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Hematoma intraneural experimental em ratos: avaliação da recuperação funcional e histomorfometria neural

Resumos

A formação do hematoma intraneural com comprometimento de nervos periféricos pode ocorrer após trauma ou coagulopatias. O tratamento expectante ou abordagem cirúrgica descompressiva ainda não estão definidos. Foram estudados 40 ratos da raça Wistar divididos em 4 grupos. No grupo A realizou-se injeção intraneural de 0,2 ml de sangue autógeno no nervo ciático direito. No grupo B, após produção do hematoma, fez-se descompressão imediata com epineurotomia longitudinal. No grupo D realizamos liberação imediata do hematoma com neurólise interfascicular. No grupo C (CONTROLE) apenas realizou-se a exposição do nervo ciático sem formação de hematoma. A avaliação da função nervosa foi feita com o Índice de Função Ciática de Bain-Mackinnon-Hunter (IFC). O grupo A apresentou IFC inicial de -28,43, com recuperação funcional no 5º dia. A drenagem imediata desse hematoma através de uma epineurotomia longitudinal (B) determinou retorno da função ciática normal desde o 1º dia (IFC= -14,42). Tratando o hematoma através da neurólise interfascicular observamos um IFC inicial de -23,69 e retorno da função ciática normal no 3º dia. Os parâmetros histomorfométricos apontaram melhora dos parâmetros de isquemia após os 2 tipos de intervenção cirúrgica aplicadas neste estudo. Não houve diferença entre os tipos de intervenções aplicadas.

Síndromes de compressão nervosa; Doenças do sistema nervoso periférico; Hematoma; Microcirurgia; Modelos animais


Emergence of intraneural hematoma with involvement of peripheral nerves can occur after trauma or coagulation disorders. The decision for expectant management or decompressive surgical techniques is still controversial. Forty male Wistar rats were divided into 4 groups. In group A, an intraneural injection of autologous blood was provided at the right sciatic nerve. In group B, after the hematoma creation, a longitudinal epineurotomy was performed. In the group C (sham-operated), the sciatic nerve was exposed without hematoma. In group D. immediately after the hematoma creation, an interfascicular neurolysis was performed. Nerve function recovery was assessed using the Bain-Mackinnon-Hunter Sciatic Function Index (SFI). At the end of the study, the animals were sacrificed and a specimen of the sciatic nerve at compression midpoint was removed for morphometric analysis. Group A displayed an initial SFI of -28.43, with full functional recovery on the fifth day. Immediate drainage of the hematoma by longitudinal epineurotomy (group B) promoted recovery of normal sciatic function on the first day (SFI -14.42). Addressing the hematoma via interfascicular neurolysis resulted in an initial SFI of -23.69 and recovery of normal sciatic function on the third day. The morphometric variables indicated an improvement of ischemic parameters following both types of surgical intervention.

Nerve compression syndromes; Peripheral nervous system diseases; Hematoma; Microsurgery; Animal models


ARTIGO ORIGINAL

Hematoma intraneural experimental em ratos: avaliação da recuperação funcional e histomorfometria neural

Gean Paulo ScopelI; José Carlos Marques FariaI; Fábio F. BusnardoI; Hélio R. N. AlvesII; Simone Cristina OrpheuI; Marcus Castro FerreiraIII

IMédico assistente da Disciplina de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

IIResidente de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

IIIProfessor Titular da Disciplina de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rua Teodoro Sampaio, nº 342, Apartamento 92 - Pinheiros CEP 05406-000 São Paulo - SP email: geanscopel@terra.com.br

RESUMO

A formação do hematoma intraneural com comprometimento de nervos periféricos pode ocorrer após trauma ou coagulopatias. O tratamento expectante ou abordagem cirúrgica descompressiva ainda não estão definidos.

Foram estudados 40 ratos da raça Wistar divididos em 4 grupos. No grupo A realizou-se injeção intraneural de 0,2 ml de sangue autógeno no nervo ciático direito. No grupo B, após produção do hematoma, fez-se descompressão imediata com epineurotomia longitudinal. No grupo D realizamos liberação imediata do hematoma com neurólise interfascicular. No grupo C (CONTROLE) apenas realizou-se a exposição do nervo ciático sem formação de hematoma.

A avaliação da função nervosa foi feita com o Índice de Função Ciática de Bain-Mackinnon-Hunter (IFC). O grupo A apresentou IFC inicial de -28,43, com recuperação funcional no 5º dia. A drenagem imediata desse hematoma através de uma epineurotomia longitudinal (B) determinou retorno da função ciática normal desde o 1º dia (IFC= -14,42). Tratando o hematoma através da neurólise interfascicular observamos um IFC inicial de -23,69 e retorno da função ciática normal no 3º dia.

Os parâmetros histomorfométricos apontaram melhora dos parâmetros de isquemia após os 2 tipos de intervenção cirúrgica aplicadas neste estudo. Não houve diferença entre os tipos de intervenções aplicadas.

Descritores: Síndromes de compressão nervosa; Doenças do sistema nervoso periférico; Hematoma; Microcirurgia; Modelos animais.

INTRODUÇÃO

Situações clínicas, como síndromes compressivas ou trauma de membros, levando a um comprometimento funcional ou anatômico do nervo periférico são bastante freqüentes na prática médica. A conduta cirúrgica baseia-se fundamentalmente no tipo de trauma, aberto ou fechado, e no grau de lesão nervosa. Em termos práticos e viáveis com a microcirurgia, podemos encontrar quatro situações intraoperatórias: a integridade do nervo; integridade associada a contusão e presença de hematoma intraneural; a secção nervosa; e secção associada a perda de substância neural.

Em situações associadas a grandes contusões, em particular no trauma fechado de membros, podem ocorrer alterações sensitivas e motoras no território do nervo comprometido sem que haja necessariamente secção nervosa. As fibras vistas ao microscópio podem ter aspecto normal ou apresentar contusão tecidual com a presença de hematoma intraneural.

Em outros casos, observados principalmente em pacientes com coagulopatia, pode haver formação espontânea desse hematoma. Quando isto ocorre em compartimentos pouco expansíveis, como o túnel do carpo, pode determinar prejuízo funcional significativo devido à compressão nervosa. A formação do hematoma no túnel do carpo, seja traumática ou associada a coagulopatias, é favorecida pela persistência de uma artéria mediana, ramo da artéria interóssea anterior(1). McCormack(2) identificou a persistência deste vaso em 4,43% das dissecções anatômicas.

O tratamento ideal ainda não está estabelecido quando há continuidade do nervo associada ao hematoma intraneural. Diante disso, desenvolvemos estudo experimental em nervos ciáticos de ratos procurando simular a formação de um hematoma intraneural. A evolução frente a conduta expectante ou tratamento cirúrgico descompressivo foi feita através da análise funcional de Walking Track e histomorfometria neural(3,4,5,6,7).

MATERIAIS E MÉTODOS

Quarenta ratos (40) machos da raça Wistar com peso médio de 300 ± 30 g foram utilizados como modelo experimental. A anestesia foi induzida com pentobarbital sódico (30-50mg por kg de peso) via intraperitoneal. Realizou-se tricotomia em região glútea direita e inguinal E.

Procedimento Cirúrgico

Em decúbito ventral foi realizada incisão de aproximadamente 1,5cm na face posterior do membro direito. Com microscópio cirúrgico, realizou-se o afastamento da musculatura glútea e exposição do nervo ciático direito desde sua origem até a sua primeira subdivisão (ramo fibular). No grupo C (CONTROLE) o procedimento cirúrgico encerrou-se nessa etapa.

Nos grupos A, B e D, com o animal em decúbito dorsal, realizou-se inguinotomia esquerda longitudinal e exposição dos vasos femorais. Procedeu-se então a dissecção e cateterização da veia femoral esquerda seguida da aspiração de 0,3 ml de sangue. Através de um dispositivo adaptado de agulha modelo Butterfly® número 27 (extensão de 9 mm e diâmetro externo de 0,4 mm) foi realizada a injeção intraneural de 0,2 ml de sangue autógeno produzindo-se hematoma intraneural no nervo ciático direito (Figura 1).


No grupo A o procedimento cirúrgico encerrou-se após a formação hematoma intraneural. Este grupo tem por objetivo simular a evolução diante do tratamento conservador.

No grupo B após a formação do hematoma realizamos uma epineurotomia longitudinal para drenagem do hematoma. Esse procedimento foi realizado imediatamente após a produção do hematoma.

No grupo D, após a produção do hematoma intraneural como previamente descrito nos outros grupos, realizou-se a neurólise interna (neurólise interfascicular) através de técnica microcirúrgica com abertura do epineuro e dissecção romba interfascicular .

Após os procedimentos cirúrgicos procedeu-se ao fechamento por planos de musculatura e pele.

Ao término dos procedimentos os animais foram mantidos em gaiolas separadas sob aquecimento até o total restabelecimento das funções vitais. Nos dias subsequentes foram mantidos com água e ração ad libitum.

Avaliação da função nervosa pelo método de "Walking Track"

O "Walking Track" (WT) é um método de análise funcional do nervo que avalia alterações de marcha conseqüentes à lesão causadora de claudicação na pata operada, através da impressão de pegadas. Para análise da função do nervo foi utilizado o Índice de Função Ciática (IFC) de Bain-Mackinnon-Hunter(3,4,5,6,7). Este índice utiliza como variáveis a extensão da pegada (distância da extremidade do 3º dedo até o calcâneo), a largura da mesma ( distância entre o 10 e 50 dedos), e a distância entre os dedos intermediários (20 e 40 dedos) da pata traseira (Figura 2). Os valores obtidos por esta fórmula são considerados um índice da condição funcional do nervo ciático expresso em déficit funcional. Variações de 0 a ± 10% estão nos desvios de normalidade para a fórmula, sendo que zero porcento representa função normal e –100% representa perda total da função. Valores intermediários correspondem a déficits parciais de função.


O WT foi obtido utilizando-se de um corredor de 8,2 x 42 cm com extremidades abertas Os ratos tiveram suas patas traseiras (operadas e auto-controles) impregnadas com tinta nanquim preta. Foram então liberados para deambular sobre uma folha de papel branco nas dimensões do corredor supracitado. Quando os animais pisavam com o dorso as pegadas eram consideradas "não-mensuráveis".

As pegadas foram selecionadas para análise pela qualidade e clareza da impressão das mesmas, sendo aferidas na pata operada (direita) e na pata auto-controle (esquerda). As aferições foram sempre feitas por um mesmo examinador que desconhecia o grupo ao qual as medidas pertenciam.

Foram feitas medidas no 10 pós-operatório e a seguir em intervalos determinados de 2 em 2 dias para cada rato durante a primeira semana. Após esse período foram feitas avaliações periódicas de 4 em 4 dias, e após o primeiro mês quinzenalmente até o 610 dia, obtendo-se para cada dia analisado um IFC. Os valores encontrados foram inseridos na fórmula empírica de IFC.

A avaliação estatística inicial do estudo foi feita através da análise de variâncias (ANOVA) com medidas repetidas, tendo como fatores os IFCs dos grupos ao longo do tempo. Quando foram encontradas diferenças estatisticamente significantes prosseguiu-se com comparações múltiplas de Tukey. Os valores de p< 0,05 foram considerados estatisticamente significantes(8,9).

Histomorfometria neural

Ao término do estudo os animais foram sacrificados e um segmento de 10 mm do nervo ciático D retirado para análise histológica.

A fixação do nervo foi feita em glutaraldeído 2% durante 1 hora. Após esse período a peça foi pós-fixada em tetróxido de ósmio 2% por 2 horas e mantida em imersão de uranila 1% por período mínimo de 6 horas. Terminado esse processo o segmento de nervo foi desidratado em concentração crescente de acetona e incluído em araldite. Os cortes foram obtidos na espessura de 1 µm e corados com azul de metileno 1% e Azur II.

As lâminas foram avaliadas de forma duplo-cego, com equipe de análise das lâminas diversa da equipe de coleta do nervo. A equipe de análise histológica recebeu o material apenas com números de designação, não tendo conhecimento de qual grupo a amostra fazia parte.

O estudo morfométrico foi realizado através de método estereológico (point-counting) sem conhecimento de qual grupo a lâmina analisada pertencia. Um sistema coerente de 36 pontos criados pela intersecção de 12 linhas perpendiculares foi adaptado à tela de um monitor Gradiente® de 21 polegadas. A imagem captada por uma câmera de vídeo analógica Sony® conectada a um microscópio óptico Zeiss Axioplan® e transmitida ao monitor. Seis campos representativos não coincidentes de cada nervo foram randomicamente selecionados. As seguintes medidas foram extraídas: porcentagem de fibras mielínicas, densidade de fibras mielínicas, porcentagem de fibras em degeneração walleriana e densidade de fibras em degeneração walleriana (Figuras 3 e 4).



Foram excluídos da primeira análise os nervos que apresentavam as fibras axonais cortadas longitudinalmente. Os casos inicialmente excluídos da análise foram reíncluidos, e apartir daí se confeccionava nova lâmina.

Para avaliação estatística foi utilizada ANOVA. Valores de p<0,05 foram considerados estatisticamente significantes(8,9)

RESULTADOS

Walking Track

Durante o seguimento foram observado 1 óbito nos grupos A, B e D e 2 óbitos no grupo C.

A análise das pegadas dos animais realizada através do IFC demonstrou recuperação funcional motora significativa em função do tempo (Tabela 1). O valor médio do IFC no pré-operatório foi de –10,47 ± 7,46. O grupo controle (grupo C) não apresentou diferença estatisticamente significante em relação aos valores de IFC pré-operatórios (Gráfico 1).


O grupo com hematoma intraneural (A) apresentou déficit funcional inicial de 28% (IFC= -28,43+9,8), com recuperação da função ciática no 50 dia.

A drenagem imediata desse hematoma através de uma epineurotomia longitudinal (grupo B) determinou retorno da função ciática normal desde o 10 dia (IFC= -14,42+13,76). A comparação deste grupo com o grupo A apresentou diferença com significância estatística apenas no 10 dia (p 0,03).

Com a abordagem do hematoma através da neurólise interfascicular (grupo D) observamos um IFC inicial de -23,69+10,95 e retorno da função ciática normal no 30 dia. Não foi observada diferença estatisticamente significante entre este grupo e os grupos A e B.

Histomorfometria

A análise da porcentagem e densidade de fibras mielínicas demonstrou diferença estatisticamente significante entre o grupo A e os grupos B e D, com um maior número observado nestes 2 últimos grupos.

Com relação a porcentagem e densidade de fibras em degeneração walleriana há diferença estatística entre o grupo A (hematoma) e os demais grupos. Não houve diferença estatística entre os dois tipos de tratamento aplicados após o hematoma (B e D ) e o grupo CONTROLE.

DISCUSSÃO

A formação do hematoma é favorecida pela rica vascularização do nervo periférico. Através de ramos vasculares provenientes do mesoneuro, há a formação de dois plexos vasculares principais: um plexo externo formado predominantemente por vasos dispostos longitudinalmente no epineuro e um plexo interno localizado entre as lamelas do perineuro. Em distâncias variáveis, os vasos presentes no perineuro emitem ramos em ângulo oblíquo que nutrem o endoneuro(10,11).

A ruptura do plexo externo associada a integridade do epineuro pode desenvolver uma situação de hipertensão intraneural. Nesta condição, segundo Lundborg(12), há o aumento da pressão venosa intraneural e exsudação proteica, que pode ser reversível desde que esse aumento seja transitório. Entretanto, a manutenção desse edema por longos períodos pode determinar a invasão de fibroblastos e a longo prazo a formação de uma cicatriz constritiva epineural.

A ruptura da barreira hemato-nervosa dos vasos intrafasciculares ou plexo interno pode originar o edema endoneural(12,13). Nesta situação, devido a disposição oblíqua dos vasos que nutrem o endoneuro, pode ocorrer um mecanismo de válvula com fechamento desses vasos, e prejuízo adicional no fluxo sangüíneo intrafascicular. A manuntenção do quadro de hipertensão endoneural pode desencadear hipóxia e subsequente necrose tecidual, configurando-se assim uma "síndrome compartimental em miniatura" (14).

A isquemia resultante do aumento da pressão intraneural compromete as bombas de Na\K e o sistema de transporte axoplasmático, que dependem de ATP para o funcionamento adequado. A integridade desses sistemas é de fundamental importância ao permitir a condução do impulso nervoso e a transferência de neurotransmissores e outros peptídeos produzidos no corpo celular até as terminações axonais(10,15).

A presença de sangue no espaço intrafascicular também pode levar a um aumento do número de fibroblastos no endoneuro resultando num grau considerável de fibrose intraneural. A fibrose é extremamente deletéria a fisiologia do nervo periférico, levando a uma redução mecânica do transporte axoplasmático pela constrição e criando uma interface inadequada de trocas entre capilares e axônio. A própria regeneração axonal é prejudicada por essa barreira cicatricial(15).

Considerando-se todos esses possíveis mecanismos envolvidos na fisiopatologia do hematoma intraneural desenvolvemos este modelo experimental comparando-se funcionalmente e histologicamente a evolução do tratamento cirúrgico frente a conduta conservadora. Clinicamente alguns autores têm descrito casos de neuropatia periférica por hematoma intraneural, com abordagem cirúrgica descompressiva através da neurólise interna(16,17,18).

Descrita por Babcock em 1907 apud Terris et al.(19) a neurólise interna ainda não tem suas indicações plenamente estabelecidas. Segundo alguns autores, as possíveis indicações para sua realização nas síndromes compressivas periféricas crônicas seriam situações de déficit motor ou sensitivo e irritação persistente com dor e parestesia, sem resolução num período razoável de tempo sob tratamento clínico e postural adequados(20,21).

Nas síndromes compressivas crônicas ocorre a restrição mecânica do nervo pela presença da fibrose intra e extraneural. A exsudação proteica inicial secundária à isquemia pode cursar com a proliferação de fibroblastos impedindo a troca de nutrientes entre o tecido neural e o sistema microvascular(20).

Nesses casos a realização da neurólise interna microcirúrgica determina melhora adicional nos parâmetros histológicos, morfológicos e eletrofisiológicos quando comparada à simples descompressão nervosa(20).

Entretanto, a neurólise interna não é procedimento inócuo, e pode representar, segundo Rydevik et al.(21), trauma adicional a estrutura nervosa. A dissecção intraneural pode induzir fibrose em todas as camadas do nervo levando a um prejuízo funcional da fibra nervosa. Alguns autores sugerem que tal procedimento estaria indicado nas situações em que a cicatriz resultante do procedimento cirúrgico fosse menor do que a fibrose presente nas síndromes compressivas crônicas(21,22). A neurólise interna pode levar a destruição do plexo vascular intraneural, porém preservando a perfusão pelos capilares endoneurais(21,23). O risco de lesão é diretamente proporcional a extensão da manipulação dos fascículos(23).

Neste modelo experimental a produção do hematoma intraneural (grupo A) através da injeção de sangue autógeno levou a um prejuízo na função nervosa. Inicialmente apresentou IFC de –28,43 que evoluiu com normalização dos parâmetros funcionais em 5 dias. A análise histomorfométrica identificou uma menor porcentagem e densidade de fibras mielínicas com relação aos grupos controle e tratados (B e D), sugerindo um efeito compressivo isquêmico do hematoma. Da mesma forma, no grupo A encontramos maior porcentagem e maior densidade de fibras em degeneração walleriana com relação aos outros grupos, o que também sugere sofrimento neural.

Estes dados corroboram com as hipóteses previamente citadas na literatura nas quais situações que levam ao aumento da pressão intraneural e à compressão fascicular promovem alteração na condução nervosa e isquemia neural. O mecanismo envolvido no prejuízo funcional transitório seria a isquemia que levaria ao comprometimento da produção energética do axônio, impossibilitando o funcionamento dos sistemas de transporte axoplasmático e das bombas Na/K dependentes de ATP.

A recuperação da função ciática neste grupo provavelmente está associada a reabsorção do hematoma intraneural, perdendo-se assim o efeito compressivo inicial e restabelecendo-se perfusão sanguínea adequada.

A drenagem do hematoma através da epineurotomia longitudinal (grupo B) determinou retorno mais rápido da função ciática normal, com IFC compatível aos valores pré-operatórios desde o primeiro dia. A comparação deste grupo com o grupo A demonstrou diferença estatisticamente significante até o 50 dia.

A abordagem com neurólise interfascicular determinou discreto ganho na recuperação funcional (IFC -23,69), com normalização do IFC no 3º dia. Neste estudo não se demonstrou diferença estatisticamente significante entre as 2 formas de abordagem cirúrgica, epineurotomia e neurólise interfascicular.

Os parâmetros histomorfométricos apresentaram melhora significativa com o tratamento cirúrgico. Assim observamos maior porcentagem e densidade de fibras mielínicas, e menor porcentagem e densidade de fibras em degeneração walleriana nos grupos operados, sugerindo-se uma reversão da neuropatia compressiva e isquemia neural .

Entretanto, em uma situação clínica real, não seria possível a realização de um procedimento cirúrgico em tão curto prazo após uma lesão. Assim novos modelos experimentais para se determinar até qual período a intervenção cirúrgica teria impacto na recuperação funcional e reverssão dos parâmetros histológicos associados à compressão e isquemia neural.

CONCLUSÕES

A presença do hematoma intraneural isolado provoca déficit funcional significativo com recuperação da função ciática em 5 dias.

A drenagem imediata desse hematoma com epineurotomia determina recuperação mais rápida com função ciática normal desde o 1º dia.

Os parâmetros histomorfométricos apontam para melhora dos parâmetros de isquemia após os 2 tipos de intervenção cirúrgica aplicadas neste estudo. Não há diferença entre o tipo de intervenção aplicada.

Trabalho recebido em 29/06/06

Aprovado em 04/10/06

Trabalho desenvolvido no Laboratório de Investigação Médica ( LIM-4) da Disciplina de Cirurgia Plástica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo ( FMUSP).

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  • Endereço para correspondência:
    Rua Teodoro Sampaio, nº 342, Apartamento 92 - Pinheiros
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      2007

    Histórico

    • Aceito
      04 Out 2006
    • Recebido
      29 Jun 2006
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