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Avaliação da relação entre parâmetros antropométricos (peso e altura) e a topografia da raiz de L4 no espaço intertransversário L4-L5 através do acesso paramediano à coluna vertebral- Um estudo anatômico em vinte e um cadáveres

Resumos

As hérnias discais extremolaterais correspondem a 10% das hérnias discais sintomáticas, mais comumente localizadas nos níveis L3-L4 e L4-L5. Por muitos anos, a abordagem cirúrgica das hérnias lombares foraminais e extraforaminais foi feita através de via de acesso posterior mediana com hemilaminectomia e facetectomia total ou parcial. A abordagem cirúrgica dessa patologia pela via paramediana, entre os músculos multífido e longuíssimo (via de Wiltse), tem a vantagem de poupar o paciente de perdas ósseas e permitir uma visão mais oblíqua do neuro-foramen. Essa abordagem permite, com mínima mobilização da raiz de L4, acesso ao disco L4-L5 e eventuais herniações extra-foraminais do mesmo. Nosso objetivo é avaliar se há relação entre características antropométricas de um indivíduo e a localização da raiz de L4 no espaço intertransversário, acessado pela via de Wiltse, para com isso poder antecipar alguns riscos cirúrgicos. Foram realizadas dissecções em 21 cadáveres (42 lados) e obtidas as respectivas medidas de peso e altura além da distância entre a base do processo transverso de L5 e o ponto onde a raiz de L4 o cruza. A análise dos dados nos permite concluir que não há relação estatisticamente significativa entre as variáveis envolvidas.

Radiculopatia; Dor lombar; Coluna vertebral; Laminectomia; Neuropatia ciática


Far lateral disc hernias account for ten percent of all symptomatic disc hernias, usually located at L3-L4 and L4-L5 levels. For many years, the surgical approach to foraminal and extraforaminal lumbar disc hernias was provided through the median posterior access way, with total or partial hemilaminectomy and facetectomy. The advantage of the surgical approach for this pathology through the paramedian way, between the multifidus and longissimus muscles (Wiltse’s access) is to spare patients from bone losses and to allow a more oblique view of the neuroforamen. Moreover, this approach allows for accessing the L4-L5 disc and its potential extraforaminal herniations with minimum L4 root mobilization. Our objective is to assess the potential correlation between anthropometric parameters and the L4 root topography. Twenty-one cadavers (42 sides) were dissected and some parameters were measured: cadavers’ weight and height, width of the L5 transverse process, distance between L5 transverse process base and the point where the L4 root crosses it. The analysis of data allows us to conclude that no statistically significant correlation exists among the involved variables.

Radiculopathy; Low back pain; Spine; Laminectomy; Sciatic neuropathy


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação da relação entre parâmetros antropométricos (peso e altura) e a topografia da raiz de L4 no espaço intertransversário L4-L5 através do acesso paramediano à coluna vertebral- Um estudo anatômico em vinte e um cadáveres

Marcelo Poderoso de AraújoI; Ronald Bispo Barreto da SilvaII; Leandro EjnismanII; Tarcísio Eloy Pessoa de Barros FilhoIII; Reginaldo Perilo OliveiraIV; Alexandre Fogaça CristanteV; Alexandre Sadao IutakaVI

IMédico Preceptor do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do HC FMUSP

IIMédico Residente do Terceiro Ano do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do HC FMUSP

IIIProfessor Titular do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da FMUSP

IVDoutor, Médico Chefe do Grupo de Coluna do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do HC FMUSP

VDoutor, Médico Assistente do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do HC FMUSP

VIMédico Assistente do Grupo de Coluna do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do HC FMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: R. Oscar Freire, 1218, ap123, Jardins São Paulo, SP. Brasil CEP: 01426-000 E-mail: ortopoderoso@yahoo.com.br.

RESUMO

As hérnias discais extremolaterais correspondem a 10% das hérnias discais sintomáticas, mais comumente localizadas nos níveis L3-L4 e L4-L5. Por muitos anos, a abordagem cirúrgica das hérnias lombares foraminais e extraforaminais foi feita através de via de acesso posterior mediana com hemilaminectomia e facetectomia total ou parcial. A abordagem cirúrgica dessa patologia pela via paramediana, entre os músculos multífido e longuíssimo (via de Wiltse), tem a vantagem de poupar o paciente de perdas ósseas e permitir uma visão mais oblíqua do neuro-foramen. Essa abordagem permite, com mínima mobilização da raiz de L4, acesso ao disco L4-L5 e eventuais herniações extra-foraminais do mesmo. Nosso objetivo é avaliar se há relação entre características antropométricas de um indivíduo e a localização da raiz de L4 no espaço intertransversário, acessado pela via de Wiltse, para com isso poder antecipar alguns riscos cirúrgicos. Foram realizadas dissecções em 21 cadáveres (42 lados) e obtidas as respectivas medidas de peso e altura além da distância entre a base do processo transverso de L5 e o ponto onde a raiz de L4 o cruza. A análise dos dados nos permite concluir que não há relação estatisticamente significativa entre as variáveis envolvidas.

Descritores: Radiculopatia; Dor lombar; Coluna vertebral; Laminectomia; Neuropatia ciática.

INTRODUÇÃO

O conhecimento da disposição anatômica de uma raiz nervosa no seu trajeto extra-foraminal faz-se importante diante de diversas situações, seja decorrente da necessidade de abordagem direta da raiz ou de estruturas outras adjacentes à mesma.

Sua importância relativa na coluna vertebral lombar é ainda mais evidente quando se trata de uma das afecções mais comuns no esqueleto axial: a hérnia discal. Dentre suas possíveis localizações, a hérnia discal extremo-lateral, causando compressão da raiz nervosa lateral ao forame intervertebral, é uma variante incomum, porém não menos considerável.

Apesar da maioria das hérnias discais poder ser abordada por um acesso mediano, o cirurgião deve estar familiarizado com a via paramediana e com a topografia das estruturas anatômicas nela encontradas a fim de diminuir o risco de lesões iatrogênicas a ela inerentes quando houver necessidade de executá-la(1) . E foi a partir dessa problemática que os autores propuseram um estudo para avaliar a possível relação entre dados antropométricos (peso e altura) e um ponto de localização da raiz de L4 no espaço intertransversário L4-L5.

MATERIAIS E MÉTODOS

Avaliação anatômica

Para a realização deste estudo foram utilizados 21 cadáveres (42 lados) provenientes do Serviço de Verificação de Óbitos da Capital (SVOC) da Universidade de São Paulo, escolhidos aleatoriamente. Neles, foi exposto o espaço intertransversário L4-L5 através da via de acesso de Wiltse e medida a distância entre a base do processo transverso de L5 e o ponto onde a raiz de L4 o cruzava. Documentou-se o peso e a altura de cada cadáver.

Critérios de inclusão:

a- idade superior a 18 anos ( atingida a maturidade esquelética);

Critérios de exclusão:

a- deformidades ósseas no segmento lombar dorsal, visíveis após o posicionamento do cadáver em decúbito ventral;

b- cicatrizes de pele na região lombar sugestivas de cirurgia prévia de coluna;

c- mal-formações vertebrais visualizadas durante a dissecção;

d- fraturas dos processos transversos ou outras proeminências ósseas relevantes durante a dissecção;

Via de acesso

O cadáver foi posicionado em decúbito ventral. Foi realizada uma via de acesso longitudinal paramediana (3cm lateral à linha média) de aproximadamente 8cm de comprimento, tendo como ponto de referência a crista ilíaca do cadáver (nível L4-L5) com 4cm proximal e 4cm caudal a esse parâmetro anatômico. O nível foi confirmado através da palpação dos intervalos inter-espinhosos a partir da apófise espinhosa de S1 (primeira vértebra sacral).

O espaço intertransversário L4-L5 foi acessado através do plano entre os músculos multífido e longuíssimo (via de Wiltse). A musculatura e a membrana intertransversária do mesmo nível foram removidas para exposição da raiz de L4 (Figura 1).


Mapeamento

As medidas foram realizadas com uma régua e com um paquímetro milimetrados (Figura 2).


Avaliação estatística

A análise estatística foi realizada com o programa SPSS versão 14.

RESULTADOS

As medidas foram avaliadas e registradas para cada raiz dissecada (Tabela 1). A partir das medidas obtidas, determinamos os seguintes resultados para cada parâmetro: valor máximo, valor mínimo, média, mediana e desvio-padrão (Tabela 2).

Critérios clínicos fornecidos pelo SVOC também foram registrados.

DISCUSSÃO

Estima-se que aproximadamente 10% de todas as hérnias discais sintomáticas sejam da variante extremo-lateral. Mais comumente localizadas nos níveis L4-L5 e L3-L4, elas acometem uma população de pacientes numa faixa etária mais avançada que as hérnias póstero-laterais(2-5).

Como um colorário à sua localização médio-lombar ou até em níveis mais altos, pacientes com alterações sensitivas na face anterior da coxa, paresia quadriciptal, positividade ao teste de estiramento passivo do nervo femoral ou reflexo patelar abolido devem ser investigados pela possibilidade de apresentarem hérnia discal extraforaminal. A dor pode, inclusive, ser mais severa que a presenciada na hérnia póstero-lateral em decorrência da localização e compressão do gânglio da raiz sensitiva(6).

Uma vez indicado o procedimento cirúrgico de discectomia, caimos num novo dilema: como abordar essa hérnia? Há algumas possibilidades de acesso cirúrgico a hérnias extra-foraminais, cada qual com suas vantagens e desvantagens. Por muitos anos, a abordagem cirúrgica das hérnias lombares foraminais e extra-foraminais foi feita através de via de acesso mediana seguida de uma hemilaminoartrectomia total no nível considerado(7-9).

Apesar da boa visualização da raiz e da hérnia conseguida com esse método, é freqüente o surgimento de dor lombar baixa devido à instabilidade vertebral criada. Inúmeras foram as variações propostas para essa técnica a fim de se evitar a facetectomia e suas repercussões biomecânicas.

A despeito das tentativas, a "lombalgia iatrogênica" permaneceu como uma das grandes preocupações na evolução pós-operatória desses pacientes. A necessidade de se reduzir o dano intra-operatório ao arcabouço ósseo e à musculatura paravertebral levou ao desenvolvimento de vias de acesso e técnicas de discectomia minimamente invasivas e menos traumáticas. A via paramediana, seguindo o plano entre os músculos multífido e longuíssimo(10-13) tem a vantagem de poupar o paciente de perdas ósseas, como no caso das laminotomias e facetectomias, além de permitir uma visão mais oblíqua do neuro-foramen. A sua versatilidade é mais notória nos níveis inferiores (L4-L5, L5-S1), onde a hérnia extremo-lateral é ainda menos acessível através da via mediana que em outros níveis(4,14).

Estudos clínicos como o de Bradley e colaboradores(15) confirmam bons resultados com a utilização da via paraespinhal para tratar hérnia discal lombar extremo-lateral, com até 85% dos seus pacientes apresentando satisfação relativa à qualidade de vida e resolução do quadro álgico.

Pouca familiaridade cirúrgica, dissecção profunda, pouca visualização, dificuldade para enuclear o disco intervertebral e risco potencial de lesão da raiz nervosa emergente são algumas das suas desvantagens.

Apesar de exíguos, estudos comparativos entre as técnicas demonstram melhores resultados quando realizada a via lateral transmuscular para discectomia extra-foraminal(16). Uma vez atingido o espaço intertransversário L4-L5 e ressecado a membrana intertransversária, deparamo-nos com duas raízes adjacentes: L3 (lateralmente) e L4 (medialmente), já dentro do ventre do músculo Psoas Maior. Essa abordagem permite, com mínima mobilização da raiz de L4, acesso ao disco L4-L5 e eventuais herniações extra-foraminais do mesmo.

A despeito das considerações de segurança e morbidade, muitos cirurgiões ainda utilizam o "anatomicamente familiar" acesso posterior mediano com hemilaminectomia e facetectomia total ou parcial(16).

CONCLUSÃO

As medidas obtidas referentes ao posicionamento topográfico da raiz de L4 (Figura 3) não apresentam relação estatística com o peso ou a altura do indivíduo.


Entretanto, reconhecemos que o limitado número da amostra compromete uma conclusão realmente significativa.

Trabalho recebido em 29/02/08

aprovado em 07/05/07

Trabalho realizado no Grupo de Coluna do Instituto de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

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  • Endereço para correspondência:

    R. Oscar Freire, 1218, ap123, Jardins
    São Paulo, SP. Brasil CEP: 01426-000
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Jul 2008
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      07 Maio 2007
    • Recebido
      29 Fev 2008
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