar a coluna cervical sob condições semelhantes às observadas na clínica; ao contrário da literatura que, na maioria das vezes, realiza testes com carga de compressão axial(4,19,20,22).

A análise biomecânica dos ensaios, em decorrência da deformação ser angular e cada coluna apresentar comprimento diferente, foi realizada através de Momento Fleto(18), que é uma resultante utilizada para documentar a variação de carga durante a angulação do ensaio. Cada ângulo de deformação da peça apresenta um Momento Fletor próprio, calculado por meio de uma equação matemática desenvolvida por bioengenheiros(15,16,27).

Embora saibamos que as estruturas que compõem a coluna cervical são visco-elásticas e esta propriedade, juntamente com a resistência óssea, tende a diminuir com a idade(2,15), ao analisarmos nossos resultados, observamos que a deformação dos conjuntos, que biomecanicamente corresponde à elasticidade dos mesmos, apresentou comportamento homogêneo. Uma possível explicação para este fato é que a idade das peças é similar.

O Momento Fletor Médio Máximo (MFMM), também apresentou comportamento homogêneo nas vinte peças testadas. A média de idade relativamente baixa e a utilização de colunas provenientes apenas de cadáveres do sexo masculino, contribuíram para a menor variabilidade dos resultados(2).

O estudo experimental(15) realizado em 1993, flexiona colunas cervicais normais de cadáveres humanos até o ponto de falha e demonstra que o grupo do sexo masculino com faixa etária entre 35-40 anos apresenta MFMM de 19,78 Nm; enquanto o grupo com faixa etária entre 55-60 anos apresenta MFMM de 16,21Nm. Nossos resultados apresentam um MFMM de 17,73 Nm, o que nos permite proferir que o modelo estabilizado com enxerto de fíbula apresenta resistência similar à coluna normal, já que ambos os estudos foram realizados no mesmo laboratório e com a mesma metodologia.

O estudo radiográfico pós-ensaio, permitiu-nos confirmar a ausência de fratura ou migração do enxerto fibular. As peças nos 04, 05,06, 08, 10, 11, 16, 17, 19, 21 e 23 apresentaram fratura na cortical anterior dos corpos vertebrais adjacentes ao enxerto, sugerindo menor resistência do corpo vertebral em relação ao enxerto de fíbula. Nas peças nos 08, 10, 17, e 21 a fratura ocorreu nos corpos de C4 e C6 simultaneamente, enquanto as peças restantes apresentaram fratura somente de C6. Não conseguimos estabelecer uma relação direta das cargas aplicadas com o dano ósseo constatado. Algumas peças que sofreram afundamento da sua porção esponjosa necessitaram maior carga para provocar a falha mecânica (Momento Fletor Máximo maior) do que as peças que apresentaram fratura da cortical anterior dos corpos vertebrais de C4 e C6 (Tabela 2). Este fato deve ser estudado posteriormente devido à necessidade de análise biomecânica mais detalhada. Não observamos fratura avulsão do processo espinhoso, lâmina ou faceta em nenhum dos ensaios.

Nas peças números 07, 09, 12, 13, 14, 15, 18, 20 e 22, observamos afundamento da região esponjosa superior ou inferior, intimamente em contato com os entalhes criados no enxerto. Acreditamos que o afundamento do tecido esponjoso ocorreu pela compressão exercida pelos entalhes do enxerto, e foi responsável pela a falha mecânica antes que ocorresse a fratura da cortical anterior dos corpos vertebrais. Alguns autores(37) sugerem que as construções com enxerto fibular podem falhar na interface corpo vertebral-enxerto fibular, devido a maior rigidez do osso cortical da fíbula em relação ao tecido esponjoso dos corpos vertebrais adjacentes.

Nossa análise anatômica não evidenciou lesão do ligamento longitudinal posterior e complexo ligamentar posterior em nenhuma das peças, apesar de realizarmos testes até o ponto de falha. Acreditamos que a falha ocorreu na transição corpo-enxerto antes que ocorresse lesão ligamentar posterior.

A aplicação de forças deformantes em flexão, faz com que a coluna cervical sofra compressão anterior e distração posterior. Os ligamentos posteriores têm sua tensão aumentada durante a flexão cervical favorecendo a ruptura, fato que não observamos em nenhum dos ensaios. Nas 20 peças testadas, apenas as estruturas anteriores falharam.

Os discos intervertebrais também sofrem a ação compressiva anterior durante o mecanismo de flexão. Observamos lesão discal nas peças números 07, 10, 14 e 15 (Tabela 3), provavelmente pelo aumento da pressão interna exercido pela carga aplicada. Estas lesões foram acompanhadas de achatamento das placas terminais adjacentes, no entanto sem protrusão discal para dentro do canal medular, concordando com o estudo(20) que afirma que o corpo vertebral é menos resistente à compressão que o disco normal e que o núcleo pulposo, sob pressão, provoca protrusão da placa terminal em direção ao centro do corpo vertebral até a falha óssea. É importante salientarmos que estas peças também apresentaram afundamento da esponjosa em contato com os entalhes ósseos, tornando difícil avaliar qual estrutura foi responsável pela falha mecânica, ou se houve a combinação de ambas.

Modelos biomecânicos são importantes para a avaliação das estabilizações cervicais, no entanto, sua correlação clínica ainda não se encontra totalmente definida. A escolha apropriada da técnica de estabilização e do tipo de enxerto ósseo no tratamento das lesões cervicais são de fundamental importância para o êxito terapêutico. O desafio que permanece, é simular de forma precisa o complexo funcionamento cervical e as condições de carga observadas in vivo, com o objetivo de obter avaliações biomecânicas mais eficazes.

CONCLUSÃO

Concluem que o modelo biomecânico testado demonstrou-se adequado à finalidade proposta, podendo ser utilizado para análise de diferentes tipos de estabilização cervical e que o enxerto cortical de fíbula, utilizado no modelo proposto, provou ser resistente, fornecendo estabilidade imediata à coluna cervical quando submetido à carga em flexão.

Trabalho recebido em 10/07/2001. Aprovado em 28/03/2002.

Estudo realizado no Laboratório de Bioengenharia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2002

    Histórico

    • Aceito
      28 Mar 2002
    • Recebido
      10 Jul 2001
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