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Abcesso epidural pós-traumático

Resumos

Abcessos epidurais são formas incomuns de infecção na coluna, com complicações graves em decorência de seu difícil diagnóstico e tratamento. Apesar dos avanços em métodos diagnósticos e de tratamento medicamentoso e cirúrgico, a taxa de mortalidade encontrada na literatura varia de 5 a 32%. Os autores apresentam um caso de fratura de coluna torácica, que evoluiu com abcesso epidural, num paciente portador de espondilite anquilosante. Houve déficit neurológico rapidamente progressivo, que regrediu após descompressão de emergência e fixação cirúrgica da fratura. Apesar do curso longo de antibioticoterapia, houve recidiva da infecção, só controlada após remoção do material de síntese. Em casos de fratura de coluna em pacientes imunocomprometidos, a hipótese de abcesso epidural, quando houver dor de difícil controle ou déficit neurológico progressivo, deve ser lembrada.

Espondilite anquilosante; Fratura da coluna vertebral; Vértebras torácicas; Abscesso epidural


Epidural abscesses are uncommon forms of spinal infection, presenting severe complications due to its difficult diagnosis and management. Although diagnosis and management have evolved, mortality rates are still high, ranging from 5 to 32% according to literature. The authors present a case of thoracic spine fracture, evolving with an epidural abscess, in a patient suffering from ankylosing spondylitis, with longstanding steroid therapy. A rapidly progressive neurological deficit developed, which resolved after emergency decompression and fracture fixation. Despite of the long-term antibiotic treatment, the infection recurred, being controlled only after hardware removal. In cases of spine fractures associated to immunossupression, the hypothesis of epidural abscess, especially with intense pain or progressive neurological deficit, must be considered.

Spondylitis, ankylosing; Spine fractures; Thoracic vertebrae; Epidural abscess


RELATO DE CASO

Abcesso epidural pós-traumático

Emiliano VialleI; Luiz Roberto VialleII; Guillermo HoltmannIII

IPreceptor do Grupo de da Coluna, Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Hospital Universitário Cajuru, Pontifícia Universidade Católica do Paraná

IIProfessor Titular , Chefe do Grupo de Cirurgia da Coluna, Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Hospital Universitário Cajuru, Pontifícia Universidade Católica do Paraná

IIIEstagiário do Grupo de Cirurgia da Coluna, Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Hospital Universitário Cajuru, Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Clínica da Coluna Vertebral Rua Brigadeiro Franco, 979 Curitiba - PR - Brasil - CEP 80430-210 Email: evialle@viallespine.com.br

RESUMO

Abcessos epidurais são formas incomuns de infecção na coluna, com complicações graves em decorência de seu difícil diagnóstico e tratamento. Apesar dos avanços em métodos diagnósticos e de tratamento medicamentoso e cirúrgico, a taxa de mortalidade encontrada na literatura varia de 5 a 32%.

Os autores apresentam um caso de fratura de coluna torácica, que evoluiu com abcesso epidural, num paciente portador de espondilite anquilosante. Houve déficit neurológico rapidamente progressivo, que regrediu após descompressão de emergência e fixação cirúrgica da fratura. Apesar do curso longo de antibioticoterapia, houve recidiva da infecção, só controlada após remoção do material de síntese.

Em casos de fratura de coluna em pacientes imunocomprometidos, a hipótese de abcesso epidural, quando houver dor de difícil controle ou déficit neurológico progressivo, deve ser lembrada.

Descritores: Espondilite anquilosante; Fratura da coluna vertebral; Vértebras torácicas; Abscesso epidural.

INTRODUÇÃO

O abscesso epidural é uma forma rara de infecção da coluna vertebal, com complicações graves e elevada mortalidade.

Descrito por Morgagni em 1761, e definido como entidade clínica por Bergamaschi em 1820, o abscesso epidural tinha evolução invariavelmente fatal antes do advento da antibioticoterapia apud Browder e Meyers(1). O primeiro a propor o tratamento cirúrgico foi Barth (1901), para posteriormente admitir que a cirurgia isolada não modificava a evolução da doença apud Walker(2). Em 1925, Dandy relatou mortalidade de 83% em sua série de casos apud Browder e Meyers(1).

A combinação do manejo cirurgico com antibióticoterapia reduziu a mortalidade para menos de 50% dos casos até 1950(3), e a melhora no diagnostico baixou as taxas para menos de 30%(4).

A incidência do absceso epidural é de 0.2 a 1.2 casos a cada 10.000 internamentos hospitalares, sendo maior em centros de referência(5). Na última década houve um aumento no número de casos, não apenas em pacientes imunodeprimidos e drogaditos, mas pelo aumento no número de procedimentos diagnósticos e terapêuticos percutâneos, e pela melhora na sensibilidade de estudos diagnósticos, que muitas vezes não eram capazes de identificar o abcesso epidural(6).

Apesar de acometer pessoas em todas as faixas etárias, há maior número de pacientes entre a sexta e sétima décadas de vida, assim como um maior número de homens acometidos (2:1)(7).

Alguns fatores clínicos predispõe à infecções, como diabetes mellitus, drogadição, insuficiência renal, alcoolismo, presença de neoplasia, obesidade, corticoterapia prolongada e septicemia.

Fatores predisponentes locais são traumatismos recentes(7), cirurgia da coluna, injeções ou catéteres epidurais.

O agente etiológico mais frequente é o Staphilococus aureus (70%), seguido de Staphilococcus sp. (7%). Em drogaditos há maior incidência de bacilos gram-negativos e pseudomonas. Em até 40% dos casos não é possível a identificação do microorganismo infectante(6,8).

Este estudo tem por objetivo apresentar caso de abcesso epidural após fratura de coluna, num paciente portador de espondilite anquilosante.

RELATO DO CASO

Paciente 54 anos, sexo masculino, portador de espondilite anquilosante com acometimento de toda coluna vertebral, admitido ao hospital após acidente automobilístico, onde foi identificado trauma torácico com fraturas de seis arcos costais.

Radiografias da coluna não mostraram alteração, mas o paciente apresentava dor torácica intensa e que o impedia de permanecer sentado. Ao exame físico havia dor à palpação da linha média na altura do ângulo da escápula. Uma Tomografia Computadorizada foi solicitada, mas não identificou nenhuma lesão óssea.

No quinto dia após o trauma seguia sem controle da dor, mas passou a apresentar perda de força nos membros inferiores, assim como retenção urinária. Com a suspeita de compressão do canal medular, o paciente foi submetido a Ressonância Nuclear Magnética de coluna torácica, onde se observou coleção de líquido epidural, interpretado inicialmente como hematoma, da quinta à oitava vértebra torácica, além de um traço horizontal de fratura acometendo o corpo e os elementos posteriores da sétima vértebra torácica, porém sem desvio (Figura 1).


O paciente foi então submetido a descompressão de emergência e já no início da laminectomia, abundante quantidade de material purulento pode ser removido do canal. A laminectomia foi ampliada um nível acima e um abaixo do ponto onde se observava a fratura por cizalhamento, permitindo limpeza ampla do canal medular, e irrigação extensa com soro fisiológico. A fratura mostrou-se instável, principalmente após a laminectomia, e por este motivo optou-se por fixação com parafusos pediculares em T5, T6, T8 e T9. O paciente apresentou melhora do estado geral e recuperação gradual da força muscular dos membros inferiores, recuperando capacidade deambulatória (com andador) no oitavo dia pós-operatório, e controle urinário no vigésimo primeiro dia após a descompressão. O exame de cultura da secreção identificou Staphilococcus Aureus B-Lactamase Positivo, sensível a Ciprofloxacina. Foi tratado com regime de antibioticoterapia endovenosa até a normalização de seus exames laboratoriais (Tabela 1), seguido de um curso de seis semanas de antibioticoterapia via oral.

Três meses após a cirurgia, sua força muscular era normal e não havia qualquer sinal de infecção, além de haver sinais radiográficos de consolidação da fratura. No décimo mês pós-operatório, apresentou febre e drenagem de secreção purulenta pela cicatriz cirúrgica com identificação do mesmo germe. Iniciou curso de antibioticoterapia por seis semanas, sem resolução do quadro. Optou-se então por nova abordagem cirúrgica, onde não se observou abcesso epidural, mas infecção próxima ao material de síntese, que foi removido, uma vez que havia evidência de consolidação óssea. Um novo curso de antibioticoterapia, por seis semanas, controlou os sintomas, havendo normalização dos exames laboratoriais. A última avaliação clínica, com 18 meses do quadro inicial, mostrou normalização do quadro clínico e laboratorial do paciente.

DISCUSSÃO

A espondilite anquilosante (EA) é uma doença inflamatória crônica, que acomete toda a coluna vertebral e tem como consequências principais a perda de mobilidade e de qualidade mineral óssea. O portador de EA apresenta risco elevado para fraturas da coluna com características especiais, tipo cizalhamento, que podem passar desapercebidas em mais de um terço dos casos(9). O trauma e a imunodepressão (neste caso secundária ao tratamento prolongado para EA) são fatores predisponentes ao desenvolvimento de abcesso epidural(3,4,6).

A associação com trauma fechado existe em até 15% dos casos(10), mas geralmente há uma fonte de infecção primária que pode ser identificada. Acredita-se que o trauma ocasione um hematoma epidural, e que este se infecte. Poucos relatos na literatura comprovam, entretanto, esta hipótese, havendo apenas dois casos de abcesso epidural associados a fratura de coluna publicados. Um deles ocorreu 48 horas após uma fratura de T12, e estava associado a uma celulite no membro superior direito (acesso venoso do paciente)(11). Houve déficit neurológico (Frankel A, segundo os autores), que regrediu para Frankel C após descompressão e estabilização de emergência, 72 horas após o trauma.

No outro caso, o abcesso epidural ocorreu após uma fratura de sacro, em um paciente com história de uso de drogas, e que apresentava déficit de raízes sacrais após o trauma(8). Ainda apresentou infecção urinária, tida como fonte da febre que o paciente apresentava. A cirurgia para descompressão foi indicada no décimo dia pós-fratura, por não haver melhora do déficit neurológico, sem suspeita de infecção. A recuperação de déficit não pode ser avaliada adequadamente, por haver lesão traumática das raízes sacrais. Em ambos os casos, o agente identificado foi o Staphylococcus aureus.

O abcesso epidural pode apresentar-se de forma inespecífica, com queixas variáveis de dor, parestesias e sintomas constitucionais, seguidas de uma piora súbita e fulminante(8). O sintoma mais comum é dor (90% dos casos), seguido de febre (60 a 70% dos casos)(10). Espasmo muscular, limitação da mobilidade e dificuldade para deambulação podem estar presentes, mas sintomas neurológicos estão presentes em menos de 30% dos pacientes quando do diagnóstico. Avaliando todo o curso da doença, déficit neurológico está presente em até 70% dos casos. A presença de sinais de septicemia, quando do diagnóstico, parece ser o principal fator prognóstico, e alguns estudos mostram mortalidade próxima a 100%(12,13).

No caso apresentado, o quadro de dor associado ao politrauma, as alterações radiográficas da espondilite anquilosante, e a falta de sinais clínicos de infecção, em decorrência da imunossupressão, foram responsáveis pelo retardo no diagnóstico. A presença de quadro neurológico progressivo, associado à história de trauma, levantou a hipótese de um hematoma epidural, que também pode estar associado às fraturas da coluna na EA. A RNM solicitada identificou a massa epidural, mas não foi capaz de diferenciar entre hematoma e abcesso(8,10) (Figura 1).

Quanto à localização, a coluna torácica parece estar associada a pior prognóstico de recuperação neurológica, mesmo após descompressão cirúrgica, se comparada à coluna cervical e lombar(2,3,6,12). Neste caso, a realização de descompressão de emergência, em menos de 12 horas do início dos síntomas neurológicos pode explicar a recuperação completa da função motora do paciente. Apesar de parecer lógico que a descompressão precoce esteja associada a melhor recuperação, há controvérsia quanto ao tempo limite para que esta seja eficaz, com estudos apresentando tempos para descompressão de 8 a 36 horas, a partir do aparecimento de déficit neurológico(13).

Em relação aos exames laboratoriais, Soehle e Wallenfang(4) demonstraram que a PCR pode ter valor prognóstico entre a primeira e segunda semana de tratamento, mas não possui valor diagnóstico(12). O VHS aumenta de forma variável, e Reihsaus et al identificaram 6% de casos com VHS normal em sua série de 117 pacientes com abcesso epidural(5). Já a leucocitose está presente em 60-70% dos casos(6), e no estudo de Soehle e Wallenfang(4) pôde ser relacionada com o prognóstico. A contagem de leucocitos foi significativamente mais alta no grupo de pacientes que apresentou má evolução, tanto na admissão quanto na sequência do tratamento. A falta de resposta imune, no caso apresentado, limita o valor dos exames laboratoriais como parâmetro de acompanhamento clínico.

A descompressão cirúrgica está indicada na presença de déficit neurológico, e há controvérsia quanto à instrumentação ou não após a descompressão, pelo risco de contaminação do implante e perpetuação do processo infeccioso. No caso em questão, a instrumentação foi utilizada pela associação de uma fratura instável com uma laminectomia descompressiva, apesar do risco de contaminação envolvido. A recidiva dos sintomas e o controle da infecção após a retirada do material comprovam a tendência de que, se possível, a associação de implantes metálicos em casos de abcesso epidural deve ser evitada.

Uma opção relatada na literatura é a drenagem do abcesso através de cateter epidural, seguida de irrigação local, mas geralmente de modo eletivo e em pacientes sem déficit neurológico(10,13).

Em pacientes sem sintomatologia neurológica, e em bom estado geral, pode-se optar por antibioticoterapia isolada, sem descompressão cirúrgica, desde que haja seguimento clínico cuidadoso, e a opção de cirurgia seja utilizada no aparecimento de sinais se septicemia ou sintomas neurológicos. Savage et al trataram 29 pacientes com abcesso epidural deste modo, com 83% de sucesso. Nesta série, três pacientes precisaram de descompressão cirúrgica e um faleceu(3).

A recomendação para antibioticoterapia é de início com medicamentos de amplo espectro e com cobertura anti-estafilococo, até que a determinação do agente causal seja possível(3). Este deve ser mantido por seis semanas, por via endovenosa, e seguido de antibioticoterapia oral até normalização dos exames laboratoriais. A taxa de reoperação no abcesso epidural é elevada (30-40%), e a persistência ou elevação da PCR parecem ser fatores confiáveis na indicação da necessidade de reintervenção para controle da infecção(4).

CONCLUSÃO

Os autores apresentam uma combinação rara de patologias, mas alertam para:

O alto grau de suspeita necessário para identificar uma fratura na coluna torácica de pacientes com espondilite anquilosante.

O risco de abcesso epidural, mesmo sem infecção presente ou contaminação de fraturas de coluna em pacientes imunodeprimidos.

Trabalho recebido em 09/05/07

aprovado em 11/06/07

Trabalho desenvolvido no Hospital Universitário do Cajuru

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  • Endereço para correspondência:
    Clínica da Coluna Vertebral
    Rua Brigadeiro Franco, 979
    Curitiba - PR - Brasil - CEP 80430-210
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      11 Jun 2007
    • Recebido
      09 Maio 2007
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