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Efeitos do tempo de descompressão após trauma medular na recuperação neurológica em ratos Wistar

Resumos

OBJETIVO: Lesões traumáticas da medula espinal são frequentemente observadas no ambiente hospitalar de politraumatismos e cursam com grande morbi-mortalidade além de grandes custos psico-sociais e de saúde publica. Até os dias de hoje o tratamento destas lesões permanece controverso, sendo que diversos estudos na literatura compararam resultados do tratamento conservador e do tratamento cirúrgico imediato, precoce e tardio. O objetivo deste estudo é comparar a intervenção cirúrgica com descompressão imediata em relação à descompressão realizada após 1 hora de compressão medular. MÉTODOS: Acreditando no melhor resultado do tratamento cirúrgico este estudo realiza comparação experimental do tipo caso-controle, com análise histo-patológica e funcional, dos resultados no tratamento cirúrgico por laminectomia posterior, imediata e após 1 hora de compressão, em 25 ratos da raça Wistar. RESULTADOS: Respostas quanto à função e grau de déficit neurológico foram melhores nos ratos tratados por descompressão cirúrgica imediata em relação aos tratados após 1 hora de lesão (p=0,036). CONCLUSÃO: Quanto mais precoce a descompressão espinal nas lesões medulares traumáticas agudas, melhores seriam os resultados finais em relação à função e presença de déficit neurológico.

Traumatismos da medula espinal; Ratos Wistar; Descompressão


OBJECTIVE: Traumatic spinal Cord injuries are common in patients with high-energy trauma, and have significant morbidity and mortality rates, as well as high psychological and social costs, causing a major impact on public health. To date, the treatment of such lesions remains controversial, with various studies in the literature comparing the results of non-surgical treatment with immediate, early or late surgical decompression. The objective of the present study is to compare the results of immediate and early (within 1 hour) spinal Cord decompression. METHODS: In the belief that the surgical treatment obtains the best result, this experimental study has a case-control design, with histopathological and functional analysis of the results of surgical treatment of 25 Wistar mice submitted to posterior laminectomy immediately, or after one hour of spinal Cord compression. RESULTS: in terms of functional and neurological deficit, the responses were better in the mice treated with immediate surgical decompression than in those treated one hour after the lesion (p=0.036). CONCLUSION: The earlier the decompression of spinal Cord injuries is performed, the better the end results in terms of the function and presence of neurological deficit.

Spinal cord injuries; Rats, Wistar; Decompression


ARTIGO ORIGINAL

Efeitos do tempo de descompressão após trauma medular na recuperação neurológica em ratos Wistar

César de César NettoI; Leonardo Franco Pinheiro GaiaI; Alexandre Adorno SattinI; Alexandre Fogaça CristanteI; Raphael Martus MarconI; Tarcísio Eloy Pessoa de Barros FilhoI; Reginaldo Perilo OliveiraI; Ivan Dias RochaI; Arthur Roncon DiasI; Clarissa Harumi OmoriII

ILaboratório de Investigação Médica do Sistema Músculo Esquelético - LIM41 do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da FMUSP

IIGraduanda da Faculdade de Medicina da USP

Endereço para Correspondência Endereço para Correspondência: Rua Capote Valente 467, apto. 53 São Paulo, SP. Brasil. CEP 05409-001 E-mail: pinhal_89@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Lesões traumáticas da medula espinal são frequentemente observadas no ambiente hospitalar de politraumatismos e cursam com grande morbi-mortalidade além de grandes custos psico-sociais e de saúde publica. Até os dias de hoje o tratamento destas lesões permanece controverso, sendo que diversos estudos na literatura compararam resultados do tratamento conservador e do tratamento cirúrgico imediato, precoce e tardio. O objetivo deste estudo é comparar a intervenção cirúrgica com descompressão imediata em relação à descompressão realizada após 1 hora de compressão medular.

MÉTODOS: Acreditando no melhor resultado do tratamento cirúrgico este estudo realiza comparação experimental do tipo caso-controle, com análise histo-patológica e funcional, dos resultados no tratamento cirúrgico por laminectomia posterior, imediata e após 1 hora de compressão, em 25 ratos da raça Wistar.

RESULTADOS: Respostas quanto à função e grau de déficit neurológico foram melhores nos ratos tratados por descompressão cirúrgica imediata em relação aos tratados após 1 hora de lesão (p=0,036).

CONCLUSÃO: Quanto mais precoce a descompressão espinal nas lesões medulares traumáticas agudas, melhores seriam os resultados finais em relação à função e presença de déficit neurológico.

Descritores: Traumatismos da medula espinal. Ratos Wistar. Descompressão.

INTRODUÇÃO

Lesões da medula espinal acarretam uma profunda transformação na qualidade e estilo de vida, com comprometimento da independência e relações sócio-econômicas daqueles que sofreram a lesão; este tipo de trauma é muito oneroso para o sistema público de saúde, devido à alta complexidade dos procedimentos realizados na fase aguda da lesão (cirurgias, métodos de imagem, medidas de suporte, internação) e longo período de tratamento e acompanhamento multiprofissional. Ocorre em geral secundariamente a acidentes automobilísticos, lesões por arma de fogo e arma branca e mergulho em água rasa. A lesão traumática inicial (primária) tipicamente envolve impacto, compressão e contusão da medula espinal, e resulta num dano imediato às células nervosas, tratos axonais e vasos sanguíneos. Atualmente muito se tem feito a fim de reverter e/ou minimizar os processos fisiológicos secundários, que incluem hemorragia, edema, isquemia, hipóxia, influenciados pela liberação de mediadores endógenos, promovendo morte celular por apoptose e necrose.1 Apesar de tantos esforços, progrediu-se muito pouco na recuperação neurológica dos indivíduos traumatizados. Assim, novas idéias de intervenção terapêutica complementares têm sido elaboradas e estudadas, entre elas a utilização da câmara hiperbárica, atuação de novos antioxidantes e fatores de crescimento neuronais e otimização do tempo de descompressão, esta última avaliando se fatores compressivos como fragmentos ósseos, ligamentos ou disco intervertebral podem exacerbar o dano mecânico após a lesão primária com o passar do tempo.

Há forte evidência na literatura de que a descompressão cirúrgica da medula e alinhamento do canal vertebral nos primeiros dias ou semanas proporciona uma melhor recuperação neurológica final em relação a descompressões em períodos mais prolongados (meses ou anos).2-6

O que ainda permanece controverso é se descompressões ainda mais precoces (dentro das primeiras horas) seriam benéficas. Considerando que a cirurgia deva ser realizada somente após a estabilização das condições do paciente.

Delamarter et al.7,8 em um estudo recente, utilizou-se de um cabo de nylon para comprimir homogeneamente a circunferência medular de modo a reduzir seu diâmetro pela metade. Concluiu que descompressões dentro da primeira hora após a lesão da medula torácica superior em cães permite recuperação considerável, enquanto descompressões mais tardias não proporcionaram melhora significativa. Este estudo baseou-se num método de compressão contínua da medula. Nosso modelo melhor reproduz traumas medulares, em que ocorre uma lesão primária imediata seguida da compressão da medula de forma não homogênea. Apesar de muitos autores defenderem a abordagem cirúrgica quando há provas de compressão medular,6,9 vários outros não apontam vantagens deste método sobre a abordagem conservadora, não cirúrgica.10-12 Alegam que uma vez lesada a medula espinal, todos os danos são irreversíveis ou quando há recuperação neurológica, esta ocorre independentemente de fatores como cirurgia (incluindo o tempo entre a lesão e a descompressão), deformidade espinal, mecanismo de lesão óssea e estreitamento do canal vertebral.

Neste estudo determinamos, através de análises histopatológica e funcional, os efeitos do tempo de compressão e do momento da descompressão na recuperação neurológica após a lesão medular, a partir de um grupo de animais com descompressão imediata após trauma medular padronizado e outro sustentando compressão por um período curto (1 hora).

MATERIAL E MÉTODOS

Foram realizadas lesões em 25 ratos dos 30 inicialmente previstos, utilizando-se o NYU IMPACTOR13 (New York Impactor), com uma altura de queda de 25.0 mm. Os ratos foram divididos em 2 grupos, sendo que 12 sofreram descompressão imediata após a lesão (grupo Vermelho), e 13 sustentaram a compressão na medula durante uma hora antes da descompressão (grupo Preto). Cinco óbitos provavelmente foram devido aos efeitos da anestesia (pentobarbital intraperitoneal), mesmo que a aplicação tenha sido diluída em soro e realizada de acordo com padronização da dosagem por peso e sexo. Dois deles ocorreram antes do início da laminectomia, dois durante os procedimentos cirúrgicos e um no pós-operatório imediato. Além disso, ocorreu um sexto óbito no 5º dia pós operatório de causa desconhecida, restando assim 11 ratos do grupo vermelho. A produção das lesões e a eutanásia dos animais ocorreram no Laboratório de Estudos da Lesão Medular do Instituto de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Os animais foram mantidos no Laboratório de Estudos da Lesão Medular do IOT-FMUSP, em gaiolas individuais, em câmaras climatizadas e sob condições de alimentação e higiene adequadas.

Foram utilizados ratos machos da raça Wistar de um único fornecedor (Biotério da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). A idade dos ratos eram de 12 semanas e o peso de 260g a 340g. Os ratos tinham a garantia de serem livres de patógenos e atentou-se para a identificação adequada de todos os ratos.

Procedimentos Anestésicos

Anestesiou-se os ratos com pentobarbital intraperitoneal. A dose utilizada foi de 55-75 mg/kg. A dose ótima pode variar dependendo de muitos fatores, mas o efeito anestésico sempre começava em torno de 5 minutos. Esta dose de pentobarbital anestesiou o rato por aproximadamente 2 horas. A avaliação do plano anestésico profundo foi determinado pela ausência dos reflexos da córnea e compressão da cauda.

Laminectomia

Expôs-se a medula espinal com uma laminectomia para a contusão.

Foi feita uma abertura na pele da linha média dorsal para se expor T8-T12 da coluna vertebral.

Cortou-se e afastou-se os músculos inseridos nos processos espinhosos de T10-T11. Realizou-se a laminectomia de T10 e T9 com um alicate, iniciando pela borda caudal de T10 e delicadamente sendo retirados pequenos fragmentos ao longo da lâmina de T10 com o alicate orientado em direção cranial (Um cirurgião destro opera com a cabeça do rato próxima à sua mão esquerda) até a lâmina de T9. Não se danificou o processo espinhoso de T8 ou a medula (Danificando-se o processo espinhoso de T8 estaria se enfraquecendo o sítio para o posicionamento do clampe cranial). A abertura, com uma margem mínima de 2mm, foi o suficiente para a acomodação da cabeça do Impactor.

Contusão

Usou-se o NYU IMPACTOR para contundir a medula espinal e monitorizar a contusão. Entre as contusões, a cabeça do IMPACTOR foi imersa em um becker com soro fisiológico. Antes da contusão limpou-se cuidadosamente a cabeça do IMPACTOR com solução alcóolica a 95%.

Posicionou-se o rato no IMPACTOR. Pinçou-se o segmento T8 e então prendeu-se o clampe caudal no processo espinhoso do segmento T11. Colocou-se uma esponja debaixo do peito do rato. (Os ratos ficaram suspensos pelos segmentos T8 e T11).

Ajustou-se a haste do IMPACTOR na posição zero. Prendeu-se o clipe de base na margem da ferida cirúrgica.

Centralizou-se e abaixou-se a haste do IMPACTOR em direção a medula espinal, entre a margem superior de T9 e a margem inferior de T10. Quando a cabeça entrava em contato com a medula, o IMPACTOR indicava um sinal sonoro e luminoso.

Elevou-se a haste do IMPACTOR para a altura de 25.0 mm.

Entrou-se com a altura no programa do IMPACTOR e preparou-se o mesmo para a aquisição dos dados.

Liberou-se o IMPACTOR para se contundir a medula. Imediatamente levantou-se a haste do IMPACTOR no grupo Vermelho e uma hora após a contusão no grupo Preto.

Retirou-se o rato colocando o mesmo em uma superfície aquecida. (A superfície não excedeu 38º C). Inspecionou-se o sítio de contusão estancando-se qualquer hemorragia. Lavou-se o sítio de contusão com soro fisiológico. Os músculos paravertebrais foram suturados e a pele fechada com fio de sutura 3-0. (Figura 1)


Procedimentos no pós-lesão imediato e tardio

Transferiu-se o rato para uma câmara com temperatura controlada. (Manteve-se a temperatura da câmara por volta de 25-28º C. A proposta da câmara é prevenir a hipotermia).

Durante os 7 dias, os ratos receberam antibioticoterapia profilática (cefazolina 25mg/kg) e foram tomados os devidos cuidados básicos como alimentação e higiene.

Espremeu-se a bexiga do rato diariamente, sendo o esvaziamento vesical necessário devido à disfunção autonômica pós lesão medular, evitando-se ou atenuando a gravidade do bexigoma.

Durante este período os ratos também foram pesados e avaliados quanto ao grau de desidratação pelo turgor da pele e perda de 15g ou mais em um ou dois dias consecutivos, sendo administrado aos ratos desidratados soro fisiológico via oral. Pela coloração da urina (hematúria) pôde-se verificar a necessidade de antibioticoterapia complementar (levofloxacina, 2,5mg/kg) para terapêutica da infecção urinária, o que foi observado em 15 animais. Verificou-se regressão da hematúria em todos os casos em menos de dois dias.

Foram realizadas 25 análises funcionais no segundo dia pós operatório e 24 no sétimo dia, seguindo a escala BBB14,15, que é uma escala padronizada para avaliação da função motora em ratos baseada na atribuição de pontuação de acordo com a capacidade individual de cada animal de mover ou não diferentes articulações, levando-se em consideração a amplitude e a frequência desses movimentos, possibilitando análises estatísticas posteriores. A observação foi feita por dois pesquisadores devidamente treinados, que chegaram a um consenso em relação à nota, de forma a tornar a análise mais objetiva. (Quadro 01)


Eutanásia e Amostras de Tecido para Experimento Anátomo-Patológico

A eutanásia foi realizada uma semana após a lesão. Os procedimentos para a eutanásia e a remoção de amostras de tecidos foram os que se seguem:

Pesou-se o rato para obter o peso corporal no momento da eutanásia, verificando-se que todos haviam recuperado seu peso inicial pré-operatório.

Utilizou-se uma dose de pentobarbital intraperitonealmente duas vezes maior do que aquela utilizada para anestesiar o animal. Esta dose foi o suficiente para provocar a eutanásia.

Retirou-se uma amostra da medula espinal para análise histopatológica.

Análise histopatológica e estatística:

A medula espinal foi dissecada, dois segmentos acima e dois abaixo da lesão como margem de segurança. Este material foi fixado em solução de formol a 10%, por um tempo mínimo de 72 horas. O segmento medular foi submetido a cortes no plano axial, em intervalos de 2mm, com representação de toda a área lesada e da área não lesada, que serviria de controle interno. Esse material foi processado em histotécnico com desidratação em álcool, endurecido em parafina e submetido a coloração com hematoxilina e eosina, sendo que cada corte possui uma espessura entre 6 e 8 microns. O patologista, após analisar as lâminas, atribuiu pontos de acordo com o grau de necrose, edema, congestão, degeneração da substância (liquefação, cavitação) e infiltração celular no nível da lesão, 2 segmentos acima (cranial) e dois segmentos abaixo (caudal).

Ex: 0 - sem necrose

1 - pouca quantidade de necrose

2 - média quantidade de necrose

3 - grande quantidade de necrose

Os escores obtidos de cada critério a partir dos cortes analisados foram somados, obtendo-se assim um escore para cada rato (entre 0 e 15). Os escores dos ratos de um mesmo grupo foram somados, para assim se obter o escore por grupo.

A análise estatística dos escores obtidos pela histopatologia e escala BBB foi baseada nos testes U de Mann-Whitney e Wilcoxon. São considerados significantes resultados com p menor ou igual a 0.05.

CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO

Foram excluídos do estudo apenas os 5 animais que morreram provavelmente devido aos efeitos da anestesia, uma vez que nenhum rato desenvolveu infecção refratária à antibioticoterapia conforme explicado acima e/ou autofagia importante. No animal do grupo vermelho que veio a óbito no 5º dia pós operatório (PO) foi realizada análise funcional apenas no 2º PO, sendo excluído da segunda análise funcional no 7º PO.

RESULTADOS

Análise funcional

As lesões medulares foram coincidentes com a linha média, uma vez que o déficit funcional foi simétrico, comprometendo igualmente a função motora do membro inferior direito e membro inferior esquerdo;

Todos os 48 membros avaliados (11 animais do grupo vermelho e 13 do grupo preto) no 2º e no 7º pós operatório apresentaram melhora estatisticamente significativa da função motora neste período (p<0,001);

O grupo vermelho, quando comparado ao grupo preto, apresentou melhor recuperação neurológica entre o 2º e o 7º pós operatório. Não houve diferença significativa entre os dois grupos na primeira avaliação funcional (p=0,104), enquanto que no 7º PO o grupo vermelho apresentou melhor avaliação pela escala BBB (p=0,036). (Quadros 2 a 6)


Análise histopatológica

A lesão anatômica foi muito mais pronunciada no segmento de queda da haste do Impactor em comparação aos segmentos acima e abaixo da lesão. A pontuação média dos dois grupos ao nível da lesão foi de 10.2 ( escore de 0 a 15), enquanto que acima da lesão este escore foi de 2.3 e abaixo de 2.4;

O grau de lesão anatômica foi muito semelhante entre os segmentos acima e abaixo da lesão;

Ao nível da lesão, o grupo que sofreu descompressão imediata obteve maior lesão anatômica em relação ao grupo que sofreu descompressão após uma hora, com p = 0,056;

Acima da lesão, o grupo que sofreu descompressão imediata obteve maior lesão anatômica em relação ao grupo que sofreu descompressão após uma hora , com p = 0,099;

Abaixo da lesão, o grupo que sofreu descompressão imediata obteve maior lesão anatômica em relação ao grupo que sofreu descompressão após uma hora , com p = 0,046.

DISCUSSÃO

Para que um estudo seja realizado, deve-se atentar para a escolha de uma metodologia adequada, aplicável e padronizada, simulando a lesão medular traumática em humanos.

Os animais preferenciais deveriam ser os primatas, porém seu uso é limitado pelo custo, disponibilidade e questões éticas. A escolha por ratos Wistar16 deve-se à vascularização medular semelhante à humana, disponibilidade em nosso meio, baixo custo na aquisição e manutenção, necessidade de pequenos espaços e facilidade na obtenção de ninhadas com peso e idade controlados.

O modelo da queda de peso é o mais utilizado no estudo da lesão traumática da medula espinal sendo o que mais se assemelha à lesão traumática em seres humanos. Este modelo consiste na queda livre de uma massa conhecida de uma altura preestabelecida sobre a medula espinal exposta cirurgicamente. O New York University Impactor é um sistema computadorizado deste modelo, resultando em contusões padronizadas e obtenção de dados homogêneos e confiáveis.

A escala BBB, utilizada para a realização da análise funcional, é amplamente adotada para avaliar a recuperação neurológica pós lesão medular em ratos. Ela é de fácil aplicação e permite atribuir notas de maneira objetiva, com pequena variação inter-observador, possibilitando não só avaliar o animal quanto ao déficit neurológico no momento da observação, mas também acompanhar a sua evolução. Trata-se de um método abrangente, no qual verifica-se em diversos critérios (amplitude, frequência, coordenação e consistência) as principais articulações do membro inferior, estabilidade do tronco e sustentação da cauda.

Os resultados obtidos com a análise estatística mostraram que o grupo que sofreu descompressão imediata após a contusão medular apresentou melhor recuperação neurológica ao longo de uma semana de observação, com melhor avaliação no 7º dia pós-operatório em relação ao grupo que sustentou a compressão por 1 hora antes da descompressão (p=0,036). Verificou-se ainda que no 2º pós-operatório os dois grupos não apresentaram diferença significativa quanto à avaliação neurológica.

Quanto à análise anátomo-patológica, o valor de p (erro a obtido ao nível da lesão (0,056), acima (0,099) e abaixo (0,046), foi muito próximo ao valor de corte aceitável (0,05). Esses resultados sugerem que a lesão anatômica é mais importante no grupo que sofreu descompressão imediata após a contusão medular. No entanto, neste caso, com a amostragem utilizada não foi possível concluir com significância estatística diferença entre descompressão imediata e após 1 hora a partir desta análise.

Ambos os grupos foram submetidos a lesões primárias idênticas (queda da haste), o diferencial entre eles está na lesão secundária, representada pela sustentação prolongada da haste. Provavelmente a pior recuperação no grupo com descompressão após 1 hora deve-se a intensidade e duração dos processos envolvidos neste último tipo de lesão. A compressão medular persistente, mesmo que por curto período de tempo, poderia estar provocando um período mais prolongado de isquemia, levando à diminuição do fluxo axoplasmático e necrose tecidual com fragmentação de axônios e mielina circundante. Além disso, maior edema, infiltrado inflamatório, liberação de mediadores inflamatórios e hemorragia também estariam contribuindo para a progressão da lesão, acentuando a isquemia, necrose e fibrose, e dificultando a regeneração axonal.

Estes resultados, evidenciando os benefícios de uma descompressão cirúrgica do canal medular o mais precoce possível, concordam com outros estudos experimentais em animais, nos quais se utilizaram outros métodos de lesão medular e outros períodos de tempo de descompressão.17,18

O presente estudo reforça a importância do tratamento cirúrgico precoce. Esta abordagem poderia estar amenizando as comorbidades relacionadas ao trauma medular (deambulação comprometida, restrição ao leito, alterações emocionais, déficit neurológico, etc.), resultando em menor tempo de internação, custos, dependência sócio-econômica e possibilitando uma melhor qualidade de vida ao paciente.

Além da otimização do tempo de descompressão, outras técnicas coadjuvantes são consideradas em estudos recentes com intuito de minimizar ainda mais a lesão neuronal e proporcionar melhor regeneração axonal funcional.19-26 Entre as novas técnicas destacam-se a implantação de células tronco, uso de novos medicamentos (anti-inflamatórios, promotores de regeneração axonal, inibidores de apoptose), interferência na óxido-redução (câmara hiperbárica, vitamina C), crioterapia, etc.

CONCLUSÃO

Quanto mais precoce a descompressão cirúrgica do canal medular melhor a recuperação neurológica final. Estes resultados obtidos em ratos sugerem a aplicabilidade desta técnica em humanos.

Trabalho recebido em 02/09/09, aprovado em 08/11/09

Todos os autores declaram não haver nenhum potencial conflito de interesses referente a este artigo.

Trabalho realizado no Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      02 Set 2009
    • Aceito
      08 Nov 2009
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