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Pé plano: tratamento pela técnica de Koutsogiannis modificada

Pes planovalgus management using the modified Koutsogiannis technique

Resumos

O objetivo do estudo foi avaliar a osteotomia calcaneana de deslizamento medial de Koutsogiannis modificada, sob parâmetros clínicos e radiográficos. Entre janeiro de 1997 e abril de 2001, vinte e nove pés de dezenove pacientes portadores de pé plano valgo flexível idiopático, com idade média de 11,36 anos, foram submetidos ao procedimento de Koutsogiannis modificado pela varização da extremidade deslizada, com um seguimento médio de dezesseis meses. A cirurgia foi indicada para pacientes com sintomas de dor e fadiga e portadores de deformidade. Clinicamente, dezessete pacientes referiram estar sem dor e dezesseis não apresentaram deformidade residual, sendo notada a correção da deformidade do retropé. Obteve-se 9,36 em média na análise dos resultados subjetivos pós-operatórios, cuja graduação era de 0-10. Dois maus resultados de dor e persistência da deformidade foram atribuídos a portadores de hiperfrouxidão ligamentar, com deformidade grave pré-operatória. O estudo radiográfico revelou, na incidência lateral, decréscimo dos valores médios pré-operatórios dos ângulos talocalcaneano e talo-primeiro metatarso de 29,7 e 11,33 graus para valores pós-operatórios de 23,05 e 7,76 graus respectivamente. Na incidência antero-posterior notou-se decréscimo do valor médio do ângulo talocalcaneano de 36,39 para 35,42 graus. Concluiu-se que o procedimento de Koutsogiannis mostrou-se eficaz para o tratamento de pacientes de dez a treze anos, portadores de pé plano valgo flexível idiopático leve e moderado, apresentando melhoria estética, alívio sintomático e melhora radiográfica.

Pé Plano; Cirurgia; Clacâneo; Osteotomia


The objective of this study was to investigate the modified Koutsogiannis medial slipped calcaneal osteotomy using clinical and radiographic parameters. From January 1997 through April 2001, twenty-nine feet of nineteen patients with idiopathic flexible pes planovalgus, whose mean age was 11.36 years, underwent the modified Koutsogiannis procedure to correct the slipped varus deformity, with an average follow-up period of sixteen months. Surgery was prescribed to patients presenting pain and fatigue symptoms, as well as any deformities. Clinically, seventeen patients reported absence of pain and sixteen did not present residual deformity, the correction of the deformity being noticed in the hind foot. In a 0-10 scale, the average value of the post-operative subjective results was of 9.36. Two poor results (pain and deformity resistance) were associated with ligamental hyperlaxity, with severe pre-operative deformity. Lateral view radiographs revealed a decrease in the pre-operative mean values of the talocalcaneal and talar-first metatarsal angles, from 29.7 and 11.33 degrees to 23.05 and 7.76 degrees, respectively, in the post-operative period. Anteroposterior view radiographs showed a decrease in the mean value of the talocalcaneal angle, from 36.39 to 35.42 degrees. The conclusion was that the Koutsogiannis procedure showed to be effective in the management of patients in the 1-13 year age group with mild to moderate idiopathic flexible pes planovalgus, presenting esthetic improvement, symptom relief and radiographic improvement.

Flatfoot; Surgery; Calcaneus; Osteotomy


ARTIGO ORIGINAL

Pé plano: tratamento pela técnica de Koutsogiannis modificada

Guaracy Carvalho FilhoI; Alceu Gomes ChueireII; Helencar IgnácioIII; Adriano Barros de Aguiar LeonardiIV; Luciano Barboza de SouzaIV; Reinaldo Oliveira SeletiIV

IChefe da Disciplina de Ortopedia e Traumatologia

IIChefe do Departamento de Ortopedia e Traumatologia

IIIPreceptor dos Médicos Residentes

IVEx-Residentes do Serviço de Ortopedia e Traumatologia FAMERP/FUNFARME

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Av. Brigadeiro Faria Lima, 4929, Nova Redentora Cep: 15090-000-São José do Rio Preto-SP E-mail- con@famerp.br ou ortopedia@famerp.br

RESUMO

O objetivo do estudo foi avaliar a osteotomia calcaneana de deslizamento medial de Koutsogiannis modificada, sob parâmetros clínicos e radiográficos. Entre janeiro de 1997 e abril de 2001, vinte e nove pés de dezenove pacientes portadores de pé plano valgo flexível idiopático, com idade média de 11,36 anos, foram submetidos ao procedimento de Koutsogiannis modificado pela varização da extremidade deslizada, com um seguimento médio de dezesseis meses. A cirurgia foi indicada para pacientes com sintomas de dor e fadiga e portadores de deformidade. Clinicamente, dezessete pacientes referiram estar sem dor e dezesseis não apresentaram deformidade residual, sendo notada a correção da deformidade do retropé. Obteve-se 9,36 em média na análise dos resultados subjetivos pós-operatórios, cuja graduação era de 0-10. Dois maus resultados de dor e persistência da deformidade foram atribuídos a portadores de hiperfrouxidão ligamentar, com deformidade grave pré-operatória. O estudo radiográfico revelou, na incidência lateral, decréscimo dos valores médios pré-operatórios dos ângulos talocalcaneano e talo-primeiro metatarso de 29,7 e 11,33 graus para valores pós-operatórios de 23,05 e 7,76 graus respectivamente. Na incidência antero-posterior notou-se decréscimo do valor médio do ângulo talocalcaneano de 36,39 para 35,42 graus. Concluiu-se que o procedimento de Koutsogiannis mostrou-se eficaz para o tratamento de pacientes de dez a treze anos, portadores de pé plano valgo flexível idiopático leve e moderado, apresentando melhoria estética, alívio sintomático e melhora radiográfica.

Descritores: Pé Plano; Cirurgia; Clacâneo; Osteotomia.

INTRODUÇÃO

O pé plano flexível é uma entidade comum na prática clínica. Manifesta-se em crianças após a bipedação pela queda do arco plantar longitudinal medial, cabeça do tálus proeminente medial e plantarmente, valgismo do retropé e supinação do antepé(23,10). Embora, apenas 3% dos pacientes detectados na infância tornar-se-ão dolorosos e incapacitantes na vida adulta, um grande contingente apresenta-se no limiar da normalidade, podendo tornar-se insuficientes e dolorosos quando submetidos à carga(7). Quando o pé plano postural é submetido ao peso corporal, o calcâneo prona abaixo do tálus e sua extremidade anterior roda lateral e dorsalmente, enquanto a cabeça do tálus move-se medial e plantarmente. Os ligamentos calcaneonavicular plantar e interósseo talocalcaneano alongam-se permitindo a eversão do retropé e a abdução do navicular, que move-se juntamente com o antepé, levando o eixo gravitacional para o primeiro raio. A persistência desta postura determina a contratura do tendão calcâneo, que por sua vez, inclina o calcâneo em flexão plantar, perdendo sua inclinação normal(18,22).

O exame radiográfico mostra alterações dos eixos, podendo ser demonstradas por ângulos traçados entre eles. O aumento dos ângulos de Kite (talocalcaneano), Meary (talo–primeiro metatarso) e Moreau-Costa-Bertani (calcâneo-talo-primeiro metatarso) e redução do ângulo calcâneo-solo na incidência em perfil traduzem o desvio plantar do tálus e a queda do arco plantar, respectivamente(1,18,23). Na incidência antero-posterior, a pronação do calcâneo e subluxação da talonavicular são expressos pelo aumento dos ângulos talocalcaneano e talonavicular, respectivamente (1,23).

O tratamento tem por objetivo estacionar a progressão da deformidade, tratar sintomas quando presentes e restabelecer o arco plantar longitudinal medial, com mobilidades e funções normais(18,23). São inúmeras as possibilidades terapêuticas, desde uma simples conduta expectante, associada ou não a exercícios, passando pelo uso de órteses(14), chegando até procedimentos cirúrgicos variados(18).

A correção cirúrgica é indicada na persistência dos sintomas e deformidade após terapia conservadora, causando restrições a atividades cotidianas e desgaste irregular dos calçado(16,23). Didaticamente, os procedimentos cirúrgicos são divididos em três categorias. Na primeira, são realizados procedimentos em partes ósseas como as osteotomias do calcâneo (7,15) e artrodeses(12). Na segunda, aqueles que agem sobre partes moles, como por exemplo, as transferências tendíneas e os reforços ligamentares(8). Na terceira, aqueles que atuam em ambas as partes concomitantemente(7,11).

Um enfoque maior ao retropé tem sido dado nos últimos anos. O valgismo do calcâneo atuaria como fator desencadeante a perpetuador da deformidade, devendo portanto ser corrigido primordialmente por meio de osteotomias calcaneanas(21). A osteotomia calcaneana foi descrita, pela primeira vez, por Gleich em 1893. O procedimento consistia em uma osteotomia oblíqua do polo posterior do calcâneo em cunha medial, permitindo um deslizamento para frente, medial e para baixo. Nápoli(15), preconizou a osteotomia cuneiforme medial do calcâneo com retirada de cunha, associada à tenossuspensão dos tibiais anterior e posterior de Natiello, levando em conta que no pé plano, além do valgismo do calcâneo, haveria também um componente anterior representado pela supinação do antepé. Koutsogiannis, no mesmo ano, descreveu uma modificação ao procedimento original de Gleich ao desviar o fragmento posterior e medialmente.

A osteotomia de deslizamento medial que objetiva primariamente a correção do valgismo do retropé, indiretamente recria o arco plantar longitudinal medial(2,10), reduz a tensão sobre ligamentos mediais(17) e aumenta a supinação ativa do calcâneo exercida pelo grupo muscular posterior, melhorando assim a função e aliviando sintomas. A melhor distribuição de carga melhora os sintomas e a função do pé. Suas vantagens incluem a não necessidade de enxertia óssea e uma menor convalescença pós-operatória(2,10). Sua desvantagem está relacionada a não correção da abdução grave do antepé (2,19). Levando este fato em consideração, alguns autores associam ao procedimento a tenossuspensão dos tendões tibiais anterior e posterior(7,15). Estudos em cadáveres apontam ainda alterações da distribuição de carga sobre a articulação tibiotalar que pode predispor a alterações degenerativas(2,13). Atribui-se também a cirurgia como um fator preventivo de dor e disfunção na vida adulta(4,22).

Evans(6) descreveu a osteotomia em cunha de adição realizada no calcâneo, imediatamente atrás da articulação calcaneocuboidea, sendo hoje reservada aos pacientes portadores de excessiva abdução do antepé. O autor acreditava que a principal causa da deformidade era o relativo encurtamento da coluna lateral(1,6). Suas principais vantagens incluem a correção simultânea da abdução do antepé, valgismo de retropé e manutenção da mobilidade articular. Como desvantagens apresenta falha na correção do varo fixo e a necessidade de enxertia óssea(6).

O objetivo do presente estudo é analisar a osteotomia de deslizamento medial do calcâneo de Koutsogiannis modificada, avaliando os resultados clínicos e radiográficos.

CASUÍSTICA E MÉTODO

Este estudo foi constituído de 19 pacientes, sendo 10 do sexo masculino e 09 do sexo feminino, que apresentavam pé plano valgo flácido idiopático. Destes, 10 pacientes possuíam a deformidade bilateralmente e 09 unilateralmente, totalizando 29 pés tratados cirurgicamente, no período de janeiro de 1997 a abril de 2001 (Tabela 1).

A idade dos pacientes variou de 10 a 13 anos, com uma média de 11 anos e 4 meses. O tempo médio de seguimento foi de 1 ano e 4 meses, variando entre o mínimo de 6 meses e o máximo de 04 anos. Em decorrência dos maus resultados relatados na literatura(1,10,18), excluiu-se do estudo os pacientes que apresentavam pé plano de 3° e 4° graus de Viladot(25) com alterações importantes na marcha e que apresentavam sintomatologia dolorosa.

Na análise subjetiva dos resultados pós-operatórios, aplicou-se a todos os pacientes o questionário subjetivo de Mahan e Mc Glancy modificado(1).

A procura pelo serviço médico foi por dor e deformidade em dez pacientes (52,63%), sete (42,1%) somente por deformidade e dois (10,52%) devido a dor isolada. Doze pacientes (63,15%) fizeram uso de órteses antes da cirurgia. Botas ortopédicas com palmilhas foram as mais prescritas. Não foi encontrada, nesta casuística, tendência familiar ao pé plano valgo, pois doze pacientes (68,42%) negaram história familiar desta patologia. Não houve predileção ao lado afetado, pois cinco pacientes (26,31%) apresentaram a patologia do lado direito, quatro do lado esquerdo (21,05%) e dez pacientes (52,63%) em ambos os lados, notando-se, portanto, índice considerável de bilateralidade (Tabela 1).

A hiperfrouxidão ligamentar estava presente em dez pacientes (52,63%) e a formação do arco plantar medial ao ficar na ponta dos pés não foi observada em nove indivíduos (47,36%).

A avaliação radiográfica foi realizada por meio das incidências ântero-posterior e perfil ortostáticos dos pés e medidos os ângulos talo-calcaneano (Kite) na incidência ântero-posterior (valores normais de 25 a 30°) (Figura 1) e perfil (valores normais de 35 a 50o) (Figura 2) e talo-primeiro metatarso (Meary) no perfil (valores normais de 0 a 15°) (Figura 3), comparando-os pré e pós-operatoriamente.




TÉCNICA CIRÚRGICA

O paciente era posicionado pronado com o joelho fletido 30 a 45° sob anestesia raquidiana. Após esvaziamento venoso mantido por faixas elásticas tipo Esmarch ao nível da coxa, uma incisão era feita na face lateral do retropé e imediatamente posterior aos tendões fibulares, estendendo-se proximalmente desde a margem lateral do tendão calcâneo até a face plantar do calcanhar (Figura 4). As margens da incisão eram cuidadosamente descoladas e elevadas, sendo identificados e isolados os tendões fibulares e o ramo sensitivo do nervo sural, mantidos separados por afastador autostático. O periósteo era incisado e elevado em linha com a incisão da pele (Figura 4). Com um osteótomo largo o calcâneo era seccionado obliquamente (Figura 5).



A seguir, o fragmento posterior do calcâneo era desviado medialmente até que sua margem medial estivesse em linha com o sustentáculo do tálus. Geralmente era necessário desviar um terço à metade da largura do calcâneo (técnica original). Neste estudo introduziu-se uma pequena modificação a este passo, visando corrigir também o valgismo do calcâneo, pois, além da migração do fragmento posterior do calcâneo medialmente, houve a sua varização, por meio de uma abertura em cunha lateral sem interposição de enxerto. Os fragmentos do calcâneo foram fixados com um fio de Steinmann (3,0 mm), introduzido obliquamente a partir da face posterior plantar do calcâneo (Figuras 6 e 7).



A incisão era fechada de modo usual e um aparelho gessado suropodálico era aplicado com o tornozelo e pé em posição funcional.

Realizava-se uma abertura no gesso para curativos no 3° dia pós-operatório. Os pontos eram retirados após duas semanas e era realizado um controle radiográfico. Oito semanas depois da cirurgia, trocava-se o aparelho gessado e retirava-se o fio de Steinmann. Nova avaliação radiográfica era realizada e um aparelho gessado com salto era aplicado por quatro semanas adicionais. Após a retirada do mesmo, prescrevia-se rotineiramente uma palmilha com elevação da abóbada plantar de 18mm, cunha varizadora de 7mm e cunha pronadora de 7 milímetros.

As avaliações objetivas e subjetivas pós-operatórias foram realizadas trimestralmente após a retirada do aparelho gessado durante o primeiro ano pós-operatório, incluindo cicatrização da incisão cirúrgica, dor, alterações na marcha. Radiografias ortostáticas eram obtidas para avaliar a correção radiográfica da deformidade. Após este período, passou-se a acompanhar o paciente anualmente.

RESULTADOS

A. AVALIAÇÃO CLÍNICA

Na análise final do período pós-operatório, dezessete pacientes (89,47%) referiram estar sem dor. Dezesseis pacientes (84,21%) não apresentam deformidade residual (Figuras 8 e 9).



A grande maioria, dezoito pacientes (92,3%), não apresentou marcha claudicante. Em dois pacientes persistiram os sintomas pré–operatórios. Ambos possuíam hiperfrouxidão ligamentar. Em nenhum paciente observou-se deiscência de sutura, infecção e necrose, cicatriz hipertrófica e outras complicações da ferida cirúrgica.

Não notou-se, em nenhum paciente, a progressão da deformidade no período pós–operatório. Na graduação de 0–10 do questionário subjetivo de Mahan e Mc Glancy modificado(1), as notas dadas pelos pacientes quanto ao resultado da cirurgia variaram entre 5–10, com média de 9,36 e todos recomendariam a cirurgia para aqueles com igual patologia .

B. AVALIAÇÃO RADIOGRÁFICA

As radiografias realizadas na primeira avaliação, no terceiro mês pós–operatório nas incidências ântero–posterior (AP) e perfil dos pés com carga axial revelaram uma redução média 4,05 graus do ângulo de Kite (talo–calcaneano) (Figura 1). Na projeção lateral, obteve-se a redução do ângulo de Meary (talo–primeiro metatarso ) em 5,2 graus (Tabela 2).

Em relação aos ângulos de Kite, encontrou-se média corretiva de 7,84, conforme mostrado na tabela 2 (Figuras 10 e 11).



DISCUSSÃO

O pé plano valgo postural na infância é bastante freqüente. A dificuldade inicial é determinar se a criança é ou não portadora de um pé plano valgo idiopático. Tipicamente são crianças menores de 2 anos de idade que apresentam graus variáveis de queda do arco plantar medial devido à hipermobilidade articular nesta faixa etária(22,23). Entre 3 e 5 anos, o arco plantar normal forma-se na maioria das pessoas. Estima-se que, por volta dos 10 anos de idade, apenas 4 % da população apresentará pé plano valgo patológico(7,23). Fatores a serem considerados incluem hiperfrouxidão ligamentar e a formação do arco plantar ao ficar na ponta dos pés(16). Koutsogiannis(10) estudando trinta e quatro pés de dezenove pacientes, notou a ausência de formação do arco plantar medial durante o teste da ponta dos pés em seis pacientes (31,57%). No presente estudo, houve leve predomínio de portadores de hiperfrouxidão ligamentar (10 casos) e não formação do arco plantar ao ficar na ponta dos pés em 9 casos, demonstrando a baixa prevalência de deformidades graves dentre os portadores do pé plano valgo postural.

A procura ao médico deveu-se, principalmente, à queda do arco plantar medial. Ansiosos, os pais acreditam tratar-se de um pé anormal e nocivo, caso não seja tratado. Dor como sintoma isolado é incomum(15,23) e quando presente, situa-se no seio do tarso por volta dos 12 anos de idade. Outra queixa comumente relatada é a fadiga(15). Neste levantamento, encontrou-se maior prevalência da deformidade e dor de uma maneira associada (10 casos), seguidos de deformidade isolada (8 casos) e apenas 2 casos devido a dor isolada. A fadiga não ocorreu isoladamente, tendo sido encontrada em oito pacientes, principalmente associada a dor e deformidade (cinco pacientes), deformidade (três pacientes) e dor (um paciente), traduzindo possivelmente o maior gasto energético em deformidade mais acentuada.

O tratamento baseia-se no binômio idade e grau de deformidade (15). Após um acompanhamento de 12 a 18 meses, se a deformidade permanecer, órteses são comumente prescritas. Embora saiba-se que estas não impeçam a progressão da doença(15,26), estudos biomecânicos indicam melhoria do alinhamento talo-metatársico e melhor inversão do retropé(9) Patiño e Gerstner(18), estudando cem pés de cinquenta e um pacientes portadores de pé plano valgo idiopático, em um seguimento médio de 22,15 meses, constatou que 68,6% haviam sido tratados previamente por órteses. Neste estudo, doze pacientes haviam feito uso de palmilhas e botas ortopédicas. Não se observou, entretanto, melhora da deformidade, porém na maioria destes (nove pacientes) houve alívio provisório dos sintomas iniciais, o que sugere uma redução do estresse axial em estruturas mediais, sem, entretanto, agir nos mecanismos fisiopatológicos da doença, por não impedir sua progressão.

Em seu estudo sobre a osteotomia de deslizamento medial em 1971, Koutsogiannis(10), após um acompanhamento de seis anos a três meses, relata a restauração do arco longitudinal em vinte e cinco pés. Em dezessete pacientes, houve melhoria da fadiga e dois maus resultados foram associados à contratu ra do tendão calcâneo. Embora não traga expresso valores dos ângulos radiográficos, relaciona a melhoria estética do pé à redução da subluxação talonavicular. Em dezessete pacientes não houve problema com o uso de calçados após a cirurgia, evidenciando a não progressão da deformidade após a cirurgia.

Na série de Patiño e Gerstner(18), notaram-se 100% de melhoria da dor e fadiga, sendo que, 96,1% dos pacientes não haviam voltado a deformar seus calçados. Conclui o estudo relatando um total de 96% de bons resultados. Nesta casuística, seguindo a técnica descrita por Koutsogiannis modificada, encontrou-se alívio dos sintomas iniciais em dezessete pacientes. A restauração do arco longitudinal em dezesseis pacientes, aliados à média corretiva dos ângulos de Kite em 7,73 graus e Meary em 5,2 graus, revelaram melhoria da congruência talocalcaneana e talonavicular respectivamente, demonstrando que o paciente ideal para a osteotomia de deslizamento medial de Koutsogiannis deverá ser o portador de retropé valgo leve ou moderado, livre de alterações degenerativas e sintomas confinados ao aspecto medial do pé(10).

Os pacientes com deformidade mais grave e sintomática costumam ter associados contraturas tendíneas ou hiperfrouxidão ligamentar, sendo que dificilmente procedimentos isolados terão êxito(1). Neste estudo associou-se dois maus resultados à hiperfrouxidão ligamentar em que no período pré-operatório notou-se deformidade grave, acompanhando grande alteração dos eixos axiais do pé. Koutsogiannis(10), em sua casuística, encontrou a persistência da deformidade em quatro casos e atribui a isso a contratura do tendão calcâneo. Sua técnica não é, portanto, eficaz nos casos de maior gravidade, em que fatores etiopatogênicos causem a progressão da doença no período pós-opertório. Fica reservado a estes pacientes procedimentos mais complexos como, por exemplo, a técnica de Evans associada a artrodese subtalar(1).

Na análise comparativa às demais técnicas, nota-se que, ao realizar o procedimento descrito por Nápoli(15) Guidio e Laredo(7) no qual realizam-se cunha de subtração de base medial, associada à tenossuspensão dos tibiais para a correção concomitante do valgismo de retropé e da abdução do antepé, faz-se necessária a utilização de dois fios de Kirschner para fixação e manutenção da redução dos fragmentos, enquanto que, na técnica em estudo, observou-se a correção simultânea de ambas as deformidades, dispensando procedimentos adicionais em partes moles e estabilidade da redução com o uso de apenas um fio de Kirschner, traduzindo maior estabilidade do deslizamento em relação à cunha de subtração, quando realizada de maneira isolada.

Na técnica de Chambers(3), realiza-se osteotomia do calcâneo abaixo da faceta ântero-lateral, imediatamente posterior à articulação calcaneocuboidea associada ao alongamento do tendão de calcâneo. Embora haja relatos de até 95% de bons resultados(3,14), notou-se ausência de correção radiográfica em 72,8% dos casos e estreitamento da talonavicular em 22% dos casos pacientes. Neste estudo, além da maior simplicidade técnica, houve estreitamentos articulares e obteve-se correção radiográfica em 84,21% dos pés operados.

Em relação às cirurgias de alongamento da coluna lateral, como o procedimento de Evans(6), no qual adiciona-se enxerto tricortical ao calcâneo e artrodese de distração calcaneocuboidea, amplamente utilizadas no tratamento do pé plano valgo idiopático, relatam-se altas taxas de complicação. Thomas e Wells(24) realizaram estudos comparativos de ambas as técnicas em trinta e cinco pés, notando retardo de consolidação em 16,5 % dos casos. Há também relatos de fraturas de estresse em estudos do procedimento de Evans(6). Rathjen e Mubarak(20) ao realizarem a técnica de deslizamento medial do calcâneo, associada à cunha de adição no cubóide, relata dezesseis bons resultados em vinte e quatro pés operados, dos quais obteve sub correção radiográfica em sete pés e sobre correção em três pés, enquanto que, no presente estudo, além de ser utilizado um procedimento ósseo único, sem necessidade de enxertia, ocorreu correção em dezessete pés, não sendo observada sobre correção em nenhum pé operado, sem nenhum retardo de união ou pseudoartrose.

Finalmente, estudos cadavéricos têm sugerido alterações biomecânicas no tornozelo após osteotomia de deslizamento interno do calcâneo. Michelson et al.(13), estudaram oito espécimes e verificaram que, em dorsiflexão máxima, houve aumento em 76% da rotação interna e aumento do varismo em 425%, podendo predispor a degenerações articulares. Estudos sobre a técnica a longo prazo poderão esclarecer tais fatos.

CONCLUSÃO

A osteotomia de deslizamento medial de Koutsogiannis mostrou melhora estética do pé e alívio sintomático. Houve correção radiográfica dos ângulos de Kite (talocalcaneano) e talo–primeiro metatarso, podendo ser indicada como procedimento isolado para a correção de pé plano valgo flexível idiopático leve e moderado em crianças de dez a treze anos.

Trabalho recebido em 21/08/2002

Aprovado em 11/04/2003

Trabalho realizado no Departamento de Ortopedia e Traumatologia do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto – FAMERP/FUNFARME

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  • Endereço para correspondência
    Av. Brigadeiro Faria Lima, 4929, Nova Redentora
    Cep: 15090-000-São José do Rio Preto-SP
    E-mail-
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Mar 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 2003

    Histórico

    • Recebido
      21 Ago 2002
    • Aceito
      11 Abr 2003
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