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Avaliação histológica da neurorrafia término-lateral: estudo experimental em ratos

Resumos

OBJETIVO: Realizar estudo histológico comparando o crescimento axonal após neurorrafia término-lateral com e sem epineurectomia. MÉTODOS: foram utilizados vinte ratos Wistar, machos, divididos em dois grupos de 10 ratos cada. Um segmento de 1,0cm do nervo tibial e, foi transposto para o lado contralateral, sendo suturado no nervo ciático D. No grupo I, a sutura foi realizada diretamente no epineuro, enquanto que no grupo II foi realizado epineurectomia. Após 4 semanas foi realizado avaliação histológica do segmento transposto e no nervo ciático D, no sitio distal à lesão. RESULTADOS: demonstrou-se baixa quantidade de fibras remielinizadas, variando de 7 a 51 fibras no Grupo I e de 10 a 91 fibras no Grupo II. Utilizou-se o teste U de Mann-Whitney, com p=0,31, demonstrando que não há diferença estatisticamente significante entre os dois grupos. Não há relação positiva entre o número de fibras remielinizadas no enxerto e no sitio distal à lesão do ciático. CONCLUSÃO: A neurorrafia término-lateral, com e sem janela epineural, não promove remielinização eficiente. Nivel de evidência: Nível II: Estudo prospectivo comparativo

Nervo ciático; Regeneração nervosa; Ratos Wistar


OBJECTIVE: The aim of this study was to histologically compare the axonal sprouting after end-to-side neurorrhaphy with or without epineurotomy. METHODS: twenty male Wistar rats were used, divided into two groups of 10 rats each. A 1.0cm segment of the tibial nerve E was dried and sutured on the opposite side, where it was sutured into the sciatic nerve D. In Group I, the suture was made directly in the epineurium and in Group II, epineurotomy was performed. After 4 weeks, histological evaluation was carried out of the transposed segment and the sciatic nerve distal to the suture. RESULTS: the results showed a small number of remyelinated fibers, varying from 7 to 51 fibers in Group I and from 10 to 91 fibers in Group II. The Mann-Whitney U test was used, with p=0.311, showing there is no statistically significant difference between the two groups. There was no positive relation between the number of remyelinated fibers in the graft and in the suture site distal to the sciatic lesion. CONCLUSION: lateral-ending neurorrhaphy, with or without epineural window, does not promote efficient remyelinization. Level of Evidence: Level II, prospective comparative study.

Sciatic nerve; Nerve regeneration; Rats; Wistar


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação histológica da neurorrafia término-lateral. Estudo experimental em ratos

Fabiano Inácio de SouzaI; Gustavo Bispo dos SantosI; Ciro Ferreira da SilvaII; Rames Mattar JúniorI; Arnaldo Valdir ZumiottiI

IInstituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

IIInstituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo

Correspondência Correspondência: Rua Dr Ovídio Pires de Campos, 333, 8º andar. Cerqueira César São Paulo-SP Email: fabianoinacio@usp.br

RESUMO

OBJETIVO: Realizar estudo histológico comparando o crescimento axonal após neurorrafia término-lateral com e sem epineurectomia.

MÉTODOS: foram utilizados vinte ratos Wistar, machos, divididos em dois grupos de 10 ratos cada. Um segmento de 1,0cm do nervo tibial e, foi transposto para o lado contralateral, sendo suturado no nervo ciático D. No grupo I, a sutura foi realizada diretamente no epineuro, enquanto que no grupo II foi realizado epineurectomia. Após 4 semanas foi realizado avaliação histológica do segmento transposto e no nervo ciático D, no sitio distal à lesão.

RESULTADOS: demonstrou-se baixa quantidade de fibras remielinizadas, variando de 7 a 51 fibras no Grupo I e de 10 a 91 fibras no Grupo II. Utilizou-se o teste U de Mann-Whitney, com p=0,31, demonstrando que não há diferença estatisticamente significante entre os dois grupos. Não há relação positiva entre o número de fibras remielinizadas no enxerto e no sitio distal à lesão do ciático.

CONCLUSÃO: A neurorrafia término-lateral, com e sem janela epineural, não promove remielinização eficiente. Nivel de evidência: Nível II: Estudo prospectivo comparativo

Descritores: Nervo ciático. Regeneração nervosa. Ratos Wistar.

INTRODUÇÃO

As lesões de nervos periféricos são comuns e os métodos de tratamento ainda não conseguem propiciar resultados plenamente satisfatórios, o que desperta interesse da comunidade científica. Dentre as técnicas de reparo microcirúrgico dos nervos lesados, a neurorrafia término-lateral, que consiste na coaptação de um segmento de nervo lesado, na superfície lateral de outro nervo íntegro adjacente,1,2 é a que possui as maiores controvérsias na literatura médica.

Os primeiros relatos sobre neurorrafia término-lateral reportam ao início do século 20, onde Kennedy et al. (1901) apud Al-Qattan3 e Ballance et al. (1903) apud Pienaar4, respectivamente, sugerem sua efetividade no tratamento do espasmo facial e na paralisia do nervo facial.

Após quase um século, Krivolutskaia et al.5 e Viterbo et al.6 reintroduziram esta técnica, afirmando que existe o brotamento axonal lateral para o nervo receptor sem causar lesões ao nervo doador.

Desde então, inúmeros artigos têm sido publicados tanto por defensores como por críticos desta técnica, tornando a neurorrafia término-lateral, uma das principais controvérsias da microcirurgia.7,8 O objetivo deste estudo é realizar avaliação histológica da mielinização axonal na neurorrafia término-lateral, com e sem epineurectomia.

MATERIAIS E MÉTODOS

Foram utilizados para o estudo 20 ratos Wistar, machos, jovens, divididos em 2 grupos de 10 animais. Anestesiamos os animais com pentobartibal, na concentração de 45mg/kg, via intraperitoneal, no terço inferior do abdômen. Promovemos a tricotomia, antissepsia e o posicionamento em decúbito ventral. Procedemos a incisão longitudinal na face posterior da pata esquerda, dissecção por planos e exposição do nervo ciático e seus ramos terminais. (Figura 1) Ressecamos um segmento de 1,0cm do nervo tibial esquerdo. No lado contralateral, o nervo ciático direito foi dissecado proximalmente, realizando a sutura do segmento do nervo tibial direito na sua parede lateral. (Figura 2)



No Grupo I não realizamos a epineurectomia, enquanto uma janela epineural foi confeccionada no Grupo II, suturando o enxerto por meio de quatro pontos, efetuado às 3, 6, 9 e 12 horas. Utilizamos fios de sutura Mononylon 10.0 (Ethicon-Ethilon®, BV 130-4) e microscópio DF Vasconcelos® (Mod.MC-M3107), com magnificação de 21 vezes. As suturas foram realizadas evitando a lesão axonal do nervo ciático direito. Após 4 semanas, submetemos os animais a eutanásia, através de administração intraperitoneal de pentobartital (150mg/kg). Confeccionamos cortes de 1µm nos seguimentos do enxerto e imediatamente distal à sutura no nervo ciático (Figura 3), onde efetuamos a análise histológica por meio da contagem total do número de fibras mielinizadas.


RESULTADOS

Os Grupos I e II apresentaram baixissimo número de fibras remielinizadas. No Grupo I, o total de axônios mielinizados variou de 7 a 51 fibras, ao passo que o Grupo II apresentou uma variação de 10 a 91 fibras. Empregamos o teste U de Mann-Whitney, apresentando p=0.311, demonstrando não haver diferença estatisticamente significante entre os dois grupos. (Tabela 1) Verificamos que não houve correlação positiva entre o número de fibras mielinizadas e a presença de focos de lesão do nervo ciático (provocados durante a sutura). (Figura 4)


DISCUSSÃO

Atualmente, o melhor tratamento após lesões completas dos nervos periféricos é a coaptação direta dos cotos na fase aguda, por meio de técnicas microcirúrgicas. Nas lesões crônicas ou com perda segmentar, ocorre impossibilidade de coaptação dos cotos sem tensão excessiva. Nestes casos, os enxertos de nervos são amplamente indicados. Esta técnica não proporciona resultados funcionais completos, lesa estruturas íntegras, condenando o paciente a sequelas definitivas, como parestesias, cicatrizes, risco de formação de neuroma e dor crônica.2,3

Este quadro motiva os pesquisadores a buscar alternativas de tratamento com melhores resultados. Há descrições de várias técnicas, dentre elas as tubulizações por meio de veias ou uso de tubos de silicone e a neurorrafia término-lateral.3,9

Teoricamente, a neurorrafia término-lateral promoveria, a partir de um nervo íntegro, o brotamento lateral dos axônios atingindo o órgão-alvo e restaurando sua função sensitiva e motora. Trata-se de procedimento rápido, simples e seguro, pois não provocaria lesões no nervo doador íntegro, nem lesaria outro sítio íntegro.6,10

Seria uma excelente estratégia, se não fosse cercada de contradições.11 Viterbo et al. propõem que o brotamento lateral ocorre independentemente da realização de epineurectomia prévia.

Outros autores acreditam que janela epineural seria essencial ao brotamento, pois sem ela não seria possível que um nervo íntegro emitisse uma quantidade de axônios suficientes que transpusessem o epineuro e promovessem a mielinização do segmento "receptor ".12,13

Alguns pesquisadores acreditam que as fibras mielinizadas contidas no nervo receptor seriam decorrentes do brotamento lateral secundário à lesão provocada no ato cirúrgico. Esta lesão ocorreria durante a realização da epineurectomia ou no processo de sutura.14

Objetivando investigar esta hipótese, confeccionamos lâminas para avaliação histológica no sítio imediatamente distal à coaptação do nervo receptor. Em alguns casos, ficou demonstrada a presença de brotamento axonal secundário à pequena área de lesão. Contudo, não houve correlação positiva entre estas lesões e um maior número de fibras mielinizadas. Na contagem, verificamos que o número total de fibras mielinizadas, entre 7 e 51 no grupo 1 e entre 10 e 91 no grupo 2, são praticamente desprezíveis quando comparados ao total de fibras, 5133, do nervo tibial normal de ratos Wistar.15

Enquanto diversos artigos que demonstram bons resultados da neurorrafia término-lateral em humanos, 10,16 outros não sugerem sua indicação.17,18

Como exemplo, Fernandes et al.9, após revisarem a literatura, afirmam a inexistência de evidências experimentais ou clínicas suficientes para a indicação da neurrrafia término-lateral em humanos.

A mesma opinião é partilhada por Pienaar et al.4, Pannicucci et al.11 e Beris et al.17

Em virtude dos conceitos extremamente favoráveis e tentadores da neurorrafia término-lateral e da grande divergência na literatura, torna-se imperativo a realização de novos estudos experimentais com adição de fatores neurotróficos.

CONCLUSÃO

No experimento realizado, concluímos que a neurorrafia término-lateral, com e sem janela epineural, não promove remielinização eficiente.

Artigo recebido em 30/09/08 aprovado em 09/02/09.

Trabalho realizado no LIM 41 – Laboratório de Investigação Médica do Sistema Músculo-Esquelético do Departamento de Ortopedia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Todos os autores declaram não haver nenhum potencial conflito de interesses referente a este artigo.

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  • Correspondência:

    Rua Dr Ovídio Pires de Campos, 333, 8º andar. Cerqueira César
    São Paulo-SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Aceito
      09 Fev 2009
    • Recebido
      30 Set 2008
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