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A correlação entre exames de imagem, características anatomopatológicas e imunoistoquímicas num caso de tumor de céculas gigantes e agressivo do osso, com localização em coluna

Resumos

O Tumor de Células Gigantes (TGC), é um tumor benigno, com ocorrência de recidiva em cerca de 20-34% dos casos. A localização habitual é na epífise dos ossos longos. O objetivo deste trabalho é relatar um caso de TGC em vértebra, com diagnóstico inicial de Cisto Ósseo Aneurismático (COA), e discutir os diagnósticos diferenciais possíveis, correlacionando-os com as características dos exames de imagens. Paciente com 37 anos, do sexo feminino, com quadro clínico de dor na coluna e paraparesia há 2 meses. O diagnóstico inicial foi de COA. Na radiografia a lesão era lítica, com, erosão e destruição da cortical..A tomografia e ressonância evidenciavam lesão cística e hemorrágica, com extensão para partes moles. A revisão das lâminas e análise do espécime cirúrgico ressecado, submetido à coloração HE e imunoistoquímica com marcador para p53, permitiram o diagnóstico de TGC. Muitas lesões, benignas apresentam células gigantes multinucleadas. Os exames de imagem nem sempre permitem um diagnóstico conclusivo. O diagnóstico definitivo de TGC depende do exame anatomopatológico, com avaliação cuidadosa do componente estromal e a imunoexpressão positiva para a proteína p53. O tratamento é a ressecção cirúrgica, com margens amplas seguida por instrumentação nos casos de tumor localizados na coluna vertebral.

Tumor de Células Gigantes; Coluna; Imunohistoquímica


Giant Cell Tumor (GCT) is a benign tumor, with a recurrence rate of about 20% - 34% of the cases. It is usually located at long bone epiphysis. The objective of this study is to report a GCT case in a vertebra, which was early diagnosed as Aneurysmal Bone Cyst (ABC), and to discuss potential differential diagnosis, correlating them to patterns shown on imaging tests. This patient is a 37 year-old female, with clinical picture of pain in spine and paraparesis that started two months earlier. An early diagnosis of ACB was delivered. At X-ray, the injury was lithic, with erosion and cortical destruction. Tomography and resonance showed a cystic and hemorrhagic injury, extending to soft parts. Slides review and the analysis of dried surgical matter submitted to HE and immunohistochemical staining with p53 marker allowed for GCT diagnosis. Many benign lesions present with multi-nucleated giant cells. Imaging tests not always enable a conclusive diagnosis. A definite GCT diagnosis depends on anatomicopathological test, with careful evaluation of the stromal component and positive immunoexpression for p53 protein. Treatment is delivered as surgical resection, with wide margins, followed by instrumentation in cases of tumors located at spine.

Giant Cell Tumor; Spine; Immunohistochemistry


RELATO DE CASO

A correlação entre exames de imagem, características anatomopatológicas e imunoistoquímicas num caso de tumor de céculas gigantes e agressivo do osso, com localização em coluna

Claudia Regina Gomes Cardim Mendes de OliveiraI; Roberto BasileII; Olavo Pires de CamargoIII; Maria Claudia Nogueira ZerbiniIV; Denise A. A. Mello LulaV; Carlos Fernando SaitoVI; Renée Zon FilippiVII; Sérgio Antonio Barbosa do NascimentoVIII

IMédica Chefe da Seção de Anatomia Patológica do Instituto de Ortopedia e Traumatologia HC/FMUSP e Assessora Médica Patologista do Laboratório Fleury

IIMédico Assistente do Instituto de Ortopedia e Traumatologia HC/FMUSP

IIILivre-Docente e Professor Associado da FMUSP e Chefe do Grupo de Oncologia Ortopédica do Instituto de Ortopedia e Traumatologia HC/FMUSP

IVMédica Patologista da HC/FMUSP e do Laboratório Fleury

VAssessora técnica da Anatomia Patológica do Laboratório Fleury

VIBiomédico da Seção de Anatomia Patológica do Instituto de Ortopedia e Traumatologia HC/FMUSP

VIIMédica Patologista Assistente da Seção de Anatomia Patológica do Instituto de Ortopedia e Traumatologia HC/FMUSP

VIIIBiologista Encarregado da Seção de Anatomia Patológica do Instituto de Ortopedia e Traumatologia HC/FMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rua Malebranche, 39 Apto.73 – Chácara Klabin Vila Mariana – CEP : 04116-160 E-mail: claudiar.oliveira@fleury.com.br

RESUMO

O Tumor de Células Gigantes (TGC), é um tumor benigno, com ocorrência de recidiva em cerca de 20-34% dos casos. A localização habitual é na epífise dos ossos longos.

O objetivo deste trabalho é relatar um caso de TGC em vértebra, com diagnóstico inicial de Cisto Ósseo Aneurismático (COA), e discutir os diagnósticos diferenciais possíveis, correlacionando-os com as características dos exames de imagens.

Paciente com 37 anos, do sexo feminino, com quadro clínico de dor na coluna e paraparesia há 2 meses.

O diagnóstico inicial foi de COA. Na radiografia a lesão era lítica, com, erosão e destruição da cortical..A tomografia e ressonância evidenciavam lesão cística e hemorrágica, com extensão para partes moles. A revisão das lâminas e análise do espécime cirúrgico ressecado, submetido à coloração HE e imunoistoquímica com marcador para p53, permitiram o diagnóstico de TGC.

Muitas lesões, benignas apresentam células gigantes multinucleadas. Os exames de imagem nem sempre permitem um diagnóstico conclusivo. O diagnóstico definitivo de TGC depende do exame anatomopatológico, com avaliação cuidadosa do componente estromal e a imunoexpressão positiva para a proteína p53. O tratamento é a ressecção cirúrgica, com margens amplas seguida por instrumentação nos casos de tumor localizados na coluna vertebral.

Descritores: Tumor de Células Gigantes/Cirurgia; Coluna; Imunohistoquímica.

INTRODUÇÃO

O tumor de células gigantes (TCG), descrito por Jaffe et al.(1), em 1940, é considerado um tumor benigno, de comportamento biológico incerto, com ocorrência de recidiva em cerca de 20–34% dos casos(2). A variante maligna, é rara, ocorrendo apenas em 10% dos casos e apresentando características histológicas distintas(1).

Ocorre mais freqüentemente em pacientes com 30-35 anos de idade, no sexo feminino e sua localização habitual é na epífise dos ossos longos, principalmente no terço distal do fêmur e do rádio(3,4). Acometimento da coluna , na vértebra é muito raro, sendo descrito em 2,9% dos casos de TGC(5).

Radiograficamente se apresenta como lesão lítica, expansiva, sem esclerose, podendo ser associada à fratura patológica(2).

Microscopicamente, os dois principais componentes do tumor de células gigantes são as células estromais e as células gigantes multinucleadas. A natureza das células estromais neoplásicas é controversa, mas acredita-se em origem mesenquimal, com características ultraestruturais que lembram fibroblastos(6).

Existe um acorrelação importante entre o estadiamento cirúrgico e o prognóstico do TCG. A graduação histológica do TGC não é de grande valor, exceto para os casos de grau III, que são lesões sarcomatosas de alto grau de malignidade. Por outro lado há raros casos de ocorrência de metástases em tumores de aparência benigna microscópica (1 a 2% de todos os casos).

Por ser um tumor de comportamento biológico incerto, o objetivo deste trabalho é relatar um caso de TGC de comportamento agressivo, com localização em vértebra, em paciente de sexo feminino, de trinta e sete anos com discussão dos diagnósticos diferenciais, enfatizando as características histológicas e imunoistoquímicas, com pesquisa da proteína p53, que auxiliaram no diagnóstico definitivo, além da correlação com os exames de imagem.

MATERIAL E MÉTODOS

Paciente do sexo feminino, com quadro clínico de dor na coluna e paraparesia há dois meses, sem outros sintomas constitucionais.

Foram avaliados exames de imagem: radiografia, tomografia computadorizada, ressonância magnética e arteriografia.

Foi realizada, em outro serviço, uma primeira biópsia, percutânea, dirigida por tomografia, com diagnóstico inicial de cisto ósseo aneurismático. A revisão das lâminas da biópsia, em conjunto com a análise do espécime cirúrgico ressecado, submetido à coloração HE e exame imunoistoquímico, permitiram o diagnóstico de tumor de células gigantes.

Para o estudo imunoistoquímico, utilizou-se um anticorpo monoclonal primário, clone DO-7 (DAKO Palts, Copenhagen, Denmark), com diluição de 1/100, ON. O critério para positividade da reação foi a observação de imunomarcação nuclear de coloração castanha em mais de 10% das células neoplásicas(7).

RESULTADOS

A avaliação dos exames de imagem são descritos abaixo:

Na radiografia a lesão era lítica (Figura 1), com expansão do osso, erosão e destruição da cortical. Na tomografia e ressonância magnética apresentava características de lesão cística e hemorrágica, com extensão para partes moles (Figura 2). Após o diagnóstico inicial (em outro serviço) de cisto ósseo aneurismático, a paciente foi tratada com embolização, não respondendo ao tratamento e depois com radioterapia, também não observando redução da lesão. Em três a seis meses, após a radioterapia, observou-se crescimento rápido do tumor, com acentuação do quadro clínico neurológico. Realizada revisão do caso, firmou-se o diagnóstico de tumor de células gigantes. A paciente foi submetida à cirurgia (Figura 3), com ressecção ampla da neoplasia (Figura 4,5). Apresentou melhora do quadro clínico e encontra-se em bom estado geral.






DISCUSSÃO

O tumor de células gigantes na coluna freqüentemente se desenvolve em mulheres entre dez e trinta anos. O envolvimento multicêntrico ocorre em 1% dos pacientes(8,9). Os tumores no sacro e na vértebra são difíceis de se diagnosticar em estágios precoces, porque a dor geralmente aparece tardiamente.

O tratamento cirúrgico recomendado para TGC nas extremidades é a ressecção marginal, com adjuvante local. Entretanto na coluna, esse procedimento nem sempre é possível, pela existência de estruturas sensíveis, que dificultam o acesso cirúrgico, sendo que muitas vezes só é possível a excisão intralesional(10). Atualmente a tendência atual para os tumores primários de coluna é a ressecção ampla da lesão como foi realizada neste caso. Este procedimento diminui em muito a ocorrência de recidiva local levando a cura oncológica com bom resultado funcional. Há relatos de excelentes resultados com radioterapia nas lesões de localização axial e em tumores irressecáveis, onde 85% desses tumores não progrediram após tratamento radioterápico, nem apresentaram transformação maligna em cerca de 10 anos de seguimento(11).

Outros estudos mostram transformação maligna em 6% dos pacientes com TGC, sendo que desses casos 69% receberam previamente radioterapia(12). Tratamentos adjuvantes incluem crioterapia, colocação de fenol e cimento(10,13,14).

Muitas lesões benignas, inclusive o COA apresentam células gigantes multinucleadas na microscopia, como o condroblastoma, osteoblastoma e o tumor marrom do hiperparatireoidismo(3), sendo que todas essas lesões são freqüentes na coluna, diferentemente do TGC. Os exames de imagem nem sempre permitem um diagnóstico conclusivo, uma vez que todas essas lesões podem apresentar um padrão agressivo inicial, com erosão e destruição da cortical. O diagnóstico definitivo depende do exame anatomopatológico (Figura 6), com avaliação cuidadosa do componente celular estromal. A presença de células fusiformes , com nucléolo evidente eosinofílico, além de freqüentes mitoses, favorece o diagnóstico de tumor de células gigantes.


A imunoexpressão positiva para proteína p53 (Figura 7) observada nas células estromais, no material de exame anatomopatológico, auxiliou no diagnóstico final de TGC, uma vez que o principal diagnóstico diferencial nesses casos seria com o COA, e dificilmente a proteína p53 seria positiva em lesões pseudoneoplásicas, o que afastaria também tumor marrom.


Atualmente sabe-se que a presença de neoplasia consiste do acúmulo de múltiplas etapas de eventos genéticos. Mutações do gene supressor tumoral p53 estão entre as mais freqüentes anormalidades no câncer humano. O gene p53 é uma fosfoproteína nuclear de 53kd localizado no braço curto do cromossomo 17. Ele está relacionado ao controle do ciclo celular, reparo do DNA, diferenciação celular e apoptose(15). O produto desse gene é uma proteína celular expressa em baixos níveis nas células não transformadas e age como regulador negativo da divisão celular. Em células transformadas e neoplásicas os níveis da proteína p53 são freqüentemente elevados, o que confere uma vantagem seletiva para o desenvolvimento do fenótipo neoplásico. Essa proteína passa a ter vida média longa e pode ser detectada por método imunoistoquímico, nos núcleos das células, o que auxilia a identificar lesões de natureza neoplásica. Relatos de sua imunoexpressão já existem em TGC (5,7). O que ajudaria a diferenciar o TGC de lesões pseudo-neoplásias que tivessem também numerosas células gigantes multinucleadas.

O tratamento cirúrgico dos pacientes com tumores na coluna, atualmente é a ressecção ampla da neoplasia por dupla via ou via posterior seguida de instrumentação.Este procedimento possibilita menor ocorrência de recidiva e bom resultado funcional. Sinais de compressão medular necessitam de descompressão cirúrgica com laminectomia.

CONCLUSÃO

O tumor de células gigantes é uma lesão de diagnóstico histológico e radiológico difícil, comportando vários diagnósticos diferenciais. O tratamento atual para os de localização na coluna é a ressecção cirúrgica, com margens amplas, que é o fator significante para prevenir uma possível recidiva e ocorrência de metástases.

O exame imunoistoquímico, com pesquisa para p53 pode ser utilizado, como método auxiliar para o diagnóstico definitivo de TGC, associado aos aspectos histológicos.

Trabalho recebido em: 25/07/06 aprovado em 26/09/05

Trabalho realizado no Laboratório Fleury - Departamento de Patologia

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  • Endereço para correspondência:

    Rua Malebranche, 39 Apto.73 – Chácara Klabin
    Vila Mariana – CEP : 04116-160
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Ago 2006
    • Data do Fascículo
      2006

    Histórico

    • Aceito
      26 Set 2005
    • Recebido
      25 Jul 2006
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