Acessibilidade / Reportar erro

Estudo epidemiológico, clínico e microbiológico prospectivo de pacientes portadores de fraturas expostas atendidos em hospital universitário

Epidemiological, clinical and micorbiological prospective study of patients with open fractures assisted at a university hospital

Resumos

Foram estudados 117 pacientes com fraturas expostas, submetidos a protocolo para identificação do paciente e características do trauma, internados para tratamento cirúrgico, durante um período de dois anos. A avaliação microbiológica da ferida foi realizada em 45 pacientes antes do desbridamento cirúrgico, com predomínio dos germes gram positivos. A antibioticoterapia foi utilizada profilaticamente em todos os pacientes, podendo, no entanto, ser melhor padronizada. O perfil da maioria dos pacientes da amostra foi: sexo masculino, branco, casado, com idade entre 21 e 30 anos, trabalhador industrial com Primeiro Grau completo, vítima de acidente de automóvel ou motocicleta. As fraturas foram agrupadas segundo a classificação de Gustilo, sendo que a maioria dos casos encontrados foram do tipo III. Os índices de infecção estiveram relacionados ao grau da classificação, sendo mais freqüente no tipo III. No entanto, o estudo também revelou índice elevado de infecção no tipo II, comparado com a literatura. O tempo médio de exposição foi de cinco horas e trinta e nove minutos, sendo o fixador externo o meio de tratamento mais utilizado. Foi também avaliada a freqüência de politraumatizados, 15%. O período de internação foi em média de 9,14 dias, com uma média de aproximadamente oito retornos por paciente nos ambulatórios. As principais complicações foram a infecção e a pseudoartrose, sendo a tíbia o osso mais acometido.

Fratura exposta; Cirurgia; Epidemiologia; Quimioterapia; Infecção dos ferimentos


Epidemiological, clinical and microbiological prospective study of patients with open fractures assisted at university Hospital. We studied 117 patients with open fractures during a period of two years, submitted to a protocol to identify the patient and the kind of trauma, interned for surgical treatment. The culture was collected in 45 patients for microbiological evaluation, before the surgery. The Gram-positive bacteria were the most observed type. All patients used prophylactic antibiotic therapy, but the choice of drug could have a better pattern. Most patients had the following profile: male, white, married, age group 21-30 years, industrial worker with Elementary School complete, victim of car or Motorcycle accidents. The fractures were grouped according to the Gustilo classification, and most of them were of Type III. The infection levels were related to the degree of the classification, being more frequent in Type III. Compared with the literature, the present study showed a higher infection rate in Type II. On the average, the exposure time was of five hours and thirty-nine minutes. Most fractures were managed with an external fixator. It was also evaluated the presence of other injuries, that was low. The Average time spent at the Hospital was of 9.14 days, with almost eight visits to the ambulatory for patient assistance. The most observed complications were infection and pseudoarthrosis, and the more implicated bone was the tibia. Most patients were discharged by the end of this study.

Fractures, Open; Surgery; Epidemiology; Drug therapy; Wound infection


ARTIGO ORIGINAL

Estudo epidemiológico, clínico e microbiológico prospectivo de pacientes portadores de fraturas expostas atendidos em hospital universitário

Sérgio Swain MüllerI; Trajano SardenbergII; Gilberto José Cação PereiraII; Terue SadatsuneIII; Edgar Eiji KimuraIV; José Luiz Villas Boas Novelli FilhoIV

IProfessor Assistente Doutor do Depto de Cirurgia e Ortopedia

IIProfessor Assistente do Depto de Cirurgia e Ortopedia

IIIProfessor Assistente Doutor do Depto de Microbiologia

IVEx Médico Residente do Serviço

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Depto de Cirurgia e Ortopedia Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP Botucatu – São Paulo Cep: 18618-970 e-mail: muller@fmb.unesp.br

RESUMO

Foram estudados 117 pacientes com fraturas expostas, submetidos a protocolo para identificação do paciente e características do trauma, internados para tratamento cirúrgico, durante um período de dois anos. A avaliação microbiológica da ferida foi realizada em 45 pacientes antes do desbridamento cirúrgico, com predomínio dos germes gram positivos. A antibioticoterapia foi utilizada profilaticamente em todos os pacientes, podendo, no entanto, ser melhor padronizada.

O perfil da maioria dos pacientes da amostra foi: sexo masculino, branco, casado, com idade entre 21 e 30 anos, trabalhador industrial com Primeiro Grau completo, vítima de acidente de automóvel ou motocicleta.

As fraturas foram agrupadas segundo a classificação de Gustilo, sendo que a maioria dos casos encontrados foram do tipo III. Os índices de infecção estiveram relacionados ao grau da classificação, sendo mais freqüente no tipo III. No entanto, o estudo também revelou índice elevado de infecção no tipo II, comparado com a literatura. O tempo médio de exposição foi de cinco horas e trinta e nove minutos, sendo o fixador externo o meio de tratamento mais utilizado. Foi também avaliada a freqüência de politraumatizados, 15%.

O período de internação foi em média de 9,14 dias, com uma média de aproximadamente oito retornos por paciente nos ambulatórios. As principais complicações foram a infecção e a pseudoartrose, sendo a tíbia o osso mais acometido.

Descritores: Fratura exposta; Cirurgia; Epidemiologia; Quimioterapia; Infecção dos ferimentos.

INTRODUÇÃO

Fratura exposta é aquela em que há quebra na barreira da pele e tecidos moles adjacentes levando a comunicação direta entre o meio externo e a fratura e seu hematoma. Como o meio interno, no caso dos membros, é estéril, o contato com o meio ambiente muda esta situação, transformando-o em contaminado. Dependendo do tempo de exposição, até o início do tratamento, e do sucesso ou não do procedimento cirúrgico inicial, a contaminação pode evoluir para infecção de partes moles e também do osso.

Além do tempo de exposição outros fatores são decisivos para a evolução da fratura com relação à infecção, principalmente o montante de lesão de partes moles (diretamente relacionada à energia cinética absorvida) e grau de desvitalização dos tecidos, que além de tornarem mais difíceis os procedimentos de cobertura também podem alterar a vitalidade do osso e o processo de reparação.

A evolução e o resultado final são, portanto, diretamente influenciadas pela extensão do dano às partes moles e pelas características da contaminação.

Historicamente Hipócrates relata estudos de pacientes gravemente feridos nas guerras, tratados com ferro (faca) ou fogo (cauterização). Galen e seus seguidores reconheceram também a purulência e sua necessidade para o processo reparador dos graves feridos da época. No século quinze e dezesseis Brunschwig e seguidores advogaram que a remoção dos tecidos desvitalizados dos compartimentos abertos era necessária para o tratamento das feridas que não se recuperavam. Vários métodos foram então desenvolvidos para tratar estas graves lesões, porém somente a partir da Primeira Guerra Mundial o desbridamento extenso foi firmado como princípio de tratamento(1).

Atualmente as fraturas expostas são tratadas com os seguintes objetivos iniciais: prevenir a ocorrência da infecção, promover a restauração das partes moles e fixar a fratura com alinhamento adequado e estabilidade suficiente para conforto do paciente e que permita curativos e outros procedimentos.

Apesar do diagnóstico evidente da exposição da fratura à simples inspeção visual é importante que se obtenha história detalhada do traumatismo, com informações do próprio paciente ou de familiares, policiais ou pessoas que observaram a ocorrência ou participaram do atendimento inicial e remoção.

O conhecimento das características do traumatismo pode dar ao cirurgião idéia do grau de destruição e necrose dos tecidos, devendo sempre lembrar que a mesma energia cinética absorvida pelo osso também se distribuiu pelas partes moles.

O tempo decorrido entre a fratura e o atendimento hospitalar é também crucial. Até o prazo de 6 a 8 horas pode-se considerar a ferida contaminada. A partir deste período, as bactérias contaminantes já podem estar em processo de multiplicação e disseminação pelos tecidos, caracterizando, portanto, situação de infecção.

Deste modo, as fraturas expostas apresentam-se como verdadeiros desafios ao cirurgião na busca da reabilitação dos pacientes ao final do tratamento .

OBJETIVOS

Verificar a eficácia do tratamento oferecido em nosso serviço, pela análise completa do paciente desde a classificação das fraturas, presença de lesões associadas, antibioticoterapia utilizada, quantidade de intervenções cirúrgicas necessárias, seqüelas do tratamento e microorganismos isolados na ferida.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Foram estudados 117 pacientes portadores de fraturas expostas, atendidos entre o dia primeiro de maio de dois mil (01/05/2000) a trinta de abril de dois mil e dois (30/04/2002), internados para tratamento cirúrgico no HC da FMB-UNESP. Participaram da amostra pacientes atendidos na fase aguda no Pronto-Socorro e aqueles previamente assistidos em outros serviços, encaminhados para tratamento definitivo.

No momento da chegada no Hospital foi aplicado protocolo que possibilitou coleta de dados de identificação do paciente e descrição do trauma. Os dados foram obtidos pelos médicos residentes em Ortopedia e Traumatologia após prévio esclarecimento e aceitação do paciente ou responsável em participar desta pesquisa* * Projeto aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa (CEP) da FMB -UNESP ** Comunicação Pessoal .

O protocolo foi preenchido em quatro etapas:

A) Pronto Socorro: foram coletados dados pessoais do paciente, relativos ao tipo de trauma e às características clínicas do paciente. Foram descritos a hora do atendimento e as lesões encontradas no paciente, e depois classificadas de acordo com Gustilo(5).

B) Após o ato cirúrgico: dados da cirurgia, incluindo o tempo de irrigação, uso de garrote, desbridamento, necessidade de outras equipes cirúrgicas e antibioticoterapia utilizada;

C) Após alta da enfermaria: dados da internação e as características do encaminhamento para o ambulatório no momento da alta hospitalar;

D) Nos retornos ambulatoriais: o total de retornos foi anotado, incluindo a alta ambulatorial, sendo que os dados foram levantados das anotações médicas dos prontuários dos pacientes.

Da amostra total (117 pacientes), foram coletadas amostras para cultura de quarenta e cinco (45) pacientes, do ferimento antes da limpeza e do desbridamento cirúrgico, de duas formas: a primeira com zaragatoa coletando um esfregaço da borda da lesão, e depositando em tubo de ensaio com 01 ml de SF 0,9%; para a segunda amostra foi instilado 10 ml de SF 0,9% sobre a ferida, sendo após aspirado e armazenado em tubo de ensaio seco. Os dois tubos foram encaminhados ao laboratório de Microbiologia para estudo.

Para o isolamento dos microorganismos foram utilizados o caldo BHI (Brain Head Infusin) e placas contendo Agar-Sangue e Agar-MacConkey. Nestes meios de cultura foram semeados o material colhido com "swab" e o sedimento do material aspirado, que foi centrifugado a 3500 r.p.m. por 15 minutos. As placas e os tubos semeados foram incubados a 36 graus Celsius por até 48 horas, e o crescimento do caldo BHI foi sub-cultivado em placas de agar-sangue e agar-MacConkey.

A identificação dos microorganismos isolados foi realizada por métodos convencionais(9).

RESULTADOS

As Tabelas 1 a 10 apresentam os resultados encontrados.

DISCUSSÃO

No presente estudo foram avaliados 117 pacientes tendo como critério de inclusão a necessidade de internação hospitalar. Outros casos, tratados no Pronto Socorro com bloqueios anestésicos regionais, principalmente com ferimentos em extremidades de mão e pé, foram excluídos. Todos os casos foram atendidos pelos Residentes do Serviço de Ortopedia e Traumatologia (dois por plantão), além do interno, sob supervisão do docente plantonista.

A maioria dos pacientes era do sexo masculino (86,3%), resultado semelhante ao relatado por Moore et al.(10) que encontraram 78,85%. Com relação à idade encontrou-se 35,2 anos (7-86), enquanto Moore et al.(10) obtiveram 31 anos em média.

Houve predomínio de brancos (83,76%), casados (56,41%) e nível de escolaridade de 1o grau (61,6%). Não foram encontrados dados na literatura brasileira para comparação destas variáveis, que confirmam a impressão subjetiva de que as vítimas de fraturas expostas são, em geral, homens, jovens, com baixo nível de escolaridade e com atividade econômica ligada à indústria (31,7%), ou seja, pessoas em fase economicamente ativa. Chama a atenção o alto índice de analfabetos 12,8%, praticamente o dobro da média do estado, 6,2%, e a ausência de indivíduos de nível superior de escolaridade, talvez explicados por se tratar de hospital público. A falta de pacientes com melhor nível de escolaridade também poderia ser explicada pela menor proporção destas pessoas na população.

Em relação ao tipo de trauma, predominaram os acidentes com automóveis e motocicletas (38,4%) e os classificados como outros (45,3%) que incluíram esmagamentos em acidentes do trabalho, queda de objetos e atropelamentos, sendo portanto, todos traumatismos de alta energia cinética. Moore et al.(10) encontraram para acidentes com automóveis 30,8% e motocicletas 21,2% incidências maiores que as do presente estudo, provavelmente em função da localização geográfica dos hospitais. Acreditamos que a pequena incidência das lesões por arma de fogo (2,69%) também seja explicada pela localização do Hospital, situado em cidade de médio porte, afastada de grandes conglomerados urbanos onde este tipo de violência é mais freqüente. O mesmo pode ser afirmado sobre a incidência de politraumatizados, 15% no presente estudo. Moore et al.(10), encontraram 67,3% e Gustillo(8)(1989) encontrou 30%, provavelmente por terem estudado casuísticas de hospitais localizados próximos a estradas mais movimentadas e com maior incidência de acidentes de alta velocidade.

O tempo médio de exposição, ou seja, entre a ocorrência do acidente e o início do tratamento cirúrgico foi de 5 horas e 39 minutos e o tempo médio até a chegada ao Pronto Socorro, de 2 horas e 28 minutos. Como a maioria dos pacientes não é politraumatizada, poucos foram aqueles nos quais o tempo dentro do hospital foi gasto com avaliações médicas e outros procedimentos inadiáveis. Conclui-se, portanto, que são gastos, em média, 3 horas e 11 minutos, tempo precioso, consumido provavelmente com burocracias e outras medidas como espera no RX, preparação de sala cirúrgica etc., que poderiam ser mais ágeis e acarretar eventualmente diminuição da incidência de infecções. Gustillo(4) encontrou tempo médio de 4 horas e 24 minutos entre a ocorrência do trauma e início do tratamento cirúrgico, atendendo 21,15% com mais de 6 horas. Em nossa amostra, 14,88% iniciaram o tratamento com mais de 6 horas.

Apenas 9,4% dos pacientes tinham outras fraturas fechadas associadas, ou seja a maioria dos pacientes apresentou apenas a fratura exposta.

Na presente investigação utilizou-se a classificação de Gustilo e Anderson(5), modificada posteriormente por Gustilo et al.(6). A opção por este método de classificação prende-se ao fato de ser utilizada no serviço há muitos anos e também por ser bastante utilizada pela literatura, embora a classificação da AO esteja tornando-se popular nos últimos anos, ainda que mais complexa em nossa opinião, e com maior detalhamentos das lesões cutâneas, lesões de músculos/tendões e lesões neuro-vasculares(13). Este novo sistema permite maior número de combinações, provavelmente com maior precisão na descrição das lesões.

Com relação a freqüência dos tipos, encontrou-se 15,8% tipo I, 29,5% tipo II e 54,6% tipo III; Gustilo(8)(1989) obteve 38,3% tipo I, 36,1% tipo II e 25,5% tipo III; Moore et al.(10) encontraram 3,7% tipo I, 44,2% tipo II e 50,9% tipo III. Os resultados dos três trabalhos diferem entre si e devem ter ocorrido em função da diferença de localização dos serviços e época. Chama a atenção a diferença de incidências do tipo III no trabalho de Gustilo(8)(1989), apenas 25,5%, contra 50,9% de Moore et al.(10) e 54,6% no presente estudo, com provável influência nas incidências de infecção.

Não há referências a respeito do tempo médio de cirurgia, 2 horas e 43 minutos (45 minutos-7 horas) para comparação, o mesmo acontecendo com o uso de garrote pneumático, utilizado em apenas 11,11%. Chapman e Olson(1), Paccola(11) e Clifford(2) afirmaram que o uso do garrote pneumático deve ser reservado para casos em que haja grande sangramento, com o que concordamos.

Com relação ao fechamento da lesão, Gustilo(5), Chapman e Olson(1) e Clifford(2) afirmaram preferir o fechamento primário retardado (até 5 dias), após a fratura, principalmente nas fraturas tipos III, por permitir melhor controle da viabilidade de partes moles e eventual identificação da necessidade de novo desbridamento, além de evitar tensionamento excessivo de partes moles edemaciadas. No trabalho original de Gustilo e Anderson(5) os autores afirmaram ter realizado o fechamento primário, na fase aguda, entre 1955 e 1968, sempre que possível; no período de 1969 à 1973, o fechamento só foi realizado na fase aguda nas fraturas tipo I e II, e utilizado fechamento retardado no tipo III. No presente estudo ocorreu fechamento primário em 86,3% dos casos; nos 13,7% dos casos em que isto não foi possível houve exposição óssea em 2,6% e muscular em 10,2%. Como foi necessária uma segunda cirurgia (Tabela 4) em 38 casos (32,5%), sendo 19 ( 50%) para procedimentos de partes moles, pode-se concluir que em alguns casos teria sido melhor optar pelo fechamento retardado. A opção pelo fechamento primário na fase aguda talvez esteja ligada à expectativa de menor tempo de internação, evitar aumento da incidência de infecção e dificuldade para agendar uma segunda cirurgia em serviço permanentemente sobrecarregado; os resultados, entretanto, mostram que esta estratégia talvez deva ser revista.

É necessário afirmar, no entanto, que o fechamento primário só foi realizado quando as seguintes condições estavam presentes: não havia tensão, ausência de espaço morto, paciente hemodinamicamente estável e desbridamento completo, conforme recomendado por Chapman e Olson(1) e Paccola(11).

O dreno também não foi utilizado rotineiramente, sendo necessário em apenas 13% dos casos, por ser considerado corpo estranho e via de comunicação (entrada) com o meio externo; temos evitado o uso sempre que possível.

Cirurgia concomitante ocorreu em 10,3% dos casos, porcentagem próxima ao número de politraumatizados, 15%. Os eventos associados mais freqüentes foram traumatismo cranioencefálico e traumatismo torácico, ambos com 4,27%. Não se encontrou dados semelhantes na literatura nacional ou internacional para comparação.

O tratamento preferido na fase aguda foi a fixação interna ou externa da fratura em 65% dos casos. O objetivo foi restaurar a anatomia e permitir o retorno precoce à função, seguindo o recomendado por Chapman e Olson(1). Também foi considerada, na opção por qual tipo de síntese, a necessidade de não se aumentar o dano às partes moles, garantir alinhamento dos fragmentos, especialmente no caso de superfícies articulares. Imobilizações, tipo tala, gesso ou tração foram o tratamento de escolha principalmente nos casos das fraturas tipo I, quando optou-se por conduta conservadora. Nos 20% de imobilizações estão também incluídos os casos do antebraço (rádio e/ou ulna) nos quais a fixação com placa foi deixada para o segundo tempo, à espera de melhor planejamento cirúrgico e/ou avaliação de viabilidade de partes moles. O fixador externo predominou como método de síntese sendo que ocorreram proporções semelhantes dos tipos Ilizarov e linear. Convém ressaltar, que o serviço é pioneiro na utilização de fixação externa, principalmente do fixador de Ilizarov, com grande experiência acumulada. Ressalte-se também a não utilização de haste intramedular em nenhum dos casos.

Gustilo e Anderson(5) afirmaram que entre os anos de 1955 a 1968 a utilização ou não de síntese ficava a critério do cirurgião sem nenhuma recomendação formal; após, entre 1969 e 1973 não se utilizava de rotina fixação interna, exceção feita aos casos de lesão vascular associada. Estes mesmos autores afirmaram ter realizado fixação de fraturas expostas do fêmur, de qualquer tipo, dez dias ou mais após a fase aguda, quando havia certeza da ausência de infecção. Gustilo(8) em capítulo sobre o tratamento de fraturas expostas recomendou: nos casos tipo I e II pode ser utilizada tala gessada por 7 a 10 dias e após tratamento definitivo que poderá ser conservador ou cirúrgico, dependendo do critério de estabilidade ou instabilidade de fratura; nos casos tipo III a opção preferencial é pelo fixador externo (sem especificar o tipo) ou uso de tração esquelética.

Paccola(11) em artigo de revisão na RBO preconizou: no tipo I utilização de tratamento similar à fratura fechada; os tipos II e III que são inerentemente instáveis, requerem estabilização adequada que vai depender do osso comprometido, grau de desperiostização, qualidade do envoltório de partes moles e da necessidade de procedimentos de cobertura ulteriores; para este autor a fixação com placa tem papel importante em fraturas metafisárias ou nas fraturas diafisárias com boa cobertura e a haste intramedular seria a forma mais freqüentemente usada para fixação definitiva, mas o autor não comentou se a utilização mais recomendada seria na fase aguda ou alguns dias após o tratamento inicial. Paccola(11) também afirmou que o fixador externo é a forma menos invasiva de fixação e tem tido a preferência de muitos cirurgiões; ressalta, porém, que o uso do fixador provisoriamente pode trazer problemas como a infecção nos pinos, que dificultam a indicação de síntese interna.

Clifford(2) na última edição do Princípio AO do tratamento de fraturas afirma também que as fraturas tipo I devem ser tratadas como fraturas fechadas; nos tipos II e III, comenta que algum tipo de fixação seria provavelmente usada mas que a fixação definitiva não deve necessariamente ser considerada pré-requisito na intervenção inicial.

Em linhas gerais, pode-se concluir que as condutas adotadas na presente investigação estão em concordância com a literatura, exceção feita ao uso da haste intramedular, ausente na presente casuística, provavelmente por dificuldade técnicas e pela considerável experiência dos nossos residentes e docentes com os métodos de fixação externa. Acreditamos também que nos casos com exposição acima de 6 horas, a síntese definitiva pode ser deixada para o segundo tempo, principalmente quando opta-se pela fixação interna.

Amputações estiveram presentes em 15% da amostra (18 casos). Este número aparentemente alto é devido à somatória de casos de ossos longos e de extremidades, como amputações de falanges da mão e do pé. Clifford(2) afirmou que nos casos de lesões vasculares associadas há incidência de amputação de 40 a 50%; se considerarmos que encontrou-se 29 casos (20,9%) do tipo IIIC, a incidência de amputação pode ser avaliada como razoável e se fossem excluídos da amostra os casos de amputação de dedos e falanges a incidência poderia baixar significativamente comprovando bons resultados das reconstruções vasculares efetuadas.

Os resultados relativos às variáveis de internação e seguimento, mostraram tempo médio de internação de 9,14 dias (01-82), 9,4% de internação na UTI e óbito de quatro pacientes (3,4%). Não há dados disponíveis para comparação em relação ao tempo de internação que foi considerado razoável, assim como o número de pacientes que necessitaram de UTI. A mortalidade encontrada é bastante superior à encontrada por Patzakis et al.(12) que foi de 0,97% (3 pacientes em 310); todos os óbitos foram de pacientes politraumatizados com múltiplas lesões.

Até o presente momento, 63,25% dos pacientes tiveram alta e a incidência atual de complicações é 6,8% para pseudoartrose e 6,8% como outras, incluindo limitações de movimento, retardo de consolidação e consolidação viciosa. Estes resultados não podem ser considerados definitivos porque há ainda muitos casos em seguimento e estes números devem sofrer variações futuras.

A tíbia foi osso mais freqüentemente acometido com 36%, seguido pelo fêmur, metacarpos e ulna, todos com 10,1%. Court-Brown e Brewster(3) também encontraram maior incidência de fraturas expostas na tíbia com 21,6% seguida pelo fêmur com 12,1%; Patzakis et al.(12) afirmaram que a tíbia é osso mais comumente acometido.

ESTUDO MICROBIOLÓGICO E INFECÇÃO

Ocorreram 24 casos de infecção (20,5%) no total da amostra, classificados como agudos. Foram considerados como agudos, os processos infecciosos diagnosticados durante a internação para o tratamento inicial. Não foi feita distinção entre processo infeccioso superficial ou profundo, incluindo inclusive o plano ósseo, o que torna difícil a discussão mais profunda desta variável. De qualquer maneira este aspecto é de fundamental importância na avaliação de resultados do tratamento da fratura exposta. Gustilo(4) relatou índice de infecção de 2,4% (12 casos em 520), sendo dois casos em fratura tipo II e dez casos do tipo III. Patzakis et al.(12) apresentaram incidência global de 7,1%. Gustilo(8) apresentaram incidências de 0% (tipo I), 2,5% (tipo II), 13,7% (tipo IIIA), 5% (tipo IIIB) e 44,4% (tipo IIIC); estes mesmos autores também apresentaram compilação de resultados de outros serviços, consultados pelo autor(8); encontraram para casos de fratura da tíbia, exclusivamente, níveis de 13,3% a 25%, não considerando especificamente a classificação da fratura; em outro serviço (Chapman & Mahoney) obteve-se 1,1% (tipo I), 3,0% (tipo II), 14,8% (tipo IIIA), 8,1% (tipo IIIB) e 15,6% (tipo IIIC), e no serviço de Patzakis: 1,4% (tipo I), 3,6% (tipo II) e 22,7% (tipo III). De maneira geral observa-se que as incidências de infecção tendem a aumentar com a gravidade das lesões; é interessante notar que nestes trabalhos não foi considerada a variável tempo de exposição. Como partimos do pressuposto que os índices de infecção poderia estar associados as duas coisas, classificação da fratura e tempo de exposição, estes elementos foram associados na Tabela 8.

A análise do resultado apresentado mostra ausência de infecção nas fraturas dos tipo I independente do tempo de exposição. Nos casos do tipo II houve incidência semelhante em ambas as categorias de tempo, e esta incidência, em torno de 18%, é significativamente maior que os dados da literatura. No tipo III encontrou-se tendência à maior incidência de infecção nos casos com mais de seis horas como seria esperado, com exceção do tipo IIIB, com amostra muito pequena; chama a atenção, também, que no tipo III, com menos de 6 horas ocorreram mais infecções nos tipos A e B que no tipo C. Os números encontrados para incidência no tipo III são semelhante aos de alguns autores citados e superiores a outros.

Os motivos para as grandes incidências verificadas, principalmente no tipo II, podem estar vinculadas ao desperdício de tempo dentro do hospital, já comentado, ou a outras características próprias dos ferimentos (elevado grau de contaminação, acidente em zona rural, etc.), das condições de remoção e transporte (nem sempre ideais e em longas distâncias). Pelo resultado pode-se também concluir que o tipo de fratura, ou seja, o montante de lesões de partes moles, tenha peso maior na incidência de infecção do que o tempo de exposição. Conclui-se que algumas atitudes, em conjunto com o serviços que nos encaminham estes pacientes, podem ser tomadas buscando a melhora dos resultados relativos ao parâmetro infecção, além de iniciar o tratamento cirúrgico o mais rápido possível.

Nos 45 casos em que foram colhidas amostra para cultura na admissão do paciente no Pronto Socorro, verificou-se crescimento de algum agente em 26 (57,8%), índice que pode ser considerado bom, segundo o Departamento de Microbiologia** * Projeto aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa (CEP) da FMB -UNESP ** Comunicação Pessoal da Universidade.

Nesses 26 casos, houve identificação de 39 germes, ou seja, em alguns casos cresceram dois ou mais agentes, com predomínio dos gram positivos (59%), seguido pelos gram negativos (35,9%) e fungos (5,2%). Os dados da tabela 10 também mostram predominância do Staphylococcus coagulase negativa (presente comumente na pele) e difteróide (presente na terra), como germes gram positivo e bacilos gram negativos (também presentes na terra) e Acinetobacter sp, como germes gram negativos. Estes resultados não diferem muito dos apresentados por Gustilo(8) que encontrou predomínio de Staphylococcus aureus (gram positivo) e 60% de agentes gram positivos, de maneira geral; Patzakis et al.(12) obtiveram 50% de Staphylococcus aureus; Clifford(2) afirmou que 60% a 70% das culturas de entrada são positivas, com predomínio também do Staphylococcus aureus e Enterococcus (gram negativo); Moore et al.(10) afirmaram ter encontrado 71% de germes gram positivos.

Entre os casos com cultura positiva, dois evoluíram com infecção. No primeiro a cultura apontou Enterobacter cloacae, também presente posteriormente na cultura de secreção purulenta, porém associado ao Enterobacter sp, o que mostra que a ferida não foi totalmente descontaminada e além disso o paciente recebeu cefalotina na entrada, que não foi a opção mais adequada. No segundo houve crescimento do Staphylococcus coagulase negativo em ambas as culturas, na entrada e na secreção purulenta que surgiu depois, pensando-se mais uma vez que o procedimento inicial talvez não tenha descontaminado a ferida completamente; este paciente também recebeu cefalotina na internação, que aparentemente não protegeu o paciente. O primeiro caso foi tratado com mais de 8 horas de exposição e o segundo com 5 horas e 30 minutos e estes tempos podem ter sido determinantes no aparecimento da infecção.

Como escolher o antibiótico mais adequado frente aos resultados apresentados? O exame da Tabela 9 mostra preferência pela cefalotina em 59,8% dos casos, bem indicada para cobertura de germes gram positivos; a combinação penicilina cristalina + amicacina, utilizada em 16,2% das ocasiões poderia abranger germes gram positivos e negativos, mais com a desvantagem da penicilina cristalina não ser boa escolha para Staphylococcus de maneira geral. Frente a estes resultados a Comissão Permanente de Controle de Infecção Hospitalar* (CPCIH) recomendou a utilização da associação cefalotina + amicacina, com a vantagem da cefalotina ser mais barata e ser boa indicação para germes gram positivo e negativo. Outra ótima opção, mais cara, seria a associação clindamicina + amicacina, com a vantagem de cobertura contra gram positivo e anaeróbios (clindamicina) e gram negativo (amicacina). Outra alternativa seria escolher um antibiótico isolado em casos de contaminações de zona urbana, com preferência pela cefalotina ou cefazolidina, guardando-se as associações citadas para casos de contaminação em zona rural, nos quais são mais freqüentes os germes gram negativos e anaeróbios.

CONCLUSÕES

Na casuística avaliada predominou o paciente de sexo masculino, jovem, branco, casado, com nível de escolaridade de 1o grau e trabalhos em atividades industriais; acidentes com automóveis (passageiros ou transeuntes) e motocicletas foram as causas mais freqüentes; há perda de tempo excessiva dentro do hospital até o início do tratamento; na maioria dos casos foi realizado fechamento primário e não foram utilizados garrote pneumático e dreno rotineiramente; 15% dos pacientes eram politraumatizados; houve óbito em 3,4% e necessidade de UTI em 9,4% dos casos; a tíbia foi o osso mais freqüentemente acometido. O tratamento preferido na fase aguda foi a fixação externa; há predomínio dos germes gram + nas culturas de material obtido na admissão e a escolha da antibioticoterapia pode ser melhor padronizada; os índices de infecção principalmente em traumas tipo II de Gustilo podem ser reduzidos.

A quantidade e a característica da casuística estudada parece ser adequada e suficiente para o treinamento de residentes e internos em Ortopedia e Traumatologia.

Trabalho recebido em 20/03/2003

Aprovado em 05/05/2003

Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia e Ortopedia da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB - UNESP) e Departamento de Microbiologia do Instituto de Biociências - IB (UNESP) – Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"

  • 1. Chapman MW, Olson SA. Open fracture. In: Rockwood CA, Jr, Green DP, Bucholz RW, Heckman JD. Fractures in adults. Philadelphia: Lippincott-Raven, 1993. p.305-352.
  • 2. Clifford RP. Fraturas expostas. In: Princípios AO do tratamento de fraturas. Porto Alegre: Artmed, 2002. p.617-640.
  • 3. Court-Brown CM, Brewster N. Management of open fractures in epidemiology of open fractures. London: Martin Dunitz, 1996. p.25-35.
  • 4. Gustilo RB. Use of antimicrobials in the management of open fractures. Arch Surg 114:805-809, 1979.
  • 5. Gustilo RB, Anderson JT. Prevention of infection in the treatment of one thousand and twenty-five open fractures of long bones: retrospective and prospective analyses. J. Bone Joint Surg Am 58:453-458,1976.
  • 6. Gustilo RB, Gruninger RP, Davis, T. Classification of type III (severe) open fractures relative to treatment and results. Orthopedics 10:1781-1788, 1987.
  • 7. Gustilo RB. Management of acutely infected fractures in orthopaedic infection diagnosis and treatment. Philadelphia:Saunders Company, 1989. p.123-138.
  • 8. Gustilo RB. Management of open fractures in orthopaedic infection: diagnosis and treatment. Philadelphia:Saunders, 1989. p.87-117.
  • 9. Koneman EW, Allen SD, Janda WM, Shreckenberg PC, Winn WC, Jr. Diagnóstico microbiológico. Rio de Janeiro:MEDSI, 2001.
  • 10. Moore TJ, Mauney C, Barron J. The use of quantitative bacterial counts in opens fractures. Clin Orthop 248:227-230, 1989.
  • 11. Paccola CAJ. Fraturas expostas. Rev Bras Ortop 36:283-291, 2001.
  • 12. Patzakis MJ, Harvey JP, Jr, Ivler D. The role of antibiotics in the management of open fractures. J Bone Joint Surg Am 56:532-541, 1972.
  • 13. Südkamp NP. Lesão de partes moles: fisiopatologia e sua influência no manejo das fraturas. In: Princípios AO do tratamento de fraturas. Porto Alegre: Artmed, 2002. p.59-78.
  • Endereço para correspondência
    Depto de Cirurgia e Ortopedia
    Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP
    Botucatu – São Paulo
    Cep: 18618-970
    e-mail:
  • *
    Projeto aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa (CEP) da FMB -UNESP
    **
    Comunicação Pessoal
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Fev 2004
    • Data do Fascículo
      Ago 2003

    Histórico

    • Recebido
      20 Mar 2003
    • Aceito
      05 Maio 2003
    ATHA EDITORA Rua: Machado Bittencourt, 190, 4º andar - Vila Mariana - São Paulo Capital - CEP 04044-000, Telefone: 55-11-5087-9502 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: actaortopedicabrasileira@uol.com.br