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Relação entre o ligamento patelofemoral lateral e a largura da faceta patelar lateral

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a relação entre o comprimento e largura do ligamento patelofemoral lateral (LPFL) e a largura da faceta articular patelar lateral (FAPL) em cadáveres. A instabilidade patelofemoral está intimamente relacionada com a morfologia patelar e com a tensão das estruturas retinaculares laterais. Estudos evidenciam que quanto mais larga a faceta patelar lateral e quanto mais tenso o retináculo lateral, maior a propensão do desenvolvimento de uma enfermidade na articulação patelofemoral. MÉTODOS: Foram dissecados 20 joelhos em 20 cadáveres. Identificamos as peças quanto ao gênero, idade, lado dissecado, comprimento e largura do LPFL e a largura da FAPL. Foi utilizado o nível de significância estatística de 5% (0,050) e a aplicação da análise de correlação de Spearman. RESULTADOS: O LPFL apresentou em média 16,05 milímetros de largura (desvio-padrão 2,48) e 42,10 milímetros de comprimento (desvio-padrão 8,84). A largura da FAPL variou de 23 a 37 milímetros (média 28,1). A relação entre a largura da FAPL e a largura do LPFL é estatisticamente não-significante (p=0,271), enquanto que a relação entre a largura FAPL e o comprimento do LPFL é estatisticamente significante (p=0,009). CONCLUSÃO: O comprimento do LPFL e a largura FAPL apresentam valores inversamente proporcionais.

Joelho; Instabilidade articular; Ligamento patelar; Luxação patelar; Condromalácia da patela; Dissecação


OBJECTIVE: The aim of this study, with cadavers, is to evaluate the relationship between the width and length of the lateral patellofemoral ligament (LPFL) and the size of the lateral patellar articulate facet (LPAF). Patellofemoral instability is closely related to patellar morphology and the lateral retinacular layers. Studies evidence that the wider the lateral patellar facet and the more strained the lateral retinacule, the greater the tendency for development of pathology in the patellofemoral joint. METHODS: 20 knees were dissected in 20 cadavers. The parts were identified according to gender, age, dissected side, length and width of LPFL and width of LPAF. In order to carry out the statistical analysis we adopted the significance level of 5% (0.050) and also used Spearman's Coefficient of Rank Correlation. RESULTS: The LPFL presented a mean width of 16.05 millimeters (standard deviation 2.48) and 42.10 millimeters of length (standard deviation 8.84). The width of the LPAF varied from 23 to 37 millimeters (mean 28.1). It was observed that the relationship between the LPAF and LPFL widths is not statistically significant (p=0.271), whereas the relationship between the LPAF width and the LPFL length is statistically significant (p=0.009). CONCLUSION: The shorter the LPFL the greater the width of the LPAF.

Knee; Joint instability; Patellar ligament; Patellar dislocation; Chondromalacia; Dissection


ARTIGO ORIGINAL

Relação entre o ligamento patelofemoral lateral e a largura da faceta patelar lateral

Marcelo Schmidt NavarroI; Carlos Augusto Beltrani FilhoI; Jorge Akita JuniorI; Ricardo Dizioli NavarroII; Moisés CohenII

IFaculdade de Medicina do ABC, Santo André (SP), Brasil

IIDepartamento de Ortopedia da UNIFESP - São Paulo (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rua Capeberibe, 394 – apto 72, Bairro Barcelona São Caetano do Sul – SP. Brasil CEP: 095-51210. Email: msnavarro@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a relação entre o comprimento e largura do ligamento patelofemoral lateral (LPFL) e a largura da faceta articular patelar lateral (FAPL) em cadáveres. A instabilidade patelofemoral está intimamente relacionada com a morfologia patelar e com a tensão das estruturas retinaculares laterais. Estudos evidenciam que quanto mais larga a faceta patelar lateral e quanto mais tenso o retináculo lateral, maior a propensão do desenvolvimento de uma enfermidade na articulação patelofemoral.

MÉTODOS: Foram dissecados 20 joelhos em 20 cadáveres. Identificamos as peças quanto ao gênero, idade, lado dissecado, comprimento e largura do LPFL e a largura da FAPL. Foi utilizado o nível de significância estatística de 5% (0,050) e a aplicação da análise de correlação de Spearman.

RESULTADOS: O LPFL apresentou em média 16,05 milímetros de largura (desvio-padrão 2,48) e 42,10 milímetros de comprimento (desvio-padrão 8,84). A largura da FAPL variou de 23 a 37 milímetros (média 28,1). A relação entre a largura da FAPL e a largura do LPFL é estatisticamente não-significante (p=0,271), enquanto que a relação entre a largura FAPL e o comprimento do LPFL é estatisticamente significante (p=0,009).

CONCLUSÃO: O comprimento do LPFL e a largura FAPL apresentam valores inversamente proporcionais.

Descritores: Joelho/anatomia & histologia. Instabilidade articular. Ligamento patelar. Luxação patelar. Condromalácia da patela. Dissecação.

INTRODUÇÃO

O estudo detalhado da anatomia do joelho é fundamental para o entendimento das enfermidades que o afetam.1,2 O retináculo patelar é um importante estabilizador da articulação patelofemoral, principalmente seus componentes medial e lateral. O retináculo lateral é constituído pelas camadas superficial oblíqua e a transversa profunda.3 Duas das principais estruturas retinaculares laterais estabilizadoras da patela são o ligamento patelotibial lateral e o ligamento patelofemoral lateral (LPFL).4,5

Há uma grande diversidade anatômica nas estruturas do joelho responsável pelos distúrbios patelares. Dentre essas variáveis há uma grande associação entre o formato da patela e a instabilidade patelofemoral.6,7 O aumento da tensão retinacular lateral durante o desenvolvimento pode causar a inclinação lateral da patela, luxação lateral da patela e alteração da excursão patelar.8

A patela lateralizada durante o crescimento do indivíduo pode ser responsável pelo desenvolvimento de uma faceta patelar lateral mais larga, predispor uma hipoplasia do côndilo femoral lateral, acarretar uma patela alta e um sulco troclear raso.9 Estudos evidenciam que quanto maior a faceta articular patelar lateral e quanto mais tenso e encurtado o LPFL, maior a propensão de um indivíduo desenvolver dor anterior no joelho e instabilidade lateral da patela.10,11

Portanto, procuramos avaliar através do estudo em cadáveres se existe uma relação entre a morfologia do LPFL com o tamanho da faceta articular patelar lateral.

MÉTODO

No Serviço de Verificação de Óbitos do Município da Capital de São Paulo (SVOC-FM USP) foi realizada a dissecação de 20 joelhos em 20 cadáveres. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFESP (CEP 0093/07).

Doze cadáveres eram do gênero masculino e oito do feminino. As peças foram preparadas a fresco e não formolizadas. As peças foram identificadas quanto ao gênero, idade, lado dissecado, data da dissecação, comprimento e largura do ligamento patelofemoral lateral (LPFL) e comprimento da patela (CP). Não consideramos a cor dos cadáveres, uma vez que não encontramos na literatura estudada tal relevância. A escolha das peças foi randomizada, com o objetivo de evitar viés. Utilizou-se um paquímetro milimetrado para a medição dos valores. Todas as medidas foram realizadas com o joelho em flexão de 30º.

Os joelhos que apresentaram sinais de alguma enfermidade ou cicatrizes não foram utilizados. Quando ambos os joelhos apresentaram-se em boas condições de dissecação a escolha pelo lado foi aleatória.

Dos 20 joelhos dissecados, 11 foram do lado direito e 9 do lado esquerdo. A média da idade foi 50,2 anos (de 20 a 88 anos).

Foi realizada incisão ântero-lateral longitudinal no joelho na metade da distância entre o epicôndilo lateral e a borda lateral da patela, conforme descrito por Dye et al.12 A incisão inicial originava-se dois centímetros proximais à borda superior da patela e terminava dois centímetros distais à tuberosidade tibial. (Figura 1)


Após dissecação cuidadosa, foi identificado e removido o retináculo superficial oblíquo (Figura 2), a fim de expor o retináculo transverso profundo (Figura 3), conforme com os estudos de Fulkerson.13



Após a remoção da camada retinacular superficial foi identificado o LPFL, apresentando-se como um espessamento visível e palpável na camada do retináculo transverso profundo. O LPFL foi isolado e dissecado desde a região femoral até e a patelar. (Figura 4) A medição do comprimento foi realizada entre as junções do LPFL com o fêmur e com a patela. A largura foi mensurada na metade da distância do seu comprimento.


Uma vez analisado o LPFL seccionamos o retináculo lateral e evertemos a patela para mensurar a largura da faceta patelar lateral. Essa mensuração foi realizada no equador da patela, entre a aresta patelar sua extremidade articular lateral.

Para a análise estatística foi adotado o nível de significância de 5% (0,050) e utilizado a Aplicação da Análise de Correlação de Spearman.

RESULTADOS

Os resultados obtidos das dissecações estão apresentados na Tabela 1.

A largura média do LPFL foi 16,05mm (variou de 13 a 20 mm) com desvio-padrão de 2,48 e o comprimento médio do LPFL apresentou 42,1 mm (variou de 31 a 53 mm) com desvio-padrão 8,84.

A largura da faceta patelar lateral variou de 23 a 37 milímetros, com média de 28,1 milímetros.

Os resultados estatísticos estão expostos na Tabela 2. A relação entre as variáveis ‘faceta patelar lateral’ e ‘largura ligamento patelofemoral lateral’ (LPFL_L) é estatisticamente não-significante, enquanto que a relação entre as variáveis ‘faceta patelar lateral’ e o ‘comprimento ligamento patelofemoral lateral’ (LPFL_C) é estatisticamente significante.

DISCUSSÃO

As alterações morfológicas do retináculo lateral são consideradas como um dos principais responsáveis pelas enfermidades patelofemorais. O LPFL está diretamente envolvido nessa fisiopatologia, pois essa estrutura é considerada um componente do retináculo lateral e a sua tensão exagerada pode ocasionar subluxação ou luxação lateral da patela.14

Fulkerson e Gossling13 demonstraram que a patela apresenta o primeiro contato articular com a tróclea nos primeiros 10º de flexão do joelho, com entrada levemente lateralizada. Dos 20 aos 30º de flexão a patela encontra-se mais adaptada na tróclea femoral e a partir dos 30º estabiliza-se no sulco troclear. Citaram que a maioria dos problemas patelofemorais está associada com a excursão anormal da patela nos primeiros 30º de flexão. Se o retináculo lateral estiver encurtado e tenso, poderá haver aumento excessivo da pressão e da tensão facetária patelar lateral.13 Referiram ainda que o retináculo lateral tenso apresentou-se com maior frequência nos indivíduos com dor patelofemoral e síndrome da pressão lateral. Essa tensão excessiva pode produzir a inclinação lateral patelar e a dor nos tecidos moles ao seu redor. De acordo com essas informações, notamos que o conhecimento detalhado do retináculo lateral e do LPFL é fundamental para o entendimento das enfermidades que afetam a região anterior do joelho.

No estudo anatômico de Vieira et al.2, em dez joelhos de cadáveres frescos, descreveram o LPFL na camada retinacular lateral profunda. Notaram também que após sua ressecção, a patela espontaneamente excursiona medialmente, o que demonstra a importância desse ligamento na estabilidade patelar no plano sagital.2

Reider et al.1 nomearam o ligamento epicondilopatelar lateral descrito por Kaplan15 como ligamento patelofemoral lateral. Observaram que é um espessamento palpável da cápsula articular e conecta a patela ao epicôndilo femoral. Descreveram que sua largura variou de três a dez milímetros. Em relação à patela, suas mensurações foram realizadas através do estudo de 21 joelhos frescos. Quando as classificaram segundo Wiberg16, 24% dos espécimes eram do tipo I, 57% do tipo II e 19% do tipo III. A largura articular da patela apresentou em média 3,5 centímetros (variou de 3,0 a 3,9 centímetros), o comprimento patelar anterior médio foi 4,5 centímetros (de 3,8 a 5,3). Quando analisaram as correlações quantitativas das suas mensurações, os autores mostraram uma relação significante entre a morfologia da patela e a do ligamento patelofemoral lateral. Afirmaram que quanto mais a patela tende à morfologia do tipo III de Wiberg (a faceta medial é pequena e convexa, enquanto que a lateral é larga e côncava), mais largo é o LPFL. Sugeriram também que o LPFL exerce uma das principais forças que influenciam a forma da patela durante o desenvolvimento do joelho e que a largura desse ligamento é o parâmetro mais intimamente relacionado ao formato da patela. Ainda especulam que o LPFL e o trato iliotibial são estruturas que potencialmente lateralizam a patela, portanto exercem um papel clinicamente relevante nas moléstias da mobilidade patelar.1

De acordo com os resultados das nossas dissecações, observamos a correlação significante entre o comprimento do LPFL e a largura da faceta patelar lateral. Dessa forma, quanto mais curto o LPFL, mais larga é a faceta patelar lateral. Acreditamos que uma hipótese para essa correlação seja a ação do retináculo lateral tenso e encurtado no decorrer do desenvolvimento do joelho. Com a lateralização da patela e o aumento da pressão na faceta lateral durante crescimento do indivíduo, a patela pode desenvolver-se com uma morfologia alterada e predispor às alterações patológicas na articulação patelofemoral.

No estudo da função dos tecidos moles na translação patelar lateral em nove joelhos humanos realizado por Desio et al.17, confirmou-se que o retináculo lateral exerce um papel importante para evitar translação lateral da patela (representa 10% do total da forca de restrição lateral). Essa função do retináculo lateral pode explicar a incidência de altas taxas de falha nos procedimentos de liberação retinacular isolada encontrada na literatura no tratamento das alterações na articulação patelofemoral.

CONCLUSÃO

Segundo a mensuração anatômica adotada, o valor do comprimento do ligamento patelofemoral lateral é inversamente proporcional ao comprimento da largura da faceta articular patelar lateral.

Trabalho recebido em 08/09/08

aprovado em 04/06/09

Todos os autores declaram não haver nenhum potencial conflito de interesses referente a este artigo

Trabalho realizado pelo Grupo de Traumatologia Esportiva da Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina do ABC

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  • Endereço para correspondência:
    Rua Capeberibe, 394 – apto 72, Bairro Barcelona
    São Caetano do Sul – SP. Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      08 Set 2008
    • Aceito
      04 Jun 2009
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