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Simulação em lombalgia: diagnóstico e prevalência

Resumos

OBJETIVO: Fazer uma revisão da literatura para diagnóstico de simulação em lombalgia e avaliar sua prevalência nos pacientes que pleiteiam benefício previdenciário. MÉTODOS: Foram avaliados 100 pacientes com lombalgia referida, divididos em dois grupos de 50; no grupo I os pacientes requisitaram o relatório médico a fim de obter benefício, no grupo II os pacientes visavam apenas tratamento. Foram considerados simuladores os pacientes que apresentavam dois sinais positivos, dos três avaliados: dor lombar à compressão axial crânio, dor lombar à rotação em bloco do tronco e diferença em sintomatologia na elevação da perna em posição sentado e supina. RESULTADOS: No grupo I a porcentagem de simuladores foi 72%, no grupo II 18%, não houve diferença significativa com relação a idade ou sexo dos pacientes. DISCUSSÃO: Apesar de haver vários sinais e sintomas para avaliar simulação a maioria dos médicos os desconhece, não fazendo uma avaliação adequada dos pacientes com lombalgia referida, contribuindo assim para o inchaço do sistema previdenciário. CONCLUSÃO: Há uma elevada incidência de simuladores entre os pacientes que requerem relatório médico a fim de conseguir benefício previdenciário. Nivel de Evidência II, prospectivo comparativo.

Lombalgia; Simulação; Compensação e reparação; Previdência Social


OBJECTIVE: To carry out a literature review for the diagnosis of low back pain simulation in patients claiming disability benefit from the social security. METHODS: 100 patients with reported low back pain were evaluated. Thesewere divided in two groups of 50 each; in group I, the patients requested a medical report for the purpose of obtaining disability benefit; in group II the patients were interested only in receiving treatment. Simulators were considered as patients who presented at least two positive signs of the three signs assessed: low back pain on axial cranial compression,low back pain on rotation of the pelvis, and difference in straight leg raising in the supine and sitting positions. RESULTS: In group I the percentage of simulators was 72%, in the group II, 18%. There was no significant difference in relation to age or sex. DISCUSSION: Although there are several signs and symptoms to evaluate simulation, most of the doctors ignored them. However, without them, it is difficult to make a correct evaluation of patients with reported low back pain, thereby contributing to overburdeningthe socialsecurity system. CONCLUSION: There is a high incidence of simulators among patients who request medical reports in order to obtain disability benefits. Level of Evidence: Level II, prospective comparative study.

Low back pain; Simulation; Compensation and Redress; Social Security


ARTIGO ORIGINAL

Simulação em lombalgia: diagnóstico e prevalência

Rômulo Moura JorgeI; Bruno Moura JorgeII

IOrtopedia Centro - Curitiba - PR, Brasil

IIHospital Universitário Cajuru - Curitiba - PR, Brasil

Correspondência Correspondência: Rua: Acyr Guimarães, 180 Curitiba, PR.Brasil CEP 80240-230. Email: romulojorge@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Fazer uma revisão da literatura para diagnóstico de simulação em lombalgia e avaliar sua prevalência nos pacientes que pleiteiam benefício previdenciário.

MÉTODOS: Foram avaliados 100 pacientes com lombalgia referida, divididos em dois grupos de 50; no grupo I os pacientes requisitaram o relatório médico a fim de obter benefício, no grupo II os pacientes visavam apenas tratamento. Foram considerados simuladores os pacientes que apresentavam dois sinais positivos, dos três avaliados: dor lombar à compressão axial crânio, dor lombar à rotação em bloco do tronco e diferença em sintomatologia na elevação da perna em posição sentado e supina.

RESULTADOS: No grupo I a porcentagem de simuladores foi 72%, no grupo II 18%, não houve diferença significativa com relação a idade ou sexo dos pacientes.

DISCUSSÃO: Apesar de haver vários sinais e sintomas para avaliar simulação a maioria dos médicos os desconhece, não fazendo uma avaliação adequada dos pacientes com lombalgia referida, contribuindo assim para o inchaço do sistema previdenciário.

CONCLUSÃO: Há uma elevada incidência de simuladores entre os pacientes que requerem relatório médico a fim de conseguir benefício previdenciário. Nivel de Evidência II, prospectivo comparativo.

Descritores: Lombalgia. Simulação. Compensação e reparação. Previdência Social.

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas o estado de saúde geral da população melhorou significativamente. Apesar disso, o número de afastamento por motivos médicos aumentou.1

O número de beneficio por incapacidade concedidos pelo INSS em 2006 foi cerca 2,32 milhões, o que representa cerca 9% dos trabalhadores com carteira assinada.2 Há vários fatores associados a essa elevada incidência: baixa qualidade de tratamento, despreparo dos profissionais de saúde,3 sistema trabalhista permissivo,4 oportunismo de advogados,5 interesse por compensação financeira e predisposição ética e moral do trabalhador.6

Há muito se sabe que a simulação é uma prática constante em pacientes na qual sua doença envolve algum ganho secundário.7 Sabendo que a lombalgia é a causa mais comum de afastamento, cerca de 28% dos casos,2 convém avaliar a presença de simuladores nesses pacientes.

Não há dados concordantes sobre a frequência de simulação em pacientes com lombalgia, variando de 1% a 75%8, não havendo nenhum estudo nacional a respeito.

O objetivo desse trabalho é avaliar a prevalência de simulação em pacientes com lombalgia que pleiteiam beneficio da seguridade social bem como uma revisão da literatura acerca seu diagnóstico.

MATERIAIS E MÉTODOS

Foram avaliados 100 pacientes, com idade entre 18 e 65 anos com queixa de dor lombar há mais de três meses. Foram excluídos pacientes com cirurgia lombar prévia e com outras queixas além de dor lombar baixa. Na consulta foram avaliados três sinais de simulação descritos por Waddell9: Dor lombar a compressão axial crânio, dor lombar a rotação em bloco do tronco e diferente sintomatologia quando elevação da perna em posição sentado e supina. Os pacientes foram divididos em dois grupos de 50 cada, no grupo I, afastamento, os pacientes solicitaram uma declaração médica sobre sua doença a fim de requerer ou prolongar seu benefício do INSS, no grupo II, normal, não havia qualquer litígio envolvendo sua enfermidade. Foram considerados simuladores os pacientes que demonstraram dois ou três dos sinais avaliados.

Análise estatística

Para a comparação dos grupos em relação a variáveis quantitativas foi considerado o teste t de Student para amostras independentes. Em relação a variáveis dicotômicas, os grupos foram comparados considerando-se o teste exato de Fisher. Para a comparação dos grupos em relação à probabilidade de simulação, ajustou-se um modelo de Regressão Logística controlando-se as variáveis sexo e idade do paciente. Para avaliação da importância das variáveis sobre a probabilidade de simulação foi considerado o teste de Wald. Valores de p<0,05 indicaram significância estatística.

RESULTADOS

Variável: Idade

Testou-se a hipótese nula de médias de idade iguais nos dois grupos, versus a hipótese alternativa de médias diferentes. Na Tabela 1 são apresentadas estatísticas descritivas de idade de acordo com os grupos, bem como o valor de p do teste estatístico.

Desta forma, não se rejeita a hipótese de igualdade de médias de idade nos dois grupos.

Variável: Sexo

Testou-se a hipótese nula de que as distribuições de sexo são iguais nos dois grupos, versus a hipótese alternativa de distribuições diferentes. Na tabela 2 são apresentadas frequências e percentuais das classificações da variável sexo de acordo com os grupos.

Não se rejeitou a hipótese de distribuições iguais de sexo nos dois grupos (p=0,074).

Testou-se a hipótese nula de que a probabilidade de simulação entre pacientes no grupo "afastamento" é igual à probabilidade de simulação entre pacientes no grupo "normal", versus a hipótese alternativa de probabilidades diferentes. Na Tabela 3 são apresentados os resultados obtidos no estudo.

O resultado do teste estatístico indicou a rejeição da hipótese nula (p<0,001). Desta forma, temos subsídios para interpretar que a probabilidade de simulação entre pacientes que buscam atendimento médico para pedido de afastamento é significativamente diferente da probabilidade de simulação entre pacientes que buscam atendimento médico em uma consulta normal. Na Tabela 3, pode-se observar que 72% dos pacientes no grupo I tiveram dois ou mais testes de sinais positivos, enquanto que no grupo II este percentual foi de 18%.

Análise multivariada

Testou-se a hipótese nula de que a probabilidade de simulação entre pacientes no grupo I é igual à probabilidade de simulação entre pacientes no grupo II, versus a hipótese alternativa de probabilidades diferentes, ajustando-se para sexo e idade do paciente. Na Tabela 4 são apresentados os resultados obtidos no estudo relativos ao valor de p, OR (odds ratio) e intervalos de 95% de confiança para a OR.

Desta forma, controlando-se a idade e o sexo do paciente, rejeitamos a hipótese nula de probabilidade de simulação igual nos dois grupos. A OR estimada foi de 11,27 com intervalo de 95% de confiança de 4,23 a 30,07, indicando que a probabilidade de simulação é significativamente maior no grupo I. Nesta análise não se observou importância significativa da idade e do sexo do paciente na probabilidade de simulação.

DISCUSSÃO

Os primeiros relatos de simulação remontam da Grécia antiga, "Quando os exércitos helênicos se preparavam para atacar Tróia, convocaram também o rei de Ítaca: Ulisses fingiu-se louco, atrelou um boi e um cavalo ao arado, pôs-se a arar as areias do mar. Descobriu-lhe a esperteza Pelamedes, colocando diante do arado Telêmaco, o pequenino filho do herói. Ao desviar os animais, o simulador denunciou-se".10

Ao longo da história os relatos de simulação constituem-se basicamente de prisioneiros, soldados ou marinheiros que almejavam fugir de punição ou da guerra; após 1871, com a publicação na Prússia da primeira lei de auxílio-acidente (Reichshaftspflichtgesetz) houve um aumento exponencial de queixas relacionadas ao trabalho, o que levou os médicos a suspeitar da veracidade de sintomas antes inexistentes.11 No decorrer do século XX, houve publicação de diversos artigos sobre simulação, mas ainda hoje a maioria dos médicos desconhece seus principais sinais e sintomas.12

Quanto ao diagnóstico de simulação em lombalgia, salienta-se que não há consenso para sua determinação13, mas é possível fazer uma correta avaliação desses pacientes com a anamnese e exame físico. Primeiramente deve estar atendo para aspectos comportamentais frequentes em simuladores13,14 (Quadro 1), na anamnese além das perguntas convencionais pode se questionar sobre a presença de sintomas improváveis, como se a lombalgia aumenta à inspiração, no intuito de observar se há endosso dos mesmos.15 Também é possível a utilização da Low Back Pain Simulation Scale,16 que consiste em 103 termos habitualmente utilizados para descrever a dor, entre os quais 45 que claramente indicam simulação, através de uma pontuação final distinguem-se simuladores dos não simuladores.


No exame físico vários sinais foram descritos,9,17-20 sendo os mais conhecidos os publicados por Waddell9 que reportou oito sinais em cinco categorias (Quadro 2), considerando simuladores pacientes que apresentam três ou mais categorias. Recentemente Fishbain21 fez uma revisão da literatura e apontou falhas nos critérios de Waddell, relatando doenças, principalmente fibromialgia, que apresentam os sinais descritos como não orgânicos: 1) alteração sensitiva não correspondente a padrão anatômico, 2) dor palpação não correspondente a padrão anatômico, 3) dor a palpação leve, a qual ocorre, 4) anormalidades motoras regionais e 5) verbalização desproporcional dos sintomas. Como ainda não há consenso para diagnosticar simulação em lombalgia22 o autor utilizou os três sinais de Waddell mais específicos para simulação.21


Os resultados mostram que 72% dos pacientes com lombalgia referida que requerem declaração médica, inventam ou exageram sintomas a fim de conseguir algum benefício. O médico, que por formação é treinado para acreditar na sinceridade de seus pacientes, é facilmente manipulado,23 o que leva frequentemente a uma falsa avaliação do caso, o que por fim contribui para o inchaço do sistema previdenciário.

Faz-se necessário que ortopedistas estejam alertas para esse quadro e usem de rotina exames para detectar simulação em qualquer paciente envolvido em litígio.

Relembrando que mesmos aos poetas foi dado a curiosidade sobre o simulador, pois assim nos canta Fernando Pessoa: "O fingidor, de tanto fingir a dor, acaba negando a dor, da dor que de vera sente."

CONCLUSÃO

Há uma elevada incidência de simulação nos pacientes com lombalgia que requerem benefício do INSS.

Artigo recebido em 26/06/09, aprovado em 19/03/10.

Trabalho desenvolvido na Ortopedia Centro, Curitiba, PR.Brasil.

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    Rua: Acyr Guimarães, 180
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Out 2011
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Recebido
      26 Jun 2009
    • Aceito
      19 Mar 2010
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