Acessibilidade / Reportar erro

Influência da espessura do osso cortical sobre a velocidade de propagação do ultrassom

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a influência da espessura do osso cortical sobre a velocidade de propagação do ultrassom (in vitro). MÉTODO: Foram utilizadas 60 lâminas ósseas confeccionadas a partir do fêmur de bovinos, com diferentes espessuras, variando de 1 a 6mm (10 de cada). As medidas da velocidade do ultrassom foram realizadas por aparelho projetado para este fim, utilizando técnica subaquática e por contato direto com auxílio de gel de acoplamento. Os transdutores foram posicionados de duas maneiras diferentes; opostos entre si, com o osso entre eles, sendo a medida chamada de transversal; e, paralelos na mesma superfície cortical, sendo a medida chamada de axial. RESULTADOS: Com o modo de transmissão axial, a velocidade de propagação do ultrassom aumenta conforme a espessura do osso cortical aumenta, independente da distância entre os transdutores, até a espessura de 5mm, mantendo-se constante após. Não houve alteração da velocidade quando o modo de transmissão foi transversal. CONCLUSÃO: A velocidade de propagação do ultrassom aumenta com o aumento da espessura da cortical óssea, no modo de transmissão axial, até o momento em que a espessura supera o comprimento da onda, mantendo a velocidade constante a partir de então. Nível de Evidência: Estudo Experimental.

Ultrassom; Acústica; Osso e ossos


OBJECTIVE: An experimental in vitro study was carried out to evaluate the influence of cortical bone thickness on ultrasound propagation velocity. METHODS: Sixty bone plates were used, made from bovine femurs, with thickness ranging from 1 to 6 mm (10 of each). The ultrasound velocity measurements were performed using a device specially designed for this purpose, in an underwater acoustic tank and with direct contact using contact gel. The transducers were positioned in two ways: on opposite sides, with the bone between them, for the transverse measurement; and parallel to each other, on the same side of the bone plates, for the axial measurements. RESULTS: In the axial transmission mode, the ultrasound velocity speed increased with cortical bone thickness, regardless of the distance between the transducers, up to a thickness of 5 mm, then remained constant thereafter. There were no changes in velocity when the transverse measures were made. CONCLUSION: Ultrasound velocity increased with cortical bone thickness in the axial transmission mode, until the thickness surpasses the wavelength, after which point it remained constant. Level of Evidence: Experimental Study.

Ultrasonics; Acoustics; Bone and bones


ARTIGO ORIGINAL

Influência da espessura do osso cortical sobre a velocidade de propagação do ultrassom

Luiz Garcia Mandarano-Filho; Márcio Takey Bezuti; Nilton Mazzer; Cláudio Henrique Barbieri

Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto - SP, Brasil

Correspondência Correspondência: DBMRAL Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (11 andar) Av. Bandeirantes, 3900 Campus USP Ribeirão Preto - São Paulo. Brasil. CEP: 14048-900. lgmandarano@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a influência da espessura do osso cortical sobre a velocidade de propagação do ultrassom (in vitro).

MÉTODO: Foram utilizadas 60 lâminas ósseas confeccionadas a partir do fêmur de bovinos, com diferentes espessuras, variando de 1 a 6mm (10 de cada). As medidas da velocidade do ultrassom foram realizadas por aparelho projetado para este fim, utilizando técnica subaquática e por contato direto com auxílio de gel de acoplamento. Os transdutores foram posicionados de duas maneiras diferentes; opostos entre si, com o osso entre eles, sendo a medida chamada de transversal; e, paralelos na mesma superfície cortical, sendo a medida chamada de axial.

RESULTADOS: Com o modo de transmissão axial, a velocidade de propagação do ultrassom aumenta conforme a espessura do osso cortical aumenta, independente da distância entre os transdutores, até a espessura de 5mm, mantendo-se constante após. Não houve alteração da velocidade quando o modo de transmissão foi transversal.

CONCLUSÃO: A velocidade de propagação do ultrassom aumenta com o aumento da espessura da cortical óssea, no modo de transmissão axial, até o momento em que a espessura supera o comprimento da onda, mantendo a velocidade constante a partir de então. Nível de Evidência: Estudo Experimental.

Descritores: Ultrassom. Acústica. Osso e ossos.

INTRODUÇÃO

A utilização do ultrassom como método para diagnóstico médico tem gerado grande interesse devido ao baixo custo, portabilidade, facilidade de manuseio, possibilidade de conseguir gerar imagens em tempo real, prover informações de propritabelaedades físicas dos tecidos, ser um método não invasivo e, principalmente, ter como característica o fato de não ser radiação ionizante.1

Nas últimas duas décadas o uso do ultrassom para avaliação da qualidade óssea através do cálculo da sua velocidade de propagação foi objeto de inúmeras investigações, firmando-se como método preciso e reprodutível, podendo ser utilizado como técnica auxiliar à densitometria óssea na avaliação da osteoporose e do seguimento clínico dos pacientes. Recentemente e, com a mesma metodologia, passou-se a estudar o processo de consolidação óssea normal, seus distúrbios e a influência dos mais variados tipos de implantes quando as fraturas são tratadas cirurgicamente. Os resultados mostram que a técnica é factível, porém, muitos aspectos ainda devem ser estudados para que a ultrassonometria óssea quantitativa seja validada como método auxiliar à radiografia e à tomografia computadorizada na avaliação e seguimento das fraturas.

Foi objetivo deste trabalho avaliar a influência que a espessura do osso cortical tem sobre a velocidade de propagação do ultrassom, empregando como modelo experimental lâminas ósseas de fêmur bovino e realizando a ultrassonometria quantitativa pela técnica do contato direto e subaquática.

MATERIAL E MÉTODO

O fêmur bovino foi o osso escolhido para a realização do estudo em função da disponibilidade de peças frescas e congeladas em frigoríficos; pelo fato de serem provenientes de animais com peso, idade e gênero conhecidos; de terem sido sacrificados para consumo, o que evitaria o uso de animais somente para a pesquisa e, por esse osso apresentar como característica uma cortical espessa, tornando factível a idéia do trabalho. Foram usados 60 fêmures (39 esquerdos e 21 direitos) de bois da raça Nelore, todos machos, com aproximadamente três anos de idade e 500 kg de massa corporal.

Os fêmures eram então submetidos a retirada de todas as partes moles, ainda congelados, e somente a diáfise dos mesmos era utilizada para a confecção das lâminas ósseas. Cada diáfise possibilitava a confecção de apenas uma lâmina, já que era sempre utilizada a face anterior do osso, como forma de padronizar as amostras. As lâminas eram feitas com 130mm de comprimento, 30mm de largura e diferentes espessuras, variando de 1mm até 6mm. A espessura mínima de 1mm deveu-se ao fato de que lâminas com espessura menor eram de difícil confecção e se tornavam excessivamente frágeis; quando maior que 6mm, já não se conseguia uniformidade da espessura em todo o comprimento da amostra.

As lâminas ósseas, após serem confeccionadas, eram embaladas em sacos plásticos individuais devidamente identificados, lacrados e congeladas a uma temperatura média de -20°C.

O cálculo do tamanho amostral foi feito com o software R versão 2.6.2 assumindo que seriam comparadas seis espessuras diferentes em relação à velocidade do som. Desse modo, optou-se por trabalhar com 10 amostras de cada espessura e as medidas ultrassonométricas foram feitas nas seguintes condições: SAA (subaquático axial) com 3, 5 e 7cm de distância entre os transdutores; SAT (subaquático transversal); CDA (contato direto axial) com 3, 5 e 7cm de distância entre os transdutores e CDT (contato direto transversal).

As medidas subaquáticas da velocidade do som foram realizadas em um tanque acústico de acrílico, com 36cm de comprimento, 10cm de altura e 7cm de largura, dimensões adequadas para adaptar desde pequenos segmentos de ossos até alguns ossos inteiros. Uma janela circular foi confeccionada no centro geométrico de cada uma das laterais do tanque, para acoplamento dos transdutores ultrassônicos precisamente alinhados entre si pelo seu eixo axial.

Para a realização dos procedimentos foram utilizados dois transdutores (um emissor e um receptor), confeccionados com pastilhas de PZT-5, cerâmica com propriedade piezoelétrica, em forma de disco de 25mm de diâmetro. Os transdutores estavam conectados a um equipamento gerador-receptor-amplificador de pulsos de ultrassom (Biotecnosis do Brasil®), conectado a um osciloscópio (Digital Storage Oscilloscope 3062A, Agilent Technologies®) para visualização do sinal recebido. Este, por sua vez, está conectado a um microcomputador alimentado com um programa para o processamento dos sinais e para o cálculo da velocidade do ultrassom. O equipamento ultrassônico utilizado funciona com um circuito que gera pulsos estreitos com frequência de 1 MHz. A voltagem de entrada no transformador da fonte é regulável, mas foi ajustada em 100 V, fixando assim a tensão aplicada no transdutor emissor, com potência suficiente para o pulso atravessar a amostra óssea sem ser totalmente atenuado.

O sinal recebido pelo transdutor receptor é amplificado por um circuito específico, dotado de uma chave seletora que permite amplificar ou não o sinal, tendo sido estabelecida uma amplificação de três vezes, para melhor visualização das ondas. O osciloscópio visualiza a recepção da onda e o microcomputador processa os sinais recebidos e armazena as informações.

No cálculo da velocidade é importante identificar o ponto de chegada da primeira onda (FAS, de first arrived signal), que definirá o tempo de percurso no trajeto. (Figura 1) Podem ser utilizados vários referenciais para acusar a chegada do sinal, no presente caso ficou definido como uma deflexão da onda maior que 5% da linha de base e que é calculado automaticamente pelo programa do computador.


O equipamento era calibrado utilizando-se um cilindro de politetrafluoretileno, cuja velocidade de propagação do ultrassom é conhecida e constante. O cilindro era posicionado entre os transdutores, de forma que a onda ultrassônica incidisse na face plana da peça. A temperatura ambiente era mantida em 23°C. A medida da velocidade de propagação do ultrassom era feita somente na água e, depois, com o cilindro de politetrafluoretileno posicionado no seu interior. No caso da técnica de contato direto, utilizava-se gel de acoplamento entre os trandutores e a peça de politetrafluoretileno. Esse procedimento era repetido antes da avaliação de cada lâmina óssea, para assegurar a reprodutibilidade das medidas. A velocidade de propagação do ultrassom na água e no cilindro de teflon, em média, foi de 1.470 m/s e 1.156 m/s, respectivamente.

Antes da realização das medidas ultrassônicas, as lâminas ósseas eram levadas do freezer para um congelador doméstico, onde permaneciam por 12 horas a uma temperatura de -12ºC e, posteriormente, para um refrigerador por mais 12 horas a uma temperatura média de +4ºC. Antes das medidas, as montagens permaneciam à temperatura ambiente controlada, de 23º C, a mesma da água do tanque acústico.

As medidas por contato direto entre os transdutores e as lâminas ósseas foram realizadas com auxílio de um gel de acoplamento. Dois tipos de montagens foram feitas, uma para aferição da velocidade do ultrassom por transmissão axial e, outra, para a transmissão transversal.

Para a medida por contato direto axial (CDA) foram utilizados suportes de borracha que permitiam a exposição de toda a superfície da lâmina óssea e a distância entre os trandutores podia ser livremente alterada. (Figura 2) Para a medida por contato direto transversal (CDT) também foi usado um suporte de borracha apenas para apoio da montagem. (Figura 3)



Para as medidas por CDA, cada grupo de lâminas ósseas com determinada espessura era testado colocando-se os transdutores afastados entre si (tomando como referência o centro da superfície de contato do transdutor) a uma distância de 3cm, 5cm e 7cm, aferida por meio de moldes de borracha pré-confeccionados, de medida correspondente a cada distância, acoplados aos transdutores. Assim, pôde ser avaliada a influência da espessura cortical e da distância entre os transdutores sobre a velocidade de propagação do US. No caso das medidas por CDT, a única variável a ser analisada foi a espessura cortical.

As medidas subaquáticas foram realizadas com auxílio do tanque acústico. Dois tipos de montagens foram feitas, uma para aferição da velocidade do ultrassom por transmissão axial e, outra, para a transmissão transversal. Para a medida subaquática axial (SAA) foram utilizados os mesmos suportes de borracha da técnica de CDA, permitindo a exposição de toda a superfície da lâmina óssea e a distância entre os trandutores podia ser livremente alterada. Nesta situação, as janelas das faces laterais do tanque eram vedadas e os transdutores eram posicionados na superfície da lâmina óssea pela abertura superior. Para a medida subaquática transversal (SAT), os transdutores eram acoplados nas janelas laterais e a distância entre eles era mantida constante para que o cálculo da velocidade do US pudesse ser feita com precisão. (Figura 4)


Para a realização do estudo foi preparado 6 grupos de lâminas ósseas, cada um com 10 amostras de lâminas de mesma espessura para cada grupo. Cada grupo foi submetido à análise da velocidade de propagação do som pelas duas técnicas (contato direto e subaquática), de dois diferentes modos, por transmissão axial e por transmissão transversal. (Tabela 1)

Em cada caso específico eram realizadas três medidas sequenciais da VS e extraída a média dos valores obtidos para cada lâmina óssea. Depois, era calculado o valor médio correspondente a cada grupo, sendo este o valor empregado nos cálculos estatísticos.

Os resultados foram comparados para avaliar a influência da espessura cortical sobre a velocidade de propagação do US axial e transversal, comparar os métodos de ultrassonometria óssea (contato direto e subaquático) e avaliar a influência da distância entre os transdutores sobre a VS na transmissão axial.

Para atingir os objetivos, foi utilizado o modelo de regressão linear com efeitos mistos (efeitos aleatórios e fixos). Os modelos lineares de efeitos mistos são utilizados na análise de dados em que as respostas estão agrupadas (medidas repetidas para um mesmo indivíduo) e a suposição de independência entre as observações num mesmo grupo não é adequada.2 Esses modelos têm como pressuposto que seus resíduos têm distribuição normal com média 0 e variância Σ2 Nas situações em que tal pressuposto não foi observado, transformações na variável resposta foram utilizadas. Foi utilizado o intervalo de confiança simultâneo de Bonferroni e consequente correção de p-valor, a fim de garantir que as comparações simultâneas entre as médias mantenham 95% de confiança.3 Este procedimento foi realizado através do software SAS® 9.0 (SAS Institute Inc., SAS/STAT® User's Guide, Version 9.0, Cary, North Carolina, USA), utilizando a PROC MIXED.

RESULTADOS

A VPUS aumentou consistentemente com o aumento da espessura das placas ósseas, nas medidas axiais por contato direto (CDA) e subaquáticas (SAA), mas apresentando uniformidade nas medidas transversais por contato direto (CDT) ou subaquáticas (SAT), praticamente sem variação acompanhando a espessura das placas. Por outro lado, a distância entre os transdutores (3, 5 e 7cm) nas medidas axiais por contato direto (CDA) ou subaquáticas (SAA) não produziu diferenças significantes nas velocidades além daquelas observadas para a espessura das placas.

Nas medidas CDA, o valor médio da VPUS aumentou de 3491,40 m/s na espessura de 1mm para 4201,20 m/s na espessura de 6 mm, para a distância de 3cm entre os transdutores. Para a distância de 5cm, a VPUS média aumentou de 3497,50 m/s na espessura de 1mm para 4200,30 m/s na espessura de 6mm. Já para a distância de 7cm, a VPUS média aumentou de 3497,90 na espessura de 1mm para 4200,60 na espessura de 6mm. (Tabela 2) As diferenças entre as medidas foram significantes para todas as comparações (p<0,0001), com exceção daquelas entre as espessuras de 5 e 6mm (p=1), nas três diferentes distâncias entre os transdutores. Para cada espessura individual, de 1 a 6 mm, não foram observadas diferenças significantes para nenhuma comparação entre as medidas em função da distância entre os transdutores, de 3, 5 e 7cm, numa evidência de que esse parâmetro não é importante, dentro dos limites pesquisados.

Nas medidas SAA, a VPUS média aumentou de 3498,90 m/s na espessura de 1mm para 4200,20 m/s na espessura de 6mm, para a distância de 3cm entre os transdutores. Para a distância de 5cm, a VPUS média aumentou de 3493,10 m/s na espessura de 1mm para 4201,10 m/s na espessura de 6 mm, e para a distância de 7cm, a VPUS média aumentou de 3491,70 m/s na espessura de 1mm para 4200,10 m/s na espessura de 6mm. (Tabela 3) As diferenças entre as medidas foram significantes para todas as comparações (p<0,0001), com exceção daquela entre as espessuras de 5 e 6 mm (p=1), nas três diferentes distâncias entre os transdutores. Para cada espessura individual de 1 a 6mm, não foram observadas diferenças significantes para nenhuma comparação entre as medidas em função da distância entre os transdutores, de 3, 5 e 7cm, novamente demonstrando que esse parâmetro não é importante, dentro dos limites pesquisados.

Comparações foram feitas, também, para uma mesma espessura (de 1 a 6mm) da placa óssea e uma mesma distância (3, 5 e 7cm) entre os transdutores, analisando as técnicas CDA e a SAA, não tendo sido demonstrada diferenças significantes para nenhuma comparação, numa indicação de que as duas técnicas são equivalentes.

Agrupando os dados supracitados, sabendo que não há diferença significativa entre as velocidades pelas duas técnicas (contato direto e subaquática), pode-se expor os resultados das medidas axiais em um gráfico que permite visualizar o padrão crescente da velocidade de propagação do ultrassom com o aumento da espessura das lâminas, até e estabilização a partir de cinco milímetros de espessura. (Figura 5) Nas medidas CDT e SAT, a VPUS média variou muito pouco entre as espessuras de 1 a 6mm, permanecendo entre o mínimo de 3438,40 m/s e o máximo de 3441,50 m/s para a primeira, e entre o mínimo de 3436,90 m/s e o máximo de 3442,90 m/s para a segunda. (Tabela 4) Não houve diferença significativa entre as medidas de CDT (p=1) e, também, de SAT (p=1), quando comparadas as diferentes espessuras.


Comparações foram feitas, também, para uma mesma espessura (de 1 a 6 mm) da placa óssea analisando as técnicas CDT e a SAT, não tendo sido demonstrada diferenças significantes para nenhuma comparação, numa nova indicação de que as duas técnicas são equivalentes. (Figura 6)


DISCUSSÃO

A avaliação quantitativa da qualidade do tecido ósseo por meio da medida da velocidade de condução do ultrassom tem sido objeto de inúmeras investigações, principalmente voltadas para a medida da osteoporose e da cicatrização óssea. Com relação à medida da osteoporose, a literatura atual é mais rica e fornece subsídios sólidos para a aplicabilidade clínica. Por outro lado, isto não é verdade quando o foco é o processo de cicatrização óssea. Há estudos in vitro e in vivo, com fortes evidências que o método possa ser aplicado clinicamente, porém, muito ainda deve ser entendido até que possa ser padronizado e que os resultados sejam confiáveis.

O processo de consolidação das fraturas em humanos e animais é usualmente avaliado através de radiografias ou pela tomografia computadorizada, métodos que envolvem o uso de radiação ionizante com conhecidos efeitos deletérios sobre os tecidos.4 Isto, somado ao fato de que o calo ósseo só é visível ao exame se estiver suficientemente calcificado, que a consolidação óssea nem sempre envolve a formação de calo, como nos casos de fraturas diafisárias rigidamente fixadas submetidas à osteossíntese pelo método da estabilidade absoluta, e que muitas vezes a linha da fratura não pode ser visualizada em função da superposição por implantes metálicos, justifica a busca por um recurso alternativo neste campo. Soma-se isto ao fato de que pode ser necessário obter muitas e repetidas radiografias no curso do tratamento, expondo o paciente a uma dose excessiva de radiação, com grande potencial de lesões secundárias, particularmente em crianças e gestantes.

A disponibilização de um recurso que envolva o emprego de um agente físico não-ionizante e que possa ser usado nas fases iniciais da consolidação seria de grande utilidade, principalmente quando muitas avaliações sucessivas se façam necessárias. A ressonância magnética (RM) reúne as características acima, mas é cara, nem sempre disponível e as imagens conseguidas sofrem influência dos implantes metálicos, dificultando uma interpretação adequada. O uso do ultrassom convencional é uma possibilidade, visto que o método é barato, se comparado às outras técnicas, amplamente disponível e de fácil manuseio. Porém, com freqüência, as imagens obtidas são de difícil interpretação, pouco reprodutíveis e dependem da experiência do examinador. Os equipamentos que avaliam quantitativamente a condução transóssea do ultrassom, como os usados no diagnóstico da osteoporose e osteopenia, reúnem as características ideais para ser um método auxiliar no estudo do processo da consolidação das fraturas, já que possuem as vantagens já citadas do ultrassom, somadas a resultados objetivos.

O uso da ultrassonometria para avaliação óssea foi descrito inicialmente por Siegel et al.5 em 1958, utilizando tíbias de coelhos. Seu uso para avaliação da densidade óssea através da BUA (Broadband Ultrasound Atenuation) foi descrito por Langton et al.6, sendo capaz de predizer a qualidade e a quantidade de massa óssea, ganhando espaço nos últimos anos com vários modelos comercialmente disponíveis. A utilização da ultrassonometria para acompanhar o processo de consolidação de fraturas é mais recente, sendo que poucos trabalhos demonstram sua aplicabilidade clínica;7,8 porém, sem padronização adequada, em função, principalmente, de questões metodológicas.

Em nosso meio, Barbieri et al.9 realizaram um estudo in vitro sobre o uso da ultrassonometria subaquática transversal para avaliar a consolidação de osteotomias diafisárias transversas da tíbia de ovelhas em diferentes períodos, demonstrando que a velocidade de propagação do ultrassom através do osso aumenta conforme o processo de consolidação progride. Esta investigação foi realizada com um modelo de fixação externa da osteotomia da tíbia, que propicia uma consolidação por calo ósseo, processo inteiramente diferente da consolidação direta obtida com as placas de fixação rígida por compressão axial. Este último tipo de fixação tem se tornado cada vez mais frequente na prática clínica, acarretando, igualmente, um aumento das complicações como o atraso de consolidação, que pode ter seu diagnóstico dificultado pela superposição do implante, como exposto anteriormente. Assim, Bezuti10 propôs o estudo in vitro da interação entre o osso e a placa metálica de fixação de fraturas, pela medida da velocidade de propagação do ultrassom em diferentes planos, demonstrando ser o método eficiente na detecção da fenda de osteotomia transversa mediodiafisária de tíbias de carneiros, não havendo influência significante do implante,na dependência do plano de incidência das ondas ultrassônicas.

A ultrassonometria óssea pode ser realizada com os trandutores posicionados de duas maneiras diferentes; opostos entre si, com o osso entre eles, sendo a medida chamada de transversal; ou, paralelos entre si, na mesma superfície cortical, sendo a medida chamada de axial. A técnica usada também pode diferir entre a por contato direto, em que os transdutores são colocados diretamente na superfície óssea com o auxílio de um gel de acoplamento ou, a subaquática, em que o osso fica completamente mergulhado em um tanque de água. O meio aquático apresenta melhores condições para a propagação do som e o estudo de sua velocidade, porém, a técnica por contato direto é interessante porque, muitas vezes, a análise subaquática in vivo é inviável.

Dois foram os questionamentos que motivaram este estudo. O primeiro, qual a influência que a espessura do osso cortical teria sobre a velocidade de propagação do ultrassom, já que sabemos que a espessura pode ser diferente em função do gênero, idade, raça, nível de atividade física e presença de doenças metabólicas, com possíveis reflexos na avaliação ultrassônica. O segundo, qual o grau de equivalência entre as técnicas ultrassonométricas, no caso a subaquática e a por contato direto. Para isso, foi idealizado um estudo in vitro, utilizando lâminas ósseas homogêneas, com todas as variáveis possíveis bem controladas. Este tipo de comparação é inviável em ossos inteiros, que apresentam relevo desfavorável e grande variabilidade entre si.

O modelo experimental escolhido foi o de utilizar lâminas ósseas confeccionadas a partir da cortical anterior da diáfise do fêmur de bovinos. O fêmur bovino foi escolhido pela facilidade em conseguir amostras em frigoríficos de peças frescas e congeladas, de animais com peso, idade e gênero conhecidos; pelo fato de não haver necessidade de sacrificar animais para a pesquisa e, por apresentar como característica uma cortical espessa, tornando a idéia do trabalho viável. Para a confecção das lâminas, foi padronizada a face anterior do osso. Em função da anatomia de superfície deste osso e de seu diâmetro médio, a maior lâmina possível de ser fabricada e, sempre replicada, foi de 130mm de comprimento por 30mm de largura, dimensões suficientes para adaptação adequada aos transdutores ultrassônicos, de 25mm de diâmetro. Quanto à espessura, nem sempre era possível obter lâminas mais espessas que 6mm e que fossem regulares em todo seu comprimento. Do mesmo modo, lâminas com espessura menor que 1mm eram de difícil realização e se tornavam muito frágeis. Assim, as lâminas do estudo variaram de 1mm a 6mm de espessura. Para avaliar espessuras maiores, a única opção possível seria o uso de algum animal de maior porte ou utilizar modelos ósseos sintéticos.

O equipamento usado para as medidas foi construído por empresa especializada, para o fim específico da ultrasonometria óssea, podendo ser adaptado tanto para as medidas subaquáticas como as de contato direto, já tendo sido utilizado em investigações anteriores. Trata-se de um protótipo que deverá ser implementado para disponibilização comercial e está dotado de tecnologia digital. O programa de computador desenvolvido permite medir a velocidade do ultrassom em ambas as situações (subaquática e por contato direto) com alta confiabilidade.

Conforme especificado por Hill11o principal parâmetro escolhido para análise foi a velocidade de propagação do ultrassom através do osso, por ser considerada a propriedade fundamental da propagação acústica nos tecidos. Pocock et al.12 mostraram que a velocidade de propagação do ultrassom varia com a temperatura do meio de referência (água) e da própria amostra a ser analisada, motivo porque a temperatura da água e de todas as amostras foi também padronizada durante a execução das análises. A própria velocidade é calculada por meio de uma equação que pode variar conforme a fonte consultada e, no caso, foi usada a proposta por Evans e Tavakoli.13

Sievänen et al.14 comentaram sobre a necessidade de pelo menos três medidas da velocidade de condução do ultrassom para cada região de interesse, o que proporcionaria mais confiabilidade aos resultados obtidos. No presente trabalho foi seguida esta orientação e, após as medidas, foi calculada a média para chegar ao valor final.

Os resultados obtidos de velocidade de propagação do ultrassom mostraram que a distância entre os transdutores emissor e receptor na transmissão axial não influenciou nas medidas, independentemente da técnica usada, por contato direto ou subaquática. No estudo foram usadas três distâncias entre os transdutores, de 3cm, 5cm e 7cm. Distâncias maiores não foram factíveis devido à potência do equipamento gerador de sinal e à elevada impedância do osso.

Não houve diferença de velocidade, também, quando comparou-se as diferentes espessuras das lâminas ósseas com transmissão transversal, independentemente da técnica usada, contato direto ou subaquática. Este dado é teoricamente esperado já que, mais espessas as lâminas, maiores as distâncias e maior o tempo para percorrê-las.

Outro dado importante é que os valores obtidos para a velocidade do ultrassom no osso cortical bovino foi similar aos valores anteriormente reportados por Evans e Tavakoli,13 o que valida as técnicas usadas neste trabalho e o aparelho desenvolvido para este fim.

Pode-se notar que todas as medidas realizadas, com transmissão axial ou transversal, não apresentaram diferenças em função da técnica usada. Apesar de não ser o objetivo inicial do trabalho, acabou-se demonstrando que a técnica de contato direto é comparável à subaquática. Esta comparação só foi possível em função do objeto estudado, no caso uma lâmina óssea relativamente regular e sem diferenças significativas entre elas. Isto não seria possível se tivessem sido usados ossos inteiros, que diferem entre si, mesmo que da mesma espécie e do mesmo membro. Além disso, as irregularidades anatômicas superficiais, mesmo que pequenas, fazem com que o acoplamento dos transdutores não ocorra de maneira completa e isso pode contribuir para a diferença de resultados quando comparados à técnica subaquática. Esta era tida, até então, como mais reprodutível pois a água é um excelente condutor de ondas sonoras. Entretanto, a técnica de contato direto parece ser mais adaptável à situações clínicas, já que é possível colimar a área de interesse a ser analisada com maior facilidade que em um tanque acústico.

Como já anteriormente demonstrado por Njeh et al.15 a velocidade do som na transmissão axial depende da espessura do osso cortical; quanto maior a espessura, maior a velocidade. Este fato é verdade até um certo limite, e os autores postulam que a velocidade aumenta até o ponto em que o comprimento de onda ainda seja menor que a espessura da cortical. O mesmo fato foi observado no presente estudo, em que a velocidade de propagação do ultrassom aumentou progressivamente de cerca de 3.500m/s nas lâminas ósseas de 1mm de espessura (em ambas as técnicas, por contato direto e subaquática), passando por 3.650m/s nas lâminas de 2mm, 3.800m/s com 3mm, 4.000m/s com 4mm, até chegar em 4.200m/s com 5mm. A velocidade se manteve constante em 4.200m/s na espessura de 6mm. Se levarmos em conta que a frequência do aparelho é de 1 MHz e que o comprimento de onda é calculado dividindo-se a velocidade pela freqüência, obtemos como valor do comprimento de onda, aproximadamente, 4,2mm, já que foi a velocidade máxima alcançada nas amostras. Assim, espera-se que a velocidade não se altere mais, mesmo que se aumente a espessura da amostra, visto que a espessura já ultrapassou o comprimento de onda a partir de 5mm.

Para as lâminas de menor espessura (1 a 4mm), o comprimento da onda ultrassônica foi sempre maior ou igual à espessura. Nessas situações, a condução da onda se dá através de toda a espessura do osso e não apenas na sua superfície, de modo que reflete com maior precisão as propriedades físicas do osso. Quando o comprimento da onda fica menor do que a espessura, sua condução muda, passando a ser superficial e mais rápida, mas não refletindo as propriedades integrais do osso.16,17

Conhecer a relação entre a espessura do osso cortical e a velocidade de propagação do ultrassom é de extrema importância para a continuidade dos estudos e padronização da ultrassonometria óssea. Idade e doenças osteometabólicas alteram a espessura da cortical óssea e influenciam os resultados obtidos, além da própria variabilidade média de espessura cortical dos ossos do corpo humano. Sabemos que a espessura cortical média, medida por exame radiográfico, é de 1,7mm para a falange proximal dos dedos da mão, 2 a 3mm para os metacarpianos, 3 a 3,6mm para a região proximal do rádio, 5 a 8 mm para a diáfise da tíbia e 2,3 a 7,4mm para a diáfise do fêmur.18 Assim, com a metodologia empregada neste estudo, o máximo comprimento de onda foi de 4,2mm, nas espessuras de 5 e 6mm. Todavia, muitas são as situações em que a velocidade do ultrassom pode ser afetada diretamente pela espessura da cortical óssea maior do que os limites estudados, o que abre uma perspectiva para novas investigações.

A continuidade das pesquisas em ultrassonometria óssea quantitativa deve focar, além da influência dos implantes, da geometria dos diferentes padrões de fraturas e da sua consolidação, e das condições físicas dos ossos, a aplicabilidade em situações clínicas reais. Considerando o envelope de partes moles ao redor dos ossos e a dificuldade do uso da técnica subaquática, a técnica de contato direto com auxílio de um gel de acoplamento parece, até o momento, o caminho mais provável para que a ultrassonometria óssea ocupe seu espaço como método auxiliar seguro, de baixo custo e livre de radiação ionizante na avaliação do processo de cicatrização óssea, independentemente da terapêutica usada, conservadora ou cirúrgica.

CONCLUSÃO

A espessura do osso cortical influencia a velocidade de propagação do ultrassom, quando empregada a técnica de transmissão axial. Quanto maior a espessura, maior a velocidade, até o ponto em que a espessura supera o comprimento de onda. A partir desse ponto, a velocidade permanece constante.Ambas as técnicas de ultrassonometria óssea, por contato direto e subaquática, se mostraram factíveis e com resultados comparáveis.

Artigo recebido em 21/11/2011

Aprovado em 26/11/2011

Trabalho realizado no Departamento de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto, SP, Brasil.

Todos os autores declaram não haver nenhum potencial conflito de interesses referente a este artigo.

  • 1. Njeh CF, Saeed I, Grigorian M, Kendler DL, Fan B, Shepherd J, et al. Assessment of bone status using speed of sound at multiple anatomical sites. Ultrasound Med Biol. 2001;27(10):1337-45.
  • 2. Schall R. Estimation in generalized linear models with random effects. Biometrika. 1991;78(4):719-27.
  • 3. Bland JM, Altman DG. Multiple significance tests: the Bonferroni method. BMJ. 1995;310(6973):170.
  • 4. Markel MD, Chao EY. Noninvasive monitoring techniques for quantitative description of callus mineral content and mechanical properties. Clin Orthop Relat Res. 1993;(293):37-45.
  • 5. Siegel IM, Anast GT, Fields T. The determination of fracture healing by measurement of sound velocity across the fracture site. Surg Gynecol Obstet. 1958;107(3):327-32.
  • 6. Langton CM, Palmer SB, Porter RW. The measurement of broadband ultrasonic attenuation in cancellous bone. Eng Med. 1984;13(2):89-91.
  • 7. Saulgozis J, Pontaga I, Lowet G, Van der Perre G. The effect of fracture and fracture fixation on ultrasonic velocity and attenuation. Physiol Meas. 1996;17(3):201-11.
  • 8. Protopappas VC, Baga DA, Fotiadis DI, Likas AC, Papachristos AA, Malizos KN. An ultrasound wearable system for the monitoring and acceleration of fracture healing in long bones. IEEE Trans Biomed Eng. 2005;52(9):1597-608.
  • 9. Barbieri G, Barbieri CH, de Matos PS, Pelá CA, Mazzer N. Ultrasonometric evaluation of bone healing: Experimental study using a model of diaphyseal transverse osteotomy of sheep tibiae. Ultrasound Med Biol. 2006;32(6):875-82.
  • 10. Bezuti MT. Avaliação ultrassonométrica in vitro da osteotomia transversal da tíbia de ovelhas fixadas com placa de compressão [dwissertação]. Ribeirão Preto: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo; 2010.
  • 11. Hill CR. Physical principles of medical ultrasonics. Chischester: Ellis Horwood; 1986.
  • 12. Pocock NA, Babichev A, Culton N, Graney K, Rooney J, Bell D, et al. Temperature dependency of quantitative ultrasound. Osteoporos Int. 2000;11(4):316-20.
  • 13. Evans JA, Tavakoli MB. Ultrasonic attenuation and velocity in bone. Phys Med Biol. 1990;35(10):1387-96.
  • 14. Sievänen H, Cheng S, Ollikainen S, Uusi-Rasi K. Ultrasound velocity and cortical bone characteristics in vivo. Osteoporos Int. 2001;12(5):399-405.
  • 15. Njeh CF, Hans D, Wu C, Kantorovich E, Sister M, Fuerst T, Genant HK. An in vitro investigation of the dependence on sample thickness of the speed of sound along the specimen. Med Eng Phys. 1999;21(9):651-9.
  • 16. Dodd SP, Cunningham JL, Miles AW, Gheduzzi S, Humphrey VF. Ultrasonic propagation in cortical bone mimics. Phys Med Biol. 2006;51(18):4635-47.
  • 17. Protopappas VC, Fotiadis DI, Malizos KN. Guided ultrasound wave propagation in intact and healing long bones. Ultrasound Med Biol. 2006;32(5):693-708.
  • 18. Havelka S, BartŮnková V, Streda A. Bone indexes and cortical thickness in assessing osteoporosis in rheumatic patients. Scand J Rheumatol. 1973;2(2):57-60.
  • Correspondência:
    DBMRAL
    Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (11 andar)
    Av. Bandeirantes, 3900 Campus USP
    Ribeirão Preto - São Paulo. Brasil. CEP: 14048-900.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      21 Nov 2011
    • Aceito
      26 Nov 2011
    ATHA EDITORA Rua: Machado Bittencourt, 190, 4º andar - Vila Mariana - São Paulo Capital - CEP 04044-000, Telefone: 55-11-5087-9502 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: actaortopedicabrasileira@uol.com.br