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Escoliose idiopática do adolescente King II (Lenke B e C): predição da descompensação coronal

Resumos

OBJETIVO: Identificar os sinais radiográficos preditivos de descompensação do tronco em pacientes com EIA King II (Lenke B e C) submetidos a artrodese torácica seletiva com material de terceira geração. MÉTODOS: Foram avaliadas retrospectivamente as radiografias pré-operatórias e do último acompanhamento de 22 pacientes. A amostra foi dividida em dois grupos: pacientes compensados após o tratamento (n=18) e os pacientes que apresentaram descompensação coronal (n=4). Esses dois grupos foram comparados para analisar possíveis critérios radiográficos pré-operatórios preditivos da descompensação do tronco. RESULTADOS: Os pacientes que evoluíram com descompensação coronal do tronco apresentaram maior valor angular, maior translação e maior rotação da vértebra apical da curva lombar e maior obliqüidade de L4 em relação à pelve. Além disso, a relação entre a curva torácica para os critérios de valor angular, TVA e RVA foi menor, quando comparadas com os pacientes com boa evolução. CONCLUSÕES: Curvas lombares compensatórias com valor angular semelhante à curva torácica principal, com translação e rotação da vértebra apical elevadas e grande inclinação de L4 apresentam alta probabilidade de descompensação do tronco após o tratamento cirúrgico. O número pequeno de pacientes descompensados não permitiu definir valores preditivos destas variáveis.

Escoliose; Escoliose; Adolescente


OBJECTIVE: To identify the predictive radiographic signs of trunk decompensation in King II AIS patients (Lenke B and C) who underwent selective thoracic arthrodesis with third generation material. METHODS: A retrospective analysis was carried out of the preoperative radiographies, and those from the most recent follow-up, of twenty-two patients. The sample was divided in two groups: patients compensated after treatment (n=18) and patients who presented coronal decompensation (n=4). The two groups were compared to analyse possible postoperative predictive radiographic criteria of trunk decompensation. RESULTS: The patients who developed coronal trunk decompensation showed a greater angular value, greater apical vertebral translation (AVT) and rotation (AVR) of the lumbar curve, and greater L4 obliquity in relation to the pelvis. Furthermore, the relationship between the thoracic curve AVT and AVR, for the angular value criteria, was smaller than for the patients with good evolution. CONCLUSIONS: Compensatory lumbar curves with similar angular value to the main thoracic curve, with greater translation and rotation of the apical vertebra and greater L4 slope, have a high probability of trunk decompensation after this surgical treatment. The small number of decompensated patients did not enable any predictive values of these variables to be defined.

Scoliosis; Scoliosis; Adolescent


ARTIGO ORIGINAL

Escoliose idiopática do adolescente King II (Lenke B e C): predição da descompensação coronal

Osmar Avanzi; Elcio Landim; Robert Meves; Maria Fernanda Silber Caffaro; Ricardo Umeta; Jose Thiago Portella Kruppa

Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

Endereço para correspondênciaEndereço para correspondência: Departamento de Ortopedia e Traumatologia - Pavilhão Fernando Simonsen Rua Cesário Motta Júnior, 112 CEP: 01221-020; São Paulo, SP. Brasil E-mail:; robertmeves@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Identificar os sinais radiográficos preditivos de descompensação do tronco em pacientes com EIA King II (Lenke B e C) submetidos a artrodese torácica seletiva com material de terceira geração.

MÉTODOS: Foram avaliadas retrospectivamente as radiografias pré-operatórias e do último acompanhamento de 22 pacientes. A amostra foi dividida em dois grupos: pacientes compensados após o tratamento (n=18) e os pacientes que apresentaram descompensação coronal (n=4). Esses dois grupos foram comparados para analisar possíveis critérios radiográficos pré-operatórios preditivos da descompensação do tronco.

RESULTADOS: Os pacientes que evoluíram com descompensação coronal do tronco apresentaram maior valor angular, maior translação e maior rotação da vértebra apical da curva lombar e maior obliqüidade de L4 em relação à pelve. Além disso, a relação entre a curva torácica para os critérios de valor angular, TVA e RVA foi menor, quando comparadas com os pacientes com boa evolução.

CONCLUSÕES: Curvas lombares compensatórias com valor angular semelhante à curva torácica principal, com translação e rotação da vértebra apical elevadas e grande inclinação de L4 apresentam alta probabilidade de descompensação do tronco após o tratamento cirúrgico. O número pequeno de pacientes descompensados não permitiu definir valores preditivos destas variáveis.

Descritores: Escoliose. Escoliose/radiografia. Adolescente.

INTRODUÇÃO

A escoliose idiopática do adolescente (EIA) torácica a direita com curva lombar flexível é a deformidade que tem gerado maior controvérsia na literatura. A polêmica esta centrada em quando a artrodese seletiva da curva torácica deve ser realizada. Teoricamente, após esse procedimento, a curva lombar compensatória irá se acomodar espontaneamente em relação à posição da curva torácica corrigida. Apesar de a artrodese seletiva ter como vantagem preservar os segmentos lombares, em alguns casos ela resulta em descompensação coronal do tronco após a cirurgia.1-4 As causa mais comuns dessa complicação têm sido atribuídas à identificação errada do tipo de curva (dupla curva verdadeira) e à hipercorreção da curva torácica principal, suplantando a capacidade compensatória da curva lombar.1-5

Em 1983, King et al.6 descreveram uma classificação para ajudar a identificar os tipos de curvas que poderiam ser tratadas com artrodese seletiva . Eles recomendaram que as curvas King II (curva torácica principal-lombar compensatória) fossem tratadas com artrodese somente da curva torácica, enquanto as curvas King I (dupla curva verdadeira), tanto a curva torácica direita, quanto a lombar esquerda, fossem submetidas à artrodese. Os critérios para considerar uma escoliose tipo King II são: Curva torácica direita maior e menos flexível que a curva lombar esquerda. Essa classificação se baseou no tratamento cirúrgico da escoliose com instrumental de 2ª geração.6

Devido ao aumento da incidência de descompensação coronal do tronco pós-operatória, com a utilização da instrumentação de 3ª geração, Lenke et al.7, publicaram instruções para se realizar artrodese seletiva nas escolioses tipo King II. Foi proposto que, somente quando a curva principal torácica fosse pelo menos 20% maior que curva lombar, tivesse pelo menos 20% a mais de translação da vértebra apical (TVA) e pelo menos a mesma rotação da vértebra apical (RVA), a artrodese seletiva torácica seria possível com esse tipo de instrumental.1,4,7-9

Richards et al.10, constataram que a capacidade de correção espontânea da curva lombar compensatória após a artrodese seletiva torácica era devida a região proximal da primeira, e que a inclinação pélvica em relação a quarta vértebra lombar ("L4 tilt") seria um critério radiográfico preditivo de descompensação do tronco para esquerda nos pacientes com EIA King II, tratados com artrodese seletiva.10-13

Em 2001, Lenke et al.14 descreveram uma nova classificação para EIA que quantifica especificamente os aspectos estruturais de cada curva ( torácica proximal, torácica principal e toracolombar / lombar) da escoliose. Eles estabeleceram critérios estruturais para considerar uma curva principal estruturada ou compensatória não estruturada. Nesse sistema a escoliose é classificada de acordo com: 1) o tipo de curva; 2) a translação da vértebra apical lombar; e 3) o alinhamento sagital. Somente as curvas consideradas estruturadas devem ser incluídas na artrodese.1-3,9,14

Mesmo assim a controvérsia sobre realizar ou não a artrodese seletiva torácica nas curvas King II permanece. Portanto, os objetivos desse estudo são: 1) identificar os sinais radiográficos preditivos de descompensação do tronco em pacientes com EIA tratados cirurgicamente e 2) estudar o comportamento da curva lombar compensatória quando se realiza a artrodese torácica seletiva.

MATERIAIS E MÉTODOS

Foram avaliadas retrospectivamente as radiografias dos pacientes portadores de EIA tipo King II submetidos à artrodese seletiva torácica com implante metálico de 3ª geração no período de 1993 a 2007 em um único serviço.

Foram incluídos nessa série os pacientes entre 11 a 19 anos no momento da cirurgia, tratados com artrodese seletiva por uma única via posterior, com associação de enxerto autólogo, sendo que o limite inferior da artrodese não passou da primeira vértebra lombar (L1). O período mínimo de seguimento foi de 12 meses, com média de 65 meses.

Foram avaliadas radiografia pré-operatórias nas incidências de ântero-posterior (AP) e perfil (P) ortostáticas panorâmicas; e em AP com inclinações laterais em posição supina. Para identificar a escoliose como tipo King II a curva torácica direita deve ser igual ou maior e menos flexível que a curva lombar esquerda. Ambas as curvas devem cruzar a linha sacral média.5,6 Os pacientes selecionados foram também classificados de acordo com os critérios de Lenke et al.14.

Foram avaliadas radiografias em AP e P no momento pós-operatório inicial (até uma semana após a cirurgia) e no último seguimento. Os níveis proximais e distais da artrodese foram identificados.

Um total de 22 pacientes preencheu esses critérios, sendo dois do sexo masculino e 20 do sexo feminino. A média de idade foi de 14,63 ± 2,47 anos.

Mensuração das curvas

Realizamos as medidas das curvas torácica direita e lombar esquerda, utilizando-se o método de Cobb15 nas radiografias pré-operatórias em AP e P ortostática, inclinações laterais, em AP e P pós-operatórias iniciais e do último seguimento. Com isso determinamos a porcentagem de flexibilidades das curvas, porcentagem de correção pós-operatória e de perda da correção no último seguimento ambulatorial.

Também foram avaliados, segundo os critérios de Lenke et al.14, as medidas de translação da vértebra apical (TVA) torácica e lombar em milímetros (mm), a partir da linha vertical de C7 e a linha sacral média, respectivamente; a rotação da vértebra apical (RVA) torácica e lombar utilizando-se o método de Nash e Moe16, ambas pré e pós operatórias. Através dessas medidas calculamos a relação da curva torácica sobre a lombar nos critérios de magnitude (Cobb T/L), TVA T/L e RVA T/L. Além disso, foram avaliados a inclinação da vértebra L4 em relação a pelve, medida em graus, nas radiografias em AP e inclinação lateral direita, determinando assim a sua flexibilidade10.

Compensação coronal e sagital do tronco

De acordo com a "Scoliosis Research Society" (SRS) compensação coronal do tronco é definida como o alinhamento da linha média de C7 com a linha sacral média17. Descompensação é determinada quando a distância entre essas duas linhas for maior que 20 mm. A mesma instituição também define como descompensação do tronco quando o tórax não está centrado sobre o sacro, podendo ser medida pelo método de "lateral trunk shift" ou translação lateral do tronco.17 Ambas as medidas foram analisadas nos pacientes inclusos nessa série.

Os pacientes foram então divididos em dois grupos: A) compensados; B) descompensados. Descompensação coronal foi definida como desvio maior que 20 mm entre a linha cervical média e a linha sacral média. A análise foi realizada para determinar quais os critérios medidos tiveram diferença estatística entre os dois grupos.

A análise estatística foi realizada com a aplicação do Teste de Mann-Whitney, com o intuito de verificar uma possível diferença entre os dois grupos considerados, para as variáveis de interesse. Foi utilizado o programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences), em sua versão 13.0, para a obtenção dos resultados, utilizando um nível de significância de 5% (0,050), para a aplicação dos testes estatísticos.

RESULTADOS

Foram incluídos no estudo 22 pacientes portadores de EIA, todos do tipo II da classificação de King et al.6. Eles também foram classificados de acordo com o sistema Lenke et al.9, sendo: oito 1BN, um 1B+, 12 1CN e um 2CN. Todos os pacientes foram submetidos à artrodese seletiva torácica por uma única via posterior, utilizando instrumental de 3ª geração: Em 11 casos foi utilizado o instrumental de Coutrel-Dubousset e em 11 casos montagem híbrida ( parafusos pediculares distal e ganchos proximal ). O nível distal da artrodese foi em oito casos em T12 e em 14 casos em L1. Os resultados estão relacionados nas Tabelas 1 a 4.

 

Análise pré-operatória

A curva torácica principal mediu em média 56,61º± 7,59º, diminuindo para 32,57º± 7,06º na radiografia com inclinação lateral direita, mostrando uma flexibilidade de 42%± 10%. A TVA torácica foi em média de 47,79 ± 13,36mm.

A curva lombar compensatória teve uma media de 40,4º± 8,51º, diminuindo para 8,54º±7,19º na inclinação lateral esquerda, com uma flexibilidade de 81%± 17%. A TVA lombar foi de 22,18± 8,70mm.

Comparando as duas curvas a relação torácica/lombar foi de 1,45± 0,31 para a magnitude (Cobb) das curvas, 2,33± 0,89 para a TVA e 1,63± 0,49 par a RVA em média.

A obliqüidade de L4 em relação à pelve foi de 11,50º± 6,43º, chegando a -0,22º± 3,63º na inclinação lateral esquerda, com uma flexibilidade media de 114%± 36%. O balanço coronal foi em média de 5,86 mm (± 11,80) para esquerda.

No plano sagital a cifose de T5-T12 foi em média de 25,04º±11,64º, com uma cifose juncional toracolombar de -0,86º±6,06º.

Análise no Pós-operatório imediato

No pós-operatório imediato obteve-se uma correção em média da curva torácica para 25,04º± 7,37º, obtendo-se uma porcentagem de correção de 56%± 11%. Já a curva lombar, obteve-se uma melhora em média para 20,77º± 7,17º, com uma porcentagem de correção de 49%±13%.

O balanço coronal obtido foi em média de 12,95mm (± 14,65) para esquerda. No plano sagital obteve-se uma cifose T5-T12 de 21,77º± 7,05º. A obliqüidade de L4 obtida no pós-operatório imediato foi de 10,18º± 6,46º, com uma porcentagem de correção de apenas 14%± 22%, apesar da grande flexibilidade encontrada no pré-operatório (114%).

Análise no último seguimento ambulatorial

No último seguimento ambulatorial dos pacientes foi aferida a curva torácica com 28,45º ± 7,82º, mostrando uma porcentagem média de perda da correção de 15%± 13%. A curva lombar foi medida em média em 21,27º± 11,08º, com uma perda de correção em de -1%± 23%.

O balanço coronal final foi em média de 10,04mm (±13,34) para esquerda. Já no plano sagital a cifose T5-T12 foi de 22,86º± 5,33º. A obliqüidade de L4 final ficou em média de 10,45º± 6,94º.

Comparação dos grupos compensados e descompensados

No momento pós-operatório inicial e tardio dividimos os pacientes em dois grupos: Compensados no plano coronal e os descompensados para esquerda. Comparamos estes dois grupos em relação os critérios radiográficos pré-operatórios aferidos.

No pós operatório inicial obtivemos 16 pacientes compensados no plano coronal e 6 descompensados para esquerda. Comparando esses dois grupos observamos que no grupo dos descompensados os pacientes apresentavam valor angular maior da curva lombar (49,8º± 3,5º X 37,2º± 7,6, p=0,002) que os pacientes compensados, uma maior TVA da curva lombar ( 33,6mm± 5,3 X 17,8mm± 4,9, p=0,001) e uma maior RVA lombar ( 2 X 1,1±0,3, p<0,001). Também notamos diferença estatística na relação curva torácica(T)/lombar(L) para magnitude da curva (descompensados 1,19± 0,1 X compensados 1,5 ± 0,3, p= 0,002), TVA ( 1,19± 0,3 X 2,76± 0,6 p< 0,001). Por fim notamos diferença estatística na inclinação de L4 entre os dois grupos (19,5± 5,7 X 8,5±3,4, p=0,001).

No pós-operatório tardio (último seguimento ambulatorial) contatamos que os pacientes que permaneceram descompensados para esquerda eram em apenas quatro, enquanto o grupo dos compensados passou a ser em 18 pacientes. Comparando esses dois grupos obtivemos resultados semelhantes: Cobb lombar de 49º± 4º X 38,8º±8,5, p=0,03; TVA lombar de 35,7mm± 3,2mm X 19,1± 6,2, p=0,003; RVA lombar de 2 X 1,2± 0,4, p=0,004; Cobb T/L de 1,18±0,1 X 1,5± 0,3, p=0,014; TVA T/L de 1,01± 0,08 X 2,63± 0,7, p= 0,002; AVR T/L de 1 X 1,78± 0,43, p= 0,004 e por fim obliqüidade de L4 de 22± 5,42 X 9,17± 3,8, p=0,002.

Em somente um paciente que evoluiu com descompensação coronal para esquerda foi necessária uma nova intervenção cirúrgica para extensão da artrodese, caso elucidado na Figura 1.


DISCUSSÃO

Os objetivos do tratamento cirúrgico para a escoliose idiopática são corrigir a deformidade mantendo um bom balanço coronal e sagital, ao mesmo tempo deixando livre o maior número de segmentos possíveis, para evitar complicações com a degeneração precoce dos segmentos não artrodesados.1-3,7,9 A aplicação do conceito da artrodese seletiva torácica permite o controle e a correção parcial da curva torácica principal, mantendo a mobilidade dos segmentos lombares. Porém em alguns casos a curva lombar não incluída na artrodese não é capaz de se acomodar à correção da curva torácica, levando descompensação do tronco no plano coronal. Essa descompensação ocorre com mais freqüência nos pacientes portadores de EIA tipo King II.1-3,7,9 As causas mais comuns dessa complicação têm sido atribuídas à identificação errada do tipo de curva ( dupla curva verdadeira) e à hipercorreção da curva torácica principal, suplantando a capacidade compensatória da curva lombar.1-5 Apesar disso, a porcentagem de correção não foi fator associado à descompensação do tronco na nossa série de casos.

Em 1983, King et al.6 descreveram uma classificação para ajudar a identificar os tipos de curvas que poderiam ser tratadas com artrodese seletiva . Eles recomendaram que as curvas King II (curva torácica principal-lombar compensatória) fossem tratadas com artrodese somente da curva torácica. Essa classificação se baseou no tratamento cirúrgico da escoliose com instrumental de 2ª geração.6

Com o surgimento do instrumental de 3ª geração, o qual propiciava uma correção maior da deformidade, uma série de casos de EIA King II submetidos à artrodese seletiva torácica apresentaram descompensação coronal para esquerda. Percebeu-se que os critérios de King não eram suficientes para determinar quando a artrodese seletiva poderia ser realizada.1-3,7, 9,11,14,19

Lenke et al.7, publicaram instruções para se realizar artrodese seletiva nas escolioses tipo King II. Eles constataram na sua série de casos tratados com instrumental de terceira geração que a relação entre a curva torácica e a lombar nos aspectos de magnitude (Cobb) das curvas, TVA e RVA era um bom critério preditivo para se realizar a artrodese seletiva. Os valores estipulados foram de 1,2 para Cobb torácico/lombar e TVA torácica/lombar e 1 para RVA torácica/lombar. Quando pelo menos duas dessas relações entre a curva torácica e lombar fossem maior que esses valores a artrodese seletiva seria viável. A exceção a essa regra foi determinada quando a curva lombar tivesse maior valor angular do que 60º, maior TVA que 40mm e uma rotação acentuada ( maior que 2,5 por Nash-Moe).

Frez et al4, Lenke et al9, Newton et al.8 e Chang et al.1 utilizaram esses critérios e obtiveram bons resultados em suas séries de casos de EIA tratados com artrodese seletiva.

Na nossa casuística observamos diferença estatística quando comparamos essas relações entre a curva torácica e a lombar nos dois grupos estudados (descompensados X compensados). Os quatro pacientes que se mantiveram descompensados no final do seguimento ambulatorial obtiveram em média as relações Cobb T/L de 1,18±0,1 (p=0,014), TVA T/L de 1,01± 0,08 (p=0,002) e RVA T/L de 1 (p=0,004). Porém o nosso numero de casos não nos propicia determinar um valor de corte para determinar quando a curva lombar deverá ser incluída na artrodese.

Richards et al.10, publicaram sua série de 24 pacientes com EIA King II, todos portadores de curva lombar acima de 40º, tratados com artrodese torácica seletiva. Eles constataram que a capacidade de correção espontânea da curva lombar compensatória após esse procedimento, era devida a região proximal da primeira, e que a inclinação de L4 em relação à pelve ("L4 tilt") seria um critério radiográfico preditivo de descompensação do tronco para esquerda nos pacientes com EIA King II, tratados com artrodese seletiva. Scwender et al.11, Lodewijk et al.12 e Jansen et al.13 obtiveram a mesma constatação em suas repectivas séries de casos.

Observamos em nossos casos que a inclinação de L4 em relação a pelve, apesar de se mostrar extremamente flexível na maioria dos pacientes ( 114%± 36%), obteve uma correção no pós operatório de apenas 14%± 22%, mostrando a pequena capacidade da região distal da curva lombar de corrigir espontaneamente. O valor da inclinação de L4 também mostrou diferença estatística em relação aos dois grupos estudados. Os pacientes que evoluíram com descompensação para esquerda tinham uma obliqüidade de L4 acentuada de 22º± 5,42º ( p=0,002), mostrando que esse critério radiográfico tem capacidade preditiva de determinar quando a artrodese seletiva torácica pode levar a uma descompensação coronal.

Em 2001, Lenke et al.14 descreveram uma nova classificação para EIA que quantifica especificamente os aspectos estruturais de cada curva ( torácica proximal, torácica principal e toracolombar / lombar) da escoliose. Eles estabeleceram critérios estruturais para considerar uma curva principal estruturada ou compensatória não estruturada. De acordo com esse sistema a escoliose é classificada baseando-se em: 1) tipo de curva; 2) translação da vértebra apical lombar; e 3) alinhamento sagital. Somente as curvas consideradas estruturadas devem ser incluídas na artrodese.1,2,3,9,14

Em nossa casuística todas as curvas lombares eram flexíveis de acordo com os critérios de Lenke: nas radiografias em inclinação lateral todas corrigiram o valor do Cobb para menos que 25º e nenhuma tinha cifose juncional toracolombar (T10-L2) maior ou igual a 20º. Não observamos nenhum critério radiográfico no plano sagital com correlação estatística com a descompensação coronal do tronco após realizar a artrodese seletiva torácica.

Dobbs et al.3 e Edwards et al.2, ambos em 2004, observaram em suas séries de caso que a presença de um tronco descompensado para esquerda pré-operatório tem relação estatística com a manutenção do tronco descompensado para esquerda após a cirúrgia, sendo assim um importante critério preditivo para se realizar ou não a artrodese seletiva torácica.

Não conseguimos fazer a mesma constatação a partir da nossa série de casos, não havendo diferença estatística entre o balanço coronal pré-operatório entre os dois grupos estudados.

CONCLUSÃO

Podemos concluir que tratamento da escoliose idiopática do adolescente tipo King II com a artrodese torácica seletiva propicia um bom balanço coronal desde que se observe critérios preditivos de descompensação do tronco. Curvas lombares compensatórias com valor angular semelhante à curva torácica principal, com translação e rotação da vértebra apical elevada e grande inclinação de L4 apresentam alta probabilidade de descompensação do tronco após o tratamento cirúrgico.

Seria necessário um maior número de casos para se determinar qual o valor de corte nos critérios estudados, a partir do qual a artrodese seletiva não pudesse ser realizada.

Observamos também que a correção espontânea da curva lombar após a artrodese seletiva torácica se deve, principalmente, a sua parte proximal, já que a inclinação de L4 pouco se altera após a artrodese torácica seletiva.

Trabalho recebido em 13/07/09, aprovado em 09/02/10

Todos os autores declaram não haver nenhum potencial conflito de interesses referente a este artigo.

Trabalho realizado do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de São Paulo - Pavilhão Fernandinho Simonsen.

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  • Endereço para correspondência:

    Departamento de Ortopedia e Traumatologia - Pavilhão Fernando Simonsen
    Rua Cesário Motta Júnior, 112
    CEP: 01221-020; São Paulo, SP. Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Out 2010
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Aceito
      09 Fev 2010
    • Recebido
      13 Jul 2009
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