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A Laserterapia de baixa intensidade acelera a regeneração de nervos periféricos

Resumos

Há evidências de que a terapia com o laser pode estimular a regeneração de nervos e esta hipótese foi testada em ratos. Uma lesão por esmagamento controlado foi produzida no nervo isquiático de 20 ratos Wistar, metade dos quais foram submetidos a irradiação efetiva com o laser de arseneto de gálio (AsGa) e a outra metade a irradiação simulada, durante dez dias consecutivos, começando no primeiro dia pós-operatório. Os resultados foram avaliados com três semanas pela medida do índice funcional do isquiático (IFC) em intervalos semanais e pela medida do número total de fibras nervosas e da densidade de fibras dos nervos, após o sacrifício dos animais na terceira semana, com o nível de significância de 5% (p<0.05). Observou-se melhora progressiva do IFC tanto nos nervos irradiados como nos controles (69% e 45%, respectivamente), com diferença significante entre ambos na segunda semana (p=0,04). A densidade de fibras aumentou para os nervos irradiados e diminuiu para os nervos controle, a diferença entre ambos sendo significante (p=0,001). Os autores concluem que a terapia com o laser de baixa intensidade efetivamente acelera a regeneração do nervo isquiático do rato.

Regeneração nervosa; Síndrome de esmagamento; Terapia a laser; Nervo ciático


There are evidences that laser therapy may stimulate nerve regeneration and this hypothesis was tested in rats. A controlled crush injury was produced on the sciatic nerve of 20 Wistar rats, half of which submitted to effective Ga-As laser irradiation and the other half to simulated irradiation for 10 consecutive days beginning on the first postoperative day. Results were evaluated at three weeks postoperatively by measuring the sciatic functional index (SFI) at weekly intervals and the total number of nerve fibers and nerve fiber density of the sciatic nerve at three weeks (p<0.05). The SFI progressively improved for both irradiated and control nerves (69% and 45%, respectively) with a significant difference between them at two weeks (p=0.04). Nerve fiber density increased for the irradiated nerves and decreased for the control nerves, with significant differences between them (p=0.001). Low intensity therapeutic ultrasound accelerates nerve regeneration, as demonstrated with significance on the 21st postoperative day.

Nerve regeneration; Crush syndrome; Laser therapy; Sciatic nerve


ARTIGO ORIGINAL

A Laserterapia de baixa intensidade acelera a regeneração de nervos periféricos

Cristina EndoI; Cláudio Henrique BarbieriII; Nilton MazzerIII; Valéria S. FasanIII

IFisioterapeuta. Aluna do Programa de Pós-graduação Interunidades Bioengenharia - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/Escola de Engenharia de São Carlos/Instituto de Química de São Carlos - USP

IIProfessor Titular, Orientador. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo-FMRP-USP

IIIProfessor Associado, Colaborador. FMRP-USP. Departamento de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo

Endereço de correspondencia Endereço de correspondencia: Departamento de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP - Campus Universitário CEP 14049-900 - Ribeirão Preto - SP - BRASIL E.mail: chbarbie@fmrp.usp.br

RESUMO

Há evidências de que a terapia com o laser pode estimular a regeneração de nervos e esta hipótese foi testada em ratos. Uma lesão por esmagamento controlado foi produzida no nervo isquiático de 20 ratos Wistar, metade dos quais foram submetidos a irradiação efetiva com o laser de arseneto de gálio (AsGa) e a outra metade a irradiação simulada, durante dez dias consecutivos, começando no primeiro dia pós-operatório. Os resultados foram avaliados com três semanas pela medida do índice funcional do isquiático (IFC) em intervalos semanais e pela medida do número total de fibras nervosas e da densidade de fibras dos nervos, após o sacrifício dos animais na terceira semana, com o nível de significância de 5% (p<0.05). Observou-se melhora progressiva do IFC tanto nos nervos irradiados como nos controles (69% e 45%, respectivamente), com diferença significante entre ambos na segunda semana (p=0,04). A densidade de fibras aumentou para os nervos irradiados e diminuiu para os nervos controle, a diferença entre ambos sendo significante (p=0,001). Os autores concluem que a terapia com o laser de baixa intensidade efetivamente acelera a regeneração do nervo isquiático do rato.

Descritores: Regeneração nervosa; Síndrome de esmagamento; Terapia a laser; Nervo ciático.

INTRODUÇÃO

Muitas linhas de evidência mostraram que a regeneração de nervos periféricos pode ser acelerada por agentes físicos como eletricidade, campo magnético e ultra-som. A terapia com laser também tem sido estudada em relação a um possível papel positivo nesse campo particular, as primeiras investigações sendo direcionadas às alterações da condução do estímulo nervoso, com a demonstração eletrofisiológica da diminuição do tempo de latência e do aumento da velocidade de condução em nervos normais, tanto em animais(1) como em humanos(2-4). Entretanto, alguns autores não observaram nenhuma alteração na condução nervosa em humanos(5) ou em animais(6-8), ou na liberação de neurotransmissores na placa motora, em camundongos(9), desse modo mantendo a dúvida quanto a um papel de estimulação do laser sobre os nervos.

No que se refere à regeneração após algum tipo de lesão, tem havido relatos de efeitos benéficos, tais como o aumento na amplitude dos potenciais de ação e a redução do tecido cicatricial ao redor do nervo(10), intensas respostas positivas somatosensoriais evocadas e significativo aumento do número e do diâmetro dos axônios regenerados(11,12) e recuperação morfológica e funcional mais rápida(13). Por outro lado, efeitos deletérios também têm sido demonstrados, como uma taxa percentual menor de regeneração, traduzida por uma organização ultraestrutural menos madura, com menor área de secção transversal e menor número de axônios mielinizados nos nervos irradiados em comparação com aqueles submetidos a irradiação simulada(14), levando à conclusão de que a irradiação com o laser pulsado pode ter efeitos supressores sobre a regeneração dos nervos periféricos.

A despeito da fácil disponibilidade atual do laser terapeutico e da sua tendência de se tornar de uso generalizado no tratamento das lesões traumáticas de vários tecidos, seus efeitos sobre a regeneração dos nervos periféricos ainda são controversos e precisam ser precisamente determinados, antes que ele possa ser utilizado sem reservas. Foi, então, o propósito da presente investigação estudar a influência da irradiação com laser de arseneto de gálio (AsGa) de baixa intensidade sobre a regeneração do nervo isquiático de ratos, usando um modelo de lesão grave por esmagamento controlado e avaliando comparativamente a recuperação funcional e morfológica.

MATERIAIS E MÉTODOS

O experimento foi aprovado pela Comissão de Ética no uso Experimental de Animais da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Vinte ratos Wistar machos com peso médio de 325 g (variação: 300 - 350 g) foram usados e mantidos em gaiolas individuais antes e após a operação, com acesso livre à água e ao alimento. Antibioticoterapia profilática foi feita com uma dose única pré-operatória de Penicilina-procaína (400.000 UI) por meio de injeção subcutânea. Os animais foram divididos randomicamente em dois grupos, de acordo com o procedimento realizado:

Grupo 1: lesão por esmagamento, irradiação simulada com o laser (n=10);

Grupo 2: lesão por esmagamento, irradiação efetiva com o laser (n=10).

Procedimentos pré-operatórios: imediatamente antes da operação, os ratos eram treinados, por tentativas repetitivas, a caminhar numa passarela de madeira de análise da marcha (43 cm de comprimento, 8,7 cm de largura, uma casinhola escura no final), até que eles pudessem caminhar direta e rapidamente em direção ao abrigo da casinhola. Em seguida, três pares de pegadas das patas traseiras eram obtidas em tiras de papel impregnado com azul de bromofenol diluído a 1% em acetona, previamente preparadas, de acordo com o método proposto por De Medinaceli et al.(15,16) e modificado por Lowdon et al(17). O papel impregnado com o azul de bromofenol torna-se amarelo depois de seco, mas torna-se imediata e permanentemente azul quando em contato com a água ou qualquer solução aquosa. Ao invés de água, as patas traseiras dos animais eram imersas em detergente doméstico comum, que evita dispersão da impressão. As tiras de papel contendo as pegadas eram deixadas a secar e copiadas com um scanner de alta resolução. As pegadas digitalizadas eram armazenadas e analisadas no computador por meio de um programa gráfico especialmente desenvolvido para esse fim, permitindo o manuseio das pegadas e o cálculo automático do Índice Funcional do Ciático (IFC)(18). As pegadas obtidas no período pré-operatório constituíam o parâmetro normal para futuras comparações (Figura 1).


Procedimento operatório: sob anestesia geral com uma única injeção intra-peritonial de pentobarbital sódico (Nembutal Abbott® , 60 mg/kg de peso corporal) e após preparação rotineira do campo operatório (tricotomia, anti-sepsia com solução alcoólica de iodo a 20%), o nervo isquiático direito era exposto através de uma incisão cutânea longitudinal póstero-lateral na face lateral da coxa direita e por dissecação romba dos planos musculares, entre o músculo glúteo máximo e o quadríceps. O nervo era descolado dos tecidos vizinhos somente no seu terço médio, onde uma lesão por esmagamento de 5 mm de comprimento era produzida, tão rigorosamente quanto possível a 5 mm distal à sua emergência, começando num ponto marcado com um ponto de sutura epineural de cor azul para mais fácil identificação posterior (Prolene Ethicom®, calibre 8/0) e terminando cerca de 5 mm acima da sua divisão nos três ramos principais (nervos tibial, peroneiro e sural). Uma carga estável de 15.000 g era aplicada por 10 minutos, com uma pinça de mola especialmente desenvolvida e construída para esse fim(19) e calibrada numa máquina universal de ensaios após o uso consecutivo em cinco animais. A lesão infligida ao nervo era propositalmente grave e uniforme, para tornar a regeneração espontânea mais difícil e para facilitar as comparações entre os nervos irradiados e não irradiados. O nervo isquiático era cuidadosamente destacado da pinça e colocado de volta no seu leito original, e a ferida era fechada por camadas. Uma solução anti-séptica era aspergida sobre a ferida, mas nenhum curativo era aplicado. Todos os passos operatórios eram idênticos para os dois grupos experimentais.

Irradiação com o laser: Foi usado um equipamento portátil comercialmente disponível de irradiação pulsada (comprimento de onda 904 nm, potência de pico de 20 W, largura de pulso de 180 ns, freqüência de 1 MHz e dose de 4 J/cm2) de uso corrente na prática clínica. A área de irradiação foi de 0,07 cm2 e o tempo, de 10 minutos, numa região de pele intocada, bem sobre o segmento lesado do nervo. A irradiação foi iniciada no primeiro dia pós-operatório e repetida diariamente por dez dias consecutivos, tendo sido realizada tanto na coxa direita como na esquerda, visto que o nervo isquiático esquerdo foi tomado como controle. No Grupo 1 (irradiação simulada), o equipamento foi mantido desligado durante todo o tempo de aplicação, enquanto que no Grupo 2 permaneceu ligado desde o início, de modo que ambos tinham em comum apenas o efeito de massagem tecidual.

Obtenção e análise das pegadas: as pegadas das patas traseiras eram obtidas a intervalos de sete dias, até o 21º dia. O IFC era calculado automaticamente pelo programa de computador específico para esse fim, como já descrito em outras publicações(18-20), depois de medidos os parâmetros propostos por De Medinaceli e cols(15,16) e modificado por Bain et al.(21) e que são: 1) comprimento da pegada, ou a distância máxima entre a ponta do dedo mais longo e o calcanhar (PL, de print length); 2) abertura total dos dedos, ou a distância transversal entre o primeiro e o quinto dedos (Ts, de toe spread); e 3) dedos intermediários, ou a distância transversal entre o segundo e o quarto dedos (IT, de intermediate toes) (Figura 2). Esses valores eram inseridos na formula:

Foram estabelecidas comparações entre as pegadas pré-operatórias e as pós-operatórias e entre as pegadas das patas normais e operadas.


Análise histológica e morfométrica dos nervos: os animais foram mortos com uma injeção intra-peritonial de uma dose excessiva de anestésico (pentobarbital sódico, 120 mg/kg) e ambos os nervos isquiáticos direito e esquerdo foram removidos através de incisão póstero-lateral da coxa. O nervo isquiático direito foi dividido em três segmentos de 5 mm de comprimento, sendo um proximal e outro distal à zona da lesão e o intermediário compreendendo a própria lesão. Um único segmento de 5 mm de comprimento foi cortado do nervo isquiático esquerdo, correspondendo ao segmento lesado do direito, para controle. Todos os segmentos foram identificados e fixados individualmente com uma solução aquosa tamponada (tampão fosfato a 0,1 M) de glutaraldeído a 2,5 % por duas horas a 6ºC e pós-fixados com tetróxido de ósmio a 2% por 12 horas à temperatura ambiente, após o que eram desidratados em soluções aquosas de álcool etílico de concentrações crescentes, de 25% ao absoluto, a intervalos de 25%, por uma hora cada. Em seguida, os segmentos eram incluídos em resina epóxi (EPON-812) a 60ºC por 72 horas. Cada segmento foi inteiramente fatiado em cortes seriados de 5 µm de espessura com um ultra-micrótomo (MT 6000-XL, RMC Inc.), de modo que foram obtidos cerca de 1.000 cortes de cada um; destes, 200 eram examinados (1:5) e 20 foram efetivamente contados (1:50). Os segmentos proximais e distais dos nervos isquiáticos direitos, bem como os segmentos intermediários dos nervos isquiáticos esquerdos, foram submetidos ao mesmo procedimento, mas apenas 10 cortes (1:100) foram efetivamente contados. Os cortes foram corados com azul de toluidina a 1% e examinados ao microscópio de luz (Zeiss Axiophoto), equipado com uma câmera de vídeo (JVC-TK1270) conectada a um micro-computador carregado com o programa KS 400 Measure Interactive versão 2.0.

O primeiro passo da análise morfométrica consistia da captura da imagem de cada fascículo individual, com o maior aumento possível para que ela coubesse inteiramente na tela do monitor, sendo feita, então, a medida da área fascicular (aumento: objetiva 2,5X, optovar 1.6X, câmera 0,5X); cortes com artefatos de técnica grosseiros (rachaduras, dobras, coloração pobre) eram descartados nessa fase. O próximo passo consistia da captura seqüencial de áreas internas de cada fascículo (aumento: objetiva 100X, optovar 1,6X, câmera 0,5X), que eram convertidas em imagens binárias (preto e branco) e limpas de qualquer vaso sangüíneo, fibras degeneradas e artefatos. As fibras mielinizadas individuais eram contadas e a densidade de fibras (fibras/mm2) automaticamente calculada. A densidade de fibras correspondia à soma das densidades de cada fascículo, em cada um dos cortes histológicos. Foi, então, calculado um valor médio para as densidades medidas nos vinte cortes de cada segmento do nervo (dez no nervo isquiático esquerdo, de controle).

Os valores do IFC foram submetidos à análise estatística pelo teste t de Student, no nível de significância de 5% (p<0,05), usando o programa SigmaStat® versão 2.03. Os valores da morfometria foram analisados pelo teste não-paramétrico de Mann-Whitney, no mesmo nível de significância.

RESULTADOS

Tanto no Grupo 1 (irradiação simulada) como no Grupo 2 (irradiação efetiva), os animais apresentaram grave deformidade em eqüino da pata traseira direita, com os dedos muito fletidos, e eram incapazes de apoiar-se nela, até o final da primeira semana pós-operatória, quando começaram a fazer apoio parcial na pata operada. A pata traseira esquerda permaneceu obviamente normal ao longo de todo o período de observação. Tanto a aparência como o apoio melhoraram lentamente na pata traseira direita nas duas semanas seguintes, mas não chegaram a voltar ao normal até o 21º dia, quando os animais eram sacrificados e os nervos isquiáticos removidos para os estudos histológico e morfométrico. O exame macroscópico dos nervos mostrou que, embora todos tivessem recobrado o diâmetro, ainda era possível identificar o local da lesão pela sua aparência, começando no local onde a sutura epineural de fio de cor azul, facilmente visível, havia sido passada.

Índice funcional do isquiático: foram analisadas 120 pegadas, sendo 80 da pata traseira direita e 40 da esquerda, incluindo as impressões pré-operatórias e do 7º, 14º e 21º dias pós-operatórios. O IFC pré-operatório médio para a para traseira direita foi de -4,88 (variação: 019,69 a 8,23) no Grupo 1 (n=10), e 2,17 (variação: -13,62 a 18,99) no Grupo 2 (n=10), sem diferença significante entre ambos (p=0,65).

No 7º dia pós-operatório, as pegadas eram mais longas e estreitas do que as pré-operatórias, em ambos os grupos, com os animais usando tanto o calcanhar como os dedos encolhidos para se apoiarem. O IFC médio foi de -98,16 (variação: -110,71 a -82,54) para o Grupo 1, e -108,11 (variação: -128,71 a -81,74) para o Grupo 2, sem diferença significante entre ambos (p=0,107).

No 14º dia pós-operatório, as pegadas se tornaram ligeiramente mais curtas e largas e o IFC médio foi de -79,50 (variação: 96,41 a -59,83) para o Grupo 1, e -70,04 (variação: -78,46 a -48,18) para o Grupo 2, a diferença entre ambos sendo significante (p=0,04). Finalmente, no 21º dia, as pegadas se tornaram ainda mais curtas e largas, embora menos do que o normal, e o IFC médio foi de -44 (variação: -57,1 a -21,61) para o Grupo 1, e -32,77 (variação: -53,62 a -3,04) para o Grupo 2, sem diferença significante entre ambos (p=0,065).

Esses resultados significam que, no período de 3 semanas de observação, houve uma melhora do IFC de 45% para o Grupo 1, visto que ele aumentou de -98,11 na primeira semana para -44 na terceira. Já no Grupo 2, o IFC aumentou de -108,11 para -32,77 no mesmo período, significando uma melhora de 69%, bem acima daquela observada no Grupo 1 (Figura 3).


Estudos histológicos e morfométricos: a morfologia interna estava absolutamente normal nos nervos isquiáticos esquerdos, com o aspecto típico de fibras mielinizadas de vários diâmetros distribuídas em dois a quatro fascículos. O aspecto histológico também era essencialmente normal nos segmentos proximais do nervo isquiático direito, nos dois grupos experimentais, com a distribuição regular de fibras nervosas de pequeno e grande diâmetro e uma proporção aparentemente normal entre a espessura das bainhas de mielina e o diâmetro das fibras; numerosas fibras não-mielinizadas, vasos sangüíneos intraneurais e fibroblastos também eram observados.

Nos segmentos proximal e intermediário (local da lesão), os vasos sangüíneos eram mais numerosos e de maior calibre para o Grupo 2 do que para o Grupo 1. Fibras de grande diâmetro com bainha de mielina muito fina predominavam no segmento intermediário, nos dois grupos. Células de Schwann com o núcleo de aspecto reacional, característico de atividade de síntese, bem como figuras características de brotamento axonal (sprouting) eram mais freqüentes no Grupo 2, ao passo que a degeneração Walleriana era mais evidente no Grupo 1.

Para ambos os grupos, no segmento distal predominavam fibras de pequeno diâmetro e bainha de mielina fina, embora fibras de grande diâmetro e bainha de mielina espessa também fossem freqüentes no Grupo 2, ao lado de muitas células de Schwann com núcleo de aspecto reacional e de figuras de brotamento axonal. Nesse segmento, a degeneração Walleriana não era tão evidente para o Grupo 1 (Figura 4).


Os resultados da morfometria estão sumarizados na Tabela 1. No Grupo 1, o número total médio de fibras contadas foi de 8.851, 7.057 e 6.268, nos segmentos proximal, intermediário e distal, respectivamente. A densidade média de fibras nos segmentos proximal, intermediário e distal foi de 21.268, 20.848 e 11.103 fibras/mm2, respectivamente, com diferença significante entre os segmentos proximal e intermediário e o segmento distal (p=0,04). No Grupo 2, o número total médio de fibras foi de 9.528, 10.485 e 9.529, nos segmentos proximal, intermediário e distal, respectivamente. A densidade média de fibras nos segmentos proximal, intermediário e distal foi de 16.667, 20.727 e 21.588 fibras/mm2, respectivamente, com diferença significante entre o segmento proximal e os segmentos intermediários e distal (p=0,04) (Figuras 5 e 6).



As diferenças observadas para o número total de fibras contadas e para a densidade de fibras entre segmentos proximais dos Grupos 1 e 2 não foram significantes (p=0,23 e p=0,11, respectivamente). Nos segmentos intermediários (local da lesão), o número total de fibras contadas foi significantemente maior no Grupo 2 (p=0,05), mas a densidade de fibras não (p=0,97). Nos segmentos distais, tanto o número total como a densidade de fibras foram significantemente maior no Grupo 2 (p=0,02 e 0,001, respectivamente).

Para os nervos isquiáticos esquerdos intactos, a densidade de fibras mielinizadas foi em média de 20.256 fibras/mm2 (variação: 15.702 - 23.554 fibras/mm2) no Grupo 1, e de 21.403 fibras/mm2 (variação: 14.667 - 23.786 fibras/mm2) no Grupo 2, com distribuição aparentemente normal de fibras de diferentes diâmetros, mas com predominância de fibras de pequeno diâmetro.

DISCUSSÃO

Comparado com o ultra-som terapêutico, sabe-se muito pouco sobre o papel da irradiação com o laser no tratamento de reabilitação dos tecidos do aparelho locomotor. Entretanto, a irradiação com o laser é muito empregada para tratar uma variedade de condições patológicas do sistema músculo-esquelético, inclusive os nervos periféricos. Que a irradiação com o laser interfere de algum modo com a função do nervo parece ser um fato, de acordo com a demonstração de que ele diminui o tempo de latência e aumenta a velocidade da condução nervosa(1,4). Também, a despeito de poucas demonstrações em contrário(14), há evidências experimentais de que o laser tem um efeito positivo na regeneração de nervos lesados(10-13,22-24), o que encorajou o seu emprego em humanos. Todavia, as conclusões de tais estudos ainda parecem ser incompletas e controversas, o que estimulou ao desenvolvimento da presente investigação para analisar se de fato a irradiação com o laser de arseneto de gálio de baixa intensidade pode estimular a regeneração de um importante tronco nervoso, o nervo isquiático, utilizando um modelo de lesão grave por esmagamento em ratos, cuja recuperação natural é muito rápida, e analisando os resultados do ponto de vista funcional e do morfométrico.

Num trabalho experimental, nervos periféricos em regeneração são usualmente avaliados por meio de estudos histológicos, morfométricos e eletrofisiológicos, os quais não adiantam nenhuma informação sobre a recuperação funcional. Por outro lado, a avaliação funcional em animais é sempre difícil, por razões óbvias, mas o IFC desenvolvido por De Medinaceli et al.(15,16) e modificado por Bain et al.(21) permite uma avaliação quantitativa muito precisa da recuperação funcional do nervo isquiático de ratos, praticamente em qualquer tipo de investigação. Além disso, trata-se de um método com o qual os autores estão muito afeitos, por terem-no empregado em várias investigações anteriores, por meio das quais ficou evidente uma forte correlação com os resultados dos estudos morfométricos(18-20,25,26).

Comparado com a secção seguida de neurorrafia convencional, a lesão por esmagamento realizada na presente investigação tem a vantagem de preservar pelo menos em parte a estrutura de suporte do nervo, assim favorecendo a regeneração(15,18-20,27,28,29). A carga de 15.000 g aplicada ao nervo isquiático por dez minutos produz um lesão grave provavelmente do tipo 4 de Sunderland, cuja regeneração é lenta, difícil e freqüentemente incompleta; é, portanto, uma lesão adequada para os propósitos da investigação proposta, com resultados a serem avaliados no curto prazo. De fato, as diferenças entre os nervos tratados e não-tratados são mais fáceis de detectar numa fase precoce da recuperação (21 dias de pós-operatório), pois a recuperação espontânea normalmente observada em ratos tende a tornar qualquer comparação mais difícil num período mais longo.

Como esperado, os resultados funcionais e morfométricos obtidos com a irradiação com o laser não foram espetaculares, mas foram melhores do que aqueles obtidos sem a irradiação. De fato, o IFC foi virtualmente o mesmo para os nervos irradiados e os de controle, na primeira semana pós-operatória, mas melhoraram de forma mais acentuada para os primeiros nas duas semanas subseqüentes, embora a diferença entre ambos só tivesse sido significante na segunda semana. De qualquer modo, foi observada uma diferença de 69% entre a primeira (1ª semana) e a última (3ª semana) avaliação para os nervos irradiados, em contraste com a diferença de apenas 45% para os nervos de controle.

O número total médio de fibras contadas diminuiu progressivamente para os nervos de controle, da primeira até a terceira semana, mas aumentou discretamente da primeira para a segunda e diminuiu da segunda para a terceira, para os nervos irradiados. A densidade média de fibras seguiu essa tendência e diminuiu progressivamente da primeira até a terceira semana nos nervos de controle, com uma grande diminuição da segunda para a terceira, enquanto que para os nervos irradiados ela aumentou progressivamente. A densidade de fibras aumentada no segmento distal dos nervos irradiados acompanhou a melhora do IFC e só pode ser o resultado do brotamento de fibras (sprouting), provavelmente como efeito da irradiação com o laser, o qual também pode ter estimulado o aumento das células de Schwann francamente ativas observadas nesses segmentos.

Fato intrigante foi a densidade de fibras evidentemente menor no segmento proximal dos nervos irradiados (16.667 fibras/mm2), embora sem significância estatística. De início se pensou que pudesse estar ligada ao tipo de animal empregado no experimento, mas o achado foi explicado pelo relativo aumento da área de secção do nervo, devido ao edema intersticial ou congestão, pois foi observado paralelamente um maior número de vasos sangüíneos de maior diâmetro do que nos nervos não irradiados. Assim, o que de fato aconteceu nos nervos irradiados foi que havia um número similar de fibras nervosas distribuídas numa área maior, o que acabou por reduzir a densidade. O aumento do número de vasos sangüíneos nos nervos irradiados provavelmente resulta de efeitos térmicos da irradiação com o laser.

O estudo histológico mostrou que as fibras de pequeno calibre e de bainha de mielina igualmente fina predominaram no segmento distal dos nervos irradiados, ao lado de fibras de grande diâmetro e bainha de mielina de espessura regular, típicas da regeneração. Para os nervos de controle, entretanto, predominaram as fibras de grande diâmetro e bainha de mielina fina, características da degeneração. Foi também importante o achado muito freqüente de células de Schwann com o núcleo reacional, característico da síntese protéica, tanto nos nervos irradiados como nos de controle, mais nos primeiros, demonstrando intensa atividade de regeneração, provavelmente como resultado da irradiação com o laser, embora por mecanismo ainda por ser explicado.

A regeneração dos nervos periféricos depende principalmente da resposta neuronal ao traumatismo ou doença, mas o axônio é a via para que o axoplasma produzido no corpo celular atinja os órgãos-alvo (fibras musculares, terminações sensitivas, vasos sangüíneos) e promova sua recuperação funcional. O esmagamento, como produzido na presente investigação, lesa a maioria dos axônios, que são ou restaurados ou substituídos por novos axônios, no processo natural de regeneração. A maior velocidade de regeneração observada com a irradiação com o laser pode ter sido devida a um efeito local, acelerando a regeneração do próprio axônio e de sua estrutura de sustentação, assim permitindo a progressão do axoplasma regenerado. Tal efeito provavelmente é mediado por fatores de crescimento de ação local, mas não pode ser afastada a possibilidade de que o laser também estimula a liberação de mediadores químicos e quimiotáxicos, que aceleram própria produção do axoplasma no corpo celular.

Embora essas observações sobre seu provável mecanismo de ação sejam meramente especulativas, independente do mecanismo envolvido os autores concluem que a irradiação com o laser de baixa intensidade influenciou positivamente a regeneração do nervo isquiático do rato após grave lesão por esmagamento. Assim, ela pode ser útil no tratamento de uma variedade de lesões patológicas dos nervos periféricos em humanos, com dose ainda por ser estabelecida, com a vantagem de que o laser é virtualmente destituído de efeitos deletérios.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Prof. Amilton Antunes Barreira, do Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica, pela sua gentil permissão para usar as instalações e equipamentos do Laboratório de Neurociências, e ao Sr. Antônio Renato Meirelles Silva e à Sra. Maria Cristina Lopes Schiavoni, pela assistência técnica.

Trabalho recebido em 30/07/07

aprovado em 09/10/07

Trabalho desenvolvido no Programa de Pós-graduação Inter-unidades Bioengenharia FMRP-EESC-IQSC-USP. Departamento de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor (Laboratório de Bioengenharia), Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

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  • Endereço de correspondencia:
    Departamento de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor
    Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP - Campus Universitário
    CEP 14049-900 - Ribeirão Preto - SP - BRASIL
    E.mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Recebido
      30 Jul 2007
    • Aceito
      09 Out 2007
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