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Avaliação cinemática da transferência de paraplégicos da cadeira de rodas

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a estratégia das transferências de paraplégicos da cadeira de rodas. MÉTODOS: Participaram do estudo doze sujeitos lesados medulares (T2 a T12), aptos a realizar independentemente a transferência da cadeira de rodas para um tablado com um metro quadrado (m²) de área por meio metro de altura. As imagens de marcadores reflexivos nos pontos anatômicos foram capturadas por seis câmeras de infravermelho ProReflex e processadas através de um software específico (QTrac). Parâmetros cinemáticos do tronco, cabeça, ombros e cotovelos foram avaliados. RESULTADOS: Os dados analisados comparam o lado preferencial do sujeito para realizar a transferência com o lado não preferencial, de acordo com as funções desempenhadas de cada segmento corporal. O deslocamento angular da cabeça no plano sagital (y-z) e ombros no plano transversal (x-y) mostraram significâncias estatísticas (p<0,05). Conclusão: Os dados obtidos neste estudo mostraram que há diferenças na estratégia da transferência dos paraplégicos do lado preferencial em comparação com o lado não preferencial. Nível de Evidência II, Desenvolvimento de critérios diagnósticos em pacientes consecutivos (com padrão de evidência "ouro" aplicado).

Cinemática; Cadeiras de rodas; Paraplegia


OBJECTIVE: To evaluate the transfer strategy of paraplegic subjects from their wheelchairs. METHODS: Twelve thoracic spinal cord injured subjects participated in this study (T2 to T12). The subjects were able to independently transfer from a wheelchair to a one square meter (m2) table, half a meter in height. Images of reflexive anatomic markers were captured by six ProReflex infrared cameras and processed using a QTRac Capture software. Kinematic parameters of the trunk, head, shoulders and elbows were evaluated. RESULTS: The data analyzed compared the subjects' preferential side for performing transfers, according to the functions performed by each body segment. Angular displacement of the head on sagittal plan (y-z), and the shoulders on the transversal plan (x-y), showed statistical differences (p<0.05). Conclusion: the data obtained on this study showed that there are differences in transfer strategies of paraplegic subjects to their preferential side, in comparison with the non-preferential side. Level of Evidence II, Development of diagnostic criteria on consecutive patients (with universally applied reference "gold" standard).

Kinematics; Wheelchair; Paraplegic


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação cinemática da transferência de paraplégicos da cadeira de rodas

Karina Cristina AlonsoI; Eliza Regina Ferreira Braga Machado de AzevedoI; Enio Walker CachoI; Renato VarotoII; Alberto Cliquet JúniorI,II

IDepartamento de Ortopedia e Traumatologia. Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) – Campinas, São Paulo, Brasil

IIDepartamento de Engenharia Elétrica, Universidade de São Paulo (USP) – São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Ciências Médicas. Departamento de Ortopedia e Traumatologia/FCM Rua: Tessalia Vieira de Camargo, 126. Cidade Universitária CEP: 13083-970. Campinas, SP. Brasil E-mail: ka.kcalonso@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a estratégia das transferências de paraplégicos da cadeira de rodas.

MÉTODOS: Participaram do estudo doze sujeitos lesados medulares (T2 a T12), aptos a realizar independentemente a transferência da cadeira de rodas para um tablado com um metro quadrado (m2) de área por meio metro de altura. As imagens de marcadores reflexivos nos pontos anatômicos foram capturadas por seis câmeras de infravermelho ProReflex e processadas através de um software específico (QTrac). Parâmetros cinemáticos do tronco, cabeça, ombros e cotovelos foram avaliados.

RESULTADOS: Os dados analisados comparam o lado preferencial do sujeito para realizar a transferência com o lado não preferencial, de acordo com as funções desempenhadas de cada segmento corporal. O deslocamento angular da cabeça no plano sagital (y-z) e ombros no plano transversal (x-y) mostraram significâncias estatísticas (p<0,05). Conclusão: Os dados obtidos neste estudo mostraram que há diferenças na estratégia da transferência dos paraplégicos do lado preferencial em comparação com o lado não preferencial. Nível de Evidência II, Desenvolvimento de critérios diagnósticos em pacientes consecutivos (com padrão de evidência "ouro" aplicado).

Descritores: Cinemática. Cadeiras de rodas. Paraplegia.

INTRODUÇÃO

A cadeira de rodas maximiza a locomoção funcional, a confiança, a independência e o conforto de seu utilizador e, portanto é usada por grande parte dos deficientes físicos. Durante a fase de reabilitação esses pacientes são treinados para a realização das atividades de vida diária (AVDs). As tarefas de transferência fazem parte deste treinamento e ocorrem de diferentes alturas, com ou sem auxílio de tábua.1,2

O sujeito com lesão medular está apto a se transferir independentemente após adquirir um bom equilíbrio de tronco e um adequado "push up". Para isso, há um treinamento específico para os diferentes níveis e tipos de lesões, proporcionando adequação do paciente à técnica, estimulando sua criatividade e mantendo sua integridade física.1,2

Atualmente, a inclusão dos indivíduos com lesão medular na sociedade tem aumentado a cada dia, tornando indispensável o uso de cadeiras de rodas como meio de locomoção e independência. Assim, as transferências fazem parte do cotidiano dos paraplégicos independentes. Estes em média realizam aproximadamente 14 a 18 transferências por dia. Seja ela da cadeira de rodas, da cama, do carro, de tablados, cadeiras de banhos e vasos sanitários adaptados.3

O indivíduo com lesão medular necessita dos membros superiores (MMSS) para realização das AVDs, locomoção e transferências, devido a isso é comum o aparecimento de dor e lesão no ombro, as quais variam entre 30% e 50% em pessoas com paraplegia. Nestes sujeitos ocorre uma diminuição da capacidade funcional dos segmentos corporais, alterando a comunicação existente entre as extremidades superiores e o tronco, o que pode gerar aumento da sobrecarga imposta na articulação gleno-umeral, desequilíbrios musculares e alterações biomecânicas da mesma.4-6

Estudos demonstram que nos sujeitos com lesão medular torácica, há uma diminuição na atividade de músculos estabilizadores de tronco, entre eles a do eretor da espinha. Portanto, torna-se necessária para esses indivíduos, a adoção de novos padrões posturais para a estabilidade do tronco e/ou mobilidade dos segmentos corporais, a qual envolve a combinação de músculos do tronco e da cintura escapular. Nas lesões torácicas altas, alguns músculos atuantes na cintura escapular como, por exemplo, o grande dorsal e o trapézio, sofrem mudanças de função e passam a auxiliar na estabilização do tronco.7-10

Forslund et al.11, avaliaram a força dos braços e a cinemática corporal de paraplégicos, durante a transferência de um tablado para a cadeira de rodas. Este autor e colaboradores observaram que a força gerada no membro superior (MS) que permanece apoiado no tablado (membro contralateral) é maior que no membro superior que apóia na cadeira de rodas (MS líder), sugerindo que paraplégicos que possuem diferenças de forças entre as extremidades superiores, usem o lado mais fraco na função de líder para transferirem-se, diminuindo então, a incidência de dor e lesão. Segundo Gianni et al.1, o pinçamento subacromial é a patologia que mais acomete o membro superior dos lesados medulares e de acordo com estudos recentes, os desequilíbrios musculares são os principais responsáveis.

Ninomyia et al.12, realizaram análise clínica e ultrassonográfica dos ombros de sujeitos com lesão medular e encontraram maior incidência de lesão no músculo subescapular dos paraplégicos, o que difere do habitual, pois nos indivíduos sem lesão medular o músculo supraespinhal é o mais acometido. De acordo com o mesmo autor, isso se deve provavelmente, pela grande exigência da rotação interna dos ombros, principalmente durante a propulsão e transferência independente do indivíduo da cadeira de rodas para cama e vice versa. Relatou ainda que 25% dos participantes do estudo não tinham história clínica de dor, porém a lesão estava presente na imagem ultrassonográfica.

Perry et al.13, analisaram através da eletromiografia, a atividade muscular da cintura escapular de paraplégicos com lesão baixa, durante a transferência da cadeira de rodas. Observaram que não se deve negligenciar a atividade dos músculos durante todas as fases da transferência, principalmente se a clínica do paciente mostrar presença de doença e fraqueza muscular da articulação gleno-umeral.

Gagnon et al.14, avaliaram padrões de movimentos e demandas musculares de indivíduos com lesão medular (C7 - L2), durante tarefas de transferências posteriores. O estudo mostrou que a solicitação muscular na transferência posterior para superfícies elevadas foi ligeiramente maior, não significativa, quando comparada com a transferência para trás na mesma superfície.

O objetivo do estudo é avaliar as estratégias de transferências independentes utilizada pelos paraplégicos, comparando seu lado preferencial para transferir com o não preferencial.

MATERIAIS E MÉTODOS

Sujeitos

O estudo foi constituído por 12 lesados medulares do sexo masculino, com faixa etária entre 21 e 61 anos com diagnóstico disfuncional de paraplegia alta (T2-T5) e baixa (T6-T12), completa ou incompleta com mais de um ano de lesão. (Quadro 1)


Os participantes estavam aptos a realizar as transferências independentemente. O "lado preferencial para transferir", foi assim chamado para caracterizar tanto o lado em que o paciente sente-se mais seguro, para realizar as tarefas de transferências nas suas AVDs, quanto às extremidades superiores escolhidas para desempenhar o papel de líder (MS que apóia primeiro no tablado) e o de membro contralateral (MS que fica apoiado na cadeira de rodas, durante toda a tarefa de transferência), exemplo: lado preferencial para o sujeito 1, como mostra o Quadro 1, é o esquerdo, ou seja, na maioria das transferências independentes que esse paciente realiza, o MS esquerdo é o líder e o MS direito o contralateral. Esta nomeação não possui qualquer relação com o lado de dominância de membros dos sujeitos (destro ou canhoto). A pesquisa foi realizada no Ambulatório de Reabilitação Raquimedular do Hospital Universitário.

INSTRUMENTOS DE MEDIDAS

Clínicos

Os indivíduos passaram por uma avaliação, constituída por anamnese e exame físico com a verificação da amplitude de movimento dos membros superiores de acordo com a Academia Americana de Cirurgiões Ortopedistas,15 presença de dor e/ou lesão e atitude postural na posição sentada. Além disso, foram verificadas as alterações motoras e sensitivas de acordo com a classificação da "American Spinal Cord Association" (ASIA).

Cinemática

Para avaliação cinemática foi utilizado um tablado de um metro quadrado de área por meio metro de altura e seis câmeras de infravermelho ProReflex (Qualisys Inc., Glatonbury, CT, USA), com sistema de cabos e tripés para captação das imagens, as quais eram processadas através de um computador com o software QTrac capture versão 2.5 (frequência de amostragem de 240 Hz). (Figura 1)


As imagens captadas pelas câmeras eram de marcadores esféricos e reflexivos com 20 milímetros de diâmetro, colocados em pontos pré-determinados pelo pesquisador. O estudo utilizou 12 desses marcadores que foram fixados com fitas adesivas em um ponto externo próximo a cadeira de rodas, além de pontos anatômicos no corpo dos pacientes como: centro da cabeça; processos estilóides do rádio; epicôndilos laterais; acrômios; esterno; processo espinhoso da sétima vértebra cervical e espinhas ilíacas ântero-superiores.

Procedimento Experimental

O estudo foi aprovado pelo comitê local de ética em pesquisa. Os indivíduos que aceitaram participar da pesquisa foram orientados de forma verbal sobre todo o procedimento e assinaram um termo de consentimento.

Os marcadores reflexivos foram colocados bilateralmente em marcos anatômicos pré-determinados. O pesquisador orientou cada participante a posicionar a cadeira de rodas ao lado do tablado e a retirar ou rebater os apoios dos pés e o da mão que ficava voltado ao tablado, posicionar os pés no chão e colocar as mãos sobre as coxas respectivas. Os sujeitos eram solicitados a transferir independentemente da cadeira de rodas para o tablado de acordo com sua estratégia e tempo. Após estes procedimentos a coleta era iniciada.

O experimento foi realizado bilateralmente. Portanto, os braços, esquerdo e direito, desempenharam duas funções tanto de MS líder quanto de MS contralateral. Isso possibilitou analisar e comparar o comportamento da cabeça, do tronco e das extremidades superiores na transferência com o lado preferencial e não preferencial. O procedimento foi repetido cinco vezes para cada lado e intervalos entre as transferências foram realizados para evitar fadiga. (Figura 2)


A transferência foi dividida em três fases: 1. Fase de Preparação ou pré-Levantamento: participante deixa a postura pré-determinada pelo pesquisador e apóia o membro líder no tablado e o contralateral na cadeira de rodas e inicia o levantamento; 2. Fase de Levantamento: quando os glúteos estão no ar; 3. Fase de Pós-levantamento: retorno dos glúteos ao tablado e mãos nas coxas. A cadeira de rodas foi posicionada ao lado do tablado de acordo com três eixos coordenados (x,y,z), que em conjunto formam o sistema coordenado cartesiano no espaço 3D. O eixo x é uma reta no sentido horizontal que está na mesma direção do encosto da cadeira de rodas; o eixo y é uma reta no sentido horizontal que está na direção dos braços da cadeira; o eixo z é um segmento de reta vertical e perpendicular à junção x e y. (Figura 3)


As imagens capturadas pelas câmeras e gravadas tridimensionalmente, durante toda a tarefa de transferência, possibilitaram a aquisição e análise de algumas variáveis como: tempo total da transferência; comprimento da trajetória (percurso feito por um corpo no espaço, com base em um sistema de coordenadas pré-definido), distância percorrida (grandeza física que mede o deslocamento de um ou mais objetos entre dois pontos) e o índice de curvatura (responsável por medir a curvatura de uma linha, quanto mais próximo de 1, mais retilíneo foi o movimento) da cabeça e do esterno; velocidades e acelerações médias da cabeça e do esterno; deslocamento angular (DA) [diferença em graus entre a posição angular inicial e final, pode ser positivo (sentido horário) ou negativo (sentido anti-horário)] de ombros, cotovelos e cabeça. Os ângulos dos ombros e cotovelos foram analisados no plano transversal (x-y) e sagital (y-z), e os da cabeça nos planos sagital (y-z) e frontal (x-z). Os ângulos foram determinados nas coordenadas locais e os eixos giram de acordo com o plano local analisado, portanto os movimentos dos segmentos corporais realizados neste estudo, não estão relacionados com os planos anatômicos existentes. Para essas análises foram utilizados os seguintes programas: Qtrac View, Qtools, Matlab, Biostatistic 4.0 e Origin.

Análise Estatística

As variáveis investigadas foram comparadas levando em consideração o lado preferencial de transferência do participante com o lado não preferencial. A análise estatística utilizou a média de três das cinco coletas capturadas para cada lado de cada sujeito. As variáveis descritas foram: características dos participantes, duração total das tarefas de transferências, distância percorrida, Índice de curvatura, comprimento da trajetória, valor angular (mínimo e máximo) e deslocamento angular de ombros, cotovelos e cabeça, velocidade e aceleração média. Os dados quantitativos foram calculados através do teste de Wilcoxon para amostras relacionadas com nível de significância de 5%, ou seja, p<0,05.

RESULTADOS

As tarefas de transferência para todos os indivíduos do estudo foram realizadas tanto com seu lado preferencial quanto com o não preferencial. Portanto, tanto o membro superior esquerdo quanto o direito desempenharam diferentes papéis, ora como líder ora como contralateral.

A média e o desvio padrão (DP) da duração total da transferência para o lado preferencial foi de 14,38 (5,88) segundos e para o lado não preferencial foi de 13,63(6,24) segundos. Na comparação dos dois valores foi encontrado um p=0.129.

Os movimentos dos segmentos corporais analisados durante toda a transferência foram os seguintes: Na fase de Preparação ou Pré-levantamento os participantes tiravam as mãos das coxas. O membro líder era direcionado ao tablado realizando abdução com flexão e rotação interna de ombro e extensão de cotovelo e punho. O membro contralateral realizava o mesmo movimento, porém apoiava-se no braço ou no assento da cadeira de rodas. Consecutivamente a esse movimento, ocorria uma flexão anterior com inclinação de cabeça e tronco; A fase de Levantamento era iniciada pelos movimentos de alavanca anterior da cabeça e tronco seguidos por um impulso dos membros superiores. O tronco aumentava sua inclinação anterolateral e rodava para o lado do tablado, aproximando-se do ombro líder. Neste momento, o cotovelo líder flexionava-se e os glúteos se aproximavam do tablado. O membro contralateral encontrava-se afastado do tronco e com extensão de punho e cotovelos. Na fase Pós-levantamento, os glúteos se apoiavam por completo no tablado e as mãos retornavam para as coxas respectivas.

Os valores das Médias e Desvio Padrão da distância percorrida, comprimento da trajetória, índice de curvatura, velocidade e aceleração média da cabeça e do esterno estão presentes nas Tabelas 1 e 2.

O deslocamento angular da inclinação lateral da cabeça (plano y-z) mostrou diferença significativa (p<0,05), representado na Tabela 3 e Figura 4.


Algumas significâncias estatísticas (p<0,05) foram observadas nos ombros e cotovelos líderes e contralaterais durante a comparação do lado preferencial com o não preferencial, respectivamente. No plano x-y verificou-se diferenças nos valores dos deslocamentos angulares dos ombros líderes (DA: 134º e 13º) e contralaterais (DA: 146º e 31º), como mostra a Tabela 4 e a Figura 5.


DISCUSSÃO

Este estudo avaliou tridimensionalmente as estratégias de transferências independentes de paraplégicos. Isso confirma que a avaliação cinemática é um recurso sofisticado, o qual demonstra detalhadamente os movimentos dos segmentos corporais e suas interações com as tarefas propostas.

Os valores dos tempos totais, velocidades, acelerações e distância percorrida, comprimento da trajetória e índice de curvatura do estudo mostraram diferenças, mas não significativas. Entretanto, durante as coletas verificou-se que as estratégias individuais adotadas para as transferências e o lado de preferência do participante para a realização da mesma, influenciam diretamente na agilidade e segurança para a sua execução. A transferência realizada com o lado de não preferência gerou insegurança em 75% dos participantes (n=9). Estes, na fase Preparatória realizavam numa mesma coleta, várias tentativas de levantamento da cadeira até o momento em que sentiam-se seguros para transferir. Isso aconteceu com todos os sujeitos com lesão torácica alta (n=6), os quais possuíam déficit no equilíbrio de tronco. Além disso, 50% de todos os participantes durante a execução da fase de Levantamento, após várias tentativas, transferiam-se rapidamente num movimento não harmônico e como um bloco. Estes fatos influenciaram na redução do tempo total e no aumento da velocidade, aceleração, distância percorrida, comprimento da trajetória e índice de curvatura da cabeça e do esterno do lado não preferencial. Esse aumento pode ser observado também, mas de forma significativa na inclinação lateral da cabeça (plano y-z). Além disso, houve uma redução significativa dos deslocamentos angulares dos ombros no plano x-y. A postura corporal adotada pelos participantes deste estudo foi pré-determinada pelo pesquisador e colaboradores levando em consideração a posição funcional de alguns segmentos corporais para que os valores das variáveis estudadas não sofressem tantas influências e, portanto, chegassem próximos aos valores reais. De acordo com Kapanji et al.17, a posição funcional do ombro, estado de equilíbrio dos músculos periarticulares, acontece quando o eixo longitudinal do braço se encontra em flexão de 45º, abdução de 60º (plano escapular) e rotação interna de 30º a 40º. O cotovelo apresenta-se em 90º de flexão com a prono-supinação neutra. Portanto, a postura adotada pelos participantes deste estudo foi cabeça e tronco numa posição neutra de acordo com a atitude postural de cada um, ou seja, cabeça e tronco centralizados, sem inclinação, rotação, flexão e extensão. Braços na lateral do tronco com flexão de cotovelos e mãos apoiadas nas coxas respectivas a cada lado. No estudo de Forslund et al.11, foi determinado que a posição inicial dos participantes da pesquisa seria com o braço contralateral próximo ao tronco, apoiado na plataforma de força e o líder posicionado na plataforma de força localizada em uma superfície um pouco afastada, gerando uma inclinação e rotação do tronco na direção do braço líder. Isso ocorreu também no estudo de Gagnon et al.3, quando realizou-se a transferência de um tablado para outro e com alturas variadas. O estudo de Perry et al.13, assemelha-se ao nosso quando comparamos que a transferência foi realizada da cadeira de rodas para um tablado, porém a postura inicial determinada pelo pesquisador se distinguiu, ou seja, o braço líder foi apoiado no tablado e o contralateral na cadeira, o que gerou uma inclinação com rotação do tronco. Seelen et al.10, encontrou no seu estudo que a atividade do grande dorsal estava aumentada durante a inclinação lateral do tronco e da pelve. Observou ainda que nos sujeitos com lesão medular baixa, o músculo eretor da espinha era utilizado para estabilizar o tronco na posição sentada e, portanto, o grande dorsal e trapézio não foram tão solicitados. Entretanto, nos torácicos altos houve maior ativação do eretor da espinha em associação com aumento na solicitação do grande dorsal e trapézio e pouca ativação do peitoral maior. Isso mostra que nesses indivíduos ocorre uma mudança funcional de alguns grupos musculares da cintura escapular.

A avaliação postural na posição sentada dos participantes do estudo mostrou que todos os indivíduos sentam-se no sacro, posição a qual gera uma concavidade na coluna vertebral e a permanência prolongada nessa posição pode alterar as curvaturas fisiológicas da mesma. Os ombros estavam projetados para frente com encurtamento do peitoral e com rotação interna aumentada. O espaço da região cervical estava diminuído e a cabeça projetava-se para frente em média 45 mm. Na maioria dos participantes, as escápulas encontravam-se abduzidas e transladas verticalmente para cima. Essa atitude postural adotada pode ser influenciada tanto por desequilíbrios musculares quanto pela estrutura mecânica da maioria das cadeiras de rodas, que levam os indivíduos a sentarem-se no sacro. Esses desequilíbrios musculares podem ocorrer, pois os sujeitos com lesão medular solicitam mais a musculatura rotadora interna que a externa para realização de suas AVDs, associado a isso, na anatomia do ombro há um desequilíbrio natural na quantidade de rotadores internos, que é maior que os externos. Portanto, apesar de alguns valores do estudo não atingirem diferenças estatísticas, não se deve negligenciar algumas particularidades que ocorrem em indivíduos com lesão medular, principalmente nos torácicos altos, para evitar possíveis lesões.

CONCLUSÃO

O estudo foi o pioneiro na avaliação cinemática de paraplégicos durante as transferências da cadeira de rodas, comparando o lado preferencial com o lado não preferencial para realização das transferências. Embora, algumas variáveis não tiveram significâncias estatísticas, observou-se que há diferenças nas estratégias de transferências de um lado em relação ao outro. Os resultados obtidos com o estudo facilitaram a compreensão biomecânica e descrição das características dos movimentos dos membros superiores, cabeça e tronco de lesados medulares durante as tarefas transferências. Portanto, a avaliação cinemática da transferência poderá atuar como coadjuvante à clínica, fornecendo parâmetros para diagnósticos mais precisos e/ou facilitar a elaboração de novos protocolos para reabilitação dos lesados medulares. Estudos futuros deverão ser realizados para um melhor entendimento do comportamento corporal de paraplégicos durante as transferências independentes.

Artigo recebido em 28/07/10, aprovado em 02/08/10.

Todos os autores declaram não haver nenhum potencial conflito de interesses referente a este artigo.

Trabalho realizado no Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

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  • Correspondência:

    Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Ciências Médicas. Departamento de Ortopedia e Traumatologia/FCM
    Rua: Tessalia Vieira de Camargo, 126. Cidade Universitária
    CEP: 13083-970. Campinas, SP. Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Recebido
      28 Jul 2010
    • Aceito
      02 Ago 2010
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