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A relação entre o desempenho da carreira no mercado de trabalho e a escolha profissional dos jovens

Resumos

Este artigo examina como o desempenho relativo no mercado de trabalho de cada profissão afeta a escolha profissional dos futuros universitários. O desempenho no mercado de trabalho é medido pela média e pelo desvio padrão dos salários recebidos por profissão e pela sua taxa de desemprego no censo demográfico nos anos próximos ao vestibular. O número de pleiteantes a ingresso na carreira é medido pelo número de inscritos no exame da Fuvest. Utiliza-se dados em painel para os anos de 1991 e 2000 para controlar pelo efeito específico de cada profissão. Os resultados apontam para um efeito positivo e robusto do salário médio da profissão sobre a escolha profissional, que persiste na análise de painel, e para efeitos negativos da dispersão salarial da renda e do desemprego que, no entanto, não se mostraram significantes.

carreiras; profissões; mercado de trabalho; renda; Fuvest


This paper examines the relative performance of individuals in each profession affects the demand for this profession by college entrants. The performance in the labor market is measured by the mean and standard deviation of wages earned by individuals in each profession and by the unemployment rate in the census in the years close to the entrance exam. The demand for the profession is measured by the number of students enrolled in the entrance exam in each career. We use panel data for the years of 1991 and 2000 to control for the specific effect of each career. The results show a positive and robust effect of the average income on the demand for the profession, which persists even in the panel data analysis, and negative effects of the wage dispersion and unemployment, which were not robust, however.

careers; professions; labor market; income; Fuvest


ARTIGOS

A relação entre o desempenho da carreira no mercado de trabalho e a escolha profissional dos jovens

Otávio BartalottiI; Naércio Menezes-FilhoII

IMestre em Economia pela EESP/FGV-SP. Doutorando em Economia na MSU. E-mail: ocbartalotti@hotmail.com

IIProfessor associado do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo e do IBMEC-SP. E-mail: naercioamf@isp.edu.br

Endereço para contato Endereço para contato: IBMEC-SP Rua Quatá, 300 São Paulo - SP - CEP: 04646-042

RESUMO

Este artigo examina como o desempenho relativo no mercado de trabalho de cada profissão afeta a escolha profissional dos futuros universitários. O desempenho no mercado de trabalho é medido pela média e pelo desvio padrão dos salários recebidos por profissão e pela sua taxa de desemprego no censo demográfico nos anos próximos ao vestibular. O número de pleiteantes a ingresso na carreira é medido pelo número de inscritos no exame da Fuvest. Utiliza-se dados em painel para os anos de 1991 e 2000 para controlar pelo efeito específico de cada profissão. Os resultados apontam para um efeito positivo e robusto do salário médio da profissão sobre a escolha profissional, que persiste na análise de painel, e para efeitos negativos da dispersão salarial da renda e do desemprego que, no entanto, não se mostraram significantes.

Palavras-chave: carreiras, profissões, mercado de trabalho, renda, Fuvest.

ABSTRACT

This paper examines the relative performance of individuals in each profession affects the demand for this profession by college entrants. The performance in the labor market is measured by the mean and standard deviation of wages earned by individuals in each profession and by the unemployment rate in the census in the years close to the entrance exam. The demand for the profession is measured by the number of students enrolled in the entrance exam in each career. We use panel data for the years of 1991 and 2000 to control for the specific effect of each career. The results show a positive and robust effect of the average income on the demand for the profession, which persists even in the panel data analysis, and negative effects of the wage dispersion and unemployment, which were not robust, however.

Key words: careers, professions, labor market, income, Fuvest.

JEL Classification: J24.

1. INTRODUÇÃO

A importância da educação na determinação do desenvolvimento, produtividade e desigualdade de renda nas nações é tema constante na literatura econômica. Especialmente no Brasil, o debate sobre o papel das desigualdades educacionais na concentração de renda se faz presente desde a década de 1970. Menezes-Filho (2001) aponta que a educação "explica" 26% dos diferenciais de rendimento e 40% dos diferenciais de rendimento do trabalho ajustados pela jornada de trabalho no Brasil. As parcelas explicadas se mantiveram constantes durante a década de 1980 apesar da ligeira redução observada nos diferenciais neste período. Desta forma, a redução das diferenças educacionais seria importante para a eliminação da desigualdade salarial brasileira.

No Brasil, a taxa de retorno da educação é relativamente elevada, da ordem de 12,9%, tendo declinado desde o final da década de 1970. (Menezes-Filho 2001). Todavia, diversos estudos apontam que o comportamento das taxas de retorno da educação varia consideravelmente dependendo do nível educacional, de acordo com a oferta e demanda relativas por mão-de-obra dos diferentes níveis possíveis de instrução.

Andrade (2003) afirma que as novas gerações apresentam uma proporção menor de pessoas com instrução superior. Isto, associado ao aumento da demanda por mão-de-obra qualificada, levou à elevação do diferencial salarial entre trabalhadores qualificados e intermediários na década de 1990. As ofertas relativas de trabalhadores com nível intermediário e qualificado, relativamente aos não qualificados, cresceram continuamente durante o período 1981-1999. Entretanto, a oferta relativa de trabalho qualificado está em trajetória de queda, o que conduz à idéia de que o grande problema da educação no Brasil está na passagem do ensino médio para o ensino superior. (Andrade, 2003 e Narita e Fernandes, 2000).

Todavia, a educação superior, ao contrário dos níveis anteriores, tem um caráter mais profissionalizante e é subdividida em diversos cursos. Narita e Fernandes (2000) mostram que há grandes diferenças entre os retornos salariais dos diferentes cursos. Cada especialidade desenvolvida no ensino superior parece possuir demanda e oferta específica. Isto levanta uma importante questão que este trabalho pretende explorar: até que ponto o desempenho salarial de profissionais de uma carreira influencia a escolha por um determinado curso de graduação por parte dos indivíduos?

Surpreendentemente, apesar de sua relevância, este tópico não é muito explorado na literatura econômica nacional e internacional1 1 Na literatura internacional, Arcidiacono (2004) se destaca nos esforços de compreensão e mensuração dos determinantes da escolha do major cursado por alunos nas Universidades norte-americanas. , que usualmente se limita a tentar auferir a existência e intensidade do prêmio salarial proporcionado por cada escolha de formação superior.

Este estudo se divide em sete seções, incluindo-se esta introdução. Na segunda seção, é descrito o arcabouço teórico que embasa a análise e o modelo desenvolvidos. Na terceira seção, é discutido de maneira mais abrangente o processo de escolha de carreira pelos indivíduos e os fatores que influenciam essa decisão. A Seção 4 dedica-se à apresentação dos dados, suas fontes e faz uma breve descrição das diferentes perspectivas salariais e de empregabilidade que cada curso oferece. Na Seção 5 e 6, são efetuados os exercícios econométricos que buscam testar a relação entre a busca pelo ingresso em uma carreira no ensino superior e seus determinantes. Finalmente, na sétima seção são sumarizadas as conclusões do estudo.

2. TEORIA DE DEMANDA POR EDUCAÇÃO

A teoria do capital humano, a partir da década de 1960 e 1970, tornou a demanda por educação um campo de pesquisa central dentro da economia do trabalho. Ehrenberg e Smith (2000) definem capital humano como: "a expressão que conceitua os trabalhadores como incorporadores de uma série de habilitações que podem ser 'alugadas' aos empregadores." (p. 319)

Quanto maior o "estoque" de capital humano de um trabalhador, maior será sua remuneração, que tem seu valor definido pelo preço no mercado de trabalho da capacidade produtiva destas qualificações. A educação é investimento em capital humano, gerando melhoria na capacidade do trabalhador, aumento de sua produtividade e, portanto, possibilitando maiores rendimentos.

Adquirir este capital possui custos: despesas à vista, que incluem mensalidades escolares e livros, por exemplo; os ganhos cedidos ou custo de oportunidade, compostos pelo que se deixa de ganhar no mercado de trabalho ao investir em educação, e as perdas psicológicas, associadas à dificuldade em obter educação. A decisão de investir em capital humano está associada à comparação dos benefícios advindos da elevação do seu estoque de capital humano e os custos em obtê-la. Rosen (1989) estima o retorno do capital humano como sendo próximo à taxa de retorno do capital físico (cerca de 10%) para um leque amplo de países e diferentes arcabouços institucionais.

A demanda por educação dos indivíduos segue o objetivo de maximizar os fluxos de rendimento ao longo da vida ou, de maneira mais ampla, maximizar a utilidade futura. (Borjas, 1996). A decisão de investir em educação é tomada comparando o fluxo de rendimentos esperados, excluídos os custos associados a sua aquisição, com o valor presente da renda esperada ao não fazer o investimento. Enquanto o primeiro for maior haverá incentivos para que se continue com os estudos.

Diversos fatores influenciam a escolha do nível ótimo de educação e, por conseguinte, a demanda por educação. A taxa de desconto utilizada pelo indivíduo para comparar o valor presente dos rendimentos tem papel determinante na decisão. Pessoas orientadas para o presente ou "curto-prazistas" têm taxas de desconto mais elevadas, o que implica a escolha de uma quantidade ótima de educação menor.2 2 Estudos apontam evidências que corroboram essa teoria, baseadas em estatísticas de saúde que podem ser consideradas como indicativos de orientação para o presente (Fuchs, 1979 apud Ehrenberg e Smith, 2000, p. 326). A idade influencia de maneira importante a escolha educacional. Os jovens têm perspectiva de usufruir dos benefícios da educação adquirida por mais tempo. Além disto, usualmente o custo de oportunidade da permanência fora do mercado de trabalho dos jovens é menor relativamente aos mais velhos, que têm maiores ganhos de experiência e maturidade profissional. O aumento da longevidade amplia o período esperado, no qual o indivíduo usufrui dos benefícios da educação e, portanto, amplia a demanda por ensino.3 3 Ferreira e Pessôa (2003), ao analisarem a importância relativa das distorções na acumulação de capital humano, apontam para o papel de destaque da longevidade ao explicar a demanda por educação e o produto de longo prazo da economia Finalmente, aumentos dos custos associados à aquisição de educação reduzem sua demanda, por exemplo, mensalidades mais elevadas ou aumento da taxa de salário da economia (que eleva o custo de oportunidade). Inversamente, subsídios e ajudas de custo aos estudantes aumentam a procura pelos cursos. Nesse sentido, famílias ricas tendem a manter os filhos mais tempo na escola.

Esta teoria enfatiza o papel dos diferenciais de ganhos associados a cada nível de educação para definir sua demanda. Quanto maior o diferencial de ganho alcançado por incrementos na educação, maior o incentivo para adquirir este nível. Os retornos esperados da aquisição da educação são de difícil estimação e apontam a provável influência positiva dos retornos médios dos recém-formados sobre a decisão de investir em educação dos novos estudantes. (Ehrenberg e Smith, 2000). Naturalmente, por se tratar de expectativas em relação aos rendimentos futuros, é razoável esperar que indivíduos avessos ao risco prefiram, para fluxos esperados de renda futura de mesma média, o de menor variância. Os indivíduos buscam obter maiores informações sobre desemprego e dispersão salarial, tentando reduzir a incerteza em torno do rendimento esperado.

Além disso, cabe salientar o importante papel do desemprego sobre cada ocupação ou profissão como indutor de incerteza a respeito dos benefícios futuros da educação naquela área. Picchetti e Menezes-Filho (2001)conduziram estudos que mostram as relações entre incidência e duração do desemprego e educação. Aparentemente, a incidência do desemprego segue uma função com formato de U invertido em relação ao nível educacional, sendo que a probabilidade é crescente com a educação entre 0 e 7 anos de estudo e decrescente a partir deste ponto. Os autores apontam que o primeiro trecho pode estar associado à relação positiva entre participação no mercado de trabalho e educação para o intervalo, e o efeito decrescente, a partir de então, seria explicado pela valorização do capital humano adquirido com a educação.

3. A ESCOLHA DE CARREIRA

Dado que os indivíduos decidem investir em ensino superior, como eles definem o curso ou carreira a ser trilhada? A decisão de investimento em capital humano pode ser separada em partes, cada uma com sua própria taxa de retorno. (Benewitz e Zucker, 1971). Desta forma, os indivíduos decidem a cada etapa se devem ou não prosseguir com os estudos.

Fatores como renda, perspectiva de empregabilidade, taxa de retorno, status associado à carreira ou vocação fazem parte do processo de decisão individual. Espera-se que uma pessoa escolha a carreira que lhe proporciona o maior fluxo esperado de utilidade dentre todas as opções. A renda e a taxa de retorno recebem papel de destaque na literatura sobre o tema. Todavia, os trabalhos sobre a escolha por determinada carreira são menos difundidos.

Ehrenberg (2004) afirma: "Estudantes precisam decidir não apenas qual Universidade frequentar, mas também que áreas específicas estudar e que carreira entrar. Não surpreendentemente, as escolhas de cursos dos estudantes são fortemente influenciadas pelas oportunidades econômicas nas ocupações para as quais um curso os prepara, pelas condições não-pecuniárias de emprego nestas ocupações, pela sua aptidão acadêmica e pela composição de gênero das pessoas que já exercem esta ocupação."(Ehrenberg, 2004, p. 24. Tradução nossa).

Wilkinson (1971) analisa a diferença da taxa de retorno para diferentes ocupações e algumas carreiras, concluindo que as diferentes taxas de retorno entre os cursos podem influenciar as decisões de investimento dos estudantes. A teoria do capital humano prevê que os retornos associados ao curso superior sejam consideráveis mesmo para trabalhadores que não desempenham funções típicas de sua carreira, já que o ensino aumenta sua produtividade de maneira geral, ainda que talvez seu efeito fosse mais pronunciado para tarefas específicas à sua profissão.

O processo de escolha do curso superior a ser trilhado pode ser encarado de duas maneiras diferentes no que diz respeito à forma como os indivíduos são capazes de analisar o retorno esperado de cada carreira. A primeira abordagem afirma que os agentes são incapazes de fazer previsões adequadas sobre o futuro, sendo que neste caso a melhor previsão possível é obtida por meio da última informação disponível para comparar os diferenciais entre carreiras. De outra forma, pode-se considerar que as pessoas prevêem adequadamente o futuro, sendo estas as que guiarão o processo de escolha profissional. Todavia, seria muito otimista acreditar que um jovem ao escolher sua profissão (ou mesmo um profissional experiente) tenha a capacidade de prever de forma minimamente correta o desempenho de sua carreira em relação a todas as demais num horizonte amplo de tempo. Portanto, o mais adequado seria crer que o indivíduo considera o passado recente e suas previsões para um curto período de tempo futuro, para o qual estas são confiáveis.

Narita e Fernandes (2000) estimam para 38 carreiras as taxas de retorno por ano de estudo associadas à conclusão do curso de graduação para indivíduos que trabalham em ocupações típicas nos anos de 1980 e 1991. Eles encontram maiores rendimentos médios dentro da mesma carreira entre os profissionais que exercem funções típicas, corroborando a teoria. Os diferenciais pecuniários associados ao ensino superior encontrados são bastante significativos e os autores argumentam que, como esperado, as carreiras com rendimento mais elevado são as mais concorridas no vestibular.

Vale notar que, mesmo para o curso com menores retornos, existe um prêmio razoável em relação aos trabalhadores que concluíram apenas o ensino médio. Todavia, ao estimar a renda que espera receber escolhendo determinado curso, não ponderamos somente o rendimento médio esperado, mas também a dispersão dos rendimentos e a chance de ficar desempregado. O desemprego esperado de uma carreira, assim como o desvio padrão dos rendimentos influem na incerteza com relação aos "fluxos de utilidade" esperados do indivíduo e na decisão do estudante.

Desta forma, a análise mais correta seria a que um indivíduo escolhe uma determinada carreira tendo em vista uma alocação ótima de risco e retorno entre cada carreira. Claramente, ambos os conceitos são subjetivos; em nossa análise empírica, estes fatores estão associados à renda (retorno) que se espera auferir ao escolher determinada profissão e às medidas de dispersão e parada de rendimentos dadas pelo desvio padrão da renda e pelo desemprego (risco).

Fatores mais subjetivos também influenciam as escolhas de carreira entre pessoas. O status que uma carreira proporciona pode ser desejado por muitos ingressantes no curso superior. Por exemplo, graduados em cursos tradicionais como Direito, Medicina e Engenharia gozam de certas "vantagens" associadas às prerrogativas de suas carreiras, contatos que elas proporcionam ou prestígio.

Existe ainda outro fator que pode influenciar a demanda por um curso específico, especialmente notável no caso brasileiro, a concorrência no concurso de admissão para a universidade. Não é raro encontrar estudantes matriculados no ensino superior que afirmam ter escolhido um curso em detrimento a outro por ser mais "fácil" ingressar neste. É razoável imaginar que os alunos que adotam este tipo de postura provavelmente estavam próximos à indiferença entre os dois cursos, observando-se os critérios descritos anteriormente, de tal sorte que a concorrência e a probabilidade de sucesso no vestibular4 4 Para maiores detalhes sobre os determinantes de sucesso para ingresso na Universidade de São Paulo, ver Emílio (2002). desempenharam o papel de pivô no "desempate" entre as carreiras. Adiante serão discutidas as dificuldades de mensurar e utilizar esta variável em um modelo estatístico.

Obviamente, características individuais das pessoas podem ter impacto decisivo nas escolhas de educação superior feitas. Arcidiacono (2004) destaca o papel das habilidade individual como mecanismo de auto-seleção na escolha de diferentes majors por alunos norte-americanos. Naquele trabalho, é desenvolvido um modelo dinâmico de escolha da universidade e do major5 5 A divisão de majors adotada por Arcidiacono (2004) foi: Ciências Naturais, Business, Ciências Humanas e Educação. pelos estudantes em três estágios na tentativa de controlar o efeito do mercado de trabalho, universidade e habilidade, conjuntamente, na avaliação da decisão do estudante.

Outro fator individual na opção de graduação é a vocação do indivíduo. As pessoas apresentam diferentes mapas de preferências e, neles, cada indivíduo escolhe a combinação de atividades que maximiza sua utilidade. Dentre as atividades a serem definidas estão as profissionais e, portanto, quanto mais próximo à indiferença entre duas carreiras uma pessoa estiver, maior deve ser a relevância de fatores como a renda esperada na sua escolha.

4. BASES DE DADOS

A maior dificuldade na obtenção dos dados necessários para testar os determinantes da escolha por uma carreira é a falta de estatísticas confiáveis para a demanda pela educação. Ehrenberg e Smith (2000) sugerem o uso da evolução no número de vagas por curso como proxy da sua demanda. Os próprios autores apontam para distorções que esta medida pode causar. Para o Brasil, não existem boas estatísticas sobre vagas ofertadas para períodos mais longos. Os dados mais confiáveis nesse sentido seriam os de oferecimento de vagas nas universidades públicas, que apresentam rigidezes ao longo do tempo, dadas as restrições do financiamento público e a burocracia envolvida na abertura das mesmas. Além disso, nem todos os estudantes que desejam ingressar no ensino superior conseguem fazê-lo. Assim, o número de vagas subestima a demanda pela educação superior por não observar estes "excedentes".

Desta forma, como proxy para a demanda por educação optou-se pela utilização de estatísticas do vestibular da Fuvest6 6 Fundação Universitária para o Vestibular, responsável pela elaboração e coordenação do vestibular mais concorrido do País, que serve como acesso para a Universidade de São Paulo, entre outras faculdades. como número de inscritos, número de candidatos por vaga e nota de corte. Foram calculadas as proxies da procura por carreira utilizando a média de dois anos. Para o conjunto de determinantes de 1991 e 2000 utilizaram-se dados da Fuvest referentes aos períodos 1990-1993 e 1999-2002,7 7 Vale salientar que a prova do vestibular aplicada em 1999 para ingresso no curso superior em 2000 é chamada Fuvest 2000. Desta forma, os períodos utilizados correspondem a Fuvest 1991-1994 e 2000-2003. respectivamente.

Qualquer uma das três maneiras de aproximar a demanda pelos cursos merece qualificações. A relação número de candidatos por vaga, apesar de ser uma medida razoável da diferença de competitividade pelas vagas de cada curso, é distorcida na medida em que pode oscilar bruscamente em caso de mudança na quantidade de vagas oferecidas, além de superestimar a quantidade de pleiteantes por cursos com oferta muito restrita e subestimá-la em carreiras com oferta razoavelmente ajustada. A nota de corte8 8 Nota de corte é a nota mínima necessária para ser convocado para a 2ª fase do vestibular da Fuvest. Usualmente são convocados aproximadamente três candidatos por vaga para esta fase. apresenta problemas semelhantes, ao proporcionar uma comparação relativa entre os cursos, eventualmente ocultando a demanda absoluta. Não é possível determinar de maneira precisa qual o fator responsável por mudanças na nota de corte. Estas podem ser causadas por melhor preparo e melhoria da qualidade dos candidatos àquela carreira, adoção de provas relativamente mais fáceis nas disciplinas em que os candidatos daquele curso apresentam vantagens comparativas ou propriamente um aumento na demanda pela carreira. Além disto, a nota de corte de algumas carreiras é divulgada pela Fuvest de maneira agregada e, portanto, não disponibilizadas na abertura exata utilizada aqui.

Já a utilização do número absoluto de inscritos ignora o fato de que variações de igual montante de pleiteantes às vagas de cursos diferentes podem ter impactos relativos não semelhantes. Apesar disto, para nossos objetivos, o número de inscritos é a aproximação mais indicada, já que, além de suas distorções serem relativamente menos importantes, seu uso facilita a interpretação dos resultados.

Para observar os determinantes das inscrições por carreira foram utilizados dados dos censos demográficos produzidos pelo IBGE9 9 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 1991 e 2000. Os dados de renda de 1991 foram inflacionados pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE, de tal sorte que todos os dados de renda fossem mensurados em reais de setembro de 2000, mês no qual houve a coleta dos dados do censo. Foram selecionados apenas dados do Estado de São Paulo, considerada a amostra compatível com os dados da Fuvest. Excluíram-se os indivíduos com menos de 18 e mais de 70 anos, os primeiros porque usualmente não concluíram (ou mesmo ingressaram) no nível superior, os mais idosos foram retirados por, geralmente, já estarem aposentados e, desta forma, seus rendimentos não necessariamente refletirem as condições do mercado de trabalho.10 10 Além disso, para o ano de 2000, não foram considerados indivíduos com renda superior à R$ 500.000,00 por não serem repre-sentativos da situação real do mercado de trabalho brasileiro. Nesta amostra, foram calculadas a média e a variância da renda principal e da remuneração principal ajustada pela jornada de trabalho dos indivíduos com formação superior, além do desemprego médio para 28 carreiras. 11 11 Os resultados de todos os cursos se encontram na Tabela 2. ,12 12 A carreira "Militar", no censo, foi associada aos dados do vestibular na carreira Oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo, cujo ingresso na Academia de Polícia do Barro Branco é via Fuvest. No início da década de 1990, o processo seletivo não utilizava esta prova e, portanto, esta observação foi omitida na amostra utilizada para as estimações referentes a 1991. Os cursos foram escolhidos para compatibilizar os dados disponibilizados pela Fuvest com a abertura de formação educacional do censo.

A comparação entre rendas dos dois períodos deve ser cautelosa, pois a metodologia de aferição e definição da renda mudou entre os censos.13 13 Agradecemos aos técnicos do IBGE pelo esclarecimento destes pontos. Os rendimentos considerados em 1991, por exemplo, eram os últimos recebidos pelo indivíduo que houvesse trabalhado ao menos em parte dos últimos doze meses. Considerando-se a alta inflação no período, isto distorce os agregados de renda por carreira.

Em relação ao desemprego médio para o ano de 1991, também cabem ressalvas, já que naquela pesquisa foi considerado ocupado o cidadão que trabalhou durante todos ou parte dos últimos 12 meses, de tal sorte que os números de desemprego obtidos nesta base tendem à subestimação. Além disso, mesmo que observadas no mesmo período de tempo, as diferenças do desemprego entre carreiras podem ser distorcidas, por exemplo, no caso de haver taxas de rotatividade diferenciadas entre as carreiras.

Os dados obtidos do censo mostram um amplo leque de rendimentos médios para as diferentes categorias. As conclusões tornam-se mais claras se observarmos os rendimentos em relação a uma base fixa. Foi calculada a diferença porcentual de rendimentos em relação à carreira de agrônomo. O desemprego também é apresentado como a diferença em pontos porcentuais da taxa de desemprego em relação ao desemprego dos agrônomos. Este procedimento permite a comparação menos distorcida entre os dados de 1991 e 2000.14 14 Apesar de esta transformação tornar menos imprecisa a comparação entre as taxas de desemprego dos dois períodos, considera-se um erro de medida homogêneo e sistemático. Desta forma, mesmo assim deve-se ter cautela ao compará-los.

O maior diferencial de rendimento ajustado pela jornada de trabalho para o ano de 2000 é encontrado para a carreira Medicina, seguido por Engenharia e Economia. Na ponta oposta estão formações como Geografia, Pedagogia e Educação Física. A alteração nestes diferenciais entre os dois cortes de tempo serve como indicativo da evolução da oferta e demanda relativa por estas formações no mercado de trabalho, como observado na Figura 2. A carreira de geólogo apresentou diferencial de rendimentos muito expressivo no ano de 1991, superando inclusive Medicina. Mesmo para 2000, continua apresentando diferencial da ordem de 20% em relação aos agrônomos. Este resultado pouco intuitivo, dada a menor atenção usualmente atribuída a esta carreira, pode estar relacionado ao crescimento expressivo das operações da Petrobrás nas últimas décadas.


A carreira de Psicologia apresentou a maior variação nos diferenciais dentre as carreiras, passando de uma vantagem de 15,8% para uma perda de 19,8% em relação à carreira base. Outras carreiras que apresentaram perdas relativas expressivas na década de 1990 foram, por exemplo, Farmácia, Biblioteconomia e História. Concomitantemente, fica patente o ganho de carreiras como Medicina e Militar. No primeiro caso, provavelmente associado ao aumento de demanda relativa por este curso num período de relativa estagnação nas vagas oferecidas. Contrariamente, a tradicional carreira de Direito apresentou importante redução no diferencial de rendimentos, da ordem de 9,8%; neste caso, a proliferação de cursos de Direito observada naqueles anos pode ter levado à queda.

A observação do desemprego nos fornece indícios de como o lado da demanda por estas qualificações se apresenta num determinado momento do tempo. Medicina e carreira militar, por exemplo, permanecem com níveis relativamente baixos de desemprego, assim como Odontologia. Estes mercados notoriamente têm oferta de mão-de-obra pouco elástica e demanda vinculada ao crescimento da população, urbanização e cultura. Ao mesmo tempo, o aumento do desemprego relativo entre os arquitetos e psicólogos ajuda a explicar a queda no diferencial de rendimentos durante a década. Estes resultados corroboram a abordagem de Langoni (1973) e Menezes-Filho (2001), entre outros.

Com relação à medida de concorrência vale a pena frisar que é difícil testar isto diretamente já que as medidas usuais de competição no vestibular são determinadas simultaneamente ao número de inscritos. Por exemplo, a relação candidato por vaga depende, obviamente, do número de inscritos, desta forma os dois são determinados simultaneamente. A mesma coisa ocorre com a nota de corte. Ainda pode-se aventar a possibilidade de utilizar o número de vagas como medida da dificuldade, já que este não seria influenciado no curto prazo pelo número de inscritos. Todavia, no longo prazo, o número de vagas tende a ser influenciado pela demanda. Além disto, a oferta de vagas por outras faculdades tornaria menos "arriscado" competir por uma vaga em cursos mais concorridos, já que sempre haveria uma alternativa à Universidade de São Paulo.

Apesar da possibilidade de que a demanda por uma carreira e o número de vagas serem simultaneamente determinados, é razoável supor que, devido à rigidez para a oferta de novas vagas nos cursos de graduação da USP, podemos desprezar este efeito no curto prazo. Tendo isto em mente, e conscientes das limitações deste exercício, incluímos o número de vagas como proxy da concorrência no vestibular. Por ser uma medida inversa da competição, o sinal esperado do coeficiente associado a esta variável no modelo é positivo.

Infelizmente no Brasil, as bases de dados que propiciam acesso a microdados de estudantes, seu desempenho e características no momento da escolha do curso superior são escassas. Desta forma, a análise produzida aqui não possibilita a análise de questões relativas às características individuais citadas na seção anterior, que enriqueceriam o trabalho. Entretanto, a opção de utilizar dados agregados, associados à estimação por painel com efeitos-fixos resolve eventuais problemas de variáveis não observáveis como habilidade, considerando-se que a habilidade média dos estudantes em cada curso é fixa no período estudado.

Da mesma forma, boas variáveis instrumentais para nosso modelo também são difíceis de se obter, dada a baixa ocorrência de pesquisas que contemplem o curso superior obtido pelo indivíduo como variável de pesquisa.

5. MODELOS ECONOMÉTRICOS

Com relação à escolha da proxy para demanda pelo curso, o número de inscritos é a variável aparentemente mais adequada ao objetivo e que apresenta as menores distorções, como visto na Seção 4. A especificação proposta para estimar a influência dos fatores objetivos associados à opção de carreira é:

Sendo que é o seu rendimento médio, DP(Y) o desvio padrão deste rendimento, U é a taxa de desemprego, Conc é a concorrência na carreira e eit é o termo aleatório que afeta o número de inscritos, que varia entre as carreiras e ao longo do tempo. Os sinais esperados de b1, b2, b3 e b4 são: positivo, negativo, negativo e negativo, respectivamente. Os subscritos i e t indicam que temos observações tanto na dimensão espacial como temporal. O termo ¦1 representa o efeito específico a cada unidade, que procura capturar todas as características não observáveis inerentes à carreira e invariantes ao longo do tempo. Estas características possivelmente estão correlacionadas com o termo aleatório e com as variáveis explicativas, de forma que sua exclusão impossibilitaria o processo de identificação da relação de interesse. O termo dt identifica as variáveis binárias anuais, que capturam os efeitos não observáveis que afetam todas as carreiras num determinando período de tempo. Sua inclusão permite a identificação da relação causal mesmo no caso em que variáveis macroeconômicas estejam correlacionadas com as variáveis explicativas.

A presença de uma matriz de co-variâncias não-diagonal, devido ao efeito específico (mesmo não correlacionado com a renda média da carreira, por exemplo) faz com que o estimador de Mínimos Quadrados Ordinários seja menos eficiente que o estimador de Mínimos Quadrados Generalizados. No caso de dados em painel, o estimador de Mínimos Quadrados Generalizados é chamado de estimador de Efeitos Aleatórios. Este estimador pondera os dados utilizando a matriz de co-variâncias. A idéia é dar maior peso para as observações cujos termos aleatórios sejam realizações de variáveis aleatórias com menor variância.

O grande problema com o estimador de Efeitos Aleatórios é que a hipótese de não correlação dos efeitos específicos com os regressores, no nosso caso a renda média da profissão, é muito difícil de ser sustentada. Desta forma, o mais usual é tratar os efeitos específicos como parâmetros a serem estimados, e aplicar Mínimos Quadrados Ordinários ao modelo com uma constante para cada unidade observacional. Este é o modelo de Efeitos Fixos, numericamente igual ao modelo que transforma tanto a variável dependente quanto as independentes em desvios com relação à média de cada unidade e aplica Mínimos Quadrados Ordinários aos dados transformados. Como os efeitos são fixos na dimensão temporal, esta transformação elimina estes efeitos antes do processo de estimação.

Vale destacar que a estimação pelo modelo de Efeitos Fixos faz o controle por meio de todos os fatores específicos de cada profissão invariantes no tempo. Tendo em vista a discussão da Seção 3, pode-se considerar que o efeito fixo incluído no modelo capta, por exemplo, o impacto das diferenças nos custos diretos e indiretos de trilhar cada curso, o prestígio que a sociedade eventualmente associa àquela carreira e a habilidade média dos alunos. Adicionalmente, o fato de utilizarmos exclusivamente dados referentes ao processo de admissão para a Universidade de São Paulo controla eventuais problemas de seleção que surgiriam ao se compararem candidatos a universidades com diferentes perfis. Estes pontos tornam o modelo de efeitos fixos bastante adequado para este exercício.

6. RESULTADOS

Nesta seção estimamos associação entre o número de inscritos em um curso e a renda média das pessoas formadas, o desvio padrão da renda e a taxa de desemprego média. Os modelos foram estimados usando os dados em painel descritos na seção anterior, utilizando modelos de efeitos aleatórios e de efeitos fixos, para controlar por fatores não observáveis específicos para cada carreira, que são constantes ao longo da dédada. Para operacionalizar as regressões, procedemos da seguinte forma: verificamos a associação entre a renda passada dos formados (medida pelos censos de 1991 e de 2000) sobre o número médio de inscritos por curso dos anos 1992-1993 e 2001-2002, respectivamente, sob a hipótese de miopia, que considera que os futuros profissionais não são capazes de fazer previsões adequadas sobre o futuro. Neste caso, a melhor previsão possível é obtida por meio da última informação de renda disponível. No ApêndiceApêndice verificamos a associação entre a renda (medida pelos censos de 1991 e de 2000) sobre a média dos inscritos nos anos de 1990-1991 e 1999-2000, sob a hipótese de previsão perfeita. Os resultados principais encontram-se na Tabela 3, a seguir.15 15 Os desvios padrão são reportados entre parenteses abaixo do coeficiente respectivo. Todos os desvios padrão são obtidos de forma robusta.

É importante ressaltar que, mesmo após a inclusão dos efeitos específicos, os coeficientes estimados podem ainda sofrer de viés de variável omitida, na medida em que existam outros fatores não observados variantes no tempo que sejam correlacionados tanto com as mudanças na renda média da carreira como com as mudanças no número de inscritos. Assim, é preciso ter cautela antes de interpretar os coeficientes estimados como refletindo relações causais da renda sobre o número de inscritos.

Podemos ver na tabela que a renda dos profissionais é positivamente correlacionada com o número de inscritos em 1991, 2000, tanto nos modelos de efeitos fixos como nos modelos de efeitos aleatórios. O coeficiente é estatisticamente diferente de zero nos níveis convencionais em ambas as especificações.

O desvio padrão da renda, como uma proxy para a variabilidade da mesma, também teve o sinal de seu coeficiente estimado da forma esperada, ou seja, negativo, apesar de estatisticamente insignificante nos níveis convencionais em todos os exercícios. Já os coeficientes associados à taxa de desemprego não foram significantes com coefiecientes próximos de zero e alterações de sinal nas análises que consideram a formação de expectativas com base no passado, impedindo uma avaliação sobre sua relevância e associação com o número de inscritos. Vale lembrar que as alterações sobre a maneira de mensurá-lo pelo IBGE podem estar na raiz deste resultado.

O número de vagas foi incluído como uma variável de controle adicional e atraiu um coeficiente positivo, de acordo com o esperado, e estatisticamente significante nas estimações que se valeram do método de Efeitos Aleatórios. Fica claro, porém, que a influência de vagas perde significância quando passamos às estimações por Efeitos Fixos. Isto é provavelmente relacionado ao fato de o número de vagas variar relativamente pouco entre os períodos, apontando para a rigidez da oferta de vagas presente em universidades públicas no Brasil.

As dummies de ano são não-significantes na definição do curso em nenhuma das especificações, indicando poucas alterações nos determinantes médios de escolha das pessoas ao longo da década de 1990. A inclusão desta dummy continua importante no sentido de evitar a contaminação de efeitos típicos de cada ano nas estimações utilizando a técnica de painel.

O principal resultado que aparece nas tabelas é que a variável renda média da profissão continua a ter uma associação positiva e forte na escolha da carreira, mesmo após o controle por efeitos específicos de cada profissão, e invariantes no tempo, como status, custos diretos e indiretos associados e estigma da carreira. Isto significa que as carreiras cujos profissionais obtiveram um aumento do salário entre 1991 e 2000 tiveram um aumento na procura no mesmo período! De fato, as estimações com técnicas de painel indicam que a elasticidade do número de inscritos com relação à renda dos profissionais na carreira fica em torno de 2.

A Tabela A1, no ApêndiceApêndice, mostra o resultado da regressão que mede associação entre a renda (medida pelos censos de 1991 e de 2000) e a média dos inscritos nos anos de 1990-1991 e 1999-2000, ou seja, sob a hipótese de previsão perfeita. Nestas regressões, a variável renda só é significante no modelo de efeitos aleatórios, ou seja, quando controlamos pelas características não observáveis das profissões (modelos de efeitos fixos), a variável perde significância. Isto pode significar que os modelos que assumem miopia são mais apropriados para capturar a escolha profissional dos agentes.

7. CONCLUSÕES

Apesar do avanço nas últimas décadas no campo de pesquisa ligado à demanda por educação, especialmente sobre os níveis ótimos de educação adquiridos pelos indivíduos, os determinantes da escolha por uma carreira específica continuam relativamente pouco estudados.

Os desenvolvimentos teóricos nesta área apontam para a maximização intertemporal da utilidade dos indivíduos como fator-chave desta decisão. Com o objetivo de desagregar seus componentes, analisamos diversos fatores que atuam sobre a utilidade dos agentes: rendimento esperado, dispersão dos rendimentos, empregabilidade, vocação, status e concorrência para o ingresso na universidade.

Propusemos um modelo que verificasse a influência de fatores associados ao desempenho dos profissionais de uma determinada carreira no mercado de trabalho sobre a procura por estudantes desta formação superior. A observação da realidade fornece indícios que sustentam as hipóteses da teoria de tomada de decisão dos agentes.

As estimações apontam consistentemente para uma associação positiva entre o rendimento em períodos recentes dos profissionais de uma formação e o número de inscritos no vestibular para a carreira. Os coeficientes indicam o desvio padrão dos rendimentos a impactar negativamente, como previsto pela teoria, ainda que os resultados não sejam estatisticamente significantes. O desemprego não se demonstrou importante como variável explicativa para o número de inscritos para o vestibular na carreira, ainda que a maioria dos coeficientes estimados tenha sinais negativos, em linha com a teoria. Seria importante obter medidas mais confiáveis desta variável antes de descartá-la definitivamente como relevante na tomada de decisão de carreira dos agentes. Fica claro que, especialmente no caso da dispersão dos rendimentos, não se deve descartar seu impacto negativo, atuando como gerador de incerteza sobre o fluxo futuro de utilidade dos agentes. A concorrência no vestibular, aproximada pelo número de vagas disponíveis em cada curso, teve coeficientes significantes e importantes nas regressões de Efeitos Aleatórios. Todavia, estes resultados devem ser interpretados com cautela, já que esta estatística pode estar sujeita à determinação simultânea em relação ao número de inscritos. No exercício utilizando a técnica de Efeitos Fixos, esta variável não foi significante, provavelmente pela sua parca variação ao longo do período observado, que reflete a rigidez na oferta de vagas em universidades públicas brasileiras como a USP.

Mesmo filtrando a influência destes fatores, o número de inscritos nos vestibulares para os cursos ainda permanece com grande parcela inexplicada. É importante prosseguir com o esforço de mensurar e controlar a influência de outros fatores nesta análise como, por exemplo, habilidade individual e vocação. Neste ponto, o desenvolvimento de bases de dados que acompanhem o desempenho escolar dos estudantes, sua escolha de ensino superior e sua trajetória no mercado de trabalho seriam de grande valia para a avaliação mais precisa deste fenômeno.

Os resultados encontrados levam à conclusão de que o processo de escolha da carreira a ser seguida, apesar de depender da situação recente do mercado de trabalho, também é fortemente influenciado por fatores subjetivos e, portanto, de difícil acompanhamento pelas políticas públicas. Torna-se latente a busca por um sistema de ensino superior mais flexível e que tenha condições de se adaptar continuamente às demandas da sociedade, bem como reduzir o "gargalo" educacional observado na educação superior brasileira nas últimas décadas, tanto no oferecimento de vagas quanto nos custos para adquirir este nível. Desta forma, a população egressa do ensino médio poderia aproveitar os altos retornos da educação no Brasil, favorecendo a mobilidade social, ajuste dos mercados de trabalho e educacional, além de contribuir positivamente para o desenvolvimento de longo prazo do País.

Recebido em julho de 2005. Aceito para publicação em dezembro 2007.

* Agradecemos a dois pareceristas anônimos por comentários que ajudaram a enriquecer o texto.

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Apêndice

  • Endereço para contato:

    IBMEC-SP
    Rua Quatá, 300
    São Paulo - SP - CEP: 04646-042
  • 1
    Na literatura internacional, Arcidiacono (2004) se destaca nos esforços de compreensão e mensuração dos determinantes da escolha do major cursado por alunos nas Universidades norte-americanas.
  • 2
    Estudos apontam evidências que corroboram essa teoria, baseadas em estatísticas de saúde que podem ser consideradas como indicativos de orientação para o presente (Fuchs, 1979
    apud Ehrenberg e Smith, 2000, p. 326).
  • 3
    Ferreira e Pessôa (2003), ao analisarem a importância relativa das distorções na acumulação de capital humano, apontam para o papel de destaque da longevidade ao explicar a demanda por educação e o produto de longo prazo da economia
  • 4
    Para maiores detalhes sobre os determinantes de sucesso para ingresso na Universidade de São Paulo, ver Emílio (2002).
  • 5
    A divisão de
    majors adotada por Arcidiacono (2004) foi: Ciências Naturais,
    Business, Ciências Humanas e Educação.
  • 6
    Fundação Universitária para o Vestibular, responsável pela elaboração e coordenação do vestibular mais concorrido do País, que serve como acesso para a Universidade de São Paulo, entre outras faculdades.
  • 7
    Vale salientar que a prova do vestibular aplicada em 1999 para ingresso no curso superior em 2000 é chamada Fuvest 2000. Desta forma, os períodos utilizados correspondem a Fuvest 1991-1994 e 2000-2003.
  • 8
    Nota de corte é a nota mínima necessária para ser convocado para a 2ª fase do vestibular da Fuvest. Usualmente são convocados aproximadamente três candidatos por vaga para esta fase.
  • 9
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
  • 10
    Além disso, para o ano de 2000, não foram considerados indivíduos com renda superior à R$ 500.000,00 por não serem repre-sentativos da situação real do mercado de trabalho brasileiro.
  • 11
    Os resultados de todos os cursos se encontram na
  • 12
    A carreira "Militar", no censo, foi associada aos dados do vestibular na carreira Oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo, cujo ingresso na Academia de Polícia do Barro Branco é via Fuvest. No início da década de 1990, o processo seletivo não utilizava esta prova e, portanto, esta observação foi omitida na amostra utilizada para as estimações referentes a 1991.
  • 13
    Agradecemos aos técnicos do IBGE pelo esclarecimento destes pontos.
  • 14
    Apesar de esta transformação tornar menos imprecisa a comparação entre as taxas de desemprego dos dois períodos, considera-se um erro de medida homogêneo e sistemático. Desta forma, mesmo assim deve-se ter cautela ao compará-los.
  • 15
    Os desvios padrão são reportados entre parenteses abaixo do coeficiente respectivo. Todos os desvios padrão são obtidos de forma robusta.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      Dez 2007
    • Recebido
      Jul 2005
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