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Neuregulinas 1-alfa e 1-beta na regeneração de nervos periféricos

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o efeito das neuregulinas 1-alfa e 1-beta na regeneração de nervos ciáticos de camundongos C57BL/6J, adultos, machos, através da técnica de tubulização. MÉTODOS: Utilizaram-se 18 animais, divididos em 3 grupos, implantando-se prótese de polietileno em falhas de 4,0 mm no nervo ciático esquerdo: grupo 1 contendo apenas colágeno purificado (Vitrogen®); grupo 2, colágeno associado a neuregulina 1-alfa; grupo 3 com colágeno e neuregulina 1-beta. O grupo controle foi formado por 6 segmentos de nervos ciáticos direitos. Após 4 semanas, os animais foram sacrificados; extraiu-se segmento do ponto médio do nervo regenerado no interior das próteses, padronizaram-se cortes histológicos e confecção das lâminas para análise histomorfométrica. Confrontaram-se os resultados estatisticamente. RESULTADOS: Os animais tratados com neuregulinas tiveram maior número de axônios mielinizados, com diferença estatisticamente significante quando comparados ao grupo colágeno. Não houve diferença estatística entre os grupos de neuregulinas 1-alfa e 1-beta. CONCLUSÃO: a adição de neuregulinas proporcionou aumento significativo do número de fibras mielinizadas.

Neuregulinas; Nervos periféricos; Nervo ciático


OBJECTIVE: to evaluate the effect of the neuregulins 1-alpha and 1-beta on the regeneration the sciatic nerves of male adult C57BL/6J mice, using the tubulization technique. METHODS: eighteen animals were used, divided into three groups. A polyethylene prosthesis was implanted in a 4.0 mm defect of the left sciatic nerve, as follows: group 1 containing only purified collagen (Vitrogen®); group 2, collagen with neuregulin 1-alpha; group 3, collagen with neuregulin 1-beta. The control group consisted of six segments of right sciatic nerves. After four weeks, the animals were sacrificed. A segment from the midpoint of the nerve regenerated inside the prostheses was extracted; histological sections were standardized, and slides were made up for histomorphometric analysis. RESULTS: the results were statistically compared using the Tukey multiple comparisons test and the Student's t test. The animals treated with neuregulins had greater numbers of myelinized axons, with a statistically significant difference in relation to the collagen-only group. There was no statistical difference between the neuregulin 1-alpha and 1-beta groups. CONCLUSION: the addition of neuregulins provided a significant increase in the number of myelinized fibers.

Neuregulins; Peripheral nerves; Sciatic nerve


ARTIGO ORIGINAL

Neuregulinas 1-alfa e 1-beta na regeneração de nervos periféricos

Fabiano Inácio de SouzaI; Arnaldo Valdir ZumiottiI; Ciro Ferreira da SilvaII

IInstituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

IIInstituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Instituto de Ortopedia e Traumatologia - IOT-FMUSP Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, 333, 3º andar, Cerqueira César CEP: 05403-010 São Paulo (SP), Brasil E-mail: fabianoinacio@usp.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o efeito das neuregulinas 1-alfa e 1-beta na regeneração de nervos ciáticos de camundongos C57BL/6J, adultos, machos, através da técnica de tubulização.

MÉTODOS: Utilizaram-se 18 animais, divididos em 3 grupos, implantando-se prótese de polietileno em falhas de 4,0 mm no nervo ciático esquerdo: grupo 1 contendo apenas colágeno purificado (Vitrogen®); grupo 2, colágeno associado a neuregulina 1-alfa; grupo 3 com colágeno e neuregulina 1-beta. O grupo controle foi formado por 6 segmentos de nervos ciáticos direitos. Após 4 semanas, os animais foram sacrificados; extraiu-se segmento do ponto médio do nervo regenerado no interior das próteses, padronizaram-se cortes histológicos e confecção das lâminas para análise histomorfométrica. Confrontaram-se os resultados estatisticamente.

RESULTADOS: Os animais tratados com neuregulinas tiveram maior número de axônios mielinizados, com diferença estatisticamente significante quando comparados ao grupo colágeno. Não houve diferença estatística entre os grupos de neuregulinas 1-alfa e 1-beta.

CONCLUSÃO: a adição de neuregulinas proporcionou aumento significativo do número de fibras mielinizadas.

Descritores: Neuregulinas. Nervos periféricos. Nervo ciático.

INTRODUÇÃO

As lesões traumáticas do sistema nervoso constituem um grave problema de saúde pública, pois geralmente acometem indivíduos na idade produtiva, demandam altos custos de internação e reabilitação, longos períodos de afastamento do trabalho e determinam grande número de sequelas. No Brasil, não há estatísticas confiáveis acerca do número de pacientes vítimas das lesões neurológicas pós-traumáticas. Estima-se em 500.000, por ano, o número de novos casos nos Estados Unidos, cujo custo de tratamento hospitalar varia de 15.000 a 60.000 dólares por paciente.1

Desde o primeiro relato de tratamento de lesão do sistema nervoso periférico, constitui-se no maior desafio à cirurgia reconstrutiva e à microcirurgia a obtenção de resultados satisfatórios após o reparo nervoso. A introdução de técnicas microcirúrgicas no tratamento de lesões nervosas, o desenvolvimento de material específico (pinças, tesouras, porta-agulhas, etc), o avanço da tecnologia da microscopia, o treinamento especializado, ainda não proporcionam a completa regeneração neurológica, ocasionando déficits de sensibilidade e motricidade.2,3 O afrontamento dos cotos lesionados seguido de epineurorrafia sob visão magnificada, a ausência de tensão excessiva, utilização de fios e instrumental apropriados, constitui o padrão-ouro de tratamento na fase aguda. Após este período, não há a possibilidade da coaptação das extremidades lesionadas sem proporcionar tensão excessiva.4

Nestas situações, a auto-enxertia, utilizando-se o nervo sural, o cutâneo medial do antebraço, o safeno, dentre outros, é amplamente empregada. Esta técnica proporciona resultados aquém dos padrões normais, sempre lesa estruturas íntegras, ocasionando sequelas, como parestesias, anestesias, hiperestesias, cicatrizes, neuromas, dor crônica.5

Uma alternativa promissora à auto-enxertia é a técnica de tubulização, que consiste na introdução das extremidades dos nervos em próteses cilíndricas, objetivando o direcionamento axonal, a proteção do cone de crescimento da fibrose adjacente, a orientação longitudinal da neovascularização. Ainda possibilita a contenção de fatores neurotróficos endógenos e exógenos, proporcionando baixa morbidade e a diminuição do tempo cirúrgico.4 Atualmente tem sido descritos e utilizados em pesquisas experimentais vários tipos de próteses, como polietileno, colágeno, silicone, poliésteres, veias, artérias, âmnion humano, dentre outras.6,7

A capacidade de contenção de substâncias exógenas promovida por esta técnica possibilita o estudo de inúmeros fatores promotores da regeneração neuronal, como aFGF, cardiotrofina-1, oncostatina-M, GM1, CNTF, GDNF, NT-3, NGF, neuregulinas.8,9 As neuregulinas constituem uma família de fatores de crescimento e de diferenciação responsáveis por inúmeros papéis no sistema nervoso.10 Nas células de Schwann, as neuregulinas promovem a proliferação, a diferenciação, a sobrevivência, a maturação e a mielinização.11,12

A fisiologia do sistema nervoso periférico depende diretamente da integridade da bainha de mielina, onde as células de Schwann exercem papel fundamental, desde a remielinização após lesão até o equilíbrio funcional. A atuação das neuregulinas nas células de Schwann seriam decorrentes da sua capacidade de ativação dos receptores erbB, que determinariam as ações citadas.13

Apesar do grande potencial no processo de regeneração do sistema nervoso periférico, as pesquisas das neuregulinas in vivo são praticamente inexistentes.11,14 O objetivo é avaliar pela morfometria a mielinização axonal de nervos ciáticos de camundongos C57BL/6J, empregando-se neuregulinas 1-alfa e 1-beta, utilizando-se a técnica de tubulização.

Materiais e Métodos

Animais e experiências

O modelo experimental adotado empregou 18 camundongos de linhagem C57BL/6J provenientes Biotério do Departamento de Biologia Celular e do Desenvolvimento do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo. O tratamento dado aos animais e o protocolo do estudo foram analisados pelo Comitê de Ética da Universidade, estando de acordo com as diretrizes da American Veterinary Medicine Association (AVMA). A linhagem C57BL/6J foi usada devido à facilidade de manipulação, à disponibilidade e à alta isogenicidade, que conferiu uniformidade aos grupos de estudo.

O estudo incluiu camundongos machos com média de idade de oito semanas, e hígidos ao exame macroscópico. A presença de infecções, lesões cutâneas, anomalias músculo-esqueléticas ou outras doenças, como autofagia e consumo do membro operado ou morte súbita constituíram critérios de exclusão.

Para compor os grupos do estudo, os camundongos foram escolhidos e distribuídos independente e randomicamente, de modo a garantir resultados sem viés. O nervo ciático esquerdo foi seccionado em todos os animais para criar um defeito segmentar de 4 mm de comprimento, que foi tratado conforme descrição a seguir. Dois animais foram selecionados, também randomicamente de cada um dos três grupos e, neles, um segmento do nervo ciático da coxa contralateral (não-operado) foi isolado, extraindo-se o número total de fibras mielinizadas. Esses animais formaram o grupo controle.

No primeiro grupo de estudo, denominado grupo colágeno, foram usados tubos de polietileno contendo apenas colágeno purificado (Vitrogen®, Collagen Corporation, Palo Alto, CA, EUA) para tratar a lesão neurológica. No segundo grupo de estudo, acrescentou-se neuregulina 1-alfa ao colágeno (250 ng), na diluição de 100 µg/ml. No terceiro grupo de estudo, além do colágeno, empregou-se neuregulina 1-beta. As neuregulinas foram adquiridas de R&D Systems Inc. (Minneapolis, MN, EUA). Cada um dos grupos era formado por seis animais.

Os animais receberam anestesia geral com Avertin®(500 mg de tribromoetanol e 250 mg de 2-metil-2-butanol, dissolvidos em 19,5 ml de água destilada), na dose de 0,02 ml/g de peso corporal, por via intraperitoneal, no baixo abdome. A seguir, os animais foram tricotomizados e o local cirúrgico foi lavado com solução desinfetante de gliconato de clorexidina a 2%, e sendo posicionados em decúbito ventral na placa de dissecação.

Realizou-se incisão longitudinal na face posterior da coxa esquerda e, por divulsão do músculo bíceps femoral, o nervo ciático foi exposto. Ele foi seccionado transversalmente no terço médio, e 1,0 mm de cada uma das extremidades foi invaginada em um tubo de polietileno (Sigma Chemical Company, St Louis, MO, EUA) e unida por um ponto (fio 10,0 mononylon, agulha de 75 µm, Ethicon®) e selante de fibrina (Tissucol®, Baxter, Immuno AG, Viena, Áustria). Os tubos apresentavam 6,0 mm de comprimento, 0,75 mm de diâmetro interno e 1,22 mm de diâmetro externo. Desta forma, a distância entre os cotos depois do procedimento foi de 4,0 mm. Esse procedimento foi realizado com aumento de 20 vezes, usando-se microscópio (Zeiss OPM 240F). (Figura 1)


Os tubos foram preenchidos, utilizando-se com uma microsseringa Hamilton (10 µl). A agulha foi totalmente introduzida na prótese, até que atingisse a extremidade oposta. O material foi injetado enquanto se retirava lentamente a agulha, tendo-se o cuidado de não formar bolhas de ar no interior do tubo. A seguir, a tubulização da extremidade oposta foi concluída com a aplicação de selante de fibrina, de maneira a conter qualquer extravasamento do material. Depois disso, as camadas musculares foram coaptadas e a pele foi suturada com pontos separados (fio 5,0 mononylon, Ethicon®). Esse estágio foi concluído com outra lavagem usando-se gliconato de clorexidina a 2%.

Período pós-operatório

Os animais foram mantidos em gaiolas com área mínima de 200 cm2 e quantidade adequada de maravalha, com no máximo três em cada unidade, no biotério da universidade, com ciclos de 12 horas de luz e escuro e em temperatura próxima de 20 ºC a 25 ºC. Receberam quantidade adequada de alimentos e água ad libitum.

Coloração e coleta do material

Após quatro semanas do procedimento cirúrgico, os animais foram novamente submetidos a anestesia geral por Avertin®, iniciando-se o processo de coleta. Realizou-se incisão longitudinal no terço médio e superior do abdômen, dissecção por planos, injeção de 0,2 ml de solução de heparina (5000 UI/ml) no baço. Procedeu-se à toracotomia, onde um catéter foi introduzido no ventrículo esquerdo, injetando-se 10 ml de solução salina (0,9%) heparinizada (5000 UI/ml), seguida por 15 ml de solução fixadora constituída por paraformaldeído (1%) e glutaraldeído (2%), em solução tampão de fostato de sódio a 0,1 M, pH 7,3.

Procedeu-se com a exploração das próteses tubulares, que continham o cabo de regeneração (nervo regenerado), sendo estas dissecadas, removidas e mantidas em solução fixadora supracitada, à temperatura de 4ºC, por 24 horas.

Realizou-se a pós-fixação do material em tetróxido de ósmio (2% em tampão de fostato de sódio a 0,1 M, pH 7,3) por duas horas a 4ºC. Posteriormente efetuou-se a desidratação através de série crescente de álcool etílico, clareado em óxido de propileno e incluído em resina epóxi. Foram realizados cortes transversais de 1 µm de espessura no ponto médio do regenerado tubular, corados com azul de toluidina 0,5%.

O grupo controle, formado pelo nervo ciático contralateral, foi constituído nesta fase.

Após fixação em lâminas, as imagens contendo as fibras mielinizadas foram coletadas por câmera digital, interligadas a microcomputador PC por controlador de estágio. Utilizou-se mesa digitalizadora (Summargraphics) conectada ao PC para a obtenção da imagem pelo observador.

Ao final da etapa cirúrgica, os animais foram submetidos à eutanásia, através de overdose por Avertin® (0,2ml/g),seguindo critérios estabelecidos pela Associação Americana de Medicina Veterinária (American Veterinary Medical Association - AVMA).

Estudo histológico

O ponto médio do tubo foi padronizado para se proceder à contagem do número de axônios mielinizados presentes no nervo regenerado, em cada lâmina. (Figura 2) A contagem foi realizada por meio da marcação de cada unidade axonal com o cursor, evitando-se assim a contagem da mesma fibra mais de uma vez. Com esse método em cada campo, chegou-se ao número total de fibras no segmento. O software Sigma Scan Pro Image Analysis V.5.0.0 (SPSS Inc. 1987-1999) foi usado para a contagem.


Análise estatística

Obteve-se um intervalo de confiança de 5% (α = 0,05). A normalidade das distribuições foi avaliada com o teste de Kolmogorov-Smirnov para variáveis contínuas. A distribuição paramétrica foi aceita nos casos em que o teste de Kolmogorov-Smirnov não apresentou resultado significante e nos que o coeficiente variação de Pearson foi inferior a 30%. Todas as distribuições foram aceitas como normais (Gauss). Também foram usados testes paramétricos.

Para as comparações entre as contagens médias de axônio nos cortes transversais dos nervos ciáticos regenerados dos camundongos utilizou-se a análise de variância (três amostras não relacionadas com distribuição paramétrica). As diferenças entre as médias foram distinguidas pela comparação pareada das amostras, com o teste de comparações múltiplas de Tukey. Para inferir as diferenças dos números médios de axônios formados no interior de cada tipo de tubo, com relação ao número de axônios normais (controle), usou-se o teste t de Student (pares de amostras não relacionadas com distribuição paramétrica).

Para a análise estatística, foi usado o software GraphPad Prism versão 2.01 (GraphPad® Software, Inc., 1996).

RESULTADOS

Não foram observadas reações imunológicas sistêmicas nem inflamações locais exuberantes. Tampouco havia fibrose excessiva ou liberação das extremidades nervosas nas patas dos camundongos submetidos à cirurgia. O nervo regenerado foi encontrado em todos os casos.

A Tabela 1 mostra o número total de fibras axonais regeneradas no grupo de controle, que foi maior do que nos camundongos que receberam colágeno mais neuregulina 1-alfa e colágeno mais neuregulina 1-beta, depois de quatro semanas de evolução. Também se constatou que os grupos com acréscimo de neuregulinas apresentaram maior quantidade de fibras mielinizadas do que o grupo recebeu apenas colágeno. Por outro lado, os grupos com neuregulinas 1-alfa e 1-beta tiveram números totais de fibras mielinizadas semelhantes. Os resultados mostram que houve diferença estatisticamente significante entre o grupo colágeno e os grupos neuregulina. Não se verificou diferença significante entre os grupos neuregulina 1-alfa e 1-beta. Foram encontradas diferenças estatisticamente significantes entre o grupo controle e os outros grupos.

DISCUSSÃO

As lesões que afetam o sistema nervoso são o maior desafio da cirurgia e microcirurgia reconstrutiva, sejam decorrentes de trauma ou de neoplasia.2 O alto custo do tratamento, a longa duração da reabilitação, o tempo prolongado de ausência no trabalho, a alta incidência entre indivíduos em idade produtiva e a atual impossibilidade de atingir padrões sensitivo-motores normais depois do tratamento dão às lesões neurológicas pós-traumáticas um destaque indesejável.

A fisiologia complexa do sistema nervoso periférico durante a reabilitação depois de eventos traumáticos é um tópico que foi intensamente investigado e pouco compreendido. Muitos fatores estão implicados nesse panorama, desde a regeneração walleriana do segmento distal até anormalidades do córtex cerebral15, incluindo modificações do corpo dos neurônios, migração de células, cromatólise, interações metabólicas, proliferação de células de Schwann e ativação de fatores neurotróficos.16 Para o prognóstico pós-tratamento, são importantes: extensão do dano no tecido adjacente, grau de ruptura epineural, extensão de lesões associadas (em especial lesões vasculares) e idade e estado geral do paciente.3,17 Muitos estudos foram realizados visando obter maior conhecimento desses eventos e suas interrelações.

A introdução de técnicas microcirúrgicas e seu desenvolvimento nos últimos anos contribuiu para a obtenção de melhores resultados.2 O tratamento ideal deve ser neurorrafia epineural de uma extremidade à outra durante a fase aguda, sem tensão excessiva. Todavia, mesmo que um procedimento dessa natureza seja orientado por padrões técnicos meticulosos, ele seria incapaz de promover a recuperação funcional total, porque o cirurgião não atua diretamente sobre a fisiologia do nervo danificado.3 Essa situação tem originado muitas linhas de estudo, como adição de selante de fibrina à neurorrafia, associação com os fatores neurotróficos NGF, GDNF e aFGF, eletroacupuntura, ultrassom de baixa intensidade e fototerapia.16,18

A evolução para a fase crônica ou a impossibilidade de compatibilizar os cotos nervosos favorece o prognóstico ruim. A tensão excessiva condena a resultados insatisfatórios, pois o aumento da pressão intraluminal inibe a neovascularização e dificulta o fluxo axoplasmático, a ação dos fatores neurotróficos endógenos, a migração celular e o avanço do cone de crescimento. O padrão ouro de tratamento nesses casos é a interposição de autoenxerto para eliminar a tensão excessiva. Os principais nervos doadores são sural, safeno, cutâneo medial do braço e antebraço, lateral e posterior da coxa, auricular magno e interósseo posterior distal.7

Apesar do uso difundido de autoenxerto, essa técnica produz resultados inferiores ao desejado, porque o cone de crescimento deve cruzar duas linhas de sutura em um segmento hipovascularizado e há um limite para a quantidade de tecido doador. Esse método é associado a situações indesejáveis, como aumento do tempo cirúrgico, necessidade de procedimentos anestésicos adjacentes, hemorragias e lesões em locais que antes eram normais, causando, assim, parestesia, hiperestesia, anestesia, cicatrizes, neuromas e dor crônica.4,19,20

A técnica de tubulização é uma alternativa promissora ao autoenxerto. Consiste na invaginação das extremidades dos nervos danificados em condutos cilíndricos, visando proporcionar um microambiente favorável ao direcionamento do segmento em regeneração, apoiar a migração de células de Schwann, macrófagos e fibroblastos, possibilitar a ausência de tensão excessiva nos cotos, evitar dissecação associada e diminuir o trauma cirúrgico.7,20,21 Além disso, a presença de angiogênese no interior dos tubos, originada dos segmentos proximal e distal, age como um apoio biológico para a migração celular e de fatores neurotróficos intrínsecos.22

A capacidade de contenção proporcionada pelos tubos possibilita realizar uma ampla gama de estudos na busca de maior conhecimento referente às interações moleculares, celulares e psicoquímicas direta ou indiretamente relacionadas ao processo regenerativo. Assim, várias substâncias que favorecem a regeneração neural podem ser testadas, como colágeno, laminina, IGF-1, aFGF, BDNF, NT-3, CNTF, LIF, GGF, GDNF, NGF e neuregulina 1-beta. A interposição segmentar de enxertos autológo, músculos e autoenxertos enriquecidos com células de Schwann também foi analisada.8,9,16,22,23

Os estudos sobre a composição dos condutos ainda não conceberam o "tubo ideal", que se caracterizaria por ser de fácil fabricação, com diâmetro interno e espessura de paredes adequados, de fácil implantação e esterilização, apresentando boa flexibilidade, biodegradabilidade e baixa toxicidade. Entre os materiais mais estudados encontram-se os tubos de polietileno, silicone e colágeno bioabsorvível.20,24 Algumas estruturas também foram testados, como artérias, veias, anion humano e outros materiais biodegradáveis.25,26 Tanto as séries experimentais21,22,27,28, quanto as clínicas4,5 não demonstraram diferenças estatisticamente significantes entre a tubulização e os autoenxertos convencionais.

A presença do coto distal é um fator decisivo para o desenvolvimento do coto proximal, possivelmente em decorrência do neurotrofismo.29,30

As células de Schwann têm função primordial na regeneração do sistema nervoso periférico. Alguns exemplos das suas funções: migração para o local danificado em ambos os cotos; produção de fatores neurotróficos31; regulação do crescimento axonal que precede a remielinização; fornecimento de orientação espacial32; organização dos compartimentos em torno dos axônios, pelo recrutamento de moléculas de adesão e possibilitando o acúmulo de proteína e a formação de canal iônico33; direcionamento dos axônios entre sinapses contíguas e provisão das condições para amadurecimento das sinapses neuromusculares.34 Entre as substâncias capazes de causar estimulação das células de Schwann, destacam-se as neuregulinas. Essas proteínas, que ainda são pouco estudadas, têm papel fundamental na estimulação de mitoses, de crescimento inicial da crista neural, sobrevivência, proliferação, desenvolvimento, diferenciação, migração, maturação e mielinização das células de Schwann.10,11,35,36

As células de Schwann são ativadas através de receptores de tirosina quinase da família erbB, em especial erbB2 e erbB3.13,37

No modelo experimental adotado, as próteses de polietileno24 foram usadas devido à disponibilidade, segurança e facilidade de manuseio, desde a sua esterilização até o procedimento cirúrgico. A outra intervenção cirúrgica foi realizada quatro semanas depois23, e o nervo regenerado pode ser observado em todos os casos, circundado por líquido no interior do tubo, como observaram Lundborg et al.29 e Fields et al.6.

O método de avaliação da regeneração por meio da contagem do número de axônios mielinizados é seguro, confiável e direto, caracterizando a fidedignidade das análises diretas e objetivas das imagens estudadas.18,19,23,27,29,38

O número total de fibras mielinizadas no grupo controle de nosso estudo foi semelhante ao achado de Henry et al.19. Cai et al. 9 publicaram um estudo no quais realizaram tubulização em um defeito de 1,4 cm no nervo ciático de ratos, usando próteses que continham microfilamentos, Matrigel® e neuregulina 1-beta. Demonstraram resultados superiores nos grupos com microfilamentos (com ou sem neuregulinas) e, entre eles, melhores resultados a partir de associações entre neuregulinas e microfilamentos.

Enquanto Holmes et al. 39 sugeriram que o subtipo alfa é mais poderoso que o beta, Jones et al.40 encontraram que o subtipo beta era mais poderoso que o alfa ao investigar especificidade e afinidade das neuregulinas pelos receptores erbB. Todos esses estudos foram realizados in vitro. No presente estudo, não se constatou diferenças estatisticamente significantes entre os subtipos 1-alfa e 1-beta. A hipótese advinda desses resultados é que as neuregulinas estimulariam a migração e a mitose das células de Schwann, permitindo, assim, maior velocidade e qualidade de regeneração neural.

As neuregulinas precisam ser estudadas em projetos futuros, com o objetivo de corroborar a hipótese proposta por meio de associações com outros fatores neurotróficos, usando o método de tubulização ou de adição de selante de fibrina, em procedimentos de neurorrafia término-terminal, término-lateral ou associada a autoenxertos.38

CONCLUSÃO

As neuregulinas 1-alfa e 1-beta promovem melhora no processo de regeneração nervosa, expresso pelo número de fibras nervosas regeneradas.

Trabalho recebido em 03/08/09, aprovado em 10/10/09

Todos os autores declaram não haver nenhum potencial conflito de interesses referente a este artigo.

Trabalho realizado no Laboratório de Neurobiologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Out 2010
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Aceito
      10 Out 2009
    • Recebido
      03 Ago 2009
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