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Tríplice artrodese na paralisia cerebral

Resumos

OBJETIVOS: Avaliar o resultados clínicos díplice artrodese em portadores de paralisia cerebral espástica, verificar a correspondência entre os resultados e a escala AOFAS e os ângulos nos períodos pré e pós-operatórios. MÉTODOS: Entre 1985 e 2005, foram avaliados 34 pacientes (40 pés) submetidos a tríplice artrodese do pé, com acompanhamento médio de 91 meses, quanto a satisfação e dor, apoio plantígrado, deformidade residual e o arco de movimento do tornozelo e escala AOFAS. Foram avaliadas artrose de tornozelo, pseudoartrose das articulações e medidos os ângulos: talocalcâneo, talo-primeiro metatarsiano (APM) e tíbio-talar, e talocalcâneos (ATC) e o calcâneo-solo (ACS). RESULTADOS: Obtivemos bons resultados em 32,4% dos casos e regulares em 44,1%. 85,3% dos pacientes estavam satisfeitos; 88,2% tinham apoio plantígrado. Houve 33,3% de resultados bons pela escala AOFAS e 24,2% regulares. Na radiografia com incidência ântero-posterior, o APM apresentou melhora em média de 15º; no ACS, na incidência em perfil, melhora de 7º. No ATC, nas duas incidências, houve melhora de 1º. CONCLUSÕES: A triplice artrodese corrige ou melhora as deformidades, com grau de satisfação elevada, dando ao paciente pés plantígrados. A escala AOFAS teve fraca concordância com o resultado. Os APM e ACS foram os mais sensíveis na avaliação do procedimento cirúrgico.

Artrodese; Paralisia cerebral; Deformidades do pé


OBJECTIVE: To demonstrate the clinical results of triple arthrodesis in Cerebral Palsy patients and determine whether there is any correspondence between the results and the AOFAS scale, and changes in radiographic angles between the pre- and postoperative periods. METHODS: Between 1985 and 2005, thirty-four patients (40 feet) were submitted to triple arthrodesis of the foot, with an average follow-up time of ninety-one months. The evaluation consisted of the patient's satisfaction and the presence of pain, plantigrade support, residual deformity, range of movement of the ankle, and the AOFAS. Radiographs were made of the foot and ankle to assess the presence of ankle arthrosis, pseudarthrosis of the joints, and measurements of the following angles: talocalcaneal, talur-first metatarsal and tibiotalar, and talocalcaneal and calcaneal pitch. RESULTS: The results were good in 32.4% of cases, regular in 44.1%, satisfactory in 85.3% and 88.2% had plantigrade support. With the AOFAS scale, the results were good in 33.3% and regular in 24.2%. In the radiogra-phic assessment, the AP talar-first metatarsal angle showed an average improvement of 15º, the LAT calcaneous pitch improved by 7º. The talocalcaneal angles, both AP and LAT, improved in 1º. CONCLUSIONS: This study concluded that the triple arthrodesis corrects or improves these deformities; the patient showed a high level of satisfaction, most of them with a plantigrade foot. The AOFAS scale had low correlation with the result. The talur-first metatarsal and calcaneal pitch were the most sensitive in the evaluation of the surgical procedure.

Arthrodesis; Cerebral palsy; Foot deformities


ARTIGO ORIGINAL

Tríplice artrodese na paralisia cerebral

Kotoe Umeda; Patricia M. de Moraes Barros Fucs; Helder Henzo Yamada; Rodrigo Montezuma Cesar de Assumpção; Celso Svartman

Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Patricia M.M.B. Fucs Rua Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 330 ap 22 CEP: 05651-030 São Paulo, SP, Brasil E-mail: patricia@fucs.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: Avaliar o resultados clínicos díplice artrodese em portadores de paralisia cerebral espástica, verificar a correspondência entre os resultados e a escala AOFAS e os ângulos nos períodos pré e pós-operatórios.

MÉTODOS: Entre 1985 e 2005, foram avaliados 34 pacientes (40 pés) submetidos a tríplice artrodese do pé, com acompanhamento médio de 91 meses, quanto a satisfação e dor, apoio plantígrado, deformidade residual e o arco de movimento do tornozelo e escala AOFAS. Foram avaliadas artrose de tornozelo, pseudoartrose das articulações e medidos os ângulos: talocalcâneo, talo-primeiro metatarsiano (APM) e tíbio-talar, e talocalcâneos (ATC) e o calcâneo-solo (ACS).

RESULTADOS: Obtivemos bons resultados em 32,4% dos casos e regulares em 44,1%. 85,3% dos pacientes estavam satisfeitos; 88,2% tinham apoio plantígrado. Houve 33,3% de resultados bons pela escala AOFAS e 24,2% regulares. Na radiografia com incidência ântero-posterior, o APM apresentou melhora em média de 15º; no ACS, na incidência em perfil, melhora de 7º. No ATC, nas duas incidências, houve melhora de 1º.

CONCLUSÕES: A triplice artrodese corrige ou melhora as deformidades, com grau de satisfação elevada, dando ao paciente pés plantígrados. A escala AOFAS teve fraca concordância com o resultado. Os APM e ACS foram os mais sensíveis na avaliação do procedimento cirúrgico.

Descritores: Artrodese. Paralisia cerebral. Deformidades do pé.

INTRODUÇÃO

A deformidade em equino do pé é a mais frequente na paralisia cerebral (PC) espástica, presente em todos os tipos de distribuição topográfica, especialmente no tipo diparético.1-5 Geralmente esta está acompanhada de valgismo do retropé. A deformidade em varo é mais comum nos pacientes hemiplégicos, podendo estar presente também nos diplégicos e tetraplégicos. É caracterizada pelo desequilíbrio entre os músculos inversores espásticos (tibial posterior e/ou tibial anterior) e os eversores (músculos fibulares) do pé. Na deformidade em equinovaro, encontramos o músculo tibial posterior como responsável pelo varo do retropé, o músculo tibial anterior pelo varo e supinação do médiopé, e o músculo tríceps comprometido, pelo equinismo. O varo pode estar associado à deformidade em cavo, podendo estar localizado nas articulações médiotársicas (talonavicular, calcâneo-cuboídea ou cuneonavicular) e é definido pela contratura da fáscia plantar.2,6-9

Ao raio X, além da mensuração dos ângulos talocalcâneos, nas incidências ântero-posterior (AP) e perfil (P), outros ângulos podem ser medidos e melhoram a avaliação radiográfica das deformidades. O ângulo talocalcâneo (AP) tem intervalo de normalidade é de 15 a 50 graus.10 No ângulo talocalcâneo (P) pode-se medir a flexão plantar do tálus: sendo até 40 graus leve, até 50 graus moderado e maior que 50 graus grave.11 Outro ângulo utilizado na incidência em perfil é o calcâneo-solo, que quando menor que 20 graus indica flexão plantar do calcâneo e instabilidade társica10-12 e quando maior que 30 graus define o cavismo, geralmente associado a deformidade em varo do retropé.11,13 Outra medida utilizada é o ângulo talo-primeiro metatarsiano, na incidência AP, cujos valores normais variam de -20 a 15 graus12 ou zero grau segundo Schroeder et al.14, espelha o alinhamento entre o ante e o retropé.

Nas crianças maiores, observamos que as deformidades fixas graves com instabilidades associadas, com dor à deambulação e marcha deficitária, tornando a estabilização das articulações necessária. Em 1921, Hoke15 descreveu o procedimento de fusão das articulações subtalar e talonavicular, através da remoção da cabeça do tálus e sua recolocação após retirada da cartilagem articular. Já em 1923, Ryerson16 publicou a descrição da fusão de mais uma articulação na técnica de Hoke15 a calcâneo-cuboídea, denominando a técnica cirúrgica como tríplice artrodese. O procedimento tem como objetivos corrigir as deformidades, eliminar a instabilidade articular, aliviar a dor e promover a melhora da deambulação, possibilitando o uso de calçado normal ou órteses.

Svartman et al.17 fizeram a revisão de 109 pacientes, 117 pés submetidos a artrodese tríplice, noíodo de 1977 a 1990, dentre estes pacientes 11 (13 pés) eram portadores de PC espástica com deformidades em equino-cavo-varo e plano-valgo. A técnica cirúrgica utilizada foi a de Ryerson16 com fixação interna com fios de aço, associada a procedimentos nas partes moles, e foi obtida correção das deformidades em 94,8% dos casos (sem especificação da etiologia). Todos os pacientes deambulavam no pré-operatório e tinham dificuldade de adaptação ao calçado ou a órtese, mas no pós-operatório, 62% passaram a usar calçados normais e 38%, órteses. Houve melhora em todos os casos no desempenho da marcha. Uma avaliação subsequente no mesmo serviço foi realizada por Fucs et al.18 com a mesma técnica cirúrgica, e encontrou que, dentre os 18 pacientes (21 pés) com deformidades em plano-valgo e equino-varo operados entre maio de 1985 e setembro de 1995, foram obtidos 72% de resultados satisfatórios.

Este estudo objetiva avaliar os resultados a longo prazo da tríplice artrodese em pacientes portadores de PC operados entre 1985 e 2005 quanto ao exaísico, escala AOFAS (American Orthopaedic Foot and Ankle Society - Sociedade Americana de Ortopedia de Tornozelo e Pé, 1994)19 e mensuração radiográfica de ângulos de varismo e valgismo, comparando-se o pré e o pós-operatório.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Estudo retrospectivo de 48 pacientes (56 pés) portadores de PC espástica que foram submetidos à tríplice artrodese do pé com fixação interna com fios de Steimann, no período entre 1985 e 2005, num hospital público universitário. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição.

Dos 48 pacientes convocados para reavaliação, 14 não compareceram, 12 sem justificativa e dois por falecimento. Os 34 pacientes (40 pés) que compareceram para avaliação, 47% eram do sexo feminino, e seis tinham acometimento bilateral, totalizando 40 pés. Destes, 10 eram plano-valgos e 30, equinovaros. Dentre esses 30, 9 tinham deformidade associada com cavo. O lado direito foi mais acometido: em 67,5%. O tempo de acompanhamento médio foi de sete anos e seis meses (mínimo de um ano e máximo de 21 anos).

Os pacientes foram divididos em dois grupos conforme o tipo de deformidade no(s) pé(s) existente(s) antes da cirurgia: grupo I, com pés planos valgos e grupo II, com pés equinovaros. O grupo I foi formado por sete pacientes (10 pés), sendo que dois eram tetraparéticos, quatro diparéticos e um hemiparético. Quanto ao sexo, cinco eram do sexo feminino e dois do sexo masculino, e a média de idade dos pacientes na época da cirurgia foi 16 anos e 6 meses (mínima de 13 anos e 11 meses e máxima de 28 anos e 8 meses). Dois pacientes foram operados no lado direito, dois no esquerdo e três bilateralmente. No pré-operatório, três pacientes eram deambuladores comunitários, três deambuladores domiciliares e um não deambulador. Apenas dois pacientes se queixaram de dor moderada (localizada no pé) no pré-operatório. O tempo médio de acompanhamento foi de 10 anos e 3 meses, variando no mínimo de 5 anos e máximo de 21 anos e 7 meses.

O grupo II foi constituído por 27 pacientes (30 pés) e destes 18 eram hemiparéticos, 7 diparéticos e 2 tetraparéticos. Entre estes, 16 eram do sexo masculino, e a média de idade na época da cirurgia foi de 14 anos e 1 mês (mínima de 7 anos e 2 meses e máxima de 30 anos e 4 meses). Cinco pacientes foram operados no lado esquerdo, 19 no direito e três bilateralmente. Antes da cirurgia, 22 pacientes eram deambuladores comunitários, 4 deambuladores domiciliares e 1 não deambulador. Ademais, no pré-operatório, dois pacientes referiam dor grave, seis moderada e dois, leve. No período pré-operatório em ambos os grupos dois pacientes não faziam uso de órtese nos pés.

A tríplice artrodese foi indicada devido à dor, à gravidade da deformidade e à instabilidade articular apresentada pelos pacientes. Antes da realização da tríplice artrodese, muitos pacientes se submeteram a outros procedimentos cirúrgicos para a correção de deformidades, conforme demonstra a Tabela 1.

Estudo radiográfico

Foram realizadas radiografias do pé e tornozelo, nos períodos pré e pós-operatórios, em ortostase e em duas projeções: ântero-posterior (AP) e perfil (P). Foram medidos os ângulos talocalcâneos nas incidências AP (normal entre 15º e 50º.10 e P (normal entre 25º e 50º)10; ângulo talo-primeiro metatarsiano no AP (normal 0º)14 e o ângulo calcâneo-solo no P (normal entre 20º e 30º).11

Mensuração angular clínica

O ângulo de flexo-extensão foi medido clinicamente somente no período pós-operatório. Consideram-se normais os valores entre 65º a 70º.20

A técnica cirúrgica utilizada foi a de Hoke15 modificada conforme descrito por Ryerson16: através da via de acesso de Ollier, expõem-se as articulações subtalar, calcâneo-cuboídea e talonavicular, inicia-se a ressecção da cartilagem articular e retira-se a cunha óssea necessária para correção da deformidade. Após a correção é feita a fixação com três fios de Steimann. Quando necessário, é utilizada uma via de acesso medial para melhor abordagem da articulação talonavicular.

Procedimentos de intervenção em partes moles e ósseas, como tenotomias, fasciotomias, alongamentos de tendões, capsulotomia posterior, osteotomia do primeiro metatarso, são realizados simultaneamente à tríplice artrodese quando necessário, como mostra a Tabela 2.

Em seguida, ocorre a colocação de imobilização gessada do tipo suro-podálica; foi confeccionado gesso cruro-podálico quando realizado o alongamento do tendão calcâneo simultaneamente, indicado por quatro semanas e trocado para gesso suro-podálico até a consolidação da artrodese, em torno de 12 a 16 semanas.

Houve apenas um caso (um pé) de revisão da artrodese.

Critérios de avaliação dos resultados

A avaliação dos resultados foi realizada comparando-se os aspectos subjetivos e objetivos. Os primeiros foram presença de dor e a satisfação com a cirurgia; e os aspectos objetivos foram tipos de deambulação, correção da deformidade, artrose de tornozelo e presença de pseudartroses.

Em função dos aspectos subjetivos e objetivos, os casos foram classificados em:

Bons: pé plantígrado, indolor, sem pseudartrose, sem artrose de tornozelo, com correção da deformidade ou mínima deformidade residual e com satisfação do paciente.

Regulares: pé plantígrado, indolor, presença de pseudartrose simples, e/ou artrose de tornozelo, deformidade residual moderada e satisfação ou não do paciente.

Maus: pé não plantígrado, dor moderada ou grave, presença de pseudartrose de mais de uma articulação, artrose de tornozelo, deformidade residual grave e insatisfação do paciente.

Utilizou-se, na avaliação dos resultados, a escala AOFAS19 Esse escore foi categorizado de acordo com o seguinte critério: Excelente = 90 a 100 pontos; Bom = 80 a 89; Regular = 70 a 79; Mau = menor do que 69.

Análise estatística

Apresentamos as variáveis qualitativas em tabelas contendo frequências absoluta e relativa. Para as variáveis quantitativas, calculamos algumas medidas resumo (descritivas) e construímos gráficos do tipo boxplot.

Para analisar as variáveis qualitativas, utilizamos:

- teste do Qui-quadrado ou exato de Fisher, para estudar a associação entre as variáveis;

- teste de McNemar, para comparar os momentos pré e pós-operatórios;

- índice de kappa, para estudar a concordância entre as avaliações.

A análise das variáveis quantitativas foi feita mediante:

- teste de Wilcoxon para comparar os momentos pré e pós-operatórios;

- intervalo de confiança para as médias.

O nível de significância adotado foi de 5%.

Utilizamos o pacote estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 13.0, para realizar a análise estatística.

RESULTADOS

Na ocasião da cirurgia, a média de idade dos pacientes foi de 14 anos e quatro meses (variando de 7 a 30 anos) e a mediana foi de 13 anos e 10 meses. Os pacientes com pés plano-valgos apresentaram média de idade de 16 anos e seis meses (variando de 14 a 28 anos) e os com pés equinovaros, a média foi de 14 anos (variando de 7 a 30 anos).

Houve predomínio de comprometimento hemiparético (55,9%, 19 pacientes), com 32,4% dos pacientes diparéticos (11) e 8% tetraparéticos (4).

No período pós-operatório, 30 pacientes (88,2%) tinham apoio plantígrado e 4 (11,8%), não plantígrado. Os pacientes necessitavam de diferentes tipos de apoio para deambulação na ocasião da avaliação. A maioria (21, aproximadamente 62%), não necessitavam de órteses. Dos que necessitavam, o uso mais frequente era o tipo anti-equino de polipropileno (AFO) (17,6%). Um paciente usava muletas (2,9%), um usava bengala (2,9%), dois utilizavam barras de apoio (5,9%), e três, cadeiras de rodas (8,8%).

A maioria dos pacientes (73,5%, ou 25) não apresentou pseudoartrose pós-operatória. Dentre os nove que tiveram a complicação, sete (20,7% do total de pacientes) tinham localização talonavicular, um (2,9%) subtalar e outro (2,9%), talonavicular e subtalar.

Dos sete pacientes considerados deambuladores domiciliares no pré-operatório, dois deixaram de deambular após a cirurgia. No entanto, não houve diferença estatisticamente significativa quanto ao comportamento de deambulação, comparando-se os períodos pré e pós-operatório (p = 0,157, teste de McNemar).

Foi verificado que, dos 33 pacientes que não tinham artrose no pré-operatório, 9 pioraram, sendo que um passou para grau leve e 8, grave, após a cirurgia.

Quanto à dor no pé e tornozelo, como mostra a Tabela 3, 22 pacientes não se queixavam de dor no pré-operatório. Destes, dois passaram a queixar-se de dor leve e um, moderada, no pós-cirúrgico. Dos dois pacientes com dor leve no pré-operatório, um melhorou. Dos oito pacientes que referiam dor moderada no pré-operatório, um deixou de queixar-se de dor, quatro evoluíram com dor leve e dois pioraram para dor grave no pós-cirúrgico. Em relação aos dois pacientes que apresentaram dor grave no pré-operatório, eles evoluíram para dor moderada no pós-cirúrgico. A evolução da dor comparando-se os períodos pré e pós-operatórios não mostrou diferença significativa (p = 0,363, teste de McNemar). Apesar de oito pacientes apresentarem melhora da dor, em cinco casos houve piora.

A deformidade residual após a cirurgia em relação ao tipo de pé, avaliados no período pré-operatório, foi investigada. Dos 10 pés classificados como plano-valgos no pré-operatório, a maioria (9) continuou com essa deformidade. Dos 30 pés classificados como equinovaros no pré-operatório, nove (30%) apresentaram pé plano como deformidade residual e quatro (13%) sem nenhuma deformidade.

Dos 34 pacientes presentes no estudo, a maioria (15) apresentou resultado clínico regular (44,1%). Onze (32,4%) tinha um bom resultado e oito (23,5%), mau resultado.

Quanto à satisfação, 85,3% dos pacientes referiram que estavam satisfeitos com o procedimento e 14,7%, insatisfeitos.

Mensuração angular

A grande maioria dos pés foi classificada como não-normal para os ângulos de flexo-extensão. Em relação ao ângulo tíbio-talar, quase metade dos pés é classificada como normais. (Tabelas 4 e 5)

As medidas resumo dos ângulos talocalcâneo ântero-posterior (AP) e perfil (P), talo-primeiro metatarsiano (AP) e calcâneo-solo (P) nos períodos pré e pós-operatório estão apresentadas na Tabela 6. Comparando esses ângulos entre os momentos cirúrgicos, é possível verificar que não há diferença significativa para os ângulos talocalcâneo AP e P (p = 0,592 e p = 0,767, respectivamente). Para os ângulos talo-primeiro metatarsiano (AP) e calcâneo-solo (P), nota-se uma diminuição nos valores angulares no pós-operatório (p = 0,001 e p = 0,004, respectivamente).

A comparação desses ângulos entre os momentos pré e pós-operatórios mostrou que não houve diferença significativa na evolução dos pés dos pacientes (valores de p todos acima de 0,05). Apesar de o teste de McNemar não ter detectado mudanças na evolução (p = 0,375), foi verificada melhora em quatro pés, relativa ao ângulo talocalcâneo (AP). Antes da cirurgia eles eram classificados como não-normais e, após, passaram a serem classificados como normais. Em relação ao ângulo talo-primeiro metatarsiano (AP), ocorreu melhora em 7 pés (p = 0,070 pelo teste de McNemar). Em relação aos ângulos talocalcâneo (P) e calcâneo-solo (P), verificou-se uma quantidade maior de pioras na evolução dos pés (com 18 pés não normais contra 13 normais e 22 não normais contra 9 normais; p = 0,289 e 0,999, respectivamente).

Perfil da AOFAS em relação ao resultado clínico e à satisfação

A pontuação AOFAS média dos 33 pacientes foi de aproximadamente 67,9 (com desvio padrão igual a 19), portanto considerado "mau". A distribuição das categorias da escala AOFAS está exibida na Tabela 7, na qual se verifica que a maioria deles (54,6%) apresentou resultado "bom" ou "regular".

Na Tabela 8, são apresentadas algumas medidas resumo da escala AOFAS em relação ao resultado clínico. Nota-se que, em média, a AOFAS dos pacientes regulares e bons são muito próximas. Para verificar se a escala AOFAS diferencia as categorias do resultado clínico, foram verificados os intervalos de confiança para as médias. Analisando esses intervalos, percebe-se que a AOFAS dos pacientes regulares e bons não são diferentes. Já a AOFAS de pacientes considerados maus é menor dos demais resultados.

Com o intuito de verificar se a escala AOFAS categorizada pode substituir o resultado clínico, construiu-se a Tabela 9. Nela, pode-se notar que há 14 pacientes com mau na escala AOFAS, mas dentre eles também há 6 (aproximadamente 43%) pacientes regulares pelo resultado. Dos pacientes com AOFAS regular, metade apresenta um bom resultado e nota-se comportamento similar na AOFAS bom ou excelente. O grau de concordância entre as duas avaliações é baixo (kappa = 0,337).

O comportamento da AOFAS em relação à satisfação dos pacientes, pode ser visto nas Tabelas 10 e 11. Em média, a AOFAS dos pacientes insatisfeitos é menor do que dos que se dizem satisfeitos. (Tabela 10) Quando se analisa a AOFAS categorizada em relação à satisfação (Tabela 11), percebe-se que todos os pacientes classificados como regulares ou bons (ou excelentes) estavam satisfeitos. Daqueles com AOFAS considerado mau, cerca de 36% se apresentavam insatisfeitos (p = 0,018).

Perfil do resultado clínico e da satisfação

Para verificar se a distribuição dos satisfeitos em relação ao resultado clínico é a mesma dos insatisfeitos, foi construída a Tabela 12. Nota-se que a distribuição dos pacientes insatisfeitos é diferente dos que se dizem satisfeitos (p < 0,001), pois a grande maioria dos satisfeitos apresenta um resultado regular ou bom e, dos insatisfeitos, todos têm um mau resultado.

A grande maioria dos pacientes satisfeitos apresentava apoio plantígrado (93,1%). Dos pacientes insatisfeitos, três (60%) também apresentavam tal apoio. Porém não foi encontrada associação significativa entre o apoio plantígrado e a satisfação (p = 0,094).

Dentre os 29 pacientes satisfeitos, 20 (68,9%) apresentavam apoio normal ou do tipo AFO (6, 20,7%). Dentre os cinco insatisfeitos, apenas um (20%) possuía apoio normal e dois eram cadeirantes (40%), um usava muletas e o último, barra de apoio.

A grande maioria dos pacientes apresentava algum tipo de deformidade residual, independentemente da classificação quanto ao resultado (apenas quatro, 13,8%, não tinha deformidade), e quanto a estarem satisfeitos ou não.

De acordo com a Tabela 13, dos pacientes com resultado clínico bom ou regular, quase todos apresentavam apoio pígrado. Dentre os oito pacientes com mau resultado, três (37,5%) não tinham tal apoio. A associação entre o apoio plantígrado e o resultadínico é estatisticamente significativa (p = 0,031).

A grande maioria dos pacientes classificados como regulares ou bons eram normais quanto ao tipo de apoio ou faziam uso da órtese tipo anti-equino. Dentre os pacientes com mau resultado, 75% utilizavam algum tipo de órtese ou eram cadeirantes, como se pode observar na Tabela 14.

Perfil dos ângulos mensurados em relação aos resultados

Na Tabela 15, nota-se, através dos intervalos de confiança das médias que, em geral, os ângulos de flexo-extensão e tíbio-talar não são diferentes para quem apresenta resultado mau, regular ou bom.

Analisando de forma qualitativa, observa-se, na Tabela 16, que todos os pacientes são não normais quanto a flexo-extensão. Quanto ao ângulo tíbio-talar, nota-se que metade dos pacientes é não normal e metade, normal. Além disso, percebe-se que os pacientes estão distribuídos de forma similar nas três categorias do resultado clínico, não apresentando, assim, associação (p = 0,675).

Para visualizar o comportamento dos ângulos talocalcâneo (AP), talo-primeiro metatarsiano (AP), talocalcâneo (P) e calcâneo-solo (P) em relação ao resultado e nos períodos pré e pós-operatórios. (Figuras 1 a 4) Devido ao pequeno tamanho amostra nessas situações, não foram feitos testes estatísticos.





Através desses gráficos, nota-se, para todos os ângulos, que, em geral, ocorrem diminuições na variabilidade do período pré para o pós-operatório (o que se verifica pelo tamanho das caixas nos boxplots). Isso significa que os pacientes tornaram-se um pouco mais homogêneos após a cirurgia em relação a esses ângulos. Além disso, percebe-se que, em termos da mediana, também há algumas oscilações entre o pré e pós-operatórios. Por exemplo, na Figura 1, vemos que os pacientes com bom resultado clínico apresentam aumento na mediana do talocalcâneo (AP) no pós-cirúrgico. Já aqueles com mau resultado clínico apresentam queda mais acentuada no pós-operatório do que aqueles com resultado regular. Em relação ao talo-primeiro metatarsiano, nota-se uma queda na mediana do pós-operatório em todos os resultados clínicos, sendo mais acentuada para os pacientes regulares. (Figura 2) Já as Figuras 3 e 4, relativos aos ângulos talocalcâneo (P) e calcâneo-solo (P), apresentam uma diminuição na mediana nos pós-operatórios, independentemente do resultado clínico, sendo que a queda no primeiro caso é sutil e, no segundo, é mais evidente.

Todos esses gráficos também mostram comportamento similar entre os resultados clínicos, ao compará-los somente no período pós-operatório. Exceto no ângulo talocalcâneo (P), que indica uma diminuição nos ângulos com a piora dos resultados clínicos.

Foi estudado o comportamento dos resultados dos pacientes em relação a esses ângulos somente no pós-operatório e de forma quantitativa. Porém, pelos intervalos de confiança, foi possível verificar que não há diferença entre os resultados clínicos, para qualquer ângulo.

Analisando esses ângulos classificados como normais ou não-normais, percebe-se que o comportamento dos ângulos é muito parecido para todos os resultados. Isto é, os ângulos são classificados de maneira similar, independentemente dos tipos de resultado (valores de p todos acima de 5%).

DISCUSSÃO

O tratamento das deformidades dos pés na PC objetiva um pé plantígrado, indolor e com condições de fazer uso de órteses, caso necessário. Definida está a indicação quanto à gravidade da deformidade e à presença de dor, mas ainda restam dúvidas quanto à idade do paciente. Também controvérsias persistem quanto à função motora ou performance do paciente. Mesmo não deambulador, o paciente necessita de ter sua deformidade corrigida. No paciente paralítico, as deformidades nos pés, quando não corrigidas, tendem a estruturar-se no final do crescimento, ficando seu tratamento sem muitas opções cirúrgicas. Para esses pés rígidos, nos pacientes pré, adolescentes e adultos é que a tríplice artrodese encontra sua melhor indicação. Uma vez indicada a tríplice artrodese, devemos procurar qual a técnica que permite a melhor correção da deformidade em questão.1-3,6,7,14-16,18,20-31 Um segundo passo está em definir qual a melhor abordagem e a melhor fixação. Variações das técnicas da tríplice artrodese encontradas na literatura têm como denominador a ressecção da superfície articular, ressecção óssea suficiente para a correção da deformidade, a boa coaptação das superfícies cruentas e a estabilização da correção obtida.14,21,28

Tríplice artrodese consiste na fusão das articulações subtalar, talonavicular e calcâneo-cuboide, e com a sua indicação para correções de deformidade rígida, com ou sem dor, e de instabilidade articular, que dificultam a marcha ou o uso de órtese. Na literatura, a maioria dos autores indica esse procedimento para os pacientes com idade próxima da parada de crescimento5,21,32-34, porém, há autores que realizaram o citado procedimento em pacientes com idade inferior a 12 anos e obtiveram resultados satisfatórios.35 Em nosso estudo, a idade média dos pacientes submetidos à tríplice artrodese foi superior a 12 anos de idade.

A técnica cirúrgica mais utilizada e citada pela literatura é a de Ryerson16, descrita em 1923 com variações no tipo de fixação interna, podendo ser esta ser feita com fio de Kirschner, pino de Steinnman, agrafe, parafusos ou associações entre esses materiais.17,18,29,32,36-38 Em 1993, Sangeorsan et al.29 fizeram a tríplice artrodese associando fixação interna com parafuso com enxerto ósseo e obtiveram resultado bom em 77% dos casos. Kissel et al.36 descreveram a técnica da mínima ressecção óssea e fixação interna com parafuso ou agrafe sem colocação de enxerto, e obtiveram resultado muito bom em 43% dos casos. Os referidos autores concluíram que, apesar de muitos pacientes apresentarem alguma dor e limitação das atividades, a tríplice artrodese é um valioso procedimento de salvação, podendo restaurar a função e melhorar a dor, porém eles ressaltaram a importância da escolha adequada dos pacientes que serão submetidos ao citado procedimento cirúrgico.

Na ocasião da avaliação pós-operatória neste estudo, 85,3% dos pacientes relataram que estavam satisfeitos com os procedimentos realizados, o que confirma os relatados na literatura.3,5,18,39,40 Na literatura verifica-se que é alto o grau de satisfação dos pacientes, que varia de 80 a 95%.14,17,28 Dos atuais 40 pacientes avaliados, 11 foram reavaliados, destes sete pacientes com deformidade em equinovaro e três em plano-valgo, que estavam no trabalho de Fucs et al.18 mostrando que não houve modificação em ambos os resultados.

Porém, diferentemente da literatura, no nosso estudo, o número de pacientes com deformidade plano-valgo no pré-operatório foi bem inferior ao dos equinovaros (33% e 77% respectivamente). A maioria dos autores menciona um número superior de pés plano-valgos em relação aos equinovaros.5,32,34 Isso se deve provavelmente ao fato de que nos pacientes de tenra idade (5 a 10 anos), com pés planos flexíveis, é realizado o tratamento cirúrgico com artrodese extra-articular na subtalar20,30 ou a osteotomia de alongamento anterior do calcâneo utilizando técnica de Evans6,20,30 ou mesmo outras técnicas cirúrgicas. Em nosso estudo, entre os 10 pés plano-valgos no pré-operatório, um paciente havia realizado a cirurgia de Grice20 isso explica a média de idade na ocasião da tríplice artrodese ter sido maior (17 anos e dois meses) quando comparada com os pacientes, que apresentavam deformidade em equinovaro no pré-operatório (14 anos e 1 mês).

No que diz respeito à influência da idade do paciente na ocasião da cirurgia sobre o seu resultado, a literatura é controversa. Segundo Patterson et al.28 os resultados maus em pacientes menores de oito anos ocorrem em 47% dos casos, e em pacientes maiores de oito anos este resultado é bem inferior (9%). Por outro lado, Kuhns et al.35 obtiveram resultados semelhantes nos dois grupos de pacientes com que trabalharam; um dos grupos com crianças menores de 11 anos (média de 9,8 anos) e o outro com maiores de 11 anos de idade (média de 13,6 anos). Vários autores, tais como Ireland e Hoffer32 Lankosz et al.34 Mulier et al.3 obtiveram bons resultados ao realizarem a tríplice artrodese em pacientes com média de idade acima de 12 anos.

No que diz respeito ao comportamento entre o pré e pós-operatório, vale relatar que os pacientes não deambuladores no pré-operatório não apresentaram mudança funcional no pós-operatório, porém, dois pacientes que eram deambuladores domiciliares tornaram-se não deambuladores, apesar da correção da deformidade em seus pés. Ireland e Hoffer32 enumeram alguns fatores que podem explicar tal fato. Dentre esses estão a obesidade, a falta de estímulo, a instabilidade, realização de outras cirurgias corretivas, por exemplo, no joelho e no quadril.

Quanto à dor, 35% dos pacientes referiram que sentiram dor no pé no período pré-operatório e destes, 67% relataram melhora da dor após a tríplice artrodese, porém 38% dos pacientes ainda relataram dor no pós-operatório. Este dado coincide com a literatura que relata que 23 a 57% dos pacientes apresentam dor no pós-operatório.5,21,37,39,40 Além disso, é preciso ressaltar que, no nosso trabalho, a média de tempo de acompanhamento foi de sete anos e seis meses; Saltzman et al.40 mostraram que 45% dos pacientes que referiram dor no tornozelo após acompanhamento de 25 anos e 55% dos casos apresentavam com dor após 45 anos de acompanhamento. A piora do resultado no que diz respeito à dor no pé deve-se ao tempo, já que para esses autores em 33% a 57% dos casos, quanto maior o tempo de acompanhamento no pós-operatório maior é a incidência e a intensidade da dor. Em nosso estudo, dos oito pacientes com dor moderada no pré-operatório, cinco casos passaram a ter dor leve após a tríplice artrodese. Portanto verificamos que houve melhora da intensidade da dor com o procedimento realizado.

Houve artrose de tornozelo após a tríplice artrodese em 29,4% dos casos, o que está dentro dos parâmetros apresentados pela literatura (25 a 43%). Semelhante à dor, o número de casos de artrose nas articulações adjacentes aumenta com o tempo de acompanhamento no pós-operatório.5,21,29,40 Os resultados obtidos no nosso trabalho revelam que não há correlação desta afecção com o ângulo tibiotalar, na incidência ântero-posterior, do pós-operatório.

No que se refere à deformidade residual, ela foi constatada em 90% dos nossos pacientes, dado superior ao obtido pela literatura.5,38,41 (38 a 80%) Quanto à incidência de pseudartrose, foi de 26,4%, sendo que a articulação talonavicular foi a mais comprometida (20,6%). Esses dados não contrariam a literatura, segundo a qual a pseudartrose é verificada no trabalho de Ireland e Hoffer,32 que obtiveram 22,2% nos pacientes com etiologia na PC, Angus e Cowell21 e Saltzman et al.40 obtiveram 23% e 28% respectivamente, com diferentes etiologias das deformidades dos pacientes que foram submetidos à tríplice artrodese.

No nosso trabalho, 32,4% dos casos apresentaram resultado bom, 44,1% regular e 23,5% mau, o que está de acordo com a literatura,21,39,40 mostrando também que quanto maior o tempo de acompanhamento menor o grupo de pacientes com resultados considerados bons. Por outro lado há autores cujos resultados contradizem os nossos, tais como Lanter et al.41 e Mulier et al.3 que obtiveram, respectivamente, bons resultados em 75% e 72%, regular em 20% e 24%, e maus em 5% e 4%. Essa não concordância com os nossos resultados pode ser devida ao fato de a deformidade que levou à tríplice artrodese dos pacientes estudados por esses autores ter várias etiologias e não somente a PC, como em nossos pacientes. Ademais, a gravidade das deformidades deve ter influenciado em nossos resultados.

No resultado obtido na pontuação da escala AOFAS19 e o resultado da pontuação da escala de acordo com o resultado clínico houve uma diferença de 18,2% em relação ao mau resultado, 21,2% em relação ao regular; o resultado bom com excelente somado com bom pela escala AOFAS foram similares, no total de 33 casos analisados, como demonstrado no teste Kappa = 0,337, mas o grau de concordância entre as duas avaliações foi baixo, portanto não podemos substituir completamente o resultado pela escala AOFAS, como mostra a Tabela 10, e a diferença porcentual entre os dois critérios, provavelmente, por não analisar o resultado subjetivo como grau de satisfação, que no estudo, 85,3% dos pacientes referiram estar satisfeitos com o procedimento na ocasião da avaliação, como o apoio plantígrado que obtivemos em 88,2% dos casos. Não se pode afirmar que a escala AOFAS seja um excelente método para avaliação dos pacientes portadores de PC submetidos a tríplice artrodese pois, no item funcional, com valor de (50 pontos), a disfunção não está localizada só nos pés, e os pacientes portadores de doenças neuromusculares apresentam comprometimento complexo do sistema neuro-músculo-esquelético. A escala serviu de mais um parâmetro na tentativa de melhorar e ampliar a avaliação do paciente com PC.

No que diz respeito à amplitude do movimento de flexo-extensão do tornozelo no período pós-operatório, a média foi de 22º (mínimo de 2º e máximo de 50º), o que coincide com a obtida por Saltzman et al.40 e por Tenuta et al.5 Segundo Saltzman et al.40 o movimento de dorso-flexão do tornozelo é o mais comprometido. Essa diminuição na amplitude dos movimentos das articulações adjacentes, de acordo com Schroeder et al.14 ocorreu devido à complexidade do procedimento e independe da técnica cirúrgica utilizada.

Após a tríplice artrodese, nossos resultados não revelaram alteração significativa no ângulo talocalcâneo, na incidência ântero-posterior, com melhora de 1º aproximadamente (p = 0,592). Quanto ao ângulo talocalcâneo, na incidência de perfil, não houve mudança (p = 0,767) e trabalho de Sangeorzan et al.29 refere que houve melhora no pós-operatório de até 11º, o que difere com nosso resultado; os autores chegaram a excluir da sua avaliação o ângulo talocalcâneo am AP devido à dificuldade de mensuração dos ângulos.

Por outro lado, a melhora de 18º constatada por Sangeorzan et al.29 no ângulo talo-primeiro metatarsiano, na incidência ântero-posterior, é semelhante à observado em nosso trabalho, de 16º, estatisticamente significante (p = 0,001). E o ângulo calcâneo-solo, no perfil, em média houve diminuição de 6,5º, também significante (p = 0,004). Juntamente com o ângulo calcâneo-solo, na incidência perfil, e o ângulo talo-primeiro metatarsiano, na incidência ântero-posterior, foram os mais sensíveis ao procedimento cirúrgico, como demonstra os Gráficos 2 e 4, respectivamente.

Quanto à fixação interna da tríplice artrodese, constatou-se que ela não influenciou no resultado. Seitz e Carpenter38 Svartman et al.17 Haritidis et al.39 e Fucs et al.18 utilizaram a fixação com pinos de aço, e o primeiro obteve 79% de resultados satisfatórios, o segundo 88% de correção da deformidade, o terceiro 20% de resultados bons, e, por fim, o último 72% de resultados satisfatórios. Por outro lado, outros autores como Monson e Gibson37 e Ireland e Hoffer32 fixaram o procedimento com agrafes e obtiveram 91% de boa função. Sangeorzan et al.29 e Lanter et al.41 também obtiveram bons resultados (média de 75% de satisfação e excelência) ao utilizarem parafuso como método de fixação interna.

CONCLUSÕES

Houve melhora significativa nas medidas dos ângulos talo-primeiro osso metatarsal, na incidência antero-posterior, e o calcâneo-solo, no perfil com a realização da tríplice artrodese. Os ângulos talo-primeiro metatarsiano e calcâneo-solo foram os mais sensíveis para avaliar o efeito do procedimento cirúrgico. O procedimento resultou em apoio plantígrado para 88,2% dos pacientes, sendo que 62% compareceram à avaliação sem órteses e usando calçados confortáveis. Os pacientes com deformidade em equinovaro tiveram resultados melhores que os com pés plano-valgos na avaliação clínica. A grande maioria (85,3%) estava satisfeita com o procedimento realizado.

Trabalho recebido em 31/07/09, aprovado em 09/02/10

Todos os autores declaram não haver nenhum potencial conflito de interesses referente a este artigo.

Trabalho realizado no Grupo das Doenças Neuro-musculares, Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP).

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    Patricia M.M.B. Fucs
    Rua Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 330 ap 22
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Out 2010
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Aceito
      09 Fev 2010
    • Recebido
      31 Jul 2009
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