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Lesão da pequena liga

Resumos

Apresentamos o relato de um caso de lesão da pequena liga no ombro num jovem atleta de 14 anos e do sexo masculino, jogador da seleção Brasileira de Beisebol. Esta lesão é incomum e pouco descrita na literatura. O tratamento realizado foi a suspensão das atividades esportivas por três meses, seguida do retorno gradual aos arremessos. O paciente evoluiu com a resolução do quadro clínico.

Fraturas de ombro; Beisebol; Epífise deslocada


Here we describe a case report of a small ligament injury in the shoulder of a 14-year-old young male athlete, player of the Brazilian Baseball National team. This kind of injury is uncommon and little described in literature. Treatment provided was the suspension of sport-related activities for three months, followed by a gradual return to throws. The patient evolved to clinical picture resolution.

Shoulder fractures; Baseball; Epiphysis, Slipped


RELATO DE CASO

Lesão da pequena liga

Joel MurachovskyI; Roberto Y. IkemotoII; Luis Gustavo P. NascimentoIII; Luis Henrique AlmeidaIV

IMestre em Medicina, Médico Assistente do Grupo de Cirurgia Ombro e Cotovelo

IIMestre em Medicina, Chefe do Grupo de Cirurgia Ombro e Cotovelo

IIIPós-Graduando, Médico Assistente do Grupo de Cirurgia Ombro e Cotovelo

IVEx- Médico voluntário do Grupo de Cirurgia Ombro e Cotovelo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: R. Traipú 1269 - Pacaembu Cep: 01235000 - São Paulo- SP 94067484 e-mail: jd.mura@uol.com.br

RESUMO

Apresentamos o relato de um caso de lesão da pequena liga no ombro num jovem atleta de 14 anos e do sexo masculino, jogador da seleção Brasileira de Beisebol. Esta lesão é incomum e pouco descrita na literatura. O tratamento realizado foi a suspensão das atividades esportivas por três meses, seguida do retorno gradual aos arremessos. O paciente evoluiu com a resolução do quadro clínico.

Descritores: Fraturas de ombro; Beisebol; Epífise deslocada

INTRODUÇÃO

Com o advento de programas esportivos cada vez mais organizados, crianças e adolescentes estão sendo envolvidos em situações de maior competitividade(1-4). Os atletas de beisebol, em especial, os arremessadores têm tido um aumento de demanda sobre os membros superiores na tentativa de obter uma melhor performance e conseqüentemente, maior velocidade de arremesso. Contudo, esta busca de uma melhor performance tem levado a um aumento na incidência de lesões, entre elas a lesão da pequena liga do ombro(2).

A lesão da pequena liga no ombro acomete a região fisária do terço proximal do úmero. Em 1953, Dotter descreveu uma fratura que acometia a cartilagem epifisária do terço proximal do úmero num arremessador de 12 anos de idade(5,6). Adams, em 1965 descreveu tal patologia como sendo uma epifisite(6,7). Cahill et al., após estudarem cinco casos, acreditavam ser uma fratura de estresse sobre a placa de crescimento desta região(7). Já Barnett, em 1985, descreveu o termo "epifisiólise do úmero proximal" como sendo o mais apropriado, segundo sua opinião(6).

A lesão da pequena liga no ombro, aparentemente, é causada pelo estresse ao qual a região fisária do terço proximal do úmero é submetida no ato de arremesso(2,5,7). Se caracteriza por levar a dor durante o arremesso e a alterações radiográficas características à fise do terço proximal do úmero(2,5-7).

O CASO

Paciente de 14 anos de idade, estudante e arremessador da Seleção Brasileira de Beisebol, que havia dois meses, teria começado a sentir dor no ombro Direito (Ombro dominante) no momento do arremesso, após uma série de jogos preparatórios para o mundial da categoria, que ocorreria naquele ano. Segundo o atleta a dor estava piorando progressivamente e atrapalhava sua performance. Tal dor piorava com os movimentos de arremesso, irradiava para a região anterior do ombro e braço e melhorava com o repouso. No exame físico, a movimentação do ombro acometido era completa, não havia limitação da rotação interna do braço, quando em 90º de abdução; nesta posição referia dor ao atingir seu máximo de rotação externa. Tal dor era na região anterior do ombro e sentia a mesma dor, mas com uma intensidade aumentada, na manobra de Apreensão. Contudo, houve dúvida se tal dor melhorava com o teste da relocação. A manobra de O'Brien, para pesquisa de lesão tipo SLAP era positiva. O paciente não apresentava dor alguma a palpação do ombro e nos testes para pesquisa de Síndrome de Impacto.

Foram solicitadas radiografias do ombro acometido, as quais foram realizadas no mesmo dia (Figuras 1 e 2). Observou-se a presença de um alargamento e irregularidades na fise de crescimento do terço proximal do úmero. Pelo exame físico e pelos achados radiográficos, decidimos por solicitar uma tomografia e uma artro-ressonância. Naturalmente, o paciente foi imobilizado com uma tipóia de lona para uma imobilização relativa do membro acometido, sendo permitido a movimentação passiva e ativa assistida, além de exercícios isométricos para a musculatura da cintura escapular.



Após 10 dias o paciente nos trouxe os exames (Figuras 3 e 4) que demonstraram a presença de uma fratura no local da fise de crescimento do terço proximal do úmero e não havia qualquer alteração nos músculos do manguito rotador, tecido labral e músculo bíceps do braço. Foi feito, então, o diagnóstico de fratura da pequena liga do ombro. Desta maneira, o paciente permaneceu em repouso relativo do membro acometido por três meses.



No retorno ao consultório, após três meses, o paciente se mostrava sem dor alguma, mesmo na manobra de Apreensão e teste de O'Brien. Radiograficamente, havia, ainda, alargamento da fise acometida. Neste momento o paciente retornou aos treinamentos, realizando protocolo para retorno progressivo aos arremessos(8) e após seis meses já estava totalmente integrado à equipe e arremessando sem queixa alguma.

Após um ano de seguimento o atleta consegue praticar uma partida inteira sem queixas, está satisfeito com o resultado de seu tratamento e não apresenta qualquer décifit de movimento. Contudo radiograficamente, ainda observamos um pequeno alargamento da fise de crescimento do terço proximal do úmero acometido, quando comparado ao lado contralateral (Figuras 5 e 6).


DISCUSSÃO

Durante a fase de aceleração, o ombro vai da abdução e rotação lateral a adução e rotação medial. Pela ação da musculatura do manguito rotador, inserido proximal a fise de crescimento, e dos músculos peitoral maior, deltóide e tríceps inseridos distais a esta, ocorre um estresse sobre a região fisária(5,7,9,10). A lesão na fise é similar a um descolamento tipo SALTER-HARRIS I onde a fise separa-se na camada hipertrófica, ficando a camada de prolifera- ção com a epífise e a camada de calcificação com a metáfise(3,5,9-11).

A principal queixa dos pacientes é a dor no ombro durante e após o ato do arremesso(4-6). Clinicamente observa-se arco de movimento normal e, eventualmente, aumento de volume nas porções anterior e lateral do ombro acometido(5,6). Os exames de imagem mostram como características alargamento da fise, tanto na radiografia, como também na Ressonância Nuclear Magnética, além de fragmentação lateral, esclerose e sinais de calcificação(2,4-7). Estes achados são compatíveis com outras patologias causadas por estresse crônico numa fise, como na região do terço distal do radio que pode ocorrer em jovens ginastas(12). Este alargamento na fise deve-se a proliferação das células germinativas(5).

As melhores incidências radiográficas para o diagnóstico são: frente corrigida em rotação interna e externa dos ombros comparativos(5,6). Esta patologia é mais comum em atletas na faixa etária de 12 a16 anos, pois a fise esta em rápido crescimento e por isto mais frágil(5). O tratamento consiste no repouso de qualquer atividade de arremesso até a total remissão dos sintomas, o que ocorre em média de seis semanas a três meses(2,4-7).

A normalização dos achados radiológicos não é necessária(5).

No caso em questão o atleta só se queixava de dor na porção anterior do ombro no momento do arremesso. Não apresentava dor após um treino ou jogo. Não tinha dor à palpação da porção lateral do ombro (local mais comum de dor) (5) e seu exame físico simulava uma lesão tipo SLAP. Contudo, nas radiografias iniciais já foi possível se diagnosticar a presença da fratura da pequena liga e teoricamente, seria o suficiente para o diagnóstico. Todavia preferimos estudar melhor o caso por meio de outros exames de imagem, já que a clínica do atleta diferia um pouco da usual para tal patologia.

Assim como descreve a literatura, este atleta não apresentava qualquer queixa após três meses de repouso relativo e após um ano de acompanhamento está jogando normalmente sem qualquer queixa ou perda de arco de movimento, contudo nas radiografias do ombro acometido ainda se observa um discreto alargamento da fise de crescimento, quando comparado ao lado contralateral.

A lesão da pequena liga deve fazer parte do diagnóstico diferencial em jovens atletas de arremesso com dor no ombro dominante(2,4).

Trabalho recebido em: 02/09/05 aprovado em 07/12/05

Trabalho realizado no Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina do ABC

  • 1. Lyman S, Fleising GS, Andrews JR, Osinski ED. Effect of pitch type, pitch count, and pitching mechanics on risk of elbow and shoulder pain in youth baseball pitchers. Am J Sports Med. 2002; 30: 463-8.
  • 2. Adams JE. Bone injures in very young athletes. Clin Orthop. 1968; 58:129-39.
  • 3. Micheli LJ. Overuse injuries in children's sports: the growth factor. Orthop Clin North Am. 1983; 14:337-57.
  • 4. Albert MJ, Drvaric DM. Little league shoulder: case report. J Pediatr Orthop. 1990; 13: 779-81.
  • 5. Carson WG, Gasser SI. Little leaguer's shoulder: a report of 23 cases. Am J Sports Med. 1998; 26:575-80.
  • 6. Barnett LS. Little league shoulder syndrome: proximal humeral epiphyseolysis in adolescent baseball pitchers. J Bone Joint Surg Am. 1985; 67: 495-6.
  • 7. Cahill BR, Tullos HS, Fain RH. Little league shoulder. J Sports Med. 1974; 2:150-3.
  • 8. Axe MJ, Snyder-Mackler L, Konin JG, Strube MJ. Development of a distance-based interval throwing program for little league-aged athletes. Am J Sports Med. 1996; 24: 594-602.
  • 9. Neer CS, Horwitz BS. Fractures of the proximal humeral epiphysial plate. Clin Orthop. 1965; 41:24-31.
  • 10. Dameron TR, Reibel DB. Fractures involving the proximal humeral epiphyseal plate. J Bone Joint Surg Am. 1969; 51:289-97.
  • 11. Dale GG, Harris R. Prognosis of epiphysial separation. An experimental study. J Bone Joint Surg Br. 1958; 40:116-22.
  • 12. Caine D, Roy S, Singer KM. Stress changes of the distal radial growth plate: a radiographic survey and review of the literature. Am J Sports Med. 1992; 20:290-8.
  • Endereço para correspondência:

    R. Traipú 1269 - Pacaembu
    Cep: 01235000 - São Paulo- SP
    94067484
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jul 2006
    • Data do Fascículo
      2006

    Histórico

    • Aceito
      07 Dez 2005
    • Recebido
      02 Set 2005
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