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Uma investigação dos determinantes socioeconômicos da depressão mental no Brasil com ênfase nos efeitos da educação

Resumos

Este estudo investigou a relação entre fatores socioeconômicos e depressão mental com ênfase nos efeitos da educação, objetivando avançar no conhecimento e discussão sobre a relação entre fatores socioeconômicos e saúde. Foram utilizados dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2003 e de seu suplemento especial sobre saúde. Foram estimadas, separadamente, equações para homens e mulheres. Constatou-se que as condições socioeconômicas podem interferir na probabilidade de ambos os gêneros desenvolverem sintomas depressivos. Contudo, o efeito destas condições é maior nas mulheres. Por fim, concluímos que um maior nível educacional pode reduzir o risco de depressão.

economia da saúde; saúde mental; depressão mental


This study investigates the relationship between socioeconomic factors and mental depression emphasizing the educational effect. Analyses for men and women were performed separately, using a 2003 Brazilian Household Survey (PNAD). It was verified that socioeconomic conditions can interfere in the probability of both men and women to develop depressive symptoms. However, the effect of these conditions is larger for women. Finally we concluded that higher education can reduce the risk of depression.

health economics; mental health; mental depression


ARTIGOS

Uma investigação dos determinantes socioeconômicos da depressão mental no Brasil com ênfase nos efeitos da educação* * Os autores agradecem a Sérgio Carlos de Carvalho e aos dois pareceristas anônimos pelas sugestões feitas nas versões preliminares deste estudo. Obviamente, quaisquer erros e omissões remanescentes são de inteira responsabilidade dos autores.

Marcelo Justus dos SantosI; Ana Lúcia KassoufII

IProfessor do Departamento de Economia, Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG. Endereço para contato: Praça Santos Andrade, 1. Ponta Grossa, PR, CEP: 84010-790. E-mail: marcelojustus@uepg.br

IIProfessora do Departamento de Economia da ESALQ, USP. Endereço para contato: Av. Pádua Dias, 11. Piracicaba, SP, CEP 13418-900. E-mail: alkassou@esalq.usp.br

RESUMO

Este estudo investigou a relação entre fatores socioeconômicos e depressão mental com ênfase nos efeitos da educação, objetivando avançar no conhecimento e discussão sobre a relação entre fatores socioeconômicos e saúde. Foram utilizados dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2003 e de seu suplemento especial sobre saúde. Foram estimadas, separadamente, equações para homens e mulheres. Constatou-se que as condições socioeconômicas podem interferir na probabilidade de ambos os gêneros desenvolverem sintomas depressivos. Contudo, o efeito destas condições é maior nas mulheres. Por fim, concluímos que um maior nível educacional pode reduzir o risco de depressão.

Palavras-chave: economia da saúde, saúde mental, depressão mental.

ABSTRACT

This study investigates the relationship between socioeconomic factors and mental depression emphasizing the educational effect. Analyses for men and women were performed separately, using a 2003 Brazilian Household Survey (PNAD). It was verified that socioeconomic conditions can interfere in the probability of both men and women to develop depressive symptoms. However, the effect of these conditions is larger for women. Finally we concluded that higher education can reduce the risk of depression.

Key words: health economics, mental health, mental depression.

JEL classification: I10.

1 INTRODUÇÃO

A saúde mental é tão importante quanto a saúde física para o bem-estar das pessoas. Contudo, a Organização Mundial da Saúde estima que 450 milhões de pessoas no mundo sofrem de algum tipo de transtorno mental ou comportamental. Essas doenças causam severa incapacidade e influência negativa sobre a qualidade de vida dos indivíduos, de suas famílias e da sociedade como um todo. Os indivíduos sofrem por se tornarem, muitas vezes, incapazes de participar de trabalhos e atividades de lazer, por se tornarem dependentes de outras pessoas, por não conseguirem desempenhar suas responsabilidades dentro da família e com os amigos e pela freqüente discriminação enfrentada na sociedade. Em termos econômicos, são inúmeros os impactos dos transtornos mentais e comportamentais, entretanto, apenas parte desse ônus é mensurável, podendo-se destacar: a necessidade de serviços sociais e de saúde, a perda de emprego, a redução de produtividade, o impacto sobre as famílias, o nível de criminalidade e a mortalidade prematura. Entre os imensuráveis, destacam-se os custos de oportunidade dos indivíduos e famílias. No entanto, na maior parte do mundo, a saúde mental dos indivíduos não é vista com a mesma importância que a da saúde física (WHO,1 1 World Health Organization. 2001).

No Brasil, o total de óbitos enquadrados no Capítulo V da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) – Transtornos Mentais e Comportamentais – representou aproximadamente 0,7% do total de todos os capítulos em 2002, sendo 36,5% maior do que foi em 1996. Entre essas doenças, está a depressão – problema de diminuição da atividade por causa de estado emocional, apatia, abatimento moral com letargia, falta de coragem ou ânimo para enfrentar a vida – a qual, entre várias outras conseqüências, pode levar um indivíduo a cometer suicídio. No ano de 2002, a taxa de suicídios por cem mil habitantes, no Brasil, foi de 6,94 entre os homens e de 1,89 entre as mulheres. Em relação a 1990, essas taxas representaram um crescimento de 36,6% e 12,5%, respectivamente, entre os homens e mulheres.2 2 Segundos a WHO (2001), aproximadamente, 25% das pessoas que tem depressão crônica acabam suicidando. Entretanto, os custos não se restringem somente às vidas perdidas, mas também existem os associados ao tratamento dos indivíduos com transtornos mentais e comportamentais e dos que se auto-agridem. Nesse sentido, considerando somente as coberturas de saúde feitas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 2002, o porcentual de internações por transtornos mentais e comportamentais representou 2,9% do total de todos os grupos de causas. A psiquiatria e a psiquiatria-hospital-dia foram responsáveis, em 2003, por, aproximadamente, 2,9% do total de internações de todas as especialidades, somando 466,6 milhões de reais e representando quase 8% do total pago por todas as especialidades.3 3 Dados reportados nos anexos deste estudo. Estes dados sugerem que há um grande custo social e econômico decorrente dos transtornos mentais e comportamentais, justificando este estudo. Ademais, no Brasil, há fortes evidências dos retornos positivos da escolaridade para os rendimentos dos indivíduos, mas muito pouco se sabe sobre seu impacto na saúde das pessoas.

São inúmeros os fatores que podem contribuir para o surgimento de sintomas depressivos, entre eles, a educação. O objetivo deste estudo foi, então, o de investigar os efeitos da educação sobre a probabilidade de um indivíduo apresentar sintomas desse transtorno mental. Embora seja provável que a educação tenha apenas um efeito marginal sobre a depressão, se a compararmos com vários outros fatores (Chevalier e Feinstein, 2004), ela é uma das poucas variáveis que pode ser diretamente afetada por políticas públicas que visem melhorar a saúde mental da população.

No Brasil, esta é a primeira investigação empírica da relação entre fatores socioeconômicos e depressão e, especificamente, dos efeitos da educação sobre a probabilidade de um indivíduo apresentar sintomas dessa doença. Lançando luz sobre estas questões, contribui-se para o avanço no conhecimento e discussão sobre a relação entre fatores socioeconômicos e saúde. Ademais, pelo fato de que o Brasil não é apenas marcado por uma grande desigualdade de renda, mas também por uma acentuada desigualdade social em saúde, este estudo é útil para subsidiar o desenho de políticas públicas de educação que visem, além de combater a pobreza, a desigualdade, o trabalho infantil, a criminalidade e outros problemas sociais, também melhorar a saúde da população brasileira.

2 UM PANORAMA DA LITERATURA INTERNACIONAL SOBRE DETERMINANTES DA DEPRESSÃO MENTAL

Nenhum estudo que tenha investigado empiricamente os determinantes da depressão mental foi encontrado na literatura brasileira. Assim, nos parágrafos a seguir concentramo-nos na literatura internacional, que será apresentada brevemente, apenas com o intuito de relatar quais as investigações já realizadas dos fatores que podem afetar a saúde mental dos indivíduos. Essa literatura serviu-nos para fundamentar a escolha das variáveis que, potencialmente, podem implicar depressão mental nos cidadãos brasileiros.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, WHO (2001), diversos fatores podem implicar transtornos mentais, sendo alguns dos principais: pobreza, sexo, idade, conflitos e desastres, a maioria das doenças físicas e o ambiente familiar e social. Muitos estudos têm buscado respaldo empírico para o senso comum do efeito desses e de outros fatores sobre a saúde dos indivíduos. Em relação à saúde mental e, especificamente, em relação à depressão, encontramos diversos estudos que analisam os efeitos dos fatores socioeconômicos. Mirowsky e Ross (1992a), Angel (1992), Mirowsky e Ross (1992b), Mirowsky (1996) e Mirowsky e Ross (2001) investigam a relação existente entre idade e depressão. Os dois últimos ainda analisam, respectivamente, aspectos referentes às diferenças entre homens e mulheres e a influência da privação econômica (miséria) sobre a depressão. Entre aqueles que se empenharam em averiguar como as condições econômicas afetam a saúde mental dos indivíduos aparecem também Ross e Huber (1985), que focam, especificamente, sobre o efeito da miséria econômica, Gory et al. (1990) que estudam a depressão com uma amostra de indivíduos desabrigados (sem-teto) e Dooley et al. (2000) que investigaram os efeitos do subemprego sobre a depressão. Rosenfield (1980) tenta responder o porquê de as mulheres, em geral, serem mais afetadas pela depressão do que os homens. Essa preocupação é recorrente na literatura sobre depressão e pode ser vista também em Newmann (1986), que investigou os efeitos das tensões da vida sobre a depressão. Pearlin e Jonhson (1977) também focaram essa última relação e, adicionalmente, analisam a relação entre o status matrimonial e a depressão. A relação entre casamento e depressão ou estrutura familiar e depressão aparece também em O'Connor (1998), que analisa os efeitos do tipo de família sobre a depressão, especificamente na gravidez. Aneshensel et al. (1981) e Dehle e Weiss (1998), respectivamente, investigam a associação entre a família e a qualidade do casamento com a depressão, e entre o sexo dos indivíduos e a depressão. Davies et al. (1997) estudaram os efeitos da experiência de vida e a depressão, utilizando uma amostra de mães casadas e solteiras. Brown (2000) estudou o efeito do tipo de união sobre o bem-estar psicológico, investigando a depressão entre indivíduos amasiados ou formalmente casados. Contudo, possivelmente, um dos principais fatores que pode implicar depressão é a presença de doenças físicas severas – ver Aneshensel et al. (1984) e Turner e Noh (1988).4 4 Uma discussão qualitativa sobre a relação entre saúde física e mental pode ser vista nos estudos de Galdston (1931) e de Brown (1977). No meio dessa literatura aparece, ainda, Vega et al. (1987), investigando os efeitos da imigração, e Green e Ritter (2000), a relação entre o uso de drogas e a depressão. Por fim, apesar de não focar a depressão, mas as doenças mentais, Kasl e Harburg (1975) é leitura interessante para o entendimento da relação entre ambiente urbano e transtornos mentais.

No tocante à educação, há muitas evidências de seus efeitos sobre os retornos no mercado de trabalho, sobre o comportamento criminoso e sobre a estrutura familiar. Na verdade, essa variável é comumente utilizada como controle na maioria dos estudos empíricos, por influenciar diretamente e indiretamente a vida das pessoas por meio de diversos canais. Feinstein (2002) comenta que existem muitos canais pelos quais educação e outras intervenções de aprendizado podem afetar a saúde. Contudo, são escassos os estudos voltados à investigação de seus efeitos sobre a saúde dos indivíduos.

Feinstein (2002), utilizando dados da UK national cohorts, conclui que há evidências de efeitos positivos e robustos da educação sobre a depressão. Igualmente, Chevalier e Feinstein (2004), utilizando dados individuais longitudinais coletados na Grã-Bretanha, encontram evidências do efeito causal da educação sobre a depressão, concluindo que a educação reduz significativamente o risco de depressão adulta, que a relação entre educação e depressão é não-linear e parece ser mais atuante em indivíduos do sexo feminino. Schuller et al. (2002), utilizando dados de três diferentes áreas da Inglaterra, concluem que a educação pode agir diretamente como uma atividade terapêutica para pessoas com problemas mentais, podendo ajudar os adultos a evitar, minimizar ou tratar a depressão. Há também evidências de que o retorno à escola, para aquelas pessoas que encerraram a vida estudantil e sofrem de algum tipo de doença física ou mental, é importante para a sua recuperação (James, 2003).5 5 Comentários baseados em Aldridge, F.; Lavender, P. Impact of Learning on health. NIACE, 1999.

Por fim, lançamos mão das principais conclusões de Hammond (2002), que empenhou-se numa revisão utilizando os principais trabalhos publicados em anos recentes, os quais investigaram os efeitos da educação sobre a depressão mental. O autor concluiu que: a educação é geralmente mensurada por anos de escolaridade ou por níveis de escolaridade; a correlação entre educação e saúde parece ser bastante robusta e tem sido encontrada mundialmente entre populações de várias idades, rendas e raças; a educação está, geralmente, correlacionada com a felicidade e com menores taxas de depressão, e as inter-relações entre aprendizado, saúde e outras variáveis são extremamente complexas e mutáveis ao longo da vida.

Com base nesta literatura, formamos expectativas a respeito da direção do efeito das variáveis que serão consideradas neste estudo sobre a depressão mental. Estas expectativas serão apresentadas logo após a apresentação precisa das variáveis consideradas exógenas nas estimações dos modelos empíricos.

3 DADOS E AMOSTRA

Os dados utilizados nas estimações deste estudo foram obtidos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) e de seu suplemento especial sobre saúde de 2003. Essa pesquisa é realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e investiga diversas características socioeconômicas de milhares de indivíduos nas cinco grandes regiões do Brasil.

Apesar dessa base de dados impor algumas limitações à investigação empírica da relação entre a educação e depressão, ela também oferece várias vantagens, das quais pelo menos quatro devem ser notadas: a) o tamanho da amostra, que é de milhares de indivíduos aleatoriamente selecionados; b) permitir o controle por diversos fatores que, potencialmente, afetam a probabilidade de um indivíduo apresentar sintomas de depressão; c) permitir que se contorne o potencial problema de erro de medida na variável, o qual surge quando são utilizados dados de saúde auto-reportada, uma vez que a pergunta feita ao indivíduo é se ele tem depressão diagnosticada por médico ou profissional de saúde; d) permitir a redução da possibilidade de as estimações estarem sujeitas a um viés de seleção de amostra, uma vez que a amostra utilizada foi composta tanto por indivíduos depressivos quanto por aqueles que não apresentavam sintomas da doença, possibilitando observar os efeitos das variáveis de interesse em todos os indivíduos, depressivos ou não. Dessa forma, são estimados os efeitos da educação e de outras variáveis sobre a probabilidade de um indivíduo apresentar sintomas de depressão, utilizando como base aqueles que não tinham a doença.

Embora estejam disponíveis as informações sobre o estado de saúde de todos os indivíduos amostrados, nem todas estas observações puderam ser utilizadas. Uma filtragem na amostra precisou ser realizada para contornar alguns problemas inerentes à investigação empírica. Primeiramente, optou-se por excluir os indígenas da amostra e também os pensionistas, empregados domésticos e parentes de empregads domésticos. Segundo, foram excluídos todos os indivíduos que não responderam a pergunta sobre a presença ou não de alguma das doenças crônicas consideradas na pesquisa. Terceiro, foram mantidos na amostra somente aqueles indivíduos que tinham entre 30 e 80 anos. O limite inferior de idade foi adotado para reduzir os potenciais problemas de causalidade reversa que podem surgir entre educação e depressão. Isso é possível se a depressão surgiu durante a idade estudantil do indivíduo, potencialmente, implicando perda de desempenho escolar e abandono precoce da escola. Assim, a hipótese inevitavelmente feita é a de que aos 30 anos o indivíduo já tinha encerrado a sua vida estudantil, e que o surgimento da depressão tenha ocorrido após a escolha educacional e a todas as demais variáveis exógenas do modelo. Obviamente, esse procedimento não é o ideal, pois embora bastante reduzida, ainda permanece a possibilidade de que haja causalidade reversa entre educação e depressão, uma vez que a depressão pode ter surgido, por exemplo, na infância ou adolescência, prejudicando a escolaridade do doente, e ter então persistido durante a idade adulta. Outro fator que deve ser destacado é o de que a exclusão dos indivíduos com idade inferior a 30 anos e superior a 80 anos limita as inferências aos indivíduos na faixa etária considerada nas estimações.

O ideal seria a utilização de algum método para corrigir o potencial problema de endogeneidade devido à causalidade reversa como, por exemplo, o método de variáveis instrumentais. Aventuramo-nos na busca da identificação de alguma variável que fosse correlacionada com a escolaridade, mas que não fosse correlacionada com o termo aleatório da equação de depressão. Porém, não fomos bem sucedidos na identificação de um bom instrumento. Como destaca Menezes-Filho (2001), realmente, esta tarefa é árdua, pois é difícil identificar uma variável que seja claramente não correlacionada com as variáveis omitidas da equação de interesse.

Por fim, todos que tinham renda familiar mensal per capita nula foram excluídos, uma vez que essa variável é transformada em logaritmo nas estimações.

Em função de todos os filtros supracitados, são utilizadas, nas estimações e nas estatísticas descritivas, as informações de 158.098 indivíduos, as quais, ponderadas pelo fator de expansão da amostra, representam aproximadamente 74 milhões de indivíduos distribuídos nas cinco grandes regiões do país.

4 ABORDAGEM AMPÍRICA

4.1 Procedimentos de estimação

A estratégia empírica adotada neste estudo é a estimação por máxima verossimilhança de modelos probit, ponderados pelo fator de expansão da amostra, em que a variável dependente é binária, assumido valor 1, se o indivíduo reportou ter sintomas de depressão6 6 A depressão é considerada, por definição, como uma doença crônica pela PNAD. O tipo da pergunta feita minimiza o viés que poderia surgir caso fosse considerada, o julgamento do próprio entrevistado em relação ao seu estado de saúde mental. diagnosticado por médico ou por profissional da saúde (DEPRES = 1), e 0, em caso contrário (DEPRES = 0).

Por definição, depressão é um estado e não uma doença permanente. Uma pessoa "está" depressiva e não "é" depressiva. Essa doença foi considerada como uma das 11 doenças crônicas investigadas no suplemento especial de saúde da PNAD de 2003.

O teste de razão de verossimilhança foi aplicado para testar a hipótese de que os coeficientes para homens e mulheres são os mesmos.7 7 A estatística de razão de verossimilhança (LR) é LR = , em que é o valor da função de verossimilhança dos modelos não-restritos, e é o valor da função de verossimilhança para o modelo restrito. A estatística LR, sob a hipótese da nulidade (HO), tem distribuição aproximadamente de qui-quadrado com q graus de liberdade, em que q é o número de restrições impostas no modelo. Neste estudo, o valor da função de verossimilhança dos modelos não-restritos é obtido pela soma dos valores das funções de verossimilhança dos modelos estimados separadamente com as observações de indivíduos do gênero masculino e do gênero feminino. A restrição é imposta pelo fato de o modelo ser especificado para não captar possíveis diferenças nos parâmetros em função do gênero do indivíduo. Maiores detalhes sobre o teste podem ser obtidos em Wooldrigde (2002) e Greene (2003). Essa hipótese foi rejeitada devido ao alto valor do teste e, portanto, são estimadas e analisadas equações de depressão separadamente para homens e mulheres.

4.2 Variáveis exógenas

Entre os diversos fatores que podem levar à depressão mental, alguns dos principais são os traumas decorrentes de tragédias, problemas amorosos e/ou familiares, assim como dificuldades financeiras e/ou profissionais. Por exemplo, a perda de um ente querido, de um amor, ou um endividamento podem conduzir uma pessoa à depressão. Buscamos controlar, com base na literatura especializada, os fatores que podem alterar a probabilidade de uma pessoa desenvolver a depressão mental. Contudo, obviamente, dificuldades foram encontradas, sendo talvez a maior delas a impossibilidade de controlar possíveis traumas sofridos durante a vida do indivíduo, as quais pudessem ter colaborado para o desenvolvimento da doença. Entretanto, é bastante plausível que tais efeitos estão indiretamente embutidos em algumas das variáveis que serão apresentadas a seguir, como na renda, no estado conjugal, no número de membros da família, etc. Por exemplo, pessoas de maior escolaridade possivelmente procuram ajuda médica logo que se julguem com problemas de saúde. Pessoas de maior renda familiar per capita têm fácil acesso a consultórios particulares, profissionais especializados e medicamentos necessários, que são relativamente caros para pessoas de baixa renda. Pessoas que vivem com outros membros da família desfrutam de um maior apoio e, portanto, se sentem mais seguras e motivadas a buscar ajuda profissional, e assim por diante.

Há duas possibilidades para controlar os efeitos da escolaridade: utilizar a variável em anos de estudo ou em níveis de escolaridade. O problema com a variável em anos de estudo é que um ano adicional de escolaridade, por exemplo, no ensino fundamental, possivelmente tem impacto distinto do que um ano adicional no ensino médio ou superior. Assim, em muitos estudos tem-se lançado mão da variável escolaridade em categorias (níveis educacionais) ao invés da variável em anos de estudo. Devido a fortes evidências já observadas pela literatura empírica, neste estudo também utilizamos a variável que mensura categorias de escolaridade. Desta forma, para captar os diferentes impactos que níveis distintos de educação podem ter sobre a probabilidade de um indivíduo apresentar sintomas de depressão, definimos as variáveis que refletem a escolaridade dos indivíduos como: completou 4 anos ou mais de estudo (EDU4), completou 8 anos ou mais de estudo (EDU8), completou 11 anos ou mais de estudo (EDU11) e completou 15 anos ou mais de estudo (EDU15), com a variável menos de 4 anos omitida.

Dada a grande importância da variável escolaridade neste estudo, o leitor dever estar atento ao fato de que os efeitos da educação sobre a probabilidade de um indivíduo da amostra selecionada estar em estado depressivo são medidos de forma cumulativa.

Em relação ao efeito da escolaridade sobre a probabilidade de um indivíduo desenvolver sintomas depressivos podemos representar o modelo como: DEPRES = b0 +b1EDU4+b2EDU8+b3EDU11+b4EDU15. O efeito de uma educação de menos do que 4 anos é embutido no termo constante (b0). Seguindo isso, o efeito de uma educação de pelo menos 4 anos e menos do que 8 anos é b0 + b1; de pelo menos 8 anos e menos de 11 anos é b0 + b1 + b2 ; de pelo menos 11 anos e menos de 15 é b0 + b1 + b2 + b3 , e de 15 anos ou mais é b0 + b1 + b2 + b3 + b4. Desta forma, como destacado anteriormente, os efeitos da educação são cumulativos. Por exemplo, um indivíduo não pode ter completado 15 anos de escolaridade sem ter completado os demais níveis de escolaridade.

Adicionalmente, com o objetivo de investigar a estabilidade dos resultados, são estimados modelos em que essas variáveis são substituídas, respectivamente, pela variável escolaridade em anos de estudo (ESCOL).

Apesar de não haver um consenso na pouca literatura existente, a priori, esperamos que haja uma relação negativa entre educação e depressão. Contudo, a existência de efeitos distintos para cada nível de escolaridade é uma hipótese bastante plausível, a qual será verificada empiricamente.

As demais variáveis exógenas utilizadas para controle são: urbano, i.e., se o indivíduo reside em área urbana (URBAN); casado, i.e., se o indivíduo vivia conjugalmente com ou sem vínculo matrimonial (CASAD); chefe de família, i.e., se o indivíduo é a pessoa de referência da família8 8 Auto-intitulada ou indicada pelos outros membros como sendo a pessoa de referência da família. (RESP); doenças físicas crônicas, i.e., se o indivíduo tem pelo menos uma das doenças físicas crônicas consideradas9 9 Doenças físicas crônicas diagnosticadas por médico ou por profissional da saúde, a saber: problema crônico na coluna ou nas costas, artrite ou reumatismo, câncer, diabetes, bronquite ou asma, hipertensão, doença do coração, insuficiência renal crônica, tuberculose, tendinite ou tenossinovite e cirrose. (DOENT); idade (IDAD); idade ao quadrado10 10 Uma análise explanatória prévia dos dados de idade e depressão mostrou que a curva idade-depressão é uma parábola com concavidade voltada para baixo. (IDAD^2); número de membros na família (FAM), e o logaritmo da renda familiar mensal per capita (REND). Ademais, foram utilizadas variáveis binárias para controlar possíveis diferenças na probabilidade de depressão devido à região de residência (Sudeste foi omitida) e cor ou raça dos indivíduos (Branca foi omitida).

Com base na literatura existente e no senso comum, esperamos efeitos positivos para variáveis URBAN, DOENT e IDAD. Efeitos negativos são esperados paras as variáveis CASAD, RESP, IDAD^2 e REND. Nenhuma expectativa é feita para a existência ou não de efeitos regionais e de raça. Deve ficar claro para o leitor que, apesar das relações existentes entre estas variáveis e a probabilidade de desenvolver sintomas depressivos ser extremamente interessante, neste estudo o interesse recai sobre os efeitos da educação, por ser o único fator que, potencialmente, pode ser afetado por políticas públicas.

Uma vez que existem diversos fatores que podem aumentar a probabilidade de um indivíduo apresentar sintomas depressivos, alguém poderia sugerir que a condição de ocupação – desempregado ou empregado –, o tipo de trabalho e o salário recebido no mercado de trabalho são, potencialmente, fatores que influenciam a saúde mental de um indivíduo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (2001), isso realmente pode ocorrer. Porém, pela própria definição de depressão, o inverso também pode ser verdadeiro, pois os indivíduos depressivos tendem a ser menos produtivos e, conseqüentemente, ter menores retornos no mercado de trabalho, maior probabilidade de ficar desempregado e, portanto, sem rendimentos salariais. É possível que, em virtude destes fatores, decorram piores condições de vida. Também é verdade que algumas pessoas que são severamente afetadas pela doença tornam-se algumas vezes incapazes de trabalhar. Ademais, há fortes evidências de que essas variáveis são fortemente correlacionadas com o nível de educação. Para contornar estes problemas, não empregamos a condição de ocupação e nem salários como variáveis explicativas nas equações estimadas. Assim, das variáveis que foram apresentadas acima, a única que, hipoteticamente, procede sucede à escolha educacional do indivíduo é o logaritmo da renda familiar mensal per capita. Desta forma, é especificado neste estudo um modelo simples no qual a probabilidade de apresentar sintomas depressivos é função do nível de escolaridade e de um conjunto de características individuais de períodos concomitantes ou que antecedem à decisão de escolaridade.

Adicionalmente, para verificar se a agregação de todas as doenças em uma única variável (DOENT) não causou inversão da relação entre doenças físicas crônicas e depressão, estimou-se equações em que foram consideradas como variáveis independentes as 11 doenças crônicas que compõem essa variável.

A Tabela 4.1 reporta a média e o desvio padrão das variáveis utilizadas nas estimações das equações para homens e mulheres. Deve-se notar que, do total da amostra selecionada, 4% dos homens tinham depressão na época da pesquisa, enquanto 11% das mulheres apresentavam a doença, sugerindo que as mulheres são mais afetadas pela depressão.11 11 Rosenfield (1980) investiga as diferenças do sexo na depressão e o porquê de as mulheres sempre apresentarem taxas maiores do que os homens. Isso nos leva a uma aparente contradição, pois apesar de a taxa de suicídios mostrar-se significativamente maior entre os homens, a taxa de pessoas depressivas é maior entre as mulheres, como pode ser visto pelos dados apresentados nesta tabela. Como destacado na Introdução deste estudo, aproximadamente 25% das pessoas depressivas acabam cometendo suicídio. Diversos outros fatores podem levar uma pessoa a tirar a própria vida, entre eles: o diagnóstico de doenças como a AIDS, vícios de bebidas e drogas, e problemas de ordem financeira. No entanto, estes fatores também podem implicar depressão. No Brasil, a taxa de incidência de novos casos diagnosticados de AIDS é, ao longo dos anos, significativamente maior entre os homens (ver Anexo 2 Anexo 2 ). Ademais, a maior parte dos chefes de família são homens, que são, em geral, os que mais sofrem pressão quando se defrontam com dificuldades financeiras devido à perda de emprego, falência, etc. Além disso, pesquisas mostram que a utilização de bebidas alcoólicas e de drogas ilícitas atinge principalmente os homens, sendo que ambas as substâncias podem potencializar o comportamento suicida. Contudo, obviamente, essa aparente contradição pode ter justificativas muito mais complexas das apresentadas aqui, assim uma grande contribuição poderia ser dada por um estudo que tivesse como intuito investigar essa questão.

5 ANÁLISE DESCRITIVA DOS DADOS

Nessa seção é traçado o perfil dos indivíduos depressivos e não-depressivos que compõe a amostra selecionada para as estimações econométricas. Ressalta-se que todas as estatísticas estão ponderadas pelo fator de expansão da amostra. Estas análises serão úteis para a interpretação dos resultados, que são apresentados na próxima seção deste estudo.

Muitos estudos têm concluído que ambos os gêneros são igualmente afetados pela maioria dos transtornos mentais e comportamentais mais severos, sendo que uma das poucas exceções é a depressão, a qual é mais comum entre as mulheres (WHO, 2004).

Pode-se ver na Tabela 5.1 que, da amostra total, aproximadamente 52,8% são mulheres e 47,2% são homens. Condicional a não ter depressão, aproximadamente 51% são mulheres e 49% são homens, ou seja, não há uma diferença significativa. Contudo, dos que tinham depressão, aproximadamente 75,4% são mulheres e 24,6% são homens. Embora essa análise seja bastante simplista, ela sugere que, por algum motivo, as mulheres são mais propensas a apresentar sintomas de depressão.

A Tabela 5.2 evidencia que homens e mulheres não-depressivos têm, em média, aproximadamente seis anos de escolaridade. Contudo, condicionando-se a ter depressão, essa média é menor para ambos os sexos.

Diferentemente das mulheres, os homens depressivos tinham, em média, renda familiar mensal per capita mais alta do que os não-depressivos. Também nota-se que, independentemente do sexo, a média de idade é maior entre os indivíduos com depressão e o número médio de membros que compõe a família é menor.

Pelos dados da Tabela 5.3, percebe-se que a maior parte dos indivíduos depressivos, independentemente do sexo, eram pessoas casadas e membros de famílias compostas por dois ou mais indivíduos, o que pode ser considerado normal. Contudo, condicional a não ter depressão, esse porcentual aumenta substancialmente.

Também há um aumento significativo no porcentual de não-depressivos que faziam parte de uma família composta por cinco ou mais indivíduos, e uma queda significativa na participação daqueles que viviam sozinhos, indicando que a solidão é supostamente um determinante da depressão.

Outra evidência é que o porcentual de homens na condição de chefes de família é menor entre os depressivos. No entanto, a participação de mulheres chefes de família, no total das que tinham depressão, é maior relativamente àquelas que não tinham a doença.

O porcentual de indivíduos com residência urbana, independentemente do sexo, é maior entre aqueles que apresentavam sintomas da doença. De acordo com os dados reportados na Tabela 5.4, aproximadamente 88,4% dos homens e 89,8% das mulheres que tinham a doença residiam em áreas urbanas. Contudo, esses porcentuais são menores entre os indivíduos não-depressivos.

De acordo com os dados reportados na Tabela 5.5, aproximadamente 41,3% dos homens não-depressivos tinham pelo menos algum tipo das doenças físicas crônicas consideradas neste estudo. Esse porcentual aumenta substancialmente para aproximadamente 75,4% entre os homens com depressão. No caso das mulheres depressivas, aproximadamente 80% reportaram ter pelo menos alguma das doenças físicas crônicas, diagnosticada por médico ou profissional da saúde, enquanto aproximadamente 50% das não-depressivas tinham pelo menos alguma das doenças no período concomitante à depressão. Essas grandes variações sugerem que há uma forte ligação entre doenças físicas crônicas e depressão.

Observando-se os dados reportados na Tabela 5.6, nota-se que a participação porcentual dos indivíduos de cor branca é maior entre depressivos do que entre não-depressivos. Sendo que, para todas as demais raças, há uma queda na participação relativa quando comparamos indivíduos depressivos com os não-depressivos. Isso é verificado tanto para homens quanto para mulheres, sugerindo que os de cor branca são mais afetados pela doença do que indivíduos de outras raças.

Em relação à região de residência, de acordo com os dados da Tabela 5.7, há um aumento no porcentual dos homens e mulheres que residem nas regiões Sul, Nordeste e Centro-Oeste do país, tratando-se dos depressivos comparativamente aos não-depressivos. Contudo, há uma redução no porcentual dos que residem nas regiões Sudeste e Norte do Brasil.

6 RESULTADOS E DISCUSSÕES

As Tabelas 6.1 e 6.2, respectivamente, reportam as equações de depressão estimadas para homens e mulheres. Os valores apresentados são os efeitos marginais.12 12 O desvio padrão dos coeficientes estimados não é reportado. Entretanto, esses valores podem ser obtidos com os autores.

Pouca diferença é observada nas estimativas ao passarmos do modelo básico (modelo a) para os demais modelos (modelo b e modelo c), em que foram empregadas as variáveis de escolaridade em anos de estudo e os 11 tipos de doenças que compõem a variável DOENT. Os resultados são reportados apenas com o intuito de mostrar a estabilidade das estimativas ao alterarmos o conjunto de regressores. Como nenhuma diferença significativa nos resultados foi observada, são analisados apenas os resultados do modelo básico.

A literatura internacional, em geral, tem pressuposto que a educação é um fator de proteção à depressão e fator determinante de um tratamento eficaz. Os resultados obtidos vão ao encontro destas pressuposições. O efeito negativo da educação sobre a probabilidade de apresentar sintomas depressivos surge nos homens a partir de 11 anos de estudo e nas mulheres a partir de 8 anos. Ressalta-se que ter 15 anos ou mais de estudo pode reduzir significativamente a probabilidade de uma mulher ter a doença. Em termos de efeito marginal, essa redução seria de 0,0156. No entanto, para saber o impacto líquido da educação sobre a probabilidade de ter depressão, é necessário somar os coeficientes estimados das variáveis de escolaridade por níveis, uma vez que, da forma que foram definidas, os efeitos da educação são cumulativos. Fazendo isso, percebe-se que ter 15 anos ou mais de estudo reduz o risco de depressão em 0,0322 nas mulheres e em 0,00081 nos homens. Pelos efeitos cumulativos da educação sobre a depressão, percebe-se que, apesar de as mulheres terem efeitos líquidos negativos a partir de 8 anos de estudo, nos homens, uma redução líquida no risco de ter depressão ocorre somente quando completam 15 anos de estudo.

Os resultados obtidos, utilizando a mensuração alternativa para a educação (colunas b), mostraram que, tratando-se dos homens, não há relação entre educação e depressão. No caso das mulheres, há uma relação inversa entre a educação e essa doença. Entretanto, esses resultados são válidos sob a pressuposição de que o efeito da educação é o mesmo para todos os níveis de escolaridade. Mas os resultados do modelo básico indicam que a direção e o tamanho desse efeito são diferentes para cada nível de escolaridade completado pelo indivíduo.

A educação tem sido objeto de muitos estudos empíricos por ter diversos efeitos sobre a vida das pessoas, especialmente pelos seus retornos positivos em termos de geração de renda e emprego; sendo que esses retornos em escolaridade influenciam a saúde física e mental dos indivíduos. Sabe-se também que a educação exerce efeitos diretos e indiretos sobre a saúde dos indivíduos. A literatura cita que os efeitos da educação sobre a saúde surgem por diversos canais, entre eles: fatores econômicos, adoção de comportamentos saudáveis, desenvolvimento e manutenção do poder de recuperação. Deve ser considerado, também, que pessoas mais educadas se comunicam melhor com os profissionais de saúde, podendo ajudar no diagnóstico e tratamento da doença.

Um fator que, supostamente, afeta a saúde mental dos indivíduos é o seu padrão de vida. Utilizamos a renda familiar mensal per capita como proxy para essa variável. Os resultados indicaram que há uma relação inversa entre padrão de vida e probabilidade de indivíduos, de ambos os sexos, terem depressão.

A depressão é um transtorno mental que pode surgir em qualquer momento da vida de um indivíduo. Porém, com base na literatura empírica, esperava-se a priori uma relação positiva entre idade e depressão. Essa expectativa foi reforçada pelos dados da Tabela 5.2 (p. 10), segundo os quais, independentemente do sexo, a média de idade entre pessoas depressivas é maior do que entre não-depressivas. Suspeitava-se, também, que essa relação fosse não-linear. Para testar essa hipótese, incluímos nas equações a variável de idade elevada ao quadrado, para permitir que a equação seguisse uma forma parabólica. Independentemente do sexo, ambas as expectativas foram confirmadas pelos resultados, segundo os quais, quanto maior a idade do indivíduo, maior é o risco de a depressão surgir, sendo que a curva idade-depressão tem concavidade voltada para baixo. Pelos resultados observados, a probabilidade de um homem ter depressão aumenta em 0,00162 por ano de idade adicional. Para as mulheres, no entanto, esse aumento é de 0,00432. Portanto, a idade parece ter efeitos mais fortes nas mulheres, no que diz respeito ao surgimento da doença.

De acordo com Vlahov et al. (2002), vários pesquisadores têm investigado os impactos da crescente urbanização das cidades sobre a saúde das pessoas. Entretanto, os resultados são contraditórios.13 13 Ver Paykel et al. (2002), Parikh et al. (1996), Blazer et. al (1985), Blazer et al. (1994) e Hwu H-G et al. (1989). As referências bibliográficas completas podem ser obtidas em Vlahov et al. (2005). Neste estudo, observou-se que indivíduos que residem no meio urbano, independentemente do sexo, têm maior probabilidade de ter depressão. Contudo, esse fator exerce uma força maior nas mulheres, pois, segundo os resultados das estimações, morar em regiões urbanizadas incrementa o risco de depressão em, aproximadamente, 0,00921 nos homens e em 0,0247 nas mulheres.

Um outro fator que pode implicar perda de saúde mental e, mais especificamente, surgimento de sintomas de depressão, é o aspecto referente à estrutura familiar. Neste estudo, foram utilizadas algumas variáveis na tentativa de controlar os efeitos da família sobre a probabilidade de um indivíduo apresentar a doença, a saber: o número de membros da família, se é casado e se é o responsável pela família.

O coeficiente estimado para a variável que controla o número de membros da família é negativo, tanto para os homens quanto para as mulheres, indicando que, quanto maior for o tamanho da família (residente no mesmo domicílio), menor é a probabilidade de um indivíduo, de ambos os sexos, apresentar sintomas de depressão. Contudo, o efeito é mais forte nas mulheres. Um membro adicional na família reduz o risco em 0,0025 nos homens e em 0,0085 nas mulheres. Estar casado exerce efeito apenas na probabilidade de um homem apresentar a doença. Quanto a ser chefe de família, os resultados indicaram que a direção do efeito sobre a depressão depende do sexo do indivíduo. Ser chefe de família aumenta a probabilidade de uma mulher apresentar sintomas de depressão em 0,0153, comparativamente às que ocupam outras posições dentro da família. Contudo, entre os homens, esse efeito é negativo, pois estar na condição de chefe de família implica redução de aproximadamente 0,005 no risco de depressão. Este último resultado é muito interessante e pode ser sustentado por diversos argumentos. Há diversas situações que podem levar uma mulher a assumir a condição de chefe da família, entre elas: se vive com os filhos ou outras pessoas da família, mas é solteira, separada, divorciada ou viúva; se é casada, mas o cônjuge tem problemas físicos ou mentais que o impedem de trabalhar e gerar renda; ou se é casada, mas, devido a vícios, como drogas e bebidas alcoólicas, o seu cônjuge não contribui com a renda familiar por não trabalhar ou pouco contribui por ter baixos rendimentos no mercado de trabalho, devido à perda de produtividade e outros fatores colaterais dos vícios. Nesses casos, em geral, a responsabilidade da família recai sobre a mulher, que pode se sentir pressionada tanto por questões de ordem econômica quanto por questões culturais, tornando-se mais propensa à depressão. No caso dos homens, é plausível pensar que se sentem melhores quando vistos como chefes de família. Isso decorre, em boa parte, da cultura da supremacia masculina, pois a sociedade, em geral, entende que essa posição deve ser exercida pelo homem.

Sabe-se que a maioria dos transtornos mentais e comportamentais ocorre por influência de doenças físicas (WHO, 2004). Assim, é possível que pessoas que apresentam algum outro tipo de doença física crônica tenham maior probabilidade de ter depressão. Isso pode ocorrer por diversos motivos, inclusive econômicos, pois uma doença física crônica severa pode implicar sérias restrições financeiras ao doente e aos seus familiares. Além disso, muitas vezes, pessoas com problemas crônicos de saúde física já enfrentam graves problemas com a perda de produtividade, restrições de lazer e atividades físicas, bem como sofrem pela discriminação da sociedade e com o forte sentimento de incapacidade. Assim, esperava-se a priori uma relação positiva entre a presença de doenças físicas crônicas e a depressão. Essa expectativa é também fundamentada nos dados da Tabela 5.5 (p. 12), segundo os quais, a maior parte dos depressivos, homens ou mulheres tinham alguma outra doença crônica no mesmo período. Tanto os resultados gerados pela estimação do modelo básico, que considera todas as 11 doenças físicas crônicas agregadas em uma única variável, quanto os gerados pela estimação do modelo que utiliza as doenças desagregadas (modelo c), fornecem fortes evidências de que homens e mulheres que têm alguma doença física crônica são mais propensos a ter depressão do que aqueles em melhor estado de saúde física. Ademais, dentre todas as variáveis, essa foi a que apresentou o maior efeito sobre a probabilidade de ter depressão para ambos os sexos. Ser portador de pelo menos alguma das doenças consideradas eleva em 0,0478 o risco de um homem apresentar sintomas depressivos, comparativamente àqueles em melhor estado de saúde. No caso de ser do sexo feminino, este incremento é de 0,107. Assim, essa variável também parece ter efeito mais forte sobre as mulheres do que sobre os homens. Tais resultados podem servir de auxílio para uma discussão mais aprofundada das relações entre o estado de saúde física e mental por profissionais da área de saúde.

Por fim, conclui-se que há efeitos regionais e de cor ou raça afetando a probabilidade de depressão para ambos os sexos. Tanto para os homens quanto para as mulheres, após todos os controles, aqueles de cor amarela, parda ou preta apresentam menor probabilidade de apresentar sintomas depressivos em relação aos de cor branca. O fato de residir na região Sul, Nordeste ou Centro-Oeste pode elevar o risco de um homem ou mulher apresentar sintomas de depressão relativamente aos indivíduos que residem na região Sudeste do Brasil. Contudo, para homens e mulheres, residir no Norte não afeta a sua probabilidade de apresentar sintomas depressivos comparativamente ao caso de residirem na região Sudeste do país.

7 CONCLUSÕES

Os dados revelaram que a incidência de depressão é maior entre as mulheres. Ademais, a hipótese de que o efeito das variáveis utilizadas independe do sexo do indivíduo foi rejeitada. Os resultados das estimações confirmaram que o efeito das variáveis consideradas depende fortemente do sexo do indivíduo. Em geral, observou-se que esses efeitos são mais fortes nas mulheres, sendo o casamento a única exceção.

Os resultados indicaram que, para ambos os sexos, há uma relação positiva entre idade e depressão até uma determinada idade, a partir da qual há uma relação negativa entre ambas.

Em relação aos aspectos familiares, é interessante ressaltar que a solidão é supostamente um fator de risco, dado que o porcentual de homens e mulheres que moravam sozinhos é significativamente maior entre indivíduos que tinham depressão. O casamento mostrou-se como fator de proteção à depressão para os homens, mas não para as mulheres. Também ser chefe de família reduz o risco de ter depressão entre os homens, mas aumenta no caso das mulheres.

A renda familiar mensal per capita mostrou-se como um fator de proteção à depressão, tanto para os homens quanto para as mulheres. No entanto, os dados revelaram que ela é maior entre os homens com depressão relativamente aos não-depressivos.

Os resultados indicaram que há uma forte relação positiva entre doenças físicas crônicas e depressão, fornecendo evidências empíricas que corroboram a conclusão do estudo da Organização Mundial da Saúde14 14 WHO, 2001. de que, em boa parte, doenças mentais decorrem de algum tipo de doença física crônica.

Constatou-se também que efeitos regionais e de raça influenciam a probabilidade de um indivíduo de ambos os sexos apresentar sintomas de depressão.

Verificou-se que o efeito da educação sobre a depressão depende do nível de escolaridade alcançado pelo indivíduo, e que atingir níveis elevados de educação reduz o risco de ter depressão.

Alguns fatos observados devem ser investigados por novos estudos. Será interessante responder, por exemplo, o porquê estar casado causa uma redução no risco de depressão nos homens, mas não causa efeito nas mulheres, e o porquê ser chefe de família implica redução no risco de depressão nos homens, mas incrementa no caso das mulheres. Ressalta-se, também, que uma boa estratégia empírica para novos estudos é utilizar técnicas e dados que permitam controlar por efeitos individuais não-observáveis que podem implicar depressão.

Por fim, conclui-se que políticas públicas voltadas à educação podem ser eficientes, também para melhorar a saúde da população e, conseqüentemente, o seu bem-estar.

Recebido em abril de 2006. Aceito em fevereiro de 2007.

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Anexo 2

  • *
    Os autores agradecem a Sérgio Carlos de Carvalho e aos dois pareceristas anônimos pelas sugestões feitas nas versões preliminares deste estudo. Obviamente, quaisquer erros e omissões remanescentes são de inteira responsabilidade dos autores.
  • 1
    World Health Organization.
  • 2
    Segundos a WHO (2001), aproximadamente, 25% das pessoas que tem depressão crônica acabam suicidando.
  • 3
    Dados reportados nos anexos deste estudo.
  • 4
    Uma discussão qualitativa sobre a relação entre saúde física e mental pode ser vista nos estudos de Galdston (1931) e de Brown (1977).
  • 5
    Comentários baseados em Aldridge, F.; Lavender, P.
    Impact of Learning on health. NIACE, 1999.
  • 6
    A depressão é considerada, por definição, como uma doença crônica pela PNAD. O tipo da pergunta feita minimiza o viés que poderia surgir caso fosse considerada, o julgamento do próprio entrevistado em relação ao seu estado de saúde mental.
  • 7
    A estatística de razão de verossimilhança (LR) é LR =
    , em que
    é o valor da função de verossimilhança dos modelos não-restritos, e
    é o valor da função de verossimilhança para o modelo restrito. A estatística LR, sob a hipótese da nulidade (HO), tem distribuição aproximadamente de qui-quadrado com q graus de liberdade, em que q é o número de restrições impostas no modelo. Neste estudo, o valor da função de verossimilhança dos modelos não-restritos é obtido pela soma dos valores das funções de verossimilhança dos modelos estimados separadamente com as observações de indivíduos do gênero masculino e do gênero feminino. A restrição é imposta pelo fato de o modelo ser especificado para não captar possíveis diferenças nos parâmetros em função do gênero do indivíduo. Maiores detalhes sobre o teste podem ser obtidos em Wooldrigde (2002) e Greene (2003).
  • 8
    Auto-intitulada ou indicada pelos outros membros como sendo a pessoa de referência da família.
  • 9
    Doenças físicas crônicas diagnosticadas por médico ou por profissional da saúde, a saber: problema crônico na coluna ou nas costas, artrite ou reumatismo, câncer, diabetes, bronquite ou asma, hipertensão, doença do coração, insuficiência renal crônica, tuberculose, tendinite ou tenossinovite e cirrose.
  • 10
    Uma análise explanatória prévia dos dados de idade e depressão mostrou que a curva idade-depressão é uma parábola com concavidade voltada para baixo.
  • 11
    Rosenfield (1980) investiga as diferenças do sexo na depressão e o porquê de as mulheres sempre apresentarem taxas maiores do que os homens.
  • 12
    O desvio padrão dos coeficientes estimados não é reportado. Entretanto, esses valores podem ser obtidos com os autores.
  • 13
    Ver Paykel
    et al. (2002), Parikh et al. (1996), Blazer
    et. al (1985), Blazer et al. (1994) e Hwu H-G
    et al. (1989). As referências bibliográficas completas podem ser obtidas em Vlahov
    et al. (2005).
  • 14
    WHO, 2001.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Abr 2007
    • Data do Fascículo
      Mar 2007

    Histórico

    • Aceito
      Fev 2007
    • Recebido
      Abr 2006
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