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A política fiscal e as taxas de juros nos países emergentes

Resumos

O estudo analisa o papel da política fiscal sobre as taxas de juros de 18 países emergentes no o período 1996-2008. A questão se justifica, na medida em que, estes países são heterogêneos em muitos aspectos tais como sistema de metas inflação, taxa de poupança, nível de reservas, regime cambial e político; diferenças que podem também afetar a relação entre política fiscal e os juros. O resultado mostra que, mesmo considerando a heterogeneidade diversa dos países emergentes incluídos na amostra, não é possível rejeitar a hipótese de que uma política baseada na austeridade fiscal diminui a taxa de juros doméstica. Um aumento de 1% no superávit primário reduz entre 550 a 100 pontos base os juros, valor três vezes superior ao estimado em Aisen & Hauner (2008) para economias emergentes. Este resultado ilustra a importância da política fiscal na determinação das taxas de juros nos países emergentes, e, portanto, as limitações que o Banco Central se submete no exercício da política monetária.

Austeridade Fiscal; Determinação da Taxa de Juros; Mercados Emergentes


This paper analyzes the role of fiscal policy sustainability on the determinants of domestic interest rate of 18 emerging market countries, in the period 1996-2008. This issue deserves attention since countries in the sample present a great level of heterogeneity relating to inflation target and exchange rate regime, political system, foreign reserves and saving rates; and such differences may also affect interest rate. Despite the heterogeneity between countries, the result shows that is not possible to reject the hypothesis that fiscal policy sustainability decreases domestic interest rate in emerging markets. An increase of 1% at primary budget decreases interest rate between 50 to 100 basis point; a figure tree times higher than the one estimated by Aisen & Hauner (2008) for emerging economies. This fact illustrates the importance of fiscal policy in determining interest rate in emerging economies and therefore the limitation of central bank in the conduction of monetary policy.

Fiscal Policy Sustainability; Determinants of Domestic Interest Rates; Emerging Market Economies


ARTIGOS

A política fiscal e as taxas de juros nos países emergentes

Ajax MoreiraI; Katia RochaII

ICoordenador de Economia Financeira - IPEA DIMAC. Email: ajax.moreira@ipea.gov.br

IITécnica de Pesquisa e Planejamento - IPEA DIMAC. Email: katia.rocha@ipea.gov.br

RESUMO

O estudo analisa o papel da política fiscal sobre as taxas de juros de 18 países emergentes no o período 1996-2008. A questão se justifica, na medida em que, estes países são heterogêneos em muitos aspectos tais como sistema de metas inflação, taxa de poupança, nível de reservas, regime cambial e político; diferenças que podem também afetar a relação entre política fiscal e os juros. O resultado mostra que, mesmo considerando a heterogeneidade diversa dos países emergentes incluídos na amostra, não é possível rejeitar a hipótese de que uma política baseada na austeridade fiscal diminui a taxa de juros doméstica. Um aumento de 1% no superávit primário reduz entre 550 a 100 pontos base os juros, valor três vezes superior ao estimado em Aisen & Hauner (2008) para economias emergentes. Este resultado ilustra a importância da política fiscal na determinação das taxas de juros nos países emergentes, e, portanto, as limitações que o Banco Central se submete no exercício da política monetária.

Palavras-chave: Austeridade Fiscal, Determinação da Taxa de Juros, Mercados Emergentes.

ABSTRACT

This paper analyzes the role of fiscal policy sustainability on the determinants of domestic interest rate of 18 emerging market countries, in the period 1996-2008. This issue deserves attention since countries in the sample present a great level of heterogeneity relating to inflation target and exchange rate regime, political system, foreign reserves and saving rates; and such differences may also affect interest rate. Despite the heterogeneity between countries, the result shows that is not possible to reject the hypothesis that fiscal policy sustainability decreases domestic interest rate in emerging markets. An increase of 1% at primary budget decreases interest rate between 50 to 100 basis point; a figure tree times higher than the one estimated by Aisen & Hauner (2008) for emerging economies. This fact illustrates the importance of fiscal policy in determining interest rate in emerging economies and therefore the limitation of central bank in the conduction of monetary policy.

Palavras-chave: Fiscal Policy Sustainability, Determinants of Domestic Interest Rates, Emerging Market Economies.

JEL classification: E43; E62; G15

1 Introdução

Até recentemente, estudos sobre a análise da dinâmica macroeconômica enfatizavam apenas os choques de política monetária, negligenciando o papel da política fiscal, fato que segundo Perotti (2002) constitui um infortúnio, uma vez que hámuito mais dispersão de crenças entre os economistas sobre os efeitos da política fiscal sobre a economia se comparado comaqueles relacionados à política monetária.

No entanto, desenvolvimentos recentes, tanto na prática quanto na teoria, têm evidenciado crescente ligação entre a política monetária e fiscal. Diversos autores, entre os quais Sims (2003) e Favero (2004), argumentam que um efetivo sistema de metas de inflação depende da austeridade fiscal, ou seja, de uma política fiscal cujo superávit primário seja freqüentemente ajustado de tal forma que a proporção da dívida em relação ao produto seja mantida constante1 1 A manutenção de um superávit primário constante no caso de choques externos é passível de colocar a dinâmica da dívida emumcaminho instável, podendo ocorrer um equilíbrio indesejável, no qual a política monetária seja ineficaz ou tenha efeitos perversos. . O episódio desencadeado pela crise fiscal em 2010 em alguns países da zona do Euro (Portugal, Irlanda, Itália, Espanha e Grécia) ressaltou ainda mais tal relação entre a austeridade fiscal e as taxas de juros.

De acordo com Gale & Orszag (2004), os efeitos agregados da política fiscal na economia podem ocorrer em três situações distintas: (i) equivalência Ricardiana, onde os déficits fiscais são completamente compensados pelo aumento da poupança dos agentes privados, o que implica em nenhum efeito seja na poupança nacional, nas taxas de juros domésticas, nas taxas de câmbio ou na expectativa futura do produto ou renda doméstica; (ii) pequena economia aberta, onde os déficits fiscais reduzem a poupança nacional, que é totalmente compensada pelo aumento do fluxo de capital externo. Neste caso, os déficits fiscais reduzem a expectativa futura de renda, sem, no entanto, impactar as taxas de juros domésticas ou a expectativa futura do produto; (iii) pequena economia aberta com restrição de fluxo financeiro externo, também conhecida como abordagem convencional, onde os déficits fiscais impactam negativamente a poupança nacional que é apenas parcialmente compensada pelo fluxo de capital internacional, resultando na redução do investimento doméstico, na expectativa futura do produto e na renda doméstica. Neste caso, a redução do investimento é potencializada pelo do aumento das taxas de juros, estabelecendo assim uma relação entre déficit fiscal e taxas de juros.

A literatura econômica que estuda os efeitos da política fiscal sobre as taxas de juros, recai basicamente em testes sobre a hipótese de equivalência Ricardiana. A análise especifica sobre a curva de juros e, em especial, sobre os juros da ponta longa é controversa, e depende do prêmio de risco do mercado, que envolve o risco de liquidez, a aversão ao risco e condicionantes do risco de crédito, como a evolução esperada da dívida pública e da qualidade do ajuste fiscal - se o ajuste é realizado via redução dos gastos ou aumento de receitas.

Laubach (2009) argumenta que estimações acerca dos impactos da política fiscal sobre as taxas de juros é questão não trivial, sendo necessário isolar os efeitos fiscais de outras influências tais como do ciclo de negócios e da política monetária sobre a dívida pública. O autor estuda, para o mercado americano, a relação entre as projeções de déficits e dívidas e o mercado futuro dos juros, verificando uma correlação positiva entre déficits e taxas de juros de longo prazo, concluindo que um aumento de 1% no déficit projetado em relação ao produto acarreta um aumento na taxa de juros de longo prazo de aproximadamente 25 pontos base.

Gale & Orszag (2004) apresentam evidências empíricas para a economia americana que rejeitam a equivalência Ricardiana em favor da visão convencional, ou seja, corroboram o argumento que os déficits fiscais futuros aumentam as taxas de juros de longo prazo. Os autores concluem que um aumento de 1% no déficit primário projetado em relação ao produto aumenta a taxa de juros de longo prazo entre 40 e 70 pontos base.

Finalmente (2008) estendem a literatura ao incluir as economias emergentes através de um modelo de painel, e obtém resultados semelhantes sobre a relação positiva entre déficits fiscais e taxas de juros. Os autores concluem que um aumento de 1% no déficit fiscal eleva as taxas de juros em aproximadamente 26 pontos base, sendo mais robusto e significante para os países emergentes nos períodos recentes, além de depender de termos iterados como altos níveis dívidas e déficits, déficits financiados na sua maior parte no mercado doméstico, baixa abertura de capital e baixo desenvolvimento do mercado financeiro doméstico.

O objetivo desse trabalho consiste em analisar o efeito da austeridade fiscal e da qualidade do ajuste sobre as taxas de juros domésticas em um painel de 18 países emergentes (África do Sul, Argentina, Brasil, Bulgária, Chile, China, Colômbia, Equador, Filipinas, Hungria, Indonésia, Malásia, México, Peru, Polônia, Rússia, Turquia, e Venezuela), no período de janeiro de 1996 a dezembro de 2008. A questão proposta se justifica uma vez que os países da amostra são heterogêneos em muitos aspectos tais como sistema de metas inflação, taxa de poupança, nível de reservas, regime cambial e político; diferenças que podem afetar a relação entre a política fiscal e os juros. O estudo apresenta os seguintes diferenciais:

i) foca em uma amostra países emergentes que, no período analisado, foram os mais sujeitos ao risco de crédito;

ii) discute formas alternativas de medir o esforço fiscal incluindo a medida proposta em Favero (2004) que considera o superávit necessário para uma trajetória sustentável da dívida;

iii) analisa o debate sobre a qualidade do ajuste fiscal, sugerido em Alesina & Perotti (1995), com o ajuste do tipo I, basicamente em despesas correntes, sendo mais efetivo na redução dos juros em detrimento do ajuste tipo II, baseado em aumento dos impostos e cortes no investimento público;

iv) utiliza dados fiscais, apurados e divulgados pelo banco de investimentoJ. P. Morgan (2008), comparáveis entre os 18 emergentes, e que abrangem todo o setor público consolidado2 2 A falta de um banco de dados global das finanças consolidadas do governo geral em relação a países emergentes é notória. As estatísticas fiscais publicadas pelo International Finance Statistics (IFS/FMI) para diversos emergentes referem-se apenas ao governo central, não computando as demais esferas do governo, o que torna inviável a comparação em estudos de painel. O banco de dados fiscais do World Economic Outlook Database utilizado por é incompleto para diversos emergentes incluindo a amostra analisada nesse trabalho. .

v) adota um modelo misto, que combina dados mensais e anuais, o que amplia o tamanho da amostra e aumenta a robustez e a precisão dos resultados3 3 Aisen & Hauner (2008) optam por uma análise qüinqüenal, utilizando em média 3 observações por país emergente. Neste texto utilizamos entre 57 a 300 observações por país. .

A próxima seção apresenta o modelo proposto; a seção e apresentam os resultados; e a última seção conclui.

2 Modelo

O impacto do déficit fiscal na taxa de juros doméstica foi avaliado através do modelo proposto de painel desbalanceado (1) composto pela amostra de 18 países emergentes no período 1996-2008 com dados mensais, especificado segundo a abordagem convencional (pequena economia aberta com restrição de fluxo financeiro externo). A especificação do modelo equivale a uma forma reduzida da relação de longo prazo entre os juros e as variáveis fiscais. Com esta amostra, obtém-se uma relação média que considera uma ampla variedade de estados do ciclo econômico e fiscal dos países em questão.

No modelo proposto, a taxa de juros doméstica é determinada pelas condições internacionais comuns a todos os países e pelas condições domésticas idiossincráticas.

Na (1) j corresponde à taxa de juros doméstica; α ao efeito fixo por país; af e medida de austeridade fiscal e C à s variáveis de controle. Estas últimas são de dois tipos, as mensais: (i) taxa de variação da taxa de câmbio em relação ao dólar (IFS); (ii) taxa de variação do índice de preços do consumidor (IFS); (iii) taxa de juros do título do tesouro americano de maturidade constante de 1 (Federal Reserve Bank); e (iv) o volume de reservas como proporção do PIB (IFS); e as anuais, que são medidas da prudência na condução da política macroeconomica4 4 Saldo comercial (exportação – importação), abertura comercial (exportação + importação), medidas como proporção do PIB e a taxa de variação do PIB real todas disponibilizadas pelo IFS.

Admite-se que o atraso da resposta da taxa de juros é de um mês para alterações da taxa de câmbio e da taxa de inflação e de um ano para alterações da variável fiscal e das variáveis de controle anuais5 5 Se fosse admitido a relação contemporânea com as variáveis anuais ocorreria que a taxa de juros de janeiro estaria sendo explicada, por exemplo, pelo esforço fiscal médio do ano corrente. . Esta hipótese torna estas variáveis predeterminadas, evitando o viés devido à endogeneidade das variáveis fiscais6 6 A hipótese de atraso das respostas é controversa, e por isto fizemos um exercício, não apresentado, utilizando o estimador GMM, que não foi possível ser adotado por não termos encontrado uma lista de instrumentos válidos (fortes e ortogonais ao resíduo) . No caso das variáveis anuais garante ainda que o período de cobertura destas variáveis anteceda o da taxa de juros.

A forma com que o superávit fiscal é obtido é uma indicação da sustentabilidade do ajuste fiscal. Alesina & Perotti (1995) propuseram debater, não somente o ajuste, mas também a qualidade do ajuste fiscal. Argumentam que países onde o ajuste fiscal é realizado via redução dos gastos do governo (Ajuste Tipo I) são mais propensos ao equilíbrio fiscal do que aqueles onde o ajuste se dá via aumento de receitas (Ajuste Tipo II). A hipótese subjacente seria que a redução de gastos, se feita em termos permanentes, indica ganhos de eficiência na operação da máquina pública assim como o aumento da taxação pode indicar um movimento transitório não sustentável politicamente.

O debate sobre a qualidade do ajuste fiscal foi avaliado com o modelo (2). A especificação padrão apresentada anteriormente (1) foi ampliada com a inclusão da receita rit e do gasto público git, ambos normalizados pelo PIB7 7 Vale lembrar que a austeridade fiscal é medida com uma função não linear do superávit, e portanto a inclusão da receita e despesa não implica em colinearidade das variáveis fiscais .

Com relação à variável dependente de juros doméstico (j), utilizamos taxas de juros do IFS: Deposit Rate (jdep) - depósitos em poupança; Discount Rate/BankRate (jdis) - taxa básica de juros da economia estipulada pelo Banco Central e Money Market Rate (jmm) - taxa de curto prazo que vigora entre as instituições financeiras.

A Tabela 1 apresenta o número de observações e a média do nível dos juros por país entre 1996 e 2008, e enfatiza a heterogeneidade do dado, o que implica em uma cobertura diferente para cada país e taxas considerados, sendo uma forma indireta de avaliar a robustez do resultado.

A medida usual do esforço fiscal, o superávit primário, adotada em vários artigos como, por exemplo ? ou Aisen & Hauner (2008), não caracteriza completamente o estado fiscal. Por exemplo, um aumento do superávit pode não ser suficiente para garantir a sustentatibilidade da dívida no longo prazo. FAvero (2004) propõem como medida de esforço fiscal, uma função do desvio entre o superávit primário observado e o requerido para manter estável a relação dívida/PIB. Esta medida tem a vantagem de incluir a noção de sustentabilidade da política fiscal além de enfocar as variações do esforço na vizinhança da condição de estabilidade da dívida.

Nesse estudo, vamos avaliar empiricamente estas questões estimando ambas versões, ou seja, considerando como medida de austeridade fiscal:

a) o superávit primário; e

b) a função utilizada em descrita no Apêndice A Apêndice A A Função de Austeridade Fiscal .

A apuração das variáveis fiscais depende da qualidade da governança dos países e de suas características institucionais, e frequentemente, não consideram no resultado apurado todas as instâncias do governo, como por exemplo, as medidas divulgadas pelo International Finance Statistics - IFS. Nesse estudo, utilizamos dados apurados e divulgados pelo banco de investimento J. P. Morgan (2008), disponíveis apenas na agregação anual, e portanto, optamos por um modelo de freqüências mistas, onde todas as variáveis são mensais exceto a variável fiscal que é suposta igual para todos os meses de cada ano, conforme metodologia apresentada em Klein & Kushnirsky (2005)8 8 O modelo com freqüências mistas foi também utilizado por Gerlach et al. (2010) na discussão dos spreads soberanos da zona do Euro baseada na metodologia de Pesaran & Smith (1995). . Supor que as condições fiscais são constantes ao longo do ano é uma aproximação que parece razoável em um modelo atemporal que pretende medir apenas as relações de longo prazo. Esta hipótese justifica o modelo misto que obtém medidas mais precisas das relações do que a de um modelo anual equivalente9 9 Neste caso em que a variável dependente é mensal e algumas das explicativas é anual, evitamos a perda de informação das variáveismensais, supondo que as variáveis anuais são constantes para todos os meses do ano correspondente, e tratando estatisticamente a eventual autocorrelação/heterocedasticidade dos resíduos que é induzida por este procedimento. Vale lembrar que no caso em que todas as variáveis explicativas são anuais, e a variável dependente é mensal, o valor esperado do estimador deste modelo é igual ao de ummodelo anual emque a variável dependenteé anualizada. , mas implica em erros heterocedásticos. Por isto utilizamos o estimador de Newey & West (1987) que é robusto para heterocedasticidade e autocorrelação serial do erro.

A estimação do impacto da variável fiscal está sujeita ao viés devido a omissão de variáveis correlacionadas, por isto o modelo foi estimado com um efeito fixo por país e com variáveis de controle. O efeito fixo elimina o viés devido à omissão de todas as características dos países que são invariantes no tempo, e as variáveis de controle mitigam o efeito das demais.

A Tabela 2 apresenta o valor médio no período por país relativo à s variáveis fiscais utilizadas para o cálculo da medida de austeridade fiscal proposta por Favero (2004): proporção da dívida pública indexada em moeda estrangeira (mathitde); serviço da divida pública como proporção do PIB (mathitsd); dívida pública total como proporção do PIB (div); superávit primário como proporção do PIB (mathitsp); receita operacional consolidada como proporção do PIB (mathitro); despesa operacional consolidada como proporção do PIB (do). As duas últimas colunas correspondem à média e número de observações relativas à diferença entre o superávit primário observado e o requerido (af).

3 Austeridade Fiscal e os Juros Domésticos

A Tabela 3 apresenta os coeficientes do modelo (1), considerando as duas medidas de austeridade fiscal: a) o superávit primário - sup; b) a função utilizada em Favero (2004) - f(sup-sup*), para diversas variáveis dependentes relativas a juros domésticos:

i) DepositRate (jdep);

ii) Discount Rate/BankRate (jdis);

iii) Money Market Rate (jmm).

Os resultados indicam que:

  • não se rejeita, com significância de 5%, a hipótese de que a medida de austeridade fiscal determina o nível das taxas de juros com o sinal esperado; ou seja, quanto maior a austeridade menor os juros domésticos;

  • o efeito das variáveis de controle mensais: taxa de inflação, juros americanos (treasuries) e taxa de câmbio são significativos e comparáveis praticamente em todos os casos, apresentando o sinal esperado; ou seja, quanto maior a inflação, maior os juros americanos, maior a desvalorização cambial, maior os juros domésticos;

  • a última linha da tabela indica que o efeito do aumento de 1% no superávit primário reduz os juros entre 0.65% e 1,04% ou seja, aproximadamente entre 50 - 100 pontos base para todas as taxas consideradas, sendo o triplo que o estimado em para economias emergentes.

4 A Qualidade do Ajuste Fiscal e os Juros Domésticos

O efeito da qualidade do ajuste será avaliado com a estimação do modelo 2, a primeira considerando apenas o efeito da receita e despesa, e a segunda incluindo a medida de Favero (2004) para o esforço fiscal. A primeira versão tem a desvantagem de não permitir distinguir no tipo de ajuste o grau de esforço fiscal envolvido. A segunda versão que utiliza uma transformação não linear do superávit primário faz esta distinção.

A Tabela 4 apresenta os coeficientes do modelo (2), considerando as duas medidas de austeridade fiscal: a) o superávit primário - sup; b) a função utilizada em Favero (2004) - f(sup-sup*), para diversas variáveis dependentes relativas a juros domésticos:

i) Deposit Rate (jdep);

ii) Discount Rate/BankRate (jdis);

iii) Money Market Rate (jmm).

Os resultados indicam que:

  • os coeficientes da receita e despesa são significativos e tem o sinal esperado, se situando entre 30 e 100 pontos bases. Não se observa, contudo, uma dominação da magnitude do efeito da despesa sobre a receita, não confirmando a hipótese de que o ajuste via redução de despesa (Tipo I) é mais efetivo na redução dos juros;

  • a versão do modelo que inclui a medida de Favero (2004) para o esforço fiscal, não altera substancialmente o efeito da receita/despesa e permite distinguir o efeito do esforço fiscal;

  • na última linha, é apresentado o efeito sobre as taxas de juros do aumento de 1% no superávit primário, tudo o mais constante. Observa-se que os resultados são consistentes com os apresentados na seção anterior, com um efeito entre 50 e 100 pontos base;

  • os efeito das variáveis de controle são semelhantes e consistentes com os apresentados na seção anterior.

5 Conclusão

Até recentemente, estudos sobre a análise da dinâmica macroeconômica enfatizavam apenas os choques de política monetária, negligenciando o papel da política fiscal. No entanto, desenvolvimentos recentes, tanto na prática quanto na teoria, têm evidenciado crescente ligação entre a política monetária e fiscal. O episódio desencadeado pela crise fiscal em 2010 de alguns países da zona do Euro (Portugal, Irlanda, Itália, Espanha e Grécia) ressaltou ainda mais a relação entre a austeridade fiscal e as taxas de juros.

O objetivo desse trabalho consiste em analisar o efeito da austeridade fiscal e da qualidade do ajuste sobre as taxas de juros domésticas em um painel de 18 países emergentes (África do Sul, Argentina, Brasil, Bulgária, Chile, China, Colômbia, Egito, Equador, Filipinas, Hungria, Índia, Indonésia, Kazaquistão, Malásia, México, Peru, Polônia, Rússia, Tailândia, Turquia, Ucrânia e Venezuela), no período de janeiro de 1996 a dezembro de 2008. A questão proposta se justifica na medida em que os países da amostra são heterogêneos em muitos aspectos tais como sistema de metas inflação, taxa de poupança, nível de reservas, sistema cambial e político; diferenças que podem afetar o efeito dos determinantes dos juros. O estudo apresenta os seguintes diferenciais: (i) foca em uma amostra de diversos e heterogêneos países emergentes, que, no período analisado, foram os mais sujeitos ao risco de crédito; (ii) discute formas alternativas de medir o esforço fiscal incluindo a medida proposta em que considera o superávit necessário para uma trajetória sustentável da dívida; (iii) analisa o debate sobre a qualidade do ajuste fiscal, com o ajuste do tipo I, basicamente em despesas correntes, sendo mais efetivo na redução dos juros em detrimento do ajuste tipo II, baseado em aumento dos impostos e cortes no investimento público; (iv) utiliza dados fiscais, apurados e divulgados pelo banco de investimento J. P. Morgan (2008), comparáveis entre os 18 emergentes, e que abrangem todo o setor público consolidado; e (v) adota um modelo misto, que combina dados mensais e anuais, o que amplia o tamanho da amostra e aumenta a robustez e a precisão dos resultados.

O resultado indica que, mesmo considerando a heterogeneidade diversa dos países da amostra, não é possível rejeitar a hipótese de que uma política baseada na austeridade fiscal diminui a taxa de juros doméstica. Um aumento de 1% no superávit primário reduz entre 50 a 100 pontos base os juros domésticos, valor três vezes superior ao estimado em Aisen & Hauner (2008) para economias emergentes. Este resultado ilustra a importância da política fiscal na determinação das taxas de juros nos países emergentes, e, portanto, as limitações que o Banco Central se submete no exercício da política monetária. Uma extensão natural do trabalho é analisar o efeito da política fiscal ao longo de toda a estrutura a termo das taxas de juros.

6 Agradecimentos

Os autores agradecem a Fabio Akira Hashizume (JPMorgan) e Felipe Pinheiro (BNDES) pelas críticas, sugestões e disponibilização de dados, bem como a dois pareceristas do corpo editorial da Revista de Economia Aplicada pelas valiosas sugestões. As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade dos autores não representando necessariamente as opiniões do Ipea.

Recebido em 25 de fevereiro de 2010 .

Aceito em 4 de maio de 2011.

Sejam:

dit (det): dívida interna [externa ou indexadas a US$] no final do período t

git (get): gasto com os juros das respectivas dívidas no período t

ait (aet): amortização líquida das respectivas dívidas realizada em t

Portanto, através da equação de dinâmica da dívida:

Multiplicando-se a dívida externa com a taxa de câmbio média em t e(t) temos a dívida e os gastos denominados na moeda local.

det et = det -1 et + get et - aet et

Dívidindo-se as duas dívidas pelo PIB nominal q(t) temos

Sejam:

Substituindo temos que:

Sejam xt = xit + xet e mt = xet/xt então somando (5) e (6) temos:

onde:

gt: custo de carregamento da dívida = git /qt + get et /qt.

at: superávit primário = ait /qt + aet et /qt.

Seja a* o valor do superávit requerido que mantém constante a dívida pública total como fração do PIB, ou seja x(t) = x(t - 1). Reordenando os termos de (7) temos:

Seguindo Favero (2004), definimos a função abaixo, que identifica o esforço e a austeridade fiscal de cada país.

  • Aisen, A. & Hauner, D. (2008), 'Budget Deficits and Interest Rates: A Fresh Perspective', IMF Working Paper WP/08/42 .
  • Alesina, A. & Perotti, R. (1995), 'Fiscal Expansions and Fiscal Adjustments in OECD Countries', Working Paper 5214 NBER Working Paper Series .
  • Favero, C. (2004), 'Comments on: Fiscal and monetary policy interactions: Empirical evidence on optimal policy using a structural new-Keynesian model', Journal of Macroeconomics 26, 281285.
  • Gale, W. & Orszag, P. (2004), Budget Deficits, National Saving, and Interest Rates, Technical report, Brookings Institution and Tax Policy Center Working Paper.
  • Gerlach, S., Schulz, A. & Wolff, G. (2010), Banking and sovereign risk in the euro area, Technical report, Discussion Paper Series 1: Economic Studies No 09/2010. Deutsche Bundesbank.
  • J. P. Morgan (2008), 'Emerging markets debt and indicators'.
  • Klein, L. & Kushnirsky, F. (2005), 'Econometric modeling at mixed frequencies', Journal of Economic and Social Measurement pp. 251277.
  • Laubach, T. (2009), 'New Evidence on the Interest Rate Effects of Budget Deficits and Debt', Journal of European Economic Association pp. 858 885.
  • Newey, W. & West, K. (1987), 'A Simple, Positive Semi-Definite, Heteroscedastic and Autocorrelation Consistent Covariance Matrix', Econometric 55, 703708.
  • Perotti, R. (2002), Estimating the Effects of Fiscal Policy in OECD Countries, Technical report,Working Paper 168. European Central Bank.
  • Pesaran, M. & Smith, R. (1995), 'Estimating long-run relationships from dynamic heterogeneous panels', Journal of Econometrics 68, 79 113.
  • Sims, C. (2003), Limits to Inflation Targeting. Department of EconomicsWorking Paper, Technical report, Princeton University.

Apêndice A  A Função de Austeridade Fiscal

  • 1
    A manutenção de um superávit primário constante no caso de choques externos é passível de colocar a dinâmica da dívida emumcaminho instável, podendo ocorrer um equilíbrio indesejável, no qual a política monetária seja ineficaz ou tenha efeitos perversos.
  • 2
    A falta de um banco de dados global das finanças consolidadas do governo geral em relação a países emergentes é notória. As estatísticas fiscais publicadas pelo International Finance Statistics (IFS/FMI) para diversos emergentes referem-se apenas ao governo central, não computando as demais esferas do governo, o que torna inviável a comparação em estudos de painel. O banco de dados fiscais do World Economic Outlook Database utilizado por é incompleto para diversos emergentes incluindo a amostra analisada nesse trabalho.
  • 3
    Aisen & Hauner (2008) optam por uma análise qüinqüenal, utilizando em média 3 observações por país emergente. Neste texto utilizamos entre 57 a 300 observações por país.
  • 4
    Saldo comercial (exportação – importação), abertura comercial (exportação + importação), medidas como proporção do PIB e a taxa de variação do PIB real todas disponibilizadas pelo IFS.
  • 5
    Se fosse admitido a relação contemporânea com as variáveis anuais ocorreria que a taxa de juros de janeiro estaria sendo explicada, por exemplo, pelo esforço fiscal médio do ano corrente.
  • 6
    A hipótese de atraso das respostas é controversa, e por isto fizemos um exercício, não apresentado, utilizando o estimador GMM, que não foi possível ser adotado por não termos encontrado uma lista de instrumentos válidos (fortes e ortogonais ao resíduo)
  • 7
    Vale lembrar que a austeridade fiscal é medida com uma função não linear do superávit, e portanto a inclusão da receita e despesa não implica em colinearidade das variáveis fiscais
  • 8
    O modelo com freqüências mistas foi também utilizado por Gerlach et al. (2010) na discussão dos spreads soberanos da zona do Euro baseada na metodologia de Pesaran & Smith (1995).
  • 9
    Neste caso em que a variável dependente é mensal e algumas das explicativas é anual, evitamos a perda de informação das variáveismensais, supondo que as variáveis anuais são constantes para todos os meses do ano correspondente, e tratando estatisticamente a eventual autocorrelação/heterocedasticidade dos resíduos que é induzida por este procedimento. Vale lembrar que no caso em que todas as variáveis explicativas são anuais, e a variável dependente é mensal, o valor esperado do estimador deste modelo é igual ao de ummodelo anual emque a variável dependenteé anualizada.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Recebido
      25 Fev 2010
    • Aceito
      04 Maio 2011
    Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Avenida dos Bandeirantes, 3.900, CEP 14040-900 Ribeirão Preto SP Brasil, Tel.: +55 16 3315-3910 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
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