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Custos hospitalares com crianças e adolescentes vítimas de traumatismos no Estado de Pernambuco em 1999

Resumos

Avaliou-se os gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) com internações hospitalares de crianças e adolescentes, vítimas de traumatismos no estado de Pernambuco, no ano de 1999. Utilizou-se o banco de dados do Sistema de Informações Hospitalares do DATASUS, construído a partir das informações contidas nas Autorizações de Internação Hospitalar (AIH). Foram registradas 9.220 internações por causas externas a um custo de R$ 3.659.558,62, sendo 7.807 por traumatismos (84,7%). O custo médio no estado de Pernambuco nesse ano, para as internações por todos os diagnósticos na faixa etária de 0 a 19 anos, foi de R$ 306,49. Quando se computou apenas os traumatismos o custo médio passou para R$ 370,66. Os maiores gastos ocorreram com os traumatismos intracranianos e as fraturas de membros superiores e inferiores.

Traumatismo; Custos Hospitalares; Fraturas


The Brazilian National Unified Health System (SUS) expenditures related to hospitalizations of trauma children and adolescents in the Pernambuco State in 1999. were evaluated. Data were collected from the databank of the Hospital Information System of the DATASUS, based on information recorded on the Hospitalization Authorization Forms (AIH). A total of 9,220 hospital admissions by external causes were identified with a cost of R$ 3,659,558.62, with 7,807 hospitalizations due to trauma (84.7%). The mean cost of hospital admissions for children and adolescents in the Pernambuco State this year was R$ 306.49 versus a mean cost of hospital admissions for trauma of R$ 370.66. Head trauma and limb fractures were associated with higher costs.

Wounds and injuries; Hospital costs; Fractures


ARTIGO ORIGINAL

Custos hospitalares com crianças e adolescentes vítimas de traumatismos no Estado de Pernambuco em 1999

Roberto Natanael da Silva MendonçaI; João Guilherme Bezerra AlvesII

IMestre em Saúde Materno Infantil pelo IMIP

IIProfessor Adjunto da UPE e do IMIP

Endereço para correspondênciaEndereço para correspondência Rua dos Coelhos, 300, Boa Vista CEP: 50070-550 - Recife — PE E-mail: joaoguilherme@imip.org.br

RESUMO

Avaliou-se os gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) com internações hospitalares de crianças e adolescentes, vítimas de traumatismos no estado de Pernambuco, no ano de 1999. Utilizou-se o banco de dados do Sistema de Informações Hospitalares do DATASUS, construído a partir das informações contidas nas Autorizações de Internação Hospitalar (AIH). Foram registradas 9.220 internações por causas externas a um custo de R$ 3.659.558,62, sendo 7.807 por traumatismos (84,7%). O custo médio no estado de Pernambuco nesse ano, para as internações por todos os diagnósticos na faixa etária de 0 a 19 anos, foi de R$ 306,49. Quando se computou apenas os traumatismos o custo médio passou para R$ 370,66. Os maiores gastos ocorreram com os traumatismos intracranianos e as fraturas de membros superiores e inferiores.

Descritores: Traumatismo; Custos Hospitalares; Fraturas.

INTRODUÇÃO

O trauma é a causa mais freqüente de morte em pessoas com menos de 44 anos de idade. Representa hoje, um dos principais problemas de saúde pública tanto para os países ricos como para os pobres. Além de provocar forte impacto sobre as taxas de morbimortalidade, apresenta importantes repercussões econômicas. O custo do trauma à comunidade inclui além dos gastos diretos com o tratamento, os custos indiretos com a perda da produtividade, especialmente quando se trata de crianças e adolescentes pela maior expectativa de vida(5,11).

Os traumatismos custam anualmente $ 425 bilhões de dólares aos americanos(4). Na América Latina, estima-se que os custos econômicos anuais de mortes e invalidez resultado de atos violentos representem aproximadamente 20% dos gastos totais de cada país com a saúde(13).

É difícil avaliar por completo o seu verdadeiro impacto econômico. Afora os custos médicos do tratamento e reabilitação da vítima, estão envolvidos habitualmente gastos com os sistemas judiciário e penal, os custos sociais com a queda de produtividade, além de perdas materiais decorrentes dos agravos(9). Mesmo em países ricos, o aumento da demanda de serviços por essas vítimas, ao lado da maior complexidade do atendimento ao paciente com trauma - muitas vezes envolvendo tecnologia complexa - está provocando a desativação de centros de trauma pela importante elevação dos custos(2). A Organização Panamericana da Saúde (OPAS, ) relata que os casos de trauma chegam a consumir entre 8 a 10% do orçamento de cada hospital que mantém pronto-socorro. No Brasil, com o fenômeno do incremento da violência, os casos de traumas vem apresentando um importante aumento. Deslandes et al.(4), detectaram um aumento de 69% nos gastos federais para o atendimento de vítimas de violência na região metropolitana do Rio de Janeiro entre os anos de 1991 e 1993. Assim, apesar de elevados, ainda não são bem conhecidos os custos acarretados com os eventos violentos.

A obtenção de dados econômicos associados com os traumatismos apresenta importantes razões, como a identificação precisa do seu impacto, incluindo um maior poder de sensibilização das lideranças políticas, do que os próprios dados epidemiológicos. A segunda, é servir como parâmetro para avaliação das intervenções postas em prática no combate à violência.

Considerando a importância do tema bem como o fato de o estado de Pernambuco, figurar com destaqueno panorama da violência nacional com importante crescimento da mortalidade por causas externas nos grupos etários mais jovens(1), foi objetivo desse estudo verificar os gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) neste estado com os internamentos de crianças e adolescentes por traumas no ano de 1999.

MATERIAL E MÉTODOS

Local do estudo

O Estado de Pernambuco possui cerca de 184 municípios, além do Distrito Estadual de Fernando de Noronha, sendo a capital do Estado — a cidade de Recife - o município mais populoso, com cerca de 1.421.947 habitantes em agosto/2000. A população do Estado era de 7.910.992 pessoas, com uma densidade demográfica de 78,37 habitantes/km2 e uma concentração de 76,5% nas áreas urbanas. A população estimada entre 15 e 19 anos era de 859.450 pessoas. No ano de 1999, o total de leitos disponíveis no Estado para o SUS era de 21.916, dos quais 11.906 (54,33%) apenas na Região Metropolitana do Recife(2).

Dados

Foi realizado um estudo descritivo, cuja fonte de informação foram os arquivos reduzidos da base de dados, em CD-ROM, do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH-SUS) do DATASUS, relativa ao ano de 1999 (MS, 1999) no estado de Pernambuco, com informações hospitalares obtidas dos formulários de Autorização de Internação Hospitalar (AIH). Utilizou-se a AIH 1, que contém registro de identificação do paciente, procedimentos, diagnose e tratamento realizado, acompanhado dos respectivos códigos das afecções diagnosticadas. Foi construído um banco de dados com os códigos de diagnóstico principal, segundo o CID-10, incluídos nos capítulos XIX e XX, sendo selecionada a população de 0 a 19 anos de idade.

RESULTADOS

Durante o ano de 1999, ocorreram em Pernambuco 190.485 hospitalizações para todos os diagnósticos, na faixa etária de 0 a 19 anos de idade. Destas, cerca de 9.220 foram motivadas por causas externas (4,8%), sendo 7.807 por traumatismos; 71,4% no sexo masculino e 55,3% entre 10 a 19 anos.

O custo total dos internamentos para todas as faixas etárias em Pernambuco, no ano de 1999, representou para o SUS cerca de R$ 212.073.716,90. Considerando-se apenas a faixa etária até os 19 anos, este valor foi de R$ 58.382.850,70 (custo médio de R$ 306,49 por paciente). As afecções relativas aos capítulos XIX e XX corresponderam a 6,27% desse total com um custo médio de R$ 396,91 por paciente. O custo médio das hospitalizações por traumatismo foi de R$ 370,66.

Nas Tabelas de 1 a 6 observam-se os principais tipos de traumatismos com seus respectivos custos, de acordo com a localização do trauma.

 

Em relação aos custos por diagnóstico, observamos que os Traumatismos na mesoregião Recife, responderam por 77,9% do total dos gastos, seguido por queimaduras 15,2% e complicações e seqüelas de causas externas 5,2%. Outras causas externas corresponderam a 1,7% dos diagnósticos.

DISCUSSÃO

No presente trabalho, buscou-se verificar os gastos diretos do SUS com as internações por traumas, sendo deixados de fora os custos com o seguimento ambulatorial após alta e tratamentos de reabilitação. Deve ser levado em consideração que esses custos estão subestimados, uma vez que não foram computados os atendimentos que não resultaram em hospitalizações, ou ainda os que procuraram e não conseguiram atendimento, ou ainda morreram no local da ocorrência, não entrando assim no cômputo geral do SUS.

Em Pernambuco, o custo das internações hospitalares por Causas Externas, no SUS, apresentaram um crescimento de 47,20 % entre os anos de 1996 à 1999. O percentual gasto pelo SUS com todas as internações no ano de 1999 correspondeu a algo em torno de 0,05 % do PIB do estado(3). Estudo pioneiro na estimativa de impacto econômico dos acidentes e violências no Brasil revelou que as internações por estas causas em todo o país geraram um gasto anual que, em 1994, correspondia a 0,07% do produto interno bruto nacional(6).

Os traumatismos foram as principais causas de internamento no estado de Pernambuco, para todas as faixas etárias, perfazendo 84,7% e com maiores freqüências na faixa de 5-19 anos. Em áreas urbanas, já se observou que o trauma é uma doença com alto risco de recorrência, pois há um grupo de pessoas que não é apenas vítima de trauma, mas vítima de seu próprio comportamento de alto risco, com taxas de recorrência que podem chegar até 44% dos casos, quando é possível um seguimento médico adequado risco(8,10, 12).

Os traumatismos do segmento cefálico e do pescoço foram os que representaram os maiores custos ao SUS, representando o traumatismo intracraniano 76,6% dos gastos totais com os traumas da cabeça e do pescoço. Outros estudos apontam esse tipo de trauma, juntamente com aqueles que atingem as extremidades dos membros como os de maiores custos(7,8). Nossos achados indicaram as fraturas dos membros superiores e inferiores, respectivamente como a segunda e a terceira causa de maiores gastos pelo SUS. Mackenzie et al.(7) observaram que os traumas em membros chegavam a representar 43% dos custos totais com o tratamento.

É importante ressaltar que a mensuração dos gastos para o sistema público de saúde gerado por todas as formas de traumatismos ainda não pode ser realizada em toda a sua magnitude, já que a avaliação dos custos indiretos carece de dados fidedignos que a fundamentem e a própria medição dos custos diretos não médicos é difícil de ser realizada. Entretanto, para que o real impacto dos traumatismos sobre a saúde pública possa ser avaliado, suas repercussões sociais e sobre a força de trabalho produtiva, devidamente mensurada, é fundamental que pesquisas com esse intuito sejam continuamente fomentadas.

Para que políticas públicas de combate ao trauma sejam eficazes, faz-se necessário, em paralelo às medidas de segurança, que a "saúde pública" também estabeleça quais as populações de risco em cada região e quais as características das lesões sofridas por essa mesma população. Isto servirá como subsídio às autoridades, para que possam estabelecer as prioridades peculiares de cada bairro, cidade ou estado.

Os custos diretos médicos, conforme descritos neste trabalho, são elevados e estariam muito melhor empregados se, porventura, pudessem ser aplicados em educação e saúde preventiva e não no tratamento, muitas das vezes paliativo, de lesões que, em níveis crescentes têm sido intencionalmente infligidas. Os custos financeiros para o país têm sido muito elevados, como os têm sido os custos sociais. Urge a busca de soluções em caráter definitivo para este grave problema, que, embora não tenha solução a curto prazo, pode ser combatido em várias frentes e cujos resultados far-se-ão sentir a médio e longo prazos.

CONCLUSÕES

• Foi elevado o gasto do SUS com a hospitalização de crianças e adolescentes vítimas de traumas no estado de Pernambuco em 1999,

• Traumatismos foram as principais causas de internamentos na população estudada, representando mais de 80% dentre as causas externas estudadas.

• Os traumatismos que representaram os maiores custos ao SUS foram o traumatismo intracraniano e as fraturas de membros superiores e inferiores.

Trabalho recebido em 26/08/2003.

Aprovado em 19/06/2004.

Trabalho realizado no Instituto Materno Infantil de Pernambuco (IMIP)

  • 1. Barros MDA, Ximenes R, Lima MLC. Mortalidade por causas externas em crianças e adolescentes: tendências de 1979 a 1995. Rev Saúde Pública 35:142-149, 2001.
  • 2. Clancy TV, Misick LN, Covington D, Churchill MP, Maxwell JG. The financial impact of intentional violence on community hospitals. J Trauma 37:1-3, 1994.
  • 3. CONDEPE. Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Social. Pernambuco em Dados. Recife, 2000.
  • 4. Deslandes SF, Silva CMFP, Ugá MAD. O custo do atendimento emergencial às vítimas de violências em dois hospitais do Rio de Janeiro. Cad Saúde Pública 14:287-299, 1998.
  • 5. Farrel C. The economics of crime. Business Week 13:72-80, 1993.
  • 6. Iunes RF. Impacto econômico das causas externas no Brasil: esforço de mensuração. Rev Saúde Pública 31:38-46, 1997.
  • 7. Mackenzie EJ, Shapiro S, Siegel JH. The economic impact of traumatic injuries. One-year treatment-related expenditures. JAMA 260:3290-3296, 1988.
  • 8. McGarry LJ, Thompson D, Millham FH, Cowell L, Synder PJ, Weinstein MC. Trauma 53:1152-1159, 2002.
  • 9. Miller TR, Cohen MA, Rossman SB. Victim costs of violence crime and resulting injuries. Health Affairs 12:195-197, 1993.
  • 10. Minayo MCS, Deslandes SF. The complexity of relations between drugs, alcohol, and violence. Cad Saúde Pública 14:35-42, 1998.
  • 11. Morrison W, Wright JL, Paidas CN. Pediatric trauma systems. Crit Care Med 30(Suppl.):448-556, 2002.
  • 12. Poole GV, Griswold JA, Thaggard VK, Rhodes RS. Trauma is a recurrent disease. Surgery 113:608-611, 1993.
  • 13. Weaver K, Maddaleno M. Youth violence in Latin America: Current situation and violence prevention strategies. Rev Panam Salud Publica 5:4-5, 1999.
  • Endereço para correspondência
    Rua dos Coelhos, 300, Boa Vista
    CEP: 50070-550 - Recife — PE
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Nov 2004
    • Data do Fascículo
      Set 2004

    Histórico

    • Aceito
      19 Jun 2004
    • Recebido
      26 Ago 2003
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