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O gálio e a patologia óssea

Resumos

PROPOSTA: Revisão de trabalhos científicos referentes à incorporação do gálio no tecido ósseo, ao mecanismo da atividade terapêutica desse elemento, bem como a formação, crescimento e solubilidade da hidroxiapatita na presença dos sais de gálio. JUSTIFICATIVA: Diferente de outras drogas que impedem a perda de cálcio, os sais de elemento traço gálio são eficazes em hipercalcemia severa. O gálio (geralmente na forma de nitrato) aumenta a concentração de cálcio e fósforo no osso, influindo nos osteoclastos de maneira direta não tóxica, em doses surpreendentemente baixas. Apesar de que os detalhes do mecanismo de ação do gálio não são bem esclarecidos, está comprovado que esse mecanismo envolve a inserção do gálio na matriz de hidroxiapatita, protegendo-a contra a reabsorção e melhorando as propriedades biomecânicas do sistema esquelético. Este fármaco age também nos componentes celulares do osso, impedindo sua absorção ao diminuir a secreção ácida dos osteoclastos. São necessárias mais publicações sobre o uso do gálio no tratamento de várias doenças onde prevalece esta patologia. CONCLUSÕES: Devido as suas características interessantes e promissoras, o gálio merece ser futuramente avaliado do ponto de vista experimental e clínico, como um agente antiabsortivo em ortopedia, traumatologia e doenças relacionadas com o câncer. Maior conhecimento dos mecanismos envolvidos pode fornecer as idéias para estratégia terapêutica, com o objetivo de diminuir hipercalcemia e perda óssea. Espera-se que novos compostos do gálio sejam desenvolvidos e avaliados clinicamente.

Gálio; Hipercalcemia; Hidroxiapatita; Reabsorção óssea; Osteogênese


PURPOSE: To review the literature concerning the incorporation of gallium into bone tissue, mechanisms of therapeutic activity of this element, as well as the formation, growth and solubility of hydroxiapatite in the presence of gallium salts. JUSTIFICATION: In contrast to other calcium-saving drugs, salts of trace element gallium are effective in severe hypercalcemias. Gallium (most commonly in the form of its nitrate) enhances calcium and phosphorus content of the bone and has direct, noncytotoxic effects on osteoclasts at markedly low doses. Although the details of gallium action on the bone are still uncertain, it is well established that the mechanism involves gallium insertion into the hydroxiapatite matrix protecting it from resorbtion and improving biomechanical properties of the skeletal system. The drug also acts on the cellular components of bone to reduce bone resorbtion by decreasing acid secretion by osteoclasts. More has to be published about the use of gallium in managing a series of clinical conditions in which this pathology is pronounced. CONCLUSIONS: Due to its interesting and promising profile gallium merits further experimental and clinical evaluation as an antiresorbtive agent in orthopaedics, traumatology and cancer-related conditions. Greater knowledge of the mechanisms involved may provide insights for therapeutic strategies aimed at diminishing hypercalcemy and bone loss. New gallium compounds are expected to be developed and tested clinically.

Gallium; Hypercalcemia; Hydroxiapatite; Bone resorbtion; Osteogenesis


ARTIGO DE REVISÃO

O gálio e a patologia óssea

Petr MelnikovI; Augustin MalzacII; Marlene de Barros CoelhoIII

IProfessor Associado, Doutor, Faculdade de Medicina, UFMS

IIProfessor Assistente, Mestre, Faculdade de Medicina, UFMS

IIIProfessora Associada, Doutora, Departamento de Física, UFMS

Endereço para correspondências Endereço para correspondências: Cidade Universitária - Bairro Universitário Caixa Postal 549, Campo Grande-MS / Brasil CEP: 79070-900 E-mail: petrmelnikov@yahoo.com

RESUMO

PROPOSTA: Revisão de trabalhos científicos referentes à incorporação do gálio no tecido ósseo, ao mecanismo da atividade terapêutica desse elemento, bem como a formação, crescimento e solubilidade da hidroxiapatita na presença dos sais de gálio.

JUSTIFICATIVA: Diferente de outras drogas que impedem a perda de cálcio, os sais de elemento traço gálio são eficazes em hipercalcemia severa. O gálio (geralmente na forma de nitrato) aumenta a concentração de cálcio e fósforo no osso, influindo nos osteoclastos de maneira direta não tóxica, em doses surpreendentemente baixas. Apesar de que os detalhes do mecanismo de ação do gálio não são bem esclarecidos, está comprovado que esse mecanismo envolve a inserção do gálio na matriz de hidroxiapatita, protegendo-a contra a reabsorção e melhorando as propriedades biomecânicas do sistema esquelético. Este fármaco age também nos componentes celulares do osso, impedindo sua absorção ao diminuir a secreção ácida dos osteoclastos. São necessárias mais publicações sobre o uso do gálio no tratamento de várias doenças onde prevalece esta patologia.

CONCLUSÕES: Devido as suas características interessantes e promissoras, o gálio merece ser futuramente avaliado do ponto de vista experimental e clínico, como um agente antiabsortivo em ortopedia, traumatologia e doenças relacionadas com o câncer. Maior conhecimento dos mecanismos envolvidos pode fornecer as idéias para estratégia terapêutica, com o objetivo de diminuir hipercalcemia e perda óssea. Espera-se que novos compostos do gálio sejam desenvolvidos e avaliados clinicamente.

Descritores: Gálio, Hipercalcemia, Hidroxiapatita, Reabsorção óssea, Osteogênese.

INTRODUÇÃO

Estima-se que mais de 200.000 cirurgias para fusão da coluna vertebral são realizadas a cada ano nos EUA. Artrodese lombar posterolateral intertransversalis é o procedimento mais comum realizado, ainda que a falha para obter uma sólida união óssea ocorre em 10% a 40% dos pacientes com único nível envolvido e mais freqüentemente em múltiplos níveis. Esta alta taxa de pseudoartrose indica que eventos fisiológicos, biológicos e químicos, cruciais para este processo, não são adequadamente compreendidos. A não união óssea frequentemente leva a uma resolução insatisfatória dos sintomas clínicos e usualmente resulta em maior custo médico e morbidade, bem como a necessidade de intervenções adicionais(1). Infelizmente, o efeito dos íons metálicos no processo de mineralização não tem recebido considerável atenção até recentemente, entretanto dados interessantes da participação do alumínio e gálio no metabolismo ósseo foram publicados há mais de 15 anos(2). Atualmente, o número de publicações dedicadas ao papel do gálio na patologia óssea está crescendo rapidamente, todavia, revisões abrangentes não estão disponíveis. A intenção do presente estudo é preencher esta lacuna, considerando a formação, crescimento e solubilidade da hidroxiapatita na presença de sais de gálio, a incorporação do gálio dentro do tecido ósseo e o mecanismo de atividade terapêutica deste elemento.

Propriedades do Gálio

Gálio é um elemento traço metálico que é líquido próximo à temperatura ambiente, expande-se em estado sólido, e é encontrado como elemento traço no carvão, bauxita e outros minerais. É usado em tecnologia de semicondutores e como componente de várias ligas de baixo ponto de fusão. Principalmente trivalente em seus compostos, o íon Ga3+ é um ácido forte, assim liga-se fortemente as bases de Lewis fortes, particularmente a hidroxila OH–. O cátion [Ga(H2O)6]3+ pode atuar como doador de próton dando [Ga(H2O)5(OH)]2+, [Ga(H2O)4(OH)]+, etc. Com o aumento gradual do pH esta desprotonação das espécies mononucleares leva a precipitação do hidróxido e maior aumento do pH permitindo a formação de íon gallato [Ga(OH)4]– , conhecido também como tetrahidroxigallato3. Assim há dois íons contendo gálio adequados para os processos bioquímicos metabólicos: [Ga(H2O)5(OH)]2+ no meio ácido fraco e [Ga(OH)4]– soluções alcalinas de neutro a fraca. O primeiro pode ser encontrado e provavelmente absorvido no estomago, enquanto que o último é absorvido no duodeno devido ao bicarbonato presente. O raio iônico do Ga (III) em coordenação tetraédrica é 61 pm e 76 pm em coordenação octaédrica, então é esperado ser um análogo do Fe(III) (69.0 pm) e Al(III) (67.5 pm), particularmente em combinação com fósforo. A afinidade do gálio para este elemento é tão alta que fosfatos de gálio estão entre os mais estáveis compostos(4).

O principal interesse clínico deriva da observação que propriedades metabólicas do gálio são similares aquelas do ferro. Junto com raios iônicos comparáveis, ambos os elementos mostram quase a mesma capacidade de ligação com quelato e proteína. Os mais importantes carreadores do ferro, transferrina e lactoferrina, não distinguem gálio do ferro, portanto todo gálio no sangue está presente no plasma na forma de complexos com estas proteínas.

Sob circunstâncias normais, cerca de um terço das cavidades de transferrina que ligam o ferro são preenchidas, e um grande número de sítios não ocupados estão disponíveis para ligação com o gálio; eles correspondem a 2.7 mg/ml Ga3+, que é um valor considerável(5). Lactoferrina apresenta afinidade mais alta com o gálio e pode ligar este elemento depois de ser removido do complexo com transferrina. Seu precussor, apolactoferrina (não contendo átomo metal), que possui atividade antibacteriana, está concentrada em muitas secreções epiteliais como leite, fluido seminal, lágrima e secreção nasal. Foi também observado que o Gálio concentra-se em focos de inflamação e infecção particularmente nos neutrófilos granulosos e leucócitos polimorfonucleares(6).

Uma vasta literatura agora compartilha o conceito que o complexo ferro (gálio)-transferrina é internalizado pelo processo da endocitose, receptor-mediado. A oxiredutase da membrana plasmática reduz o ferro ligado a transferrina do estado de Fe3+ para Fe2+, diretamente ou indiretamente facilitando a remoção do ferro da proteína. Como o gálio não existe no estado de Valência 2+, ele não pode seguir o caminho do ferro na célula. A única suposição concebível é a formação do íon pentahidroxioxigalio [Ga(H2O)5(OH)]2+, que formalmente tem a mesma carga 2+ semelhante ao ferro bivalente e portanto poderia imitar a maneira de transportar dos íons Fe2+. Os grupos incorporados para manter a coordenação octaédrica do gálio (H2O, OH), em principio, não representam impedimentos estruturais para sua capacidade reativa. Até mesmo, quando se trata dos processos de redox celular, principalmente, por exemplo, no caso da hemoglobina e citocromas, o gálio não entra no eritrócito nem participa do processo de transporte de oxigênio(7).

Uma vez dentro do citoplasma celular, o gálio parece estar ligado pelas ferritinas, grandes proteínas que apresenta uma variação específica em respeito aos tecidos, dependendo da combinação de suas subunidades. A maior parte da ferritina está concentrada nas células de Kupfer no fígado. Os agregados das moléculas de ferritina com o tempo formam clusters, os quais são degradados após terem sido fagocitados pelos lisossomos. O produto final deste processo, a hemosiderina, é um aglomerado amorfo de proteína desnaturada e lipídeos com intercalações do hidróxido de gálio e seus polímeros. Pouco é conhecido como o gálio é liberado da ferritina para ser usado. Em todo caso, elemento metabolicamente inativo armazenado em ferritina e hemosiderina está em equilíbrio com o gálio intercambiável circulando no plasma e ligado a moléculas carreadoras de baixo peso molecular.

A distribuição primária e secundária do gálio nos tecidos foi estudada usando isótopos 67Ga e 72Ga como marcadores radiativos. Os resultados estão resumidos no seguinte esquema:

Apesar de que estes dados não são inteiramente convincentes, todos os estudos da distribuição do gálio mostram que o elemento concentra-se no mesmo local do tecido independente da dose, com certa proporção é excretado na urina e retido pelo osso. Gálio se acumula intensamente nos focos de infecção e inflamação, incluindo aqueles de origem granulomatosa e sinovites associadas com artrite reumatóide. Foi mostrado que o elemento se concentra na maioria dos tumores onde o receptor da transferrina está expresso em grande quantidade(6).

Gálio no Osso

Mesmo que o osso seja conhecido como local de concentração do gálio, a cinética(8, 9), o sítio e efeitos da acumulação do gálio neste tecido estão longe do entendimento prático. O uso do microscópio de raios-X com radiação synchrotron permitiu mapear a distribuição dos níveis traços do gálio depois da curta aplicação in vivo de nitrato de gálio em ratos. As quantidades traços (nanograma) do gálio foram encontradas em regiões metabolicamente ativas, bem como na superfície endosteal e periosteal da diáfise óssea, regiões onde ocorrem nova formação e remodelação óssea. As menores concentrações de gálio foram observadas nas áreas com número de células relativamente baixos, nas regiões médio corticais metabolicamente inativas. A quantidade de gálio acumulada nos implantes óssea após serem expostos a esse elemento in vitro foi muito maior do que os níveis atingidos depois da aplicação in vivo. Assim poderia se pensar que a nova matriz óssea que está se formando tem grande capacidade para acumular gálio(10). Depois da aplicação em período curto (14 dias) em ratos, nitrato de gálio induziu mudanças quantitativamente mensuráveis nas propriedades minerais do osso. Usando a técnica de absorção atômica, foi confirmado que o gálio em baixas concentrações acumula-se preferencialmente nas regiões de formação ativa do osso, 0.54 µg/mg de osso na metáfise versus 0.21 µg/mg de osso na diáfise, P<0.001. Nos ossos dos animais do grupo controle o gálio não foi encontrado em quantidades detectáveis, mesmo quando a quantidade de osso usada foi dez vezes maior em comparação com as mais baixas doses de nitrato de gálio(11). Recente estudo usando fluorescência de raios-X e sua emissão induzida pelos prótons confirmou estas observações mostrando que o gálio está depositado em componentes orgânico e inorgânico da célula. O acúmulo do elemento na matriz orgânica indica que o mecanismo de ação do gálio é provável mais complexo do que sugerido pela idéia simplista de mera incorporação do íon dentro da rede cristalina(12).

Gálio e Hidroxiapatita

O maior equívoco em relação ao osso é a idéia que ele é composto de hidroxiapatita estequiométrica (HA), enquanto não há clara evidência qual é a verdadeira estrutura do fosfato de cálcio presente no osso vivo. Esse contém uma grande população de células em contato íntimo com a matriz mineralizada, que os rodeia e há uma constante troca de compostos através do tecido. Diferente da pérola, o osso é uma estrutura viva, que está em processo permanente de mudança, que deve ser visto da mesma maneira como o fígado ou cérebro(13).

Todavia, pesquisadores ainda dão preferência para o modelo apatita porque ela parece ser a mais adequada aproximação à realidade. Foi mostrado que vários íons metálicos causadores de doenças ósseas interagem com HA. No que se referem ao uso do gálio, amplos estudos utilizando difração de raios-X mostraram que há significantes mudanças das propriedades do cristal, na região metafisária do osso de ratos tratados. Estas mudanças, avaliadas pela agudização da reflexão 002 do eixo C, indicaram que um aumento no tamanho do cristal e/ou perfeição ao longo do mais extenso eixo dos cristalitos da HA tinham ocorrido em ossos tratados. O fato que tais mudanças foram observadas nas regiões de formação ativa do osso, onde foram encontradas as maiores concentrações de gálio, fazendo supor que ele pode ser a causa das transformações observadas(11). Por outro lado, experimentos in vitro mostraram que o gálio atrasa a formação de HA e/ou aumento da cinética de modo dose relacionada, dando origem aos cristais de maior perfeição. Também, em experimentos de adsorção, o gálio diminuiu a cinética de dissolução da HA comparado com grupo controle sem gálio. O mecanismo avançado – uma significante adsorção do gálio no processo de formação e crescimento nos núcleos de HA, assim como na superfície dos seus cristais – acredita-se ser responsável pelo efeito do elemento na proliferação e solubilidade(14).

A relação entre gálio e fases contendo fosfato foi estudada incorporando o elemento dentro da medula óssea na cultura de célula estroma dos ratos. A fase dominante desta cultura está constituída de HA com baixa cristalinidade. Foi visto que a substituição do Ca2+ pelo Ga3+ produz um ambiente local mais distorcido em comparação com a situação quando o Ca2+ está substituído pelo Sr2+. A coordenação dos átomos de gálio na parte mineral da cultura celular foi ao Ca2+ substituído pelo Ga3+, na bruxita sintética Ga-dopada, CaHPO4·2H2O. Substituição do Ca2+ distorse localmente a configuração tipo brushita devido ao raio iônico do gálio substancialmente menor. Esta substituição não permite que ocorra a transformação da fase depositada inicialmente em HA, inibindo o crescimento. Suplementação de gálio nos últimos estágios de mineralização não influencia o ambiente local do gálio depositado e seus íons parecem estar frouxamente ligados à superfície dos cristais de HA(15).

Em conclusão, foi mostrado que o gálio atua como um inibidor na mineralização óssea in vitro. Dois mecanismos diferentes de sua interação com a parte mineral óssea podem ser diferenciados: (1) substituição do Ca2+ e (2) incompatibilidade com a rede cristalina da apatita, com uma possível adsorção na superfície dos seus cristais(14,15). Estes dados também foram confirmados pela influência do gálio sobre o crescimento das HA semeadas(16). Estes resultados in vitro explicam parcialmente a ação do gálio in vivo no tratamento da hipercalcemia pela diminuição da solubilidade da apatita óssea.

Determinações do gálio nas frações do osso metafisário foram separadas conforme as densidades, sendo confirmadas que todas as partículas incluindo recém formadas (menos densas) e as partículas maduras (mais densas) sofreram a mesma exposição ao gálio, já que a proporção GaDCa foi a mesma nos dois casos. A densidade específica média teve discreto deslocamento para a direita nas curvas (maior densidade), o que faz supor um maior conteúdo do Ca pela unidade do osso, indicando que maiores quantidades de Ca foram preservadas ou acumuladas(17, 18).

Gálio e as Doenças Ósseas

Gálio parece ser um agente que atua unicamente no tratamento de doenças reabsortivas do osso, reduzindo perda óssea acelerada em pacientes com câncer e doença osteometabólica. Tem ganhado maior confiança o conceito de usar certas medidas terapêuticas como adjuvantes ao tratamento tradicional anticâncer para fortalecimento do tecido ósseo frente à erosão devida às metástases. No resultado perfeito, tais medidas deveriam não só minimizar perda óssea progressiva, mas também restituir osso previamente erosado, por exemplo, em ortopedia. Outras drogas, tais como bifosfonatos, flúor e calcitonina, têm sido previamente propostas para este uso(19).

A situação clínica associada com a mais rápida perda de cálcio do tecido ósseo é a hipercalcemia relacionada com o câncer. Nesta desordem, fatores procedentes das células cancerígenas provocam um marcante aumento na absorção óssea pelos osteoclastos. O cálcio sai do osso tão rapidamente que sobrecarrega a capacidade excretora renal. Foi mostrado que baixas doses de nitrato de gálio poderiam ser usadas com sucesso na prevenção de osteólise em mieloma múltiplo. Pacientes foram tratados com nitrato de gálio por 6 meses, administrado em ciclos mensais com injeções subcutâneas diariamente durante duas semanas, com uma suplementação de infusão intravenosa por 5 dias nos meses alternados. Cálcio total diminuiu em 4 dos 7 pacientes observados, mas aumentou em 9 dos 13 pacientes durante o tratamento com gálio. O índice médio das fraturas vertebrais no grupo avaliado nas radiografias em perfil da coluna diminuiu 27% durante a observação, comparada com 2% durante tratamento com nitrato de gálio. Concluiu-se que o tratamento adjuvante com nitrato de gálio abaixou a velocidade de perda óssea em mieloma múltiplo e pode ser útil para amenizar as conseqüências da morbidade esquelética em pacientes com osteólise relacionado com câncer(20). Enquanto o mecanismo envolvido parece que nitrato de gálio impede a reabsorção óssea inibindo a proteína relacionada com o hormônio da partireóide(20).

A doença de Paget é um dos casos mais bem sucedidos de aplicação do gálio na terapia. Esta enfermidade também pode ser considerada como uma condição multifacetária da desordem osteometabólica. Ela pode ser definida como remodelamento anormal do osso, por exemplo, uma constante renovação óssea ou reciclagem, sem mudanças no tamanho e na forma do osso. Alteração do processo de remodelação do osso muda a textura óssea e dá origem a quatro fases da doença observadas radiologicamente: osteolítica, mista, osteoblástica e fase osteoesclerótica inativa, a qual é caracterizada pela atividade óssea normal ou diminuída. Na doença de Paget a alteração da remodelação contribui para expansão do osso que leva a estenose espinhal(21). A ação do nitrato de gálio parece ser seguro e prolongado, mesmo que a duração da resposta varie de 6 a 42 semanas. O tratamento reduz significativamente os níveis séricos de fosfatase alcalina e a excreção de hidroxiprolina urinária. Uma queda na hidroxiprolina precede a supressão de fosfatase alcalina, sugerindo que a supressão da reabsorção óssea osteoclástica (hidroxiprolina diminuída) leve a formação óssea pelos osteoblastos (fosfatase alcalina diminuída). A eficácia do tratamento é proporcional à dose da droga administrada. A resposta do tratamento endovenosa foi mais evidente do que a injeção subcutânea(22).

A destruição óssea é a característica básica do mieloma múltiplo, com 70% a 80% dos pacientes manifestando envolvimento ósseo. Em séries com grande número de participantes, cerca de um a dois terços dos pacientes com mieloma múltiplo apresentam dor óssea no momento do diagnóstico. Radiografias rotineiras do esqueleto mostram anormalidades em aproximadamente 80% dos pacientes, incluindo fraturas, osteopenia, lesões líticas ou uma combinação destas. Gálio atua controlando ou revertendo a osteólise produzido pelo mieloma múltiplo e reduzindo hipercalcemia. No estudo piloto randomizado envolvendo 14 pacientes com mieloma múltiplo, acompanhados até seis meses, o nitrato de gálio foi administrado por via subcutânea notando melhora na dor óssea e estabilizando a densidade óssea no grupo tratado(20, 23). A interpretação destes resultados deve ser feita com certa reserva: Mesmo o estudo sendo desenhado usando uma metodologia sofisticada e randomização, o tamanho da amostra nesta investigação foi pequena. A outra dificuldade é que a investigação não foi placebo controlada, visto que foi considerado duvidoso se 6 meses de injeção parenteral placebo poderia ser justificado(20). Também, em recente análise retrospectiva, pacientes com avançado mieloma múltiplo tratado com protocolo de quimioterapia M-2 mais nitrato de gálio tinham acentuado aumento da média de sobrevida em comparação com pacientes similares tratados com quimioterapia M-2 isoladamente(24).

Depois de uma série de mudanças nos direitos de propriedade comercial e um período em que a droga não foi disponível comercialmente, nitrato de gálio (Ganite, manufactured for Genta, Inc, Berkeley Heights, New Jersey) deve ser valiosa alternativa na opção de tratamento para uma variedade de doenças ósseas. Já que o perfil tóxico do nitrato de gálio não conflita com o dos agentes mais novos, sua avaliação merece ser feita em combinação com eles(25).

Devido aos esforços de muitos laboratórios e pesquisadores tem-se acumulado evidência que o gálio tem uma participação relevante no metabolismo ósseo. Apesar do progresso considerado, ainda mais deve ser esclarecido. Maior conhecimento dos mecanismos envolvidos pode fornecer idéias para estratégias terapêuticas, com o objetivo de diminuir perda óssea em ortopedia, traumatologia e condições patológicas relacionadas com câncer. Também são esperados o desenvolvimento e triagem de testes clínicos dos novos compostos do gálio.

Trabalho recebido em 02/10/06

aprovado em 09/04/06

Trabalho desenvolvido na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Maio 2008
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      09 Abr 2006
    • Recebido
      02 Out 2006
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