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Pseudoaneurisma de artéria genicular após cirurgia artroscópica de joelho: Relato de dois casos

Resumos

A artroscopia do joelho é considerado um procedimento cirúrgico muito seguro, com um número relativamente pequeno de complicações. Relatamos o caso de dois pacientes do sexo masculino que foram submetidos à artroscopia de joelho (para meniscectomia parcial e reconstrução do ligamento cruzado anterior com parafuso transverso femoral e interferência tibial) que desenvolveram um pseudoaneurisma de artéria genicular superior lateral após o procedimento. A ultrassonografia com Doppler realizou o diagnóstico e os pacientes foram tratados cirurgicamente com ligadura arterial. Um paciente apresentou extenso hematoma na coxa e foi necessária reposição volêmica. Estes casos exemplificam uma complicação vascular rara, nem sempre benigna, em uma cirurgia minimamente invasiva do joelho.

Falso aneurisma; Joelho; Artérias; Artroscopia


Arthroscopy of the knee is a very safe surgical procedure, with relatively few complications. Here we present the cases of two patients submitted to arthroscopic surgery for partial meniscectomy and reconstruction of the anterior cruciate ligament with femoral transverse screw and tibial interference screw that developed a superior lateral genicular artery pseudoaneurysm. Doppler ultrasonography was performed for diagnostic purposes and the patients were treated by direct arterial suture. One patient developed a large haematoma requiring volemic replacement. These cases illustrate a rare, and not always benign vascular complication, in a minimally invasive arthroscopic surgery.

Aneurysm, False; Knee; Arteries; Arthroscopy


RELATO DE CASO

Pseudoaneurisma de artéria genicular após cirurgia artroscópica de joelho: Relato de dois casos

Edgard dos Santos Pereira JuniorI; Luiz Aurélio MestrinerI; Edgard dos Santos PereiraII; Ricardo Perez DominguesII; Marcos Prado Alves CardosoII

IDepartamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP

IIGrupo de Cirurgia do Joelho do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade de Santo Amaro (UNISA)

Endereço para correspondência Endereço para Correspondência: Marcos Prado Alves Cardoso Rua Rafael de Barros, 174, apartamento 21, Paraíso São Paulo-SP. Brasil. CEP 04003-906 E-mail: marcos.pradocardoso@gmail.com

RESUMO

A artroscopia do joelho é considerado um procedimento cirúrgico muito seguro, com um número relativamente pequeno de complicações. Relatamos o caso de dois pacientes do sexo masculino que foram submetidos à artroscopia de joelho (para meniscectomia parcial e reconstrução do ligamento cruzado anterior com parafuso transverso femoral e interferência tibial) que desenvolveram um pseudoaneurisma de artéria genicular superior lateral após o procedimento. A ultrassonografia com Doppler realizou o diagnóstico e os pacientes foram tratados cirurgicamente com ligadura arterial. Um paciente apresentou extenso hematoma na coxa e foi necessária reposição volêmica. Estes casos exemplificam uma complicação vascular rara, nem sempre benigna, em uma cirurgia minimamente invasiva do joelho.

Descritores: Falso aneurisma. Joelho. Artérias. Artroscopia.

INTRODUÇÃO

A artroscopia do joelho é um dos procedimentos ortopédicos mais realizados no mundo, considerado muito seguro, com um índice de complicações gerais muito baixo. As complicações vasculares são raras.

A vascularização do joelho é constituída por dois sistemas arteriais integrados por anastomoses: As cinco artérias geniculares somadas a algumas ramificações articulares e musculares formam o sistema intrínseco enquanto que o sistema extrínseco é formado pela artéria genicular descendente, um ramo recorrente da tibial anterior e um ramo descendente da circunflexa femoral lateral.

RELATO DO 1º CASO

Paciente do sexo masculino com 20 anos sofreu entorse do joelho esquerdo e foi submetido à cirurgia artroscópica para reconstrução do Ligamento cruzado anterior (LCA) com auto-enxerto do tendão patelar fixado no fêmur e na tíbia com parafusos de interferência absorvíveis em 1999.

Após cinco anos compareceu em consulta devido a instabilidade durante a corrida. Apresentava Lachman positivo (+++), Jerk test positivo (+++), Gaveta anterior positiva (+++), Mcmurrey e Appley positivos para lesão do menisco medial. Ressonância Magnética nuclear de Joelho evidenciava uma lesão do neo-ligamento e lesão em alça de balde do menisco medial esquerdo.

Foi submetido a revisão da reconstrução do ligamento cruzado anterior (LCA) com tendões flexores (Grácil e Semitendíneo) fixado no fêmur com parafuso transverso e na tíbia com parafuso de interferência ambos absorvíveis associado a um agrafe metálico na tíbia em maio de 2005.

Onze dias após a cirurgia o paciente foi atendido com história de estalido seguido de dor aguda na face lateral do joelho próximo a incisão para passagem do parafuso transverso. Apresentava palidez cutâneo-mucosa (+++) e edema tenso na face lateral da coxa com hematoma que se estendia ate a face posterior do joelho. (Figura 1) Exame ultrassonográfico com Doppler revelou hematoma extenso (cerca de 1100 ml) na coxa e um pseudoaneurisma de artéria genicular lateral superior.


Realizada drenagem cirúrgica do hematoma e a ligadura da artéria genicular lateral superior que apresentava lesão parcial em esgarçamento. Na avaliação pós-operatória o hemograma revelou hemoglobina de 8,2 mg dl ( hemglobina pré-operatória de 12,2 mg/dl). O paciente recebeu uma unidade de concentrado de hemácias e recebeu alta hospitalar no dia seguinte. (Figura 2)


Apesar da intercorrência o paciente evoluiu muito bem, com segurança no joelho. O paciente retornou ao mesmo nível de atividade física praticada antes da lesão do joelho demonstrando-se satisfeito com a cirurgia.

RELATO DO 2º CASO

Um homem de 38 anos apresentava lesão do ligamento cruzado anterior e do corno posterior do menisco medial há seis meses ocorrida após entorse de joelho direito jogando futebol.

Em janeiro de 2008 foi submetido à artroscopia do joelho para meniscectomia parcial e reconstrução do ligamento cruzado anterior com auto-enxerto tendinoso do músculo grácil e semitendíneo. O procedimento foi realizado sob anestesia peridural, foi utilizado torniquete, a fixação femoral do enxerto foi realizada por um parafuso transverso introduzido lateralmente e a Tibial por um parafuso absorvível de interferência. Ao final do procedimento o dreno se sucção foi introduzido, a incisão foi suturada e o enfaixamento elástico compressivo foi confeccionado. Durante o primeiro dia de internação não houve intercorrências, o dreno foi retirado com 24 horas de evolução.

No segundo dia de internação o paciente apresentou dor de intensidade progressiva na face lateral do joelho apesar da crioterapia e da analgesia endovenosa. O médico que realizou a avaliação ortopédica constatou a presença de pulso distal, da boa perfusão periférica e da ausência de dor a palpação de todos os compartimentos abaixo do joelho. O enfaixamento elástico compressivo foi revisado sem melhora da dor. Neste mesmo dia houve necessidade de administração endovenosa de analgésicos potentes derivados de morfina e foi observado um aumento de volume localizado na face lateral do joelho sob o enfaixamento, junto à incisão lateral utilizada para passagem do parafuso transverso que fixa superiormente o enxerto ligamentar.

Para avaliar a integridade vascular, foi solicitada a ultrassonografia arterial com doppler colorido que evidenciou um pseudoaneurisma (Figura 3) da artéria genicular lateral superior medindo 1,8 cm no seu maior eixo e com volume estimado de 0,9 cm3, associado a hematoma de 56 ml, próximo a incisão lateral usada para passagem do parafuso transverso femoral.


O paciente foi submetido a intervenção cirúrgica para ligadura da artéria genicular superior lateral. Foi observado dilatação aneurismática da artéria genicular lateral superior a quatro centímetros da face lateral da patela.

Apesar da intercorrência, hoje, com dois meses de acompanhamento o joelho encontra-se indolor e o paciente iniciou normalmente o protocolo de reabilitação fisioterápica sem queixas.

DISCUSSÃO

O artroscopia do Joelho é um procedimento cirúrgico realizado em todo o mundo, considerado extremamente seguro. Os índices de complicações variam entre 0,56% a 8,2%.1,2 As mais frequentes são as hemartroses, equimoses, hematomas, infecções superficiais e fenômenos tromboembólicos (trombose venosa profunda e embolia pulmonar). Complicações vasculares traumáticas são raras (menor que 1%)3 e geralmente se relacionam com a artéria poplítea.1,2,4

Existem muitos casos na literatura relatando complicações vasculares após cirurgias como artroplastia5 do joelho e osteossíntese de fraturas6 e um número bem menor de relatos deste tipo de complicação após procedimentos minimamente invasivos como a artroscopia e a reconstrução ligamentar.7

Devido ao pequeno diâmetro transverso das artérias geniculares as lesões com secção completa são mais comuns que a lesão parcial. Desta forma a formação de hematomas ou equimoses são mais frequentes que a dilatação aneurismática destes vasos.

Existem diversos relatos na literatura descrevento pseudoaneurismas nas artérias geniculares após procedimento artroscópico. Avaliando estes relatos encontramos 4 casos de pseudoaneurismas envolvendo a artéria genicular inferior medial (AGIM)8-11, 1 caso de pseudoaneurisma na artéria genicular superior medial (AGSM)12, 4 casos na artéria genicular inferior lateral (AGIL)13-16, 5 casos na artéria poplítea16,17, 1 caso na artéria tibial recorrente (ATR)18,1 caso na artéria tibial posterior19 e um caso na artéria sural20. Não encontramos na literatura nenhum caso de pseudoaneurisma na artéria genicular superior lateral após procedimento artroscópico.

O pseudoaneurisma pode se apresentar clinicamente como uma massa pulsátil9,10,12,16 próximo da incisão ou simplesmente como um aumento de volume localizado21 simulando um hematoma.

Em um dos casos relatados o diagnóstico ocorreu nos primeiros dias de evolução pós-operatória com o paciente ainda internado11, mas revisando a literatura observamos que na maioria das vezes o diagnóstico ocorreu entre a primeira e a terceira semana após a cirurgia.8-10,19,20

A artéria genicular superior lateral corre lateralmente ao joelho e não ascende mais que 1 centímetro proximal ao pólo superior da patela tornando-se vulnerável nos procedimentos que exigem incisão nesta região21 (Liberação do retináculo lateral, Osteossíntese do femur distal e Reconstruções do LCA com parafuso transverso femoral).

O tratamento realizado com exploração cirúrgica e ligadura direta do vaso é considerado padrão ouro11, mas o reparo da parede arterial, a compressão guiada por ultrassonografia20 e até a embolização seletiva com cateter8,9,20 são descritos como possibilidades terapêuticas. Quando a lesão ocorre em vasos de maior calibre, como na artéria poplítea, é necessária confecção de ponte arterial com enxerto vascular.8

Avaliando os relatos encontrados na literatura não encontramos casos de pseudoaneurisma associado à grande sangramento com anemia aguda e necessidade de reposição volêmica ou concentrado de hemácias como o ocorrido no primeiro caso descrito.

CONCLUSÃO

Acreditamos que nas cirurgias minimamente invasivas, nas quais a via de acesso não permite a exploração das estruturas anatômicas, certo grau de suspeita possibilita um diagnóstico mais precoce.

Apesar de extremamente infrequente esta patologia deve ser lembrada como uma complicação cirúrgica com potencial risco para vida do paciente quando associada à grande sangramento.

Trabalho recebido em 04/01/09 aprovado em 17/07/09

Trabalho realizado UNIFESP e UNISA.

Todos os autores declaram não haver nenhum potencial conflito de interesses referente a este artigo.

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  • Endereço para Correspondência:
    Marcos Prado Alves Cardoso
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      04 Jan 2009
    • Aceito
      17 Jul 2009
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