Acessibilidade / Reportar erro

Avulsão indireta da epífise da crista ilíaca: uma rara lesão

Resumos

A avulsão da cartilagem da crista ilíaca é uma lesão infreqüente e raramente é descrita na literatura. Atletas jovens e adolescentes são os indivíduos mais predispostos à lesão. O trauma indireto causado pela contração da musculatura aderida à crista ilíaca e o movimento de angulação do tronco em sentido oposto ao da contração é o mecanismo mais comum de arrancamento da cartilagem. Como na maioria dos casos não existe trauma direto, esses podem não ser diagnosticados se não considerarmos essa possibilidade de lesão. Relatamos dois casos atendidos em nosso Serviço, que apresentaram lesão na cartilagem devido a um trauma indireto (contração muscular abrupta). Ambos foram tratados de maneira incruenta, com excelente evolução.

Epífise; ilíaco; crista; avulsão; indireta; trauma


Avulsion of the iliac crest cartilage is an infrequent, rarely described lesion. Young and adolescent athletes are prone to this lesion. Indirect trauma caused by contraction of the muscles inserted at the iliac crest and the angulation move-ment of the trunk in direction opposite to the contraction is the most common mechanism causing cartilage tearing. As most of the cases do not present direct trauma, diagnosis can be missed if that possibility is not considered. Two cases attended by our Service are described. Lesion in the cartilage was observed due to an indirect trauma (abrupt muscular contraction). Both cases were treated and the evoluti-on was excellent.

Epiphysis; iliac; crest; avulsion; indirect; trauma


RELATO DE CASO

Avulsão indireta da epífise da crista ilíaca. Uma rara lesão

Gilberto José Cação PereiraI; Hamilton da Rosa PereiraII; Márcio CruzII

IProfessor Assistente

IIProfessor Assistente Doutor

IIIResidente

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Departamento de Cirurgia e Ortopedia Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP CEP 18618-970 - Botucatu - SP

RESUMO

A avulsão da cartilagem da crista ilíaca é uma lesão infreqüente e raramente é descrita na literatura. Atletas jovens e adolescentes são os indivíduos mais predispostos à lesão. O trauma indireto causado pela contração da musculatura aderida à crista ilíaca e o movimento de angulação do tronco em sentido oposto ao da contração é o mecanismo mais comum de arrancamento da cartilagem. Como na maioria dos casos não existe trauma direto, esses podem não ser diagnosticados se não considerarmos essa possibilidade de lesão.

Relatamos dois casos atendidos em nosso Serviço, que apresentaram lesão na cartilagem devido a um trauma indireto (contração muscular abrupta). Ambos foram tratados de maneira incruenta, com excelente evolução.

Descritores: Epífise; ilíaco; crista; avulsão; indireta; trauma.

INTRODUÇÃO

A avulsão da epífise da crista ilíaca é uma lesão infreqüente e raramente é descrita na literatura. Em geral, atinge atletas jovens e pode ser causada por trauma direto ou indireto. Na maioria dos casos é conseqüência de um trauma indireto, que pode ser um stress muscular repetitivo ou uma contração abrupta da musculatura que aí se encontra inserida (1,2).

Descrevemos em seguida, dois casos que apresentaram avulsão indireta da referida cartilagem.

Caso 1

Paciente com 15 anos, sexo feminino, foi atendida em nosso Serviço de Emergência, referindo intensa dor na crista ilíaca esquerda, que teve início repentino durante uma aula de ginástica, no momento em que realizou um movimento abrupto de inclinação do tronco para direita e o quadril em direção oposta. A paciente negou qualquer tipo de trauma direto no local.

Durante o exame clínico, apresentava dor intensa à palpação da crista ilíaca esquerda. A articulação coxo-femoral esquerda apresentava movimentação passiva sem bloqueios, mas referia discreta dor à adução do quadril, e apresentava grande dificuldade à deambulação devido a dor na crista ilíaca esquerda.

Ao exame radiológico (Figura 1) foi observada uma avulsão da parte anterior da epífise da crista ilíaca esquerda. Na (Figura 2), a radiografia foi iluminada com dois focos de luz, para uma observação mais detalhada e comparação da epífise.



Com o auxílio da radiografia foi confirmado o diagnóstico de avulsão da epífise da crista ilíaca esquerda. Foi prescrito analgésico por 3 dias e repouso no leito por 7 dias para alívio da dor. Após esse período, a paciente referiu grande melhora da dor, sendo recomendado marcha com auxílio de muletas por 7 dias e restrição de atividades físicas por 15 dias.

Após o tratamento, a paciente não apresentava nenhuma dor no local ou limitação no movimento do quadril, a Radio-grafia mostrou sinais de fusão da epífise da crista ilíaca esquerda (Figura 3).


Caso 2

Paciente com 14 anos, sexo feminino, foi atendida em nosso Serviço, com queixa de intensa dor na região da crista ilíaca direita, que teve início abrupto, após uma repentina angulação do tronco para o lado esquerdo, durante uma aula de dança. A paciente negou qualquer trauma no local.

Durante o exame ortopédico, apresentou dor intensa à palpação da crista ilíaca direita e dificuldade para movimentar o membro inferior correspondente, devido dor na região ilíaca. Deambulava apenas com auxílio e a dor se intensificava quando apoiava o membro inferior direito. Nas radiografias, foi observado avulsão da parte anterior da epífise da crista ilíaca direita (Figura 4 e 5).



Nas radiografias (Figura 5) foi utilizado o foco de luz descrito previamente. Esse procedimento simples, principalmente nesse caso, facilitou a comparação das epífises e uma melhor observação da lesão.

O exame radiológico confirmou o diagnóstico da avulsão da epífise da crista ilíaca e foi prescrita a mesma terapia utilizada no caso anterior.

Após noventa dias, a marcha e a movimentação ativa do membro inferior direito eram normais. Não apresentava dor à palpação da crista ilíaca direita. A radiografia com foco de luz (Figura 6) mostrou sinais de fusão da epífise da crista ilíaca direita.


DISCUSSÃO

A ossificação da epífise ilíaca é gradual e ocorre usualmente de anterior para posterior, sendo que, em torno de 14 anos de idade no sexo feminino e 15 anos no masculino, toda a cartilagem estará ossificada (4). No entanto, a fusão dessa cartilagem ossificada com o osso ilíaco, somente vai ocorrer em torno dos 18 anos de idade, e assim, nesse intervalo, está sujeita a traumas diretos ou indiretos que poderão causar seu deslocamento.

O trauma indireto é o mecanismo que mais comumente causa lesão dessa cartilagem e é freqüentemente conseqüência de uma contração abrupta da musculatura que aí está inserida (transverso abdominal, oblíquo interno e oblíquo externo) em associação com um movimento rotacional ou de inclinação do tronco para o lado oposto. (1,2)

A lesão da epífise do ilíaco geralmente atinge a parte anterior da cartilagem. É considerada uma rara lesão e as publicações médicas em Língua Inglesa, descrevem somente dez casos provocados por trauma indireto, sendo que em todos, a lesão ocorreu durante a prática de esportes. (1,2,5)

Considerando a história clínica de ambos os casos descritos; o mecanismo de lesão foi um trauma indireto, isto é, houve uma angulação do quadril para um dos lados e ao mesmo tempo, em direção oposta, uma repentina contração da musculatura inserida na epífise, causando o deslocamento da mesma. Acreditamos que o fato do tronco e o quadril não apresentarem um movimento sincronizado no momento da contração muscular foi um elemento muito importante no mecanismo da lesão.

A avulsão da epífise da crista ilíaca pode apresentar um deslocamento de maior ou menor grau. Quando o deslocamento é maior que 3cm, pode ser necessárias redução aberta e fixação para evitar futuras deformidades, e deslocamentos menores podem ser tratados por métodos não cirúrgicos (3).

O tratamento não cirúrgico recomendado é repouso no leito e medicação para alívio da dor durante os primeiros dias, depois marcha com auxílio de muletas, evitando apoio do membro inferior correspondente, por aproximadamente sete dias, para evitar deslocamento adicional. Após esse período é permitido um apoio gradual, mas as atividades físicas são restringidas por quatro semanas (1,2).

Supomos que os casos são interessantes pelo próprio mecanismo do trauma e também por chamar a atenção para a possibilidade desse tipo de lesão nesse local, pois já que em muitas situações não existe trauma direto, a lesão pode passar desapercebida se não consideramos essa possibilidade.

Ambos os casos apresentados tiveram excelente evolução e dois meses após o trauma nenhum dos pacientes apresentavam dor ou deformidade na crista ilíaca e a marcha havia se normalizado.

Trabalho recebido em 01/11/2001. Aprovado em 28/03/2002

Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP

  • 1. Godshall, R.W., Hansen, C.A.: Incomplete avulsion of a portion of the iliac epiphysis. An injury of young athletes. J. Bone Joint Surg Am 55(6): 1301-2, 1973.
  • 2. Lambert, M.J., Fligner, D.J.: Avulsion of the iliac crest apophysis: A rare fracture in adolescent athletes. Ann Emerg Med 22(7): 1218-20, 1993.
  • 3. Lombardo, S.J., Retting, A.C., Kerlan, R.K.: Radiografic abnormalities of the iliac apophysis in adolescent athletes. J. Bone Joint Surg Am 65(4): 444-6, 1983.
  • 4. Tachdjian, M.O.: Scoliosis; In: Pediatric Orthopaedics, Philadelphia, W. B. Saunders, 1990, p.2265-379,
  • 5. Winkler, A.R., Barnes, J.C., Ogden, J.A.: Break dance hip: Chronic avulsion of the anterior superior iliac spine. Pediatr Radiol 17:501-2, 1987.
  • Endereço para correspondência
    Departamento de Cirurgia e Ortopedia
    Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP
    CEP 18618-970 - Botucatu - SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2002

    Histórico

    • Aceito
      28 Mar 2002
    • Recebido
      01 Nov 2001
    ATHA EDITORA Rua: Machado Bittencourt, 190, 4º andar - Vila Mariana - São Paulo Capital - CEP 04044-000, Telefone: 55-11-5087-9502 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: actaortopedicabrasileira@uol.com.br