Acessibilidade / Reportar erro

Alteração do arco longitudinal medial na neuropatia periférica diabética

Resumos

OBJETIVO: Descrever e comparar as características antropométricas dos pés de sujeitos saudáveis e diabéticos neuropatas por meio de índices classificatórios do Arco Longitudinal Medial (ALM): Índice do Arco (IA), Índice de Chippaux-Cmirak (CSI) e Ângulo  (Â) e comparar a classificação destes métodos nestes grupos. MATERIAIS E MÉTODO: Grupo controle (GC) composto por 21 sujeitos saudáveis, e grupo diabético (GD), formado por 46 diabéticos portadores de neuropatia diabética. Pela impressão plantar foram calculados os índices. RESULTADOS: Houve maior proporção de pés planos no GD para os três índices (IA: 32,2%, CSI: 59,7%, A: 17,5%), enquanto os pés cavos comportaram-se de forma contrária. Os grupos foram estatisticamente diferentes em relação à proporção de pés planos no IA (p=0,0080) e no CSI (p=0,0000) e de pés cavos no  (p=0,0036). Houve diferença significativa quando comparados GC e GD para os três índices: IA (p=0,0027), CSI (p=0,0064),  (p=0,0296). CONCLUSÃO: Os dados demonstram alterações motoras e ortopédicas decorrentes da neuropatia periférica, responsável pela desestruturação do pé, levando ao desabamento do ALM. Observou-se que o ângulo A destoou fortemente da classificação do arco feita pelos outros dois índices, e com isso destacamos que sua utilização merece cuidado.

Antropometria; Avaliação; Pé; Diabetes; Polineuropatias


OBJECTIVE: To describe and compare foot anthropometry in healthy and diabetic subjects using Medial Longitudinal Arch (MLA) classificatory indexes: Arch Index (AI), Chippaux-Smirak Index (CSI) and  Angle (Â), as well as to compare the classification of these methods in each group. MATERIALS AND METHODS: Control Group (CG) composed by 21 healthy subjects and Diabetic Group (DG), with 46 diabetic neuropathy subjects. The indexes were calculated from footprints. RESULTS: A larger proportion of flat feet was seen in DG for the three indexes (AI: 32,2%, CSI: 59,7%, A: 17,5%), while highly arched feet acted oppositely. The groups were statistically different for the proportion of flat feet in AI (p=0,0080) and CSI (p=0,0000) and high feet in  (p=0,0036). There were significant differences when compared GC and GD in the three indexes: IA (p=0,0027), CSI (p=0,0064),  (p=0,0296). CONCLUSION: Data showed motor and orthopedic changes originated by peripheral neuropathy, which is responsible for foot changes, causing longitudinal arch crumbling. It was seen that A Angle strongly disagreed when compared with the arch classification made by the other two indexes and therefore, its application needs care.

Anthropometry; Evaluation; Foot; Diabetes Mellitus; Polyneuropathies


ARTIGO ORIGINAL

Alteração do arco longitudinal medial na neuropatia periférica diabética

Isabel de Camargo Neves SaccoI; Gisele Crema NogueraI; Tatiana Almeida BacarinI; Raquel CasarottoI; Fabio Lambertini TozziII

IDepartamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional - Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

IIHospital Universitário da Universidade de São Paulo

Endereço para Correspondência Endereço para Correspondência: Lab. Biomecânica do Movimento e Postura Humana Depto. Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional Faculdade de Medicina - USP Rua Cipotânia, 51, Cidade Universitária São Paulo, SP, Brasil CEP: 05360-000 Email: icnsacco@usp.br

RESUMO

OBJETIVO: Descrever e comparar as características antropométricas dos pés de sujeitos saudáveis e diabéticos neuropatas por meio de índices classificatórios do Arco Longitudinal Medial (ALM): Índice do Arco (IA), Índice de Chippaux-Cmirak (CSI) e Ângulo  (Â) e comparar a classificação destes métodos nestes grupos.

MATERIAIS E MÉTODO: Grupo controle (GC) composto por 21 sujeitos saudáveis, e grupo diabético (GD), formado por 46 diabéticos portadores de neuropatia diabética. Pela impressão plantar foram calculados os índices.

RESULTADOS: Houve maior proporção de pés planos no GD para os três índices (IA: 32,2%, CSI: 59,7%, A: 17,5%), enquanto os pés cavos comportaram-se de forma contrária. Os grupos foram estatisticamente diferentes em relação à proporção de pés planos no IA (p=0,0080) e no CSI (p=0,0000) e de pés cavos no  (p=0,0036). Houve diferença significativa quando comparados GC e GD para os três índices: IA (p=0,0027), CSI (p=0,0064),  (p=0,0296).

CONCLUSÃO: Os dados demonstram alterações motoras e ortopédicas decorrentes da neuropatia periférica, responsável pela desestruturação do pé, levando ao desabamento do ALM. Observou-se que o ângulo A destoou fortemente da classificação do arco feita pelos outros dois índices, e com isso destacamos que sua utilização merece cuidado.

Descritores: Antropometria. Avaliação. Pé. Diabetes. Polineuropatias.

INTRODUÇÃO

A diabetes está sendo considerada como uma doença de proporções epidêmicas em todo o mundo, com um número crescente de novos casos diagnosticados a cada ano. Atualmente, segundo a OMS, existem 150 milhões de pacientes diabéticos no mundo. Estima-se que no ano de 2025 esta cifra chegará a 300 milhões. Ainda conforme dados da OMS, o Brasil, com cerca de 6 milhões de diabéticos, é o 6º país do mundo em número de pessoas com diabetes.1 Está geralmente associada a complicações responsáveis por gastos expressivos em saúde, além de substancial redução da capacidade de trabalho, da qualidade e da expectativa de vida.

Dentre as complicações crônicas, destaca-se a polineuropatia diabética caracterizada por uma perda progressiva da sensibilidade somatossensorial, propriocepção, função muscular e funções autonômicas. A neuropatia diabética pode ser classificada de acordo com a gravidade e progressão de seus acometimentos em neuropatia sensitiva, motora e autonômica.

Os pés são alvo da convergência de praticamente todas as complicações crônicas a que o diabético está sujeito, merecendo discussão a parte, em função do elevado potencial para produzir incapacitação. Um grande número de amputações das extremidades inferiores ocorre anualmente em pessoas diabéticas, e estima-se que mais da metade poderiam ser preveníveis através de cuidados apropriados com os pés.2 Estimativas mostram que a ulceração do pé ocorre em aproximadamente 15% dos pacientes diabéticos durante toda vida. Além disso, mais de 60.000 amputações de extremidade inferior são feitas em pacientes com diabetes anualmente.3 É estimado ainda que 20% das hospitalizações atribuídas a diabetes são resultado das úlceras e infecções dos pés. Outro estudo indica que as ulcerações relacionadas ao pé do diabético estão associadas ao aumento da mortalidade.4

A neuropatia motora produz um desarranjo na musculatura intrínseca do pé, sua atrofia e perda conseqüente da mobilidade articular, especialmente da subtalar e metatarsofalangeana.5 Esta perda motora e de mobilidade aumenta a rigidez do complexo pé-tornozelo aumentando a susceptibilidade do tecido plantar a hiperqueratinizar em resposta a um estímulo mecânico o que leva a calosidades e deformidades articulares que no futuro podem tornar-se lesões.6,7 Essas alterações da arquitetura normal do pé diabético freqüentemente estão associadas à desestruturação dos seus arcos de sustentação, promovendo um desabamento do arco longitudinal medial (ALM) e transverso que pode ser a causa de uma maior pressão na região da cabeça dos metatarsianos, levando a perda de funcionalidade do pé.

Existem alguns métodos diretos e indiretos de avaliação do ALM citados na literatura. Dentre os métodos descritos, a avaliação radiográfica possui custo relativamente alto, e a radiação representa certo risco ao paciente, fatores que dificultam sua utilização em estudos de larga escala. Já o método da impressão plantar é rápido, não-invasivo e simples que oferece uma medida indireta do ALM, ao mesmo tempo em que se apresenta como um método barato, sem riscos ou dificuldades.8

Forriol e Pascual8 descrevem uma forma de classificar o ALM baseado no cálculo de um índice: o Índice de Chippaux-Smirak (CSI).9,10 Para tal cálculo, traça-se uma reta (A-A') entre o bordo medial da impressão nos pontos mais mediais dos metatarsos (ponto A) e do calcanhar (ponto A'), do ponto A, é traçado o ponto de maior largura dos metatarsos (ponto b) e um segmento de reta paralela é representada como a largura mínima do pé na área do arco (linha c). Os dois segmentos de reta são medidos e feita a razão do menor sobre o maior (c/b). Quanto maior o Índice, maior será a largura do arco e mais plano é o ALM. (Figura 1) Clarke11 descreve outra forma de classificação indireta do ALM, denominada de Ângulo da Impressão ou Ângulo Alfa (Ângulo A). Para a medida deste Ângulo, é traçado ainda um segmento de reta entre o ponto A e o ponto que corresponde ao ápice da concavidade do arco. O ângulo entre a reta A-A' e este segundo segmento de reta traçado é o ângulo da impressão de Clarke. (Figura 1) Um ângulo pequeno indica um arco mais rebaixado.


Outra forma de classificação do arco é descrita por Cavanagh e Rodgers.12 Os autores classificaram o ALM usando a proporção de um terço da área da impressão plantar pela área total do pé. A primeira marcação foi feita do centro do calcanhar até o segundo dedo. Esta linha foi denominada como o "eixo do pé". Uma linha tangencial ao eixo é traçada tendo como base o ponto mais saliente dos metatarsos e outra no mesmo ponto no calcanhar. A linha formada entre os pontos de intersecção entre essas linhas e o eixo é denominada jk. Posteriormente, esta linha é divida em três partes iguais, dividindo o pé em três partes: antepé, médio-pé e retropé. (Figura 2) Estas três áreas são então medidas com um planímetro e a área do médio-pé é divida pela área total do pé excetuando-se os dedos, encontrando-se assim o índice do arco. Quanto maior o valor da razão, maior o rebaixamento do ALM.


Diante do contexto, o presente estudo teve como objetivos: descrever e comparar as características antropométricas dos pés de sujeitos saudáveis e de diabéticos neuropatas adultos freqüentadores do Ambulatório do Pé Diabético no HU USP por meio de três índices classificatórios do arco longitudinal medial; e comparar a classificação de três métodos de avaliação do arco longitudinal plantar nestes grupos: Índice do Arco baseada em Cavanagh e Rodgers12, Índice de Chippaux-Smirak (CSI)9,10 e Ângulo Â.11

MATERIAL E MÉTODO

Todos os sujeitos tomaram conhecimento dos procedimentos experimentais submetidos e aprovados pela Comissão de Ensino e Pesquisa da Instituição local, por meio de um termo de consentimento livre e esclarecido e após o conhecimento e esclarecimento de possíveis dúvidas, assinaram este termo.

A amostra experimental foi constituída de dois grupos de adultos, voluntários, de ambos os sexos até 65 anos: controle (GC) e diabético neuropata (GD). O grupo controle (GC) foi composto por 21 sujeitos saudáveis, sendo 7 do sexo masculino e 14 feminino. O Grupo Diabético Neuropata (GD) formado por 46 diabéticos (29 do sexo masculino e 17 feminino) portadores de neuropatia diabética diagnosticados clinicamente. Entre os sujeitos do GC e GD foram avaliados 44 caucasianos (65%), 13 negros (20%) e 10 amarelos (15%). Os critérios de inclusão para o grupo diabético foram: diabéticos tipo 1 ou 2, portadores de neuropatia diabética identificados inicialmente pela pontuação obtida (acima de 2 pontos) na triagem feita através da avaliação inicial dos pacientes atendidos no Ambulatório do Pé Diabético da Instituição local, abaixo de 65 anos, sem macroangiopatia, osteoartrose em membros inferiores, sem história de doenças neurológicas, musculares ou reumáticas fora da etiologia da Diabetes, sem história de uso excessivo de álcool, sem amputações até a região de metatarsofalangeanas. Foi realizado ainda, exame radiográfico para exclusão de atropatia de Charcot potencial influenciador do arco longitudinal.

O protocolo experimental foi constituído por duas etapas: (1) entrevista pessoal baseada em um questionário com o intuito de investigar os dados pessoais e da diabetes, assim como as características da neuropatia13; (2) impressão plantar, em bipedestação com distribuição bilateral de carga utilizando-se um pedígrafo.

A partir da impressão plantar utilizando-se um planímetro, foi calculado o Índice do Arco Plantar de acordo com Cavanagh e Rodgers.12 Os arcos plantares foram classificados da seguinte maneira: Iarco < 0,21: arco elevado, 0,22 < Iarco < 0,26: arco normal, Iarco> 0,26: arco baixo. O Índice de Chippaux- Smirak (CSI).9,10 foi calculado e cinco categorias são utilizadas para a classificação do arco: 0%: pé de arco elevado; 0,1% a 29,9%: pé de arco morfologicamente normal; 30% a 39,9%: pé intermediário; 40% a 44,9%: pé de arco rebaixado; 45% ou maior: pé plano. O Ângulo A' foi medido de forma indireta e os pés com angulações entre 0 e 29,9° são considerados planos; de 30° a 34,9°, rebaixados; de 35° a 41,9°, intermediários e acima de 42°, os pés são classificados como cavos.

O tratamento estatístico teve por objetivo central descrever as populações em estudo, comparar os grupos controle e diabético. Para a descrição das variáveis em estudo, empregamos: média aritmética, mediana e desvio padrão. Após a verificação da normalidade dos dados pelo teste de Shapiro Wilks, utilizou-se o teste não-paramétrico Mann Whitney para comparar os grupos controle e diabético para o Índice do Arco, CSI e Ângulo A e o teste não-paramétrico qui-quadrado para comparação entre os dois grupos para cada classificação ordinal do ALM (plano, normal e cavo). Adotou-se nível de significância inferior a 5%.

RESULTADOS

A tabela 1 apresenta os dados antropométricos e clínicos dos pacientes diabéticos neuropatas e sujeitos controle avaliados.

O grupo diabético neuropata apresentou uma mediana de pontuação no questionário proposto por Feldman et al.13 para caracterizar e classificar a gravidade da neuropatia diabética de 7 e o grupo controle, como esperado, zero. Desta forma, pode-se caracterizar o grupo diabético como tendo uma neuropatia já avançada com sintomatologia bastante importante.

Na tabela 2 são apresentadas as porcentagens de sujeitos segundo as classificações do Índice do Arco, CSI, Ângulo A, do Grupo Controle e do Grupo Diabético Neuropata.

Quanto ao Índice do Arco, o grupo controle apresentou maior porcentagem (61,9%) de pés normais, os pés cavos representaram 26,1% e os pés planos representaram 11,9%. Para o mesmo índice, o grupo diabético apresentou 44,9% de pés normais, significativamente mais pés planos (32,2%, p=0,0080) e uma menor porcentagem de pés cavos (22,9%).

Quanto ao CSI, o grupo controle apresentou uma maior porcentagem de pés normais (47,6%), significativamente menos pés planos que o GC (45,2%, p=0,0000) e 7,2% de cavos. Já no grupo diabético, houve uma significativa maior porcentagem de pés planos (59,7%), seguida de 40,3% de pés normais, e não apresentaram pés cavos.

Quanto ao ângulo A, observou-se que tanto os grupos GC como GD apresentaram uma maior porcentagem de pés cavos (90,4% e 68,7%, respectivamente), apresentando-se com diferença estatisticamente significativa (p=0,0036). Os pés normais representaram 9,6% no controle e 13,8% no diabético, enquanto os pés planos representaram 17,5% no grupo diabético.

DISCUSSÃO

Os sujeitos do grupo diabético apresentaram no questionário de Feldman et al.13 um grande número de respostas afirmativas para os sintomas primordiais da neuropatia diabética, e como foi preconizado por Cavanagh et al.14, o diabético neuropata apresenta parestesias (adormecimento ou formigamento) e dor que exteriorizam-se com maior freqüência no período noturno.

Pelos resultados obtidos, para os três índices analisados foi observada uma maior incidência de pés planos no grupo diabético quando comparado ao grupo controle, enquanto pés normais e cavos apresentaram uma incidência diminuída no grupo diabético também nos três índices. Quando realizada a comparação estatística, observou-se que tais diferenças apresentaram-se significativas para o Índice do Arco (p=0,0080) e para o CSI (p=0,0000) nos pés planos e, para o Ângulo  (p=0,0036) nos pés cavos.

O pé é uma estrutura altamente especializada dotada de resistência e delicadeza suficientes para desempenhar funções tão diferentes como suportar cargas importantes, absorver grandes impactos, promover impulsão e desacelerações, estabilizar, equilibrar, acomodar e sentir15, sendo alvo de convergência de praticamente todas as complicações crônicas a que o diabético está sujeito, apresentando elevado potencial para produzir incapacitação.

Tanto o aumento de pés planos pelo Índice do Arco e pelo CSI, como a diminuição de pés normais pelo Ângulo Â, demonstram as inúmeras alterações ósseas e musculares decorrentes da neuropatia diabética, que levam à desestruturação do pé diabético. Dentre as alterações estruturais mais comuns, destacam-se: dedos em garra associados à dorsiflexão das articulações metatarso-falangeanas, devido à contração simultânea dos músculos flexores e extensores longos para compensar a atrofia.16 A alteração da arquitetura normal do pé diabético freqüentemente é associada à desestruturação dos seus arcos de sustentação em função de um desarranjo na musculatura intrínseca do pé decorrente especialmente do componente motor da neuropatia diabética, promovendo um desabamento do arco longitudinal medial e transverso que pode ser a causa de uma maior pressão na região da cabeça dos metatarsianos, levando a diminuição da funcionalidade do pé.6

A capacidade do pé de se alterar de uma estrutura flexível para rígida dentro de um único passo é dependente da estrutura óssea dos três arcos do pé, do suporte estático ligamento-fascial e da contração muscular dinâmica, estruturas que no diabético neuropata encontram-se amplamente alteradas.17 A neuropatia motora produz um desarranjo na musculatura intrínseca do pé, criando pontos de hiperpressão na região plantar (calosidades) e deformidades (dedos em garras, pé de Charcot, proeminência da cabeça dos metatarsos), que no futuro podem tornar-se lesões.6

As alterações ortopédicas nos pés de diabéticos envolvem tanto a neuropatia e a perda de sensação de proteção, quanto à descarga de peso elevada levando às deformidades observadas nestes doentes.18 Assim, neuropatias motoras resultam no desequilíbrio muscular, causando stress anormal na extremidade afetada levando à alterações mecânicas e ortopédicas. Autores ainda destacam que a perda de inervação dos motoneurônios nos músculos intrínsecos do pé pode alterar a dinâmica dessa descarga de peso, promovendo uma instabilidade das articulações, auxiliando na formação dessas deformidades.19 Tipicamente, no paciente neuropata, súbitas ou repetidas sobrecargas podem induzir fraturas e deslocamentos que levarão a deformidades severas.

Em função de todo o quadro descrito, já era esperado que a antropometria do pé de diabéticos neuropatas apresentasse de forma diferente em relação a um grupo de sujeitos controle sem tais alterações músculo-esqueléticas e sensoriais. Estas diferenças foram encontradas na amostra estudada, observando-se diferença estatisticamente significativa entre os grupos controle e diabético para todos os índices estudados: Índice do Arco (p=0,0027), CSI (p=0,0064), Ângulo A (p=0,0296). Ainda assim, cabe ressaltar que as amostras estudadas apresentavam um n desigual, fato este que pode ter comprometido as comparações entre os grupos.

Ainda pela comparação realizada, podemos sugerir que apenas os índices IA e CSI podem ser bastante confiáveis para a avaliação antropométrica também para pacientes diabéticos neuropatas, visto que a avaliação do ângulo A destoou fortemente quanto à classificação feita pelos outros dois índices. Os índices CSI e IA são citados e validados na literatura, mas nenhum deles tinha sido utilizado em pacientes com tais características até então.

CONCLUSÃO

Especialmente os índices do arco de Cavanagh e Rodgers12 e de ChipPaux-Smirak(9,10) são métodos fortemente recomendados na literatura e utilizado pelos profissionais da área, e mostram-se válidos para a caracterização dos pés nos grupos controle e diabético estudados. A análise dos dados mostrou o aumento de pés planos na amostra do grupo diabético, enquanto os pés cavos comportaram-se de forma contrária, em maior número no grupo controle. Este fato demonstra as alterações ortopédicas e funcionais decorrentes da neuropatia diabética, responsável pela desestruturação músculo-esquelética do pé diabético, levando principalmente ao desabamento do arco longitudinal medial, alvo de nosso estudo.

Estudos com amostra ampliada e semelhante tanto em sujeitos saudáveis quanto em diabéticos neuropatas devem ser realizados no intuito de confirmar os resultados aqui obtidos. O estudo radiográfico da estrutura óssea do pé poderia também ser adotado como um dado prévio à comparação dos índices para classificação do arco como outros estudos na literatura.

Trabalho recebido em 03/03/06

aprovado em 26/06/06

Todos os autores declaram não haver nenhum potencial conflito de interesses referente a este artigo.

  • 1
    Brasil. Ministério da Saúde. Indicadores de morbidade e fatores de risco: taxa de prevalência de diabete melito. Brasília, 2001 [Capturado em 22 de Julho de 2002]. Disponível em http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/Idb2001/d10.htm
  • 2. Ministério da Saúde. Manual de Diabetes; 1993.
  • 3. Pham H, Armstrong DG, Harvey C, Harkles LB, Giurini JM, Veves A. Screening techniques to identify people at high risk for diabetic foot ulceration. Diabetes Care. 2000;23:606-11.
  • 4. Frykberg RG, Lavery LA, Pham H, Harvey C, Harkless L, Veves A. Role of neuropathy and high foot pressures in diabetic foot ulceration. Diabetes Care. 1998;21:1714-9.
  • 5. Duffin AC, Lam A, Kidd R, Chan AK, Donaghuet KC. Ultrasonography of plantar tissues thickness in young people with diabetes. Diabet Med. 2002;19:1009-13.
  • 6. Tozzi F. Manual de cirurgia do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo. Atheneu: São Paulo; 2002.
  • 7. Robertson DD, Mueller JM, Smith KE, Commean PK, Pilgram T, Johnson JE. Structural changes in the forefoot of individuals with diabetes and prior plantar ulcer. J Bone Joint Surg Am. 2002;84:1395-1404.
  • 8. Forriol F, Pascual J. Footprint analysis between three and seventeen years of age. Foot Ankle. 1990;11:101-4.
  • 9. Chippaux C. Elements d'Anthropologie. Le Phar: Marseille; 1947.
  • 10. Smirak J. Prispeveck k problematice ploché nohy u skolni a pracijici miádeze. SPN: Prague; 1960.
  • 11. Clarke HH. A objective method of measuring the height of the longitudinal arch in foot examinations. Res Q. 1993; 4:99-107,
  • 12. Cavanagh PR, Rodgers MM. The Arch Index: a useful measure from footprints. J Biomech 1987;20:547-51.
  • 13. Feldman EL, Stevens MJ, Thomas PK, Brown MB, Canal N, Greene DA. A practical two-step quantitative clinical and electrophysiological assessment for the diagnosis and staging of diabetic neuropathy. Diabetes Care. 1994;17: 1281-9.
  • 14. Cavanagh PR, Simoneau GG, Ulbrecht JS. Ulceration, unsteadiness, and uncertainty: the biomechanical consequences of diabetes mellitus. J Biomech 1993;26(Suppl 1):23-40.
  • 15. Volpon JB, Watanabe AT. A técnica topográfica "Moiré" aplicada ao estudo da superfície plantar do pé. Rev Bras Ortop. 1991;26:119-23.
  • 16. Beek AL, Omer GE, Spinner M. Management of peripheral nerve problems. 2nd ed. Philadephia: Saunders; 1998.
  • 17. Smith LK, Weiss EL, Lehnkuhl LD. Cinesiologia Clínica de Brunnstrom. 5Ş ed. São Paulo: Manole; 2000.
  • 18. Juliano PJ, Harris TG. Charcot foot: update, diagnosis, treatment, reconstruction and limb salvage. Curr Opin Orthop. 2003;14:84-7.
  • 19. Armstrong DG, Lavery LA. Elevated peak plantar pressures in patients who have charcot artropathy. J Bone Joint Surg Am. 1998;80:365-8.
  • Endereço para Correspondência:

    Lab. Biomecânica do Movimento e Postura Humana
    Depto. Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional
    Faculdade de Medicina - USP
    Rua Cipotânia, 51, Cidade Universitária
    São Paulo, SP, Brasil
    CEP: 05360-000
    Email:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Mar 2009
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Aceito
      26 Jun 2006
    • Recebido
      03 Mar 2006
    ATHA EDITORA Rua: Machado Bittencourt, 190, 4º andar - Vila Mariana - São Paulo Capital - CEP 04044-000, Telefone: 55-11-5087-9502 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: actaortopedicabrasileira@uol.com.br