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Modelo experimental de artroscopia do quadril em cadáveres de recém-nascidos

Resumos

O quadril apresenta anatomia e topografia complexa onde procedimentos diagnósticos são freqüentemente pouco elucidativos, entretanto, o artroscópio possibilitou o acesso direto à articulação. As indicações crescem a cada ano, mas em crianças são restritas. Com objetivo de desenvolver um modelo experimental de treinamento do método em quadril e verificar danos a estruturas submetidas à tração durante a artroscopia, realizamos o estudo. Utilizando 20 cadáveres de recém-nascidos, foi testada a possibilidade de realizar esse procedimento. Seis fetos representaram o projeto piloto, servindo para desenvolver o modelo de pesquisa e catorze o estudo principal. Em todos os fetos, realizou-se o procedimento através dos portais ântero-lateral e lateral e a análise histomorfológica das estruturas do quadril. Os portais lateral e o ântero-lateral ofereceram boa segurança, sendo possível identificar a maior parte das estruturas anatômicas intra-articulares através da artroscopia. Através de um só acesso não foi possível visualizar toda a articulação. A artroscopia do quadril tem técnica difícil, mas factível em cadáveres de recém-nascidos com peso superior a 1700g e não foram encontradas lesões macroscópicas ou histológicas sobre as estruturas estudadas em fetos submetidos a uma tração de até 88 N.

Artroscopia; Quadril; Cadáver; Recém-nascido


The hip presents a complex topography and anatomy. Diagnostic procedures are generally not very helpful. However, direct access to the joint was made possible by the use of arthroscopy. Surgical indications for its use are becoming more frequent year after year. Usage in children is still not very common. This paper is aimed at developing an experimental model of hip arthroscopy. Damages resulting from its use in structures subjected to traction were evaluated. Twenty newborn cadavers were used to test the feasibility of the procedure. Six fetuses were used during the pilot project for the development of a research model. The remainder fourteen fetuses were used during the main study. Antero lateral and lateral ports were used for surgical access to the hip. Histomorphological studies of the hip structures were carried out in each case. Lateral and antero-lateral ports offered safe access and adequate viewing of most intra-articular anatomical structures through arthroscopy. It was not possible to see all structures through just one port. Hip arthroscopy is not an easy procedure although feasible in newborn cadavers weighing more than 1700 g. No macroscopic or histological lesions were identified in fetuses submitted to traction of up to 88 N.

Arthroscopy; Hip; Cadaver; Newborn


ARTIGO ORIGINAL

Modelo experimental de artroscopia do quadril em cadáveres de recém-nascidos

Ronaldo Silva de OliveiraI; José Alberto Dias LeiteII; Régia Maria do Socorro Vidal PatrocínioIII; Juvêncio Oliveira Araújo de CastroIV; Mariana Gonçalves de SantanaV

IProfessor Substituto de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal do Ceará , membro titular da SBOT — Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia

IIProfessor Adjunto, Livre-Docente, Chefe do Serviço de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal do Ceará , membro titular da SBOT — Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia

IIIPatologista do Departamento de Patologia da Universidade Federal do Ceará

IVMédico Residente do Serviço de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal do Ceará

VAcadêmica de Medicina da Universidade Federal do Ceará e bolsista do CNPq

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Rua Cel. Jucá 1275 ap 601 , bairro Meireles Fortaleza — CE - CEP 60.170-320 . E-mail ronkar@matrix.com.br

RESUMO

O quadril apresenta anatomia e topografia complexa onde procedimentos diagnósticos são freqüentemente pouco elucidativos, entretanto, o artroscópio possibilitou o acesso direto à articulação. As indicações crescem a cada ano, mas em crianças são restritas. Com objetivo de desenvolver um modelo experimental de treinamento do método em quadril e verificar danos a estruturas submetidas à tração durante a artroscopia, realizamos o estudo.

Utilizando 20 cadáveres de recém-nascidos, foi testada a possibilidade de realizar esse procedimento. Seis fetos representaram o projeto piloto, servindo para desenvolver o modelo de pesquisa e catorze o estudo principal. Em todos os fetos, realizou-se o procedimento através dos portais ântero-lateral e lateral e a análise histomorfológica das estruturas do quadril.

Os portais lateral e o ântero-lateral ofereceram boa segurança, sendo possível identificar a maior parte das estruturas anatômicas intra-articulares através da artroscopia. Através de um só acesso não foi possível visualizar toda a articulação. A artroscopia do quadril tem técnica difícil, mas factível em cadáveres de recém-nascidos com peso superior a 1700g e não foram encontradas lesões macroscópicas ou histológicas sobre as estruturas estudadas em fetos submetidos a uma tração de até 88 N.

Descritores: Artroscopia; Quadril; Cadáver; Recém-nascido.

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento do artroscópio possibilitou o aparecimento de técnicas que têm permitido ao cirurgião ortopédico o acesso direto a diversas articulações, entretanto, no quadril, é um novo conceito para profissionais de saúde(1). O quadril permanecia como uma barreira para os artroscopistas, pois, apesar de ser uma grande articulação do corpo, a profundidade de sua localização torna difícil o acesso a instrumentos cirúrgicos artroscópicos e, uma vez colocados na articulação, a manobra destes é bastante difícil e requer uma grande curva de aprendizado(2).

Devido à complexa anatomia e topografia do quadril, procedimentos diagnósticos são freqüentemente pouco elucidativos, mesmo com o uso de métodos ultramodernos. Estes nem sempre são capazes de identificar alterações patológicas específicas do quadril, ou dar informações exatas sobre a extensão e o estágio da doença. Nestes casos é reconhecida a importância do método artroscópico, pois, em muitos oferece informações mais completas da patologia(3).

Em adolescentes, alguns já reconheceram a importância do método artroscópico, e declaram que obtiveram muito mais informações na artroscopia do que na cirurgia aberta(4,5). Em escolares, a literatura apresenta alguns artigos que citam essa possibilidade e afirmam que a artroscopia tem vantagens, quando comparada as artrotomias na população infantil, pois é um método menos invasivo e mais atrativo na cirurgia moderna(6). Em pré-escolares e lactentes é uma boa promessa e quanto aos estudos, embora saibamos que já existam tentativas de se criarem rotinas e equipamentos específicos para esta faixa etária, não se encontram referências na literatura internacional.

Vendo no quadril uma articulação passível de visualização direta pela artroscopia, possibilitando a documentação do procedimento através de fotografias ou filmagens, acreditando na possibilidade da realização de procedimentos com fins terapêu ticos, reconhecendo as dificuldades em normatizar rotinas e indicações para a utilização da artroscopia em quadril de lactentes e pré-escolares foi resolvido utilizar quadris de cadáveres natimortos e realizar um estudo do método artroscópico no quadril, seus efeitos e sua viabilidade. A idéia é visualizar diretamente a articulação, fazendo da artroscopia do quadril uma valiosa técnica que preencha uma grande lacuna no esclarecimento diagnóstico das lesões dessa articulação e tornar possível o tratamento de patologias sem a necessidade de luxar a cabeça femoral ou seccionar músculos e tendões, minimizando a agressão cirúrgica e possibilitando uma recuperação mais rápida do paciente, além de contar com a grande vantagem estética da cicatriz cirúrgica. O Objetivo do presente estudo foi então o de criar um modelo experimental de treinamento para o método artroscópico em quadril de recém-nascidos e avaliar os danos da tração axial sobre as estruturas do quadril infantil durante a artroscopia.

MATERIAL E MÉTODO

O estudo experimental foi obtido com 20 cadáveres de recém-nascidos (RN), não formolizados, não apresentando alterações morfológicas e que não tivessem sofrido modificações da articulação do quadril pelo uso. Todos os cadáveres foram oriundos da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC), após triagem do serviço social desta entidade, obtendo autorização por escrito dos pais para serem submetidos ao estudo. Esse estudo foi realizado dentro das normas que regulamentam a pesquisa em seres humanos, do Conselho Nacional de Saúde — Ministério de Saúde e foi aprovado pela Comissão de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, Of nº 121/02 , protocolo 92/02.

Os fetos eram congelados e, nos dias da realização dos procedimentos, descongelados à temperatura ambiente. Depois de descongelados, os fetos eram levados a uma sala anexa fora do centro cirúrgico do Hospital Universitário Walter Cantídio nos dias de sábado ou domingo e em horário em que não estivessem acontecendo outros procedimentos cirúrgicos e, nestas condições, realizadas as artroscopias.

Os seis primeiros fetos (A1 a A6) representaram o projeto piloto e serviram para o desenvolvimento do modelo de pesquisa, encontrando-se parâmetros para execução dos procedimentos artroscópicos. Após estes resultados, passamos a realizar o estudo principal, seguindo critérios estabelecidos com o projeto piloto, onde foram realizados o total de catorze procedimentos (B1 a B14).

No estudo principal, foram estudados catorze espécimes, sendo quatro do sexo masculino (28.5%) e dez do sexo feminino (71.5%). , quatro brancos (28.5%) e dez não brancos (71.5%). O espécime de menor peso foi de 1720 g (B11) e o maior de 2860 g (B14).(Tabela 1).

De forma aleatória, era escolhido um dos quadris para a realização do procedimento. Os fetos eram colocados em decúbito dorsal na mesa ortopédica, com adaptação adequada ao tamanho dos mesmos (Figura 1). Foi colocado um coxim macio protegendo a região perineal. Os pés e pernas dos fetos foram envoltos em algodão e crepom até o joelho e fixados ao suporte de pé feito para adaptar o pé do RN. Este sistema foi fixado a um dinamômetro e este ao componente de tração. Foram mantidos ambos os membros inferiores (MMII) paralelos ao solo, abduzidos aproximadamente 30º, e livres para movimentos de rotação (Figura 2).



O intensificador de imagens marca GE® modelo stenoz V foi posicionado de forma a ficar com o braço em 'c' perpendicular ao solo. O cirurgião e toda a equipe presente na sala de cirurgia, foram paramentados com aventais de chumbo e colar chumbado para proteção de tireóide, antes de qualquer acionamento do intensificador de imagem.

Acionado, o intensificador o aparelho é centralizado na articulação do quadril e no fêmur proximal. Foi introduzida uma agulha fina de raqui-anestesia 25Gx3¹/² (0,53x88mm) cerca de 2 a 5 mm superior à ponta do trocanter maior e guiada por fluoroscopia até a articulação. Foi injetado entre 1 e 2 ml de contraste Telebrix® (Ioxitalamato de meglumina) e realizada artrografia para que fosse visualizada a cabeça femoral. Neste momento o cirurgião memorizou o espaço existente entre a cabeça femoral e o acetábulo. Iniciou-se a tração, girando-se a manopla de tração no sentido horário. O cirurgião, que tinha o pedal do intensificador aos seus pés, acionava o radioscópio e verificava se ocorria um aumento do espaço articular. Em caso negativo aumenta-se um pouco mais a tração, até que fosse conseguida uma abertura de aproximadamente de 2 mm. Nesse momento, uma agulha 25G1(2,5x0.7 mm) era colocada e por ela injetada água destilada (2 ml) para dar distração da cápsula. Foi aumentada a tração ate que se observasse uma abertura de aproximadamente 6 mm.

Inciou-se a pele com lâmina de bisturi 11 em local imediatamente superior ao da agulha primeiramente introduzida, superior e medialmente à ponta do trocânter maior, instalando o portal ântero-lateral (Figura 3). Guiados pela fluoroscopia foram introduzidos o trocateter e a camisa do artroscópio até o local da abertura articular. Tentou-se sentir um leve, quase imperceptível, ceder o que configurou o avanço da cápsula. Estando correto o posicionamento do trocateter, sob a visão do intensificador de imagens, foi introduzido dispositivo óptico STORZ® de 2,2 mm de espessura e 10 mm de comprimento, com 30º de angulação. Foi confirmada a visão artroscópica da articulação. Estando correto na torneira da camisa do artroscópio, conectou-se a mangueira da bomba de infusão (pressão 90 mmhg e fluxo 70 ml/h).


Sob a visão do intensificador de imagens, e confirmando pela visão artroscópica, foi iniciado o inventário da articulação, promovendo manobras cuidadosas do artroscópio e manipulação do membro examinado (rotação interna e externa), visualizando a anatomia do quadril por este portal.

Os mesmos passos anteriormente descritos foram realizados para se preparar o segundo portal. O portal anterior coincide com a intercecção de uma linha traçada distalmente da espinha ilíaca ântero-superior e linha transversa que atravessa à margem superior do trocânter maior. O trajeto do instrumental, nesse portal, foi direcionado aproximadamente 45º cefalicamente e 30º para a linha média. Foram repetidos os procedimentos para visualizar as estruturas anatômicas visíveis através do portal. Com agulha de raqui-anestesia, foi introduzido um marcador metálico (pequeno fragmento de 2 mm do mandril de outra agulha de mesmo calibre), nas estruturas pulvinar, labrum e ligamento redondo.

Durante o procedimento, foi visualizada a posição do artroscópio pela radioscopia em todas as vezes em que novos instrumentos foram inseridos na articulação.

Após o término do procedimento, por incisão anterior do quadril, foi realizada a artrotomia. Foi visualizada a integridade do trígono femoral. Abriu-se a cápsula e visualizou-se o labrum, o ligamento redondo, o pulvinar e verificou-se as posições dos marcadores metálicos corresponderam. Foi visualizada a cabeça femoral e a articulação acetabular para identificação de lesões macroscópicas. Um fragmento de cada estrutura marcada foi retirado e enviado para patologia. Foram feitas lâminas com coloração hematoxilina-eosina, que foram analisadas por um patologista.

Após o término do procedimento foram suturados com fio de algodão os orifícios e incisões realizadas e o espécime foi devolvido a MEAC para o sepultamento do mesmo. A sala anexa e todo o equipamento passavam por completa limpeza e assepsia.

RESULTADOS

Foi concluído, com o estudo piloto, que o procedimento somente é possível realizar com fetos maiores, pois, nos quatro fetos em que o peso era abaixo de 1500 g o procedimento foi tecnicamente impossível. Foi instituído como padrão o uso de fetos acima de 1700 g, por ter sido possível realizar o procedimento em feto de 1680 g, e em outro de 2180 g. Nesses espécimes foi possível identificar as estruturas anatômicas através da artroscopia. Concluiu-se também que o procedimento deveria ser realizado unilateralmente. Foi necessária uma tração igual em ambos os MMII para que o feto permanecesse em equilíbrio na mesa ortopédica. Nos casos em que o procedimento foi realizado bilateralmente, o último quadril a realizar o procedimento foi submetido a um tempo de tração muito maior. No estudo foi decidido para evitar lesões ao modelo que somente seria feita a artroscopia em um dos quadris escolhidos de forma aleatória.

Na artroscopia, a cabeça femoral apresenta cartilagem hialina que cobre a cabeça, dando-lhe uma aparência branca e brilhosa . A maior parte da cabeça é visualizada, sendo exceção a margem ínfero medial (Figura 4). A fossa acetabular ocupa uma área ínfero-medial do acetábulo e é forrada por tecido fibroconectivo revestido por tecido sinovial. Dois terços são forrados com tecido adiposo vascularizado com aparência penduculado. Na porção inferior da fossa acetabular, região só vista em dois espécimes, foi encontrado um denso tecido de revestimento sinovial encobrindo e invadindo e passando embaixo do ligamento transverso. O ligamento transverso atravessa a chanfradura acetabular e, nestes casos, foi possível atravessar o probe abaixo do ligamento transverso, no recesso inferior do acetábulo. O labrum apresentou aspecto triangular e forte na margem superior e fino na região inferior e, em muitos casos, móvel no limite da membrana sinovial. O labrum forma o sulco perilabral ao redor de sua margem.(Figura 5). A cápsula articular é revestida com um tecido sinovial brilhoso às vezes com aparência rosada. Uma brilhosa cartilagem hialina se estende da periferia do acetábulo. O ligamento redondo inicia na margem postero-inferior da fossa acetabular e se insere na cabeça femoral (Figura 6).




A Tabela 1 mostra a tração axial a que cada feto foi submetido com o correspondente tempo e o lado do quadril submetido ao procedimento. Quando,após o término da artroscopia, foi realizada artrotomia, não foram encontradas lesões macroscópicas nas estruturas labrum, ligamento redondo e pulvinar, em nenhum dos fetos estudados, entretanto, foram visualizadas lesões tanto na artroscopia como à visão aberta nos fetos B2 e B8. O feto B2 apresentou lesão iatrogênica no acetábulo conseqüente a manipulação do instrumental. No feto B8 foi encontrada lesão tanto no acetábulo como na cabeça femoral.

Constatou-se que, através de um só acesso, não foi possível visualizar toda a articulação, mas que a utilização dos dois acessos possibilitou a visualização da maior parte das estruturas. Em todos os fetos, o ligamento redondo, o pulvinar e labrum foram visualizados e marcados. O aspecto inferior do acetábulo, onde se localiza o ligamento transverso, somente foi identificado em dois espécimes (B7 e B10). Porém, a sua marcação, foi impossível tecnicamente de se realizar.

Todas as lâminas feitas com cortes de fragmento do ligamento redondo mostraram a presença de tecido conjuntivo denso modelado (conjuntivo fibroso), com fibroblastos dispostos em faixas (alinhados com as fibras de colágeno). Não foram encontradas alterações em nenhuma das lâminas exami-nadas(Figura 7). As lâminas feitas com fragmentos do labrum mostraram presença de tecido cartilaginoso com presença de condrócitos numerosos ao centro e foi notada a ausência de vasos. Na periferia, em volta do tecido cartilaginoso, foi encontrada presença de tecido conjuntivo denso modelado. Todas as lâminas examinadas apresentaram tecido hígido. No que se refere aos fragmentos retirados do pulvinar, as lâminas apresentaram tecido com núcleos de células adiposas com secções de tecido conjuntivo denso modelado e sinóvia na periferia. Todas as lâminas examinadas não apresentaram alterações (Figura 8).



DISCUSSÃO

A artroscopia do quadril esta sendo cada vez mais reconhecida como um valioso procedimento no tratamento das desordens do quadril. Um melhor conhecimento da anatomia e elevação na habilidade cirúrgica fizeram possíveis a realização com segurança dos procedimentos artroscópicos no quadril(10).

A anatomia do quadril na visão artroscópica é ampliada e mais extensa que as descritas nos clássicos textos de anatomia. Os cirurgiões devem estar familiarizados com a anatomia antes de realizar os procedimentos(13). A execução de um projeto piloto serviu para dar ao cirurgião familiaridade com o método e a anatomia artroscópica do quadril fetal pois, na literatura pesquisada, não foram encontrados trabalhos sobre o assunto. Nas crianças, as indicações são restritas a poucas doenças, mas as cirurgias minimamente invasivas têm crescido e até osteotomias pélvicas foram realizadas com o auxílio do vídeo, diminuindo a agressão cirúrgica(8).

Realizado o projeto piloto, concluí-se ser necessário um tamanho mínimo de amostra para a realização dos procedimentos. Somente foi possível realizar a artroscopia e obter imagens artroscópicas convincentes quando foi feito em um feto de 1680g. Outra conclusão foi que a tração inicial de 117,6 N po- deria ser menor. Naquele momento, cometia-se o erro de realizar-se tração do quadril extremamente elevada, fato ocorrido por ter-se iniciado o estudo com fetos muito pequenos, abaixo de 1000 g, quando foi necessário realizar tração elevada na tentativa de abrir na articulação espaço suficiente para a entrada do instrumental artroscópico. Foi estabelecido um peso mínimo de 1700g. Outra conclusão a que se chegou com o projeto piloto foi decisão de realizar os procedimentos unilateralmente. Para que houvesse o equilíbrio do feto na mesa ortopédica, foi necessário tracionar ambos os membros inferiores dos fetos, o que levou a submeter um dos quadris ao estresse mesmo sem a realização do procedimento. Realizando-se, neste quadril, nova tração e em mais tempo para realizar a artroscopia, tal procedimento poderia causar lesões indesejadas ao modelo e sugerir conclusões inadequadas quanto ao efeito da tração sobre os tecidos.

No estudo foi concluído que se fazia necessário, para visualizar as estruturas, a realização de tração. A tração realizada foi elevada, considerando-se o peso dos fetos. Byrd(9), em um trabalho que avalia tração e distração em quadris de adultos não traz informações sobre o peso dos pacientes, mas obteve como padrão uma tração de 225 N e distração com 40 ml de solução salina. Villar(3), em sua publicação, afirma que realiza tração com 245 N. Erickson(7) realizou tração com 400 N e Funke(10), afirma que somente uma tração de 725 N por um período acima de uma hora leva a paralisias do nervo ciático ou do nervo pudendo. A realização de uma maior ou menor tração, como regra, a necessidade de se abrir um espaço articular suficiente para a colocação dos instrumentos artroscópicos intra-articulares. Não se encontrou um padrão que relacionasse peso do feto e à necessidade de maior ou menor tração. É sabido que, por se tratar de um estudo em cadáver, o estado de complacência dos tecidos moles de cada um dos espécimes estar alterado . Isto, portanto, compromete uma acurada interpretação da relação entre os tecidos moles e a tração(11).

O desenvolvimento pós-natal do fêmur proximal é complexo e apresenta mudanças biomecânicas que aumentam a vulnerabilidade a lesões traumáticas ou estresses repetitivos(4). Apesar de ser reconhecido que a tração a que foram submetidos os fetos está proporcionalmente acima do que é normalmente usado em adultos, não foram encontradas, sejam macroscópicas ou histológicas, lesões que pudessem referir causalidade à tração. Uma conclusão a que se chegou foi que a reconhecida maior plasticidade do esqueleto pélvico infantil pode dar uma maior capacidade de suportar trações axiais mais elevadas, se comparadas com o adulto. Acredita-se que quando da realização de procedimentos em vivos não será necessária a realização de trações tão elevadas, pois, se tratarão de fetos maiores. Vale salientar que, nos casos de quadris com DCDD, quadris luxados viabilizam o procedimento sem a necessidade da tração(8).

O tempo do procedimento variou dependendo da maior ou menor facilidade em realizar a metodologia traçada, não apresentando variância significante. A maior ou menor facilidade na execução do procedimento artroscópico depende essencialmente de um perfeito posicionamento do paciente e um conhecimento perfeito da anatomia topográfica do quadril. Isto somente se dará com o aumento da casuística, sabendo-se que é longa a curva de aprendizagem(12).

Quanto à acurácia em identificar as estruturas na artroscopia, foram direcionados os obstáculos à redução na DCDD: ligamento redondo, labrum, pulvinar e ligamento transverso(8). Em todos os casos foi conseguido identificar três das quatro estruturas que se decidiu investigar: o ligamento redondo, o pulvinar e o labrum acetabular. Quanto ao ligamento transverso(4,8,13), ele somente foi visualizado em dois espécimes, em um caso somente no portal lateral e em dois no portal ântero-lateral. O estudo não conseguiu reproduzir trabalhos em que foi possível a visualização do ligamento transverso. Entretanto, Byrd(9) afirma, no seu trabalho em que avalia a artroscopia do quadril em posição supina, que o aspecto inferior do acetábulo, cápsula articular e ligamento transverso não puderam ser visualizados. Credita-se a possibilidade de, em alguns casos, ter sido visualizado, a uma maior frouxidão dos tecidos, à forte tração a que submetemos o modelo e à opção de, durante o procedimento, ser realizada rotação (interna e externa) do membro, fator que pode ter contribuído para melhorar a visualização. Isto foge à rotina normalmente utilizada, que é a de manter o membro rodado interno 20º.

Em todos os espécimes, as marcações feitas com o marcador metálico nas três estruturas: ligamento redondo, pulvinar e labrum acetabular ficaram confirmadas com a descrição histológica das estruturas. As imagens também coincidem com a que se dispunha em livros sobre o assunto(14). Não foi possível submeter o ligamento transverso de sofrer à mesma rotina, pois, foi impossível tecnicamente realizar a marcação. Entretanto, tanto a descrição como as imagens artroscópicas que trazem os trabalhos e livros do assunto coincidiram com as que foram obtidas no estudo.

Através de um só acesso não foi possível visualizar toda a articulação.Esta também é a conclusão dos autores que procuraram estudar os acessos artroscópicos no quadril. Em todos os procedimentos, os portais lateral e ântero-lateral ofereceram uma boa segurança para a realização dos procedimentos, pois, quando submetidos os espécimes a artrotomia, terminada a artroscopia, não foi encontrada qualquer lesão macroscópica nas estruturas neurovasculares.Isto coincide com os achados de Byrd(11), em seu estudo anatômico em cadáveres. A maioria das complicações associadas à artroscopia se concentra em danos a estruturas neurovasculares em geral, devido a danos na entrada dos instrumentos e ao mau posicionamento dos pacientes. Os achados encontrados não afastam a possibilidade da presença de lesões neurológicas, principalmente paralisias temporárias dos nervos pudendo e ciático, já que se trata de estudo em cadáveres. Na literatura estudada as complicações variam, mas a média é de 1,5%(15). Um risco importante da tração elevada em crianças é o de que, havendo deslocamento excessivo da cabeça femoral, aumenta a possibilidade de osteonecrose(4), fato impossível de se avaliar neste estudo.

No estudo, as maiores dificuldades foram conseqüência da inapropriada relação entre o tamanho do material e o dos espécimes. Outra dificuldade foi não termos uma ótica de 70º de inclinação, somente disponível em tamanhos maiores, o que dificultou a visualização de algumas estruturas.

Novos estudos se fazem necessários para ampliar o conhecimento do assunto, principalmente no que se refere às possíveis complicações neurovasculares.

CONCLUSÕES

Pode-se concluir que a artroscopia do quadril e factível em cadáveres de recém-nascidos, sendo os fetos adequados neste modelo experimental aqueles com peso superior a 1700gr, e não foram encontradas alterações macroscópicas ou histológicas em fetos submetidos a uma tração de até 88 N.

Texto recebido em: 26/08/04 aprovado em 01/12/04

Trabalho desenvolvido no Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal do Ceará.

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  • Endereço para correspondência
    Rua Cel. Jucá 1275 ap 601 , bairro Meireles
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jul 2005
    • Data do Fascículo
      2005

    Histórico

    • Recebido
      26 Ago 2004
    • Aceito
      01 Dez 2004
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